sábado, 28 de março de 2015

Dispensa legenda

Arte na rua

O verdadeiro ralo da nação


22/02/2015 - Copyleft

ESPECIAL: O verdadeiro ralo da nação

O Brasil precisa dispor de um controle de capitais que permita dar maior poder de induzir e tributar a riqueza, sem gerar maior fuga e mais sonegação.


Joaquim Palhares
Angelo Amboldi / Flickr
Estudos da The Price of Offshore Revisited, coordenados pelo ex-economista-chefe da McKinsey, James Henry, revelam que os brasileiros muito ricos possuíam, até 2010, cerca de US$ 520 bilhões  em paraísos fiscais.

É a quarta maior fortuna do mundo depositada em bunkers do dinheiro frio, francamente adiante do que seria proporcional à oitava economia do planeta.

Essa é mais uma evidência do sofisticado estado das artes das elites -- que se envergonham do governo corrupto -- no quesito sonegação, caixa 2  e demais malabarismos financeiros, favorecidos pela supremacia da desregulação bancária em quase todo o planeta.

Estamos falando de um desvio de recursos da ordem de R$ 1,5 trilhão de reais.

Esse imenso ralo da nação, diante do qual tudo o mais empalidece (inclusive o inaceitável desvio na Petrobrás, da ordem de R$ 4,5 bilhões), tampouco é negligenciável do ponto de vista das grandezas da luta pelo desenvolvimento.

O montante equivale, por exemplo, a tudo o que o BNDES prevê de investimento pesado no Brasil nos setores industrial e de infraestrutura, no quatriênio de 2015 a 2018.

Segundo os cálculos do banco, o efeito multiplicador dessas inversões rebaterá em encomendas da ordem de R$ 830 bilhões ao parque fabril brasileiro: 14%  superiores às do quatriênio anterior.

Portanto, se a fortuna mantida pelos endinheirados nos bunkers internacionais retornasse na forma de investimento produtivo, significaria dobrar – repita-se, dobrar -- o impulso de expansão industrial, logística e encomendas na dinâmica econômica brasileira até o final da década.

Essa é uma pequena amostra dos impactos decorrentes da forma como a plutocracia local resolveu inserir-se nas cadeias globais da riqueza.

O fato de sete a oito mil contas de brasileiros reunirem outros US$ 7 bilhões clandestinamente remetidos à subsidiária suíça do HSBC, ao lado de depósitos de procedência igualmente sugestiva feitos por  traficantes e terroristas internacionais, apenas confirma o principal.

O principal é que não faltam recursos para o Brasil deflagrar um novo ciclo de desenvolvimento.

Tampouco para dispor de contas fiscais razoavelmente equilibradas, sem recorrer ao arrocho sobre direitos dos trabalhadores, ou dos investimentos do Estado.

A aplicação de uma alíquota camarada de 20% sobre esses US$ 520 bi, por exemplo, pagaria um ano do escandaloso juro incidente sobre a dívida pública brasileira – cujo crescimento decorre em grande parte da incapacidade estatal de taxar as fortunas e heranças, entre outros, dos detentores desse pecúlio clandestino.

A tentativa de se construir por aqui um Estado social que assegure aos sem riqueza os mesmos direitos daqueles que enxergam no espaço público a mera extensão do interesse privado, esbarra assim em uma sabotagem fiscal clandestina que age em sintonia com a luta ideológica explícita em defesa do Estado mínimo, travada pelo martelete da emissão conservadora.

A indigência do espírito público dos endinheirados brasileiros não é nova.

Mas é forçoso reconhecer o seu senso de oportunismo no desfrute das novas possibilidades abertas pela globalização dos circuitos financeiros.

Em um texto de 1986, ‘Sobre o óbvio – Ensaios Insólitos’, o  antropólogo Darcy Ribeiro, criador da Universidade de Brasília, e chefe da Casa Civil de Jango, iluminou os traços dessa rosca descendente, confirmada agora em episódios como o do HSBC, que certamente não constitui exceção no cipoal das conexões bancárias que transformam qualquer capital em capital estrangeiro dentro de seu próprio país.

‘Por muito tempo’, dizia Darcy Ribeiro, ‘se pensou que éramos e somos um país pobre, no passado e agora. Pois não é verdade. Esta é uma falsa obviedade. Éramos e somos riquíssimos (...) para uso e gozo de nossa sábia classe dominante. A verdade verdadeira é que, aqui no Brasil, se inventou um modelo de economia altamente próspera, mas de prosperidade pura. Quer dizer, livre de quaisquer comprometimentos sentimentais. A verdade, repito, é que nós, brasileiros, inventamos e fundamos um sistema social perfeito para os que estão do lado de cima da vida’

Darcy está falando de uma elite que prefere blindar automóveis a investir em infraestrutura, razão pela qual o país que tem a quarta maior fortuna do mundo em paraísos fiscais, ostenta também a maior frota de carros blindados do planeta.

Faz todo sentido. Ainda que seja trágico.

O país redesenhado nos últimos 12 anos por políticas progressistas na esfera da renda e do combate à pobreza, não cabe mais na infraestrutura concebida por essa lógica, focada em apenas 30% de sua gente.

A desproporção teria que ser ajustada em algum momento.

Chegou a hora.

Seus ponteiros desenham duas opções na mesa da democracia.

Faze-lo taxando a riqueza de modo a redistribui-la na forma de investimentos, educação, serviços e empregos de qualidade na indústria e em frentes de maior incremento tecnológico, caso dos encadeamentos do pré-sal na área de energia e petroquímica.

Ou faze-lo regressivamente, revogando avanços, arrochando o investimento público e, sobretudo, desmanchando a base de quase pleno emprego erguida nos últimos anos –conquista que mais incomoda os endinheirados por conta da correlação de forças que espraia no mercado de trabalho, nas mesas de negociações e no calendário eleitoral.

Em toda a América Latina, elites lambem o beiço. Essa escolha coincide com a reversão no ciclo mundial de liquidez, associado à queda nas cotações das commodities. O conjunto, de fato, restringe a margem de manobra  progressista na definição do passo seguinte da luta pelo desenvolvimento.

O Brasil, porém, é uma das raras economias que, mesmo em condições adversas, dispõe de requisitos objetivos para um salto industrializante, capaz de irradiar a produtividade necessária a novos avanços em direção à cidadania plena de sua gente.

A saber:

1. as empresas instaladas no país dispõem de uma massa de capital monetário suficiente para um novo ciclo de expansão, hoje estocado na roleta rentista (que inclui dívida pública e o repouso em paraísos fiscais) ;

2. O mercado de massa brasileiro forma hoje, sozinho, o 16º maior país do mundo em movimento econômico; poderia figurar no G-20;

3. a economia dispõe de sólidas bases de recursos naturais, incluindo-se o impulso industrializante inerente à exploração das maiores reservas de petróleo descobertas no planeta neste século;

4. O conjunto de investimentos já disparados na área de infraestrutura garante por si só um impulso combinado de crescimento e ganhos de produtividade.

Falta a amarração política desses ingredientes, processo que guarda semelhança com a disputa de um gigantesco jogo de truco estratégico.

A iniciativa privada mantém o pé no freio e a emissão conservadora exaspera a guerra de expectativas para desencorajar o capital privado a apostar no país.

Melhor deixar o dinheiro no HSBC da Suíça, ou em renda fixa aqui mesmo. Derrotado o “lulopetismo”, o lucro será maior, sugere-se.

Nesse lusco fusco prospera a sonegação e a evasão de riqueza em detrimento do salto possível na esfera produtiva e logística.

Nem tudo é luta política. Há, de fato, desequilíbrios macroeconômicos reais a vencer para destravar os braços cruzados do capital diante das urgências do país.

O câmbio valorizado é um deles.

Ademais de incentivar importações baratas, ele atrofia a exportação, subtrai empregos e demanda à indústria local e leva a uma integração desintegradora diante das cadeias globais de suprimento e tecnologia.

O necessário ajuste cambial, porém -- em marcha --  pressiona a inflação, que aciona juros mais altos para ser contida, que por sua vez fazem o fastígio da riqueza financeira, que se locupleta sem investir na produção, o que rebate em menor receita fiscal, que agrava o endividamento público, leva à mingua o Estado, inibe seu poder indutor na esfera privada, acanha a expansão da logística...

Quem vê no capitalismo apenas um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca a sua encarnação social, derrapa no entendimento do que se passa no país nesse momento e do que é essencial para avançar.

O fato é que não há solução exclusivamente técnica para os desequilíbrios inerentes à luta pelo desenvolvimento.

Por isso eles têm que ser pactuado em compromissos, metas e salvaguardas de longo prazo. E só quem pode fazê-lo no Brasil hoje é a democracia participativa.

Nesse emaranhado de constrangimentos políticos e macroeconômicos, a greve do investimento reflete a conveniência de um capital que aderiu à ciranda rentista e dela não abdicará tão cedo, nem tão facilmente.

Ao contrário do que aconteceu no caso das cadeias industriais, nisso – repita-se -- o Brasil atingiu o estado das artes.

A coagulação rentista de uma elite perfeitamente integrada ao circuito da alta finança global, feita de contas no HSBC e em paraísos fiscais, amesquinhou o alcance das escolhas da democracia, recusando-lhe instrumentos para dar à riqueza sua destinação social.

Se nem a lista dos detentores das contas no HSBC é publicada no Brasil – embora conste que a Folha/UOL a tem, assim como o ministro Joaquim Levy deveria requisita-la através do COAF e divulga-la — como induzir esses recursos à mutação produtiva?

Essa dissociação entre a elite e a sorte do país estabelece uma corrosão profunda nos laços da sociedade e abastarda a credibilidade na política e na democracia.

Não é uma fatalidade. É uma decorrência da luta política global que consolidou uma oligarquia transnacional cuja pátria é o circuito das  finanças desreguladas.

Seus efeitos econômicos, de qualquer forma, são devastadores.

A maximização do retorno financeiro contaminou todas as dimensões do cálculo econômico submetendo as demais instâncias do mercado aos mesmos padrões irreproduzíveis de ganho da ganância rentista.

Desvela-se aqui uma dimensão pouco discutida da desindustrialização e da baixa produtividade brasileira, decorrente da inapetência empreendedora das elites apascentadas em piquetes de juro alto.

Combater esse descompromisso com o investimento produtivo implica uma mudança estrutural no tabuleiro do jogo do desenvolvimento.

Implica dispor de um controle de capitais que permita dar maior poder de induzir e tributar a riqueza, sem gerar maior fuga e mais sonegação.

A democracia brasileira precisa avançar para que isso não seja apenas uma miragem de futuro.

Precisa se colocar como uma ferramenta a serviço do desenvolvimento.

Depende desse passo o escrutino plebiscitário de escolhas que vão catalisar a força e o consentimento necessários a uma nova hegemonia mudancista no país (leia o editorial ‘A mão da rua’; nesta pág).

Essa é a questão crucial que lateja nas entranhas de um Brasil espremido entre dois caminhos: avançar na realização de suas potencialidades estratégicas; ou regredir à condição de um duto de riquezas expatriadas, a contrapelo das urgências de seu povo.

São escolhas subjacentes às engrenagens da sonegação, muitas vezes confundidas com um mero desvio jurídico.

O que elas revelam, na verdade, é um desvio de finalidade da riqueza social, cuja regeneração efetiva passa pela repactuação democrática do futuro brasileiro.

Essa é a natureza do debate que propomos com os textos que compõem o Especial da Carta Maior.

Boa leitura.

Joaquim Palhares
Diretor de Carta Maior

O SUS e a desigualdade no Brasil


06/01/2015 - Copyleft

O SUS e a desigualdade no Brasil

O Brasil é o único país com mais de 100 milhões de habitantes que busca oferecer acesso universal à saúde: mas como resolver o subfinanciamento do SUS?


Alexandre Padilha*
Padilhando / Flickr
Às vésperas do Natal, depois de dias de internação, felizmente a modelo e apresentadora Andressa Urach recebeu alta hospitalar, com vida e pronta para se reabilitar. Durante todos esses dias, a imprensa e as redes foram ricas em comentar sobre a vida da modelo, sobre boatos em relação a sua saúde, sobre técnicas estéticas, sobre a ditadura da beleza e clínicas e mais clínicas. Raras matérias traziam uma informação que surpreende a todos: depois de um périplo por clínicas particulares sem solução definitiva, foi em um hospital 100% SUS, do Grupo Hospitalar Conceição (um dos poucos próprios do Ministério da Saúde) que a modelo teve a sua vida salva e a saúde reabilitada. Foram médicos e profissionais de saúde que enfrentam todas as carências que estão presentes nos hospitais públicos, que cuidaram da complicação decorrente do procedimento estético. Mais uma vez, neste ato, garantiram a modelo o direito de todos os 200 milhões de brasileiros: o acesso a um sistema de saúde que busca ser universal.

Nem no meu maior devaneio SUSista esperava uma manchete do tipo: "Hospital do SUS salva modelo com complicações em procedimentos estéticos realizados em clínica privada". Ou " Ao contrário de Miami, modelo não precisou pagar antecipadamente por vida salva em Hospital do SUS". Mas é preciso falarmos alto para que esta, uma das contradições da relação entre dois sistemas de saúde, público e privado, não passe desapercebida. Pelo tamanho atual dos dois sistemas no Brasil, é fundamental que as contradições sejam cada vez mais enfrentadas, sob risco de inviabilizarmos o projeto de um sistema público universal com qualidade e reforçarmos a iniquidade também no sistema privado.

O Brasil é o único país do mundo, com mais de 100 milhões de habitantes, que busca oferecer a sua população o acesso universal a saúde. Nem mesmo as novas Constituições da América Latina, apelidadas de bolivarianas, foram tão ousadas:" Saúde é DIREITO de todos e DEVER do Estado". Ao mesmo tempo, temos cerca de 50 milhões de usuários de planos de saúde médico-hospitalares (eram 30 milhões em 2003) e 70 milhões, incluindo planos odontológicos. Os números de ambos os sistemas impressionam ministros da Saúde e investidores de todo o mundo. O caso similar a modelo, pacientes do sistema privado recorrerem ao SUS, por falta de cobertura ou por situação de emergência é muito mais comum do que se imagina. Desde 2011, quando assumi o Ministério da Saúde, implantamos um conjunto de mudanças de gestão para identificar quando isso ocorre. Com elas, busca-se garantir o ressarcimento do plano de saúde ao SUS, porque é dele que se deve cobrar, não do paciente. Desde então, as operadoras são obrigadas a emitir um número de cartão SUS para todo usuário de plano, permitindo ao Ministério este rastreamento. Você que me lê e é usuário de plano de saúde tem número de cartão SUS e talvez não saiba. De lá para cá, foram recordes sucessivos de recuperação de recursos para o SUS: em 3 anos, mais do que em toda história da Agência Nacional de Saúde (ANS), criada em 2000. Mas muito precisa-se avançar nessa cobrança, e o governo Dilma prosseguiu em novas medidas em relação a isso. O motivo mais comum de internação no SUS por detentores de planos de saúde, acreditem: parto. Recentemente, correu as redes a notícia de turista canadense, que teve parto de urgência no Havaí e, quando voltou para casa, recebeu conta de US$2,5 milhões para pagar.

Poderia citar outros exemplos em que somos usuários do SUS sem nem reconhecermos. Desde 2001, o Brasil é recordista mundial de transplantes em hospitais públicos. O SAMU salva vidas sem perguntar o plano ou exigir cheque. A vigilância sanitária estabelece regras e fiscaliza a comida dos restaurantes, inclusive os chiques, de preços estratosféricos. As mesmas analisam risco a saúde de equipamentos, medicamentos, bebidas vendidas em massa, cosméticos e produtos de estética. O próprio uso do HIDROGEL já estava condenado pela Anvisa, evitando novos casos como o de Andressa Urach.

Estas contradições da convivência de dois sistemas públicos e privado impactam nos maiores desafios atuais de sobrevivência do projeto SUS: o seu subfinanciamento e a iniquidade no acesso aos serviços. E criam um ambiente, no mercado de trabalho e no complexo industrial da saúde, que influencia fortemente outro fator decisivo para uma saúde pública humanizada: a formação e a postura dos profissionais de saúde.

Há um consenso suprapartidário no Brasil: a saúde pública é subfinanciada. A divergência é como resolver este fato. Desde o final da CPMF, que retirou R$40 bilhões anuais do orçamento do Ministério da Saude, o Brasil investe na saúde pública em média 3 vezes per capta menos do que parceiros sul americanos como Chile, Argentina e Uruguai; cerca de 7 a 8 vezes do que sistemas nacionais europeus recentes como Portugal e Espanha, cerca de 11 vezes menos do que o tradicional Sistema Nacional Inglês. Ao mesmo tempo, segundo dados recentes publicados pelo IPEA, a isenção fiscal referente aos planos de saúde no Brasil chegou a cerca de R$ 18 bilhões. Ou seja, o mesmo Estado que não garante recursos suficientes para prover um sistema público para todos, co-financia a alternativa para uma parcela da população, que se vê obrigada a pagar valores expressivos para ter acesso a saúde. Além disso, o mesmo Estado suporta o atendimento de vários procedimentos que de alguma forma não são cobertos pelos planos. A incorporação tecnológica, o envelhecimento da população e o impacto dos acidentes automobilísticos e da violência urbana nos custos dos serviços de emergência e reabilitação, transformam esta equação, já precária, em insustentável. Não a toa, a melhoria da saúde é a primeira demanda da população e ter um plano de saúde, o sonho da nova classe trabalhadora. No último período, dois avanços importantes do governo Dilma foram conquistados: a regra que estabelece quanto União, estados e municípios são obrigados a investir em saúde e a vinculação de um percentual dos recursos do pré-sal. Mas precisamos avançar sempre.

As opções para o financiamento da saúde são uma das expressões da desigualdade não tão revelada no nosso país. É mais do que hora de todos nós, que colocamos a redução das desigualdades como centro de um projeto político, enfrentá-las. Se não o fizermos, perderemos a capacidade de interlocução com segmentos expressivos da classe trabalhadora, que sofre com a baixa qualidade e os custos dos sistemas públicos e privados. Temos que ir para ofensiva no diálogo com a sociedade e explicitar que ampliar o financiamento a saúde passa, necessariamente, por inverter o sistema tributário injusto com o qual convivemos. Não é razoável, em um país como o Brasil, que alguém, ao receber R$ 60 mil em 12 meses de trabalho, paga 27% de Imposto de Renda, enquanto alguém que receber R$ 2 milhões de herança, praticamente não será taxado. Em países como EUA (30-40%) França (45%), Alemanha, Japão (50%) as alíquotas para heranças seriam outras. Estudos de 1999 mostram que imposto sobre fortunas no Brasil, entre 0,8% a 1,2%, em fortunas acima de R$ 1 milhão, renderiam uma arrecadação de cerca de 1,7% do PIB, mais do que era obtido pela CPMF.

A formação e a conduta profissional é o outro território invadido por estas relações dos dois sistemas público e privado. A batalha do Mais Médicos, as denúncias recentes de abuso sexual e preconceito por alunos de medicina nas faculdades e a atitude absurda de algumas lideranças condenarem a campanha antiracismo organizada pelo Ministério da Saúde só explicitaram o arcabouço de valores que influencia a formação dos nossos futuros profissionais, de ambos os sistemas. No cerne, há duas correias de tensão, que se alimentam mutuamente. Por um lado, um ideário liberal de exercício da profissão, que alimenta, desde os primeiros dias de graduação, uma não aposta em um sistema público de qualidade e o desrespeito em relação aos seus usuários: pobres, mulheres, negros, homossexuais e "gente não diferenciada". Por outro, um mercado dinâmico e lucrativo de tecnologia, órteses, próteses, equipamentos, fármacos, serviços, publicações, congressos que financia uma visão cada vez ultraespecializante da formação e da atuação em saúde. Não a toa, a investigação iniciada pelo Ministério da Saúde, em Março de 2013 que teve luz recente graças a matéria de TV, e o Mais Médicos incendiaram o debate, questionaram paradigmas e condutas. Não há nenhum profissional de saúde no Brasil, nem aquele que se especializou em realizar procedimentos estéticos em clínicas privadas, que não tenha dependido do SUS para se formar. Nos meus tempos de estudante de medicina cunhamos a frase: "chega de aprender nos pobres para só querer cuidar dos ricos"

Esta realidade desafiadora nos abre uma grande oportunidade. O entendimento de que um sistema público dessa dimensão, em um país tão desigual e diverso como o nosso, gera plataforma continental para um amplo complexo de indústria e serviços no campo da saúde. O Brasil será mais rico e menos desigual se pudermos articular as duas perspectivas. Não será possível sustentar um sistema público de saúde sem crescimento econômico e para tal é necessário colocarmos os 2 pés no universo da inovação tecnológica. Ao mesmo tempo, o complexo de indústrias e de serviços da saúde não sobrevive no Brasil se desprezar o mercado interno impulsionado pelo acesso a um sistema público, cada vez mais tecnológico. Usar o poder de compra do estado para fortalecer um setor econômico que gere empregos e inovação tecnológica no Brasil teve, na Saúde, a sua experiência recente mais exitosa. Ela foi calcada de um lado na ousadia, ao estabelecer o interesse público e nacional como o rumo a ser seguido, e previsibilidade, regras que estimulassem o setor privado a fazer este jogo de interesse para o Brasil. Beber dessa experiência é fundamental para fortalecermos a Saúde como um impulso, e não um peso a carregar, na agenda de desenvolvimento do Brasil.

*Alexandre Padilha, médico, 43 anos, ex-Ministro da Coordenação Política de Lula e Saúde de Dilma e candidato a governador de SP em 2014



Créditos da foto: Padilhando / Flickr


Fonte: Carta Maior

Os limites atuais da distribução de renda e riqueza no Brasil


16/12/2014 - Copyleft

Os limites atuais da distribuição de renda e riqueza no Brasil

Os 0,9% mais ricos do País detêm entre 59,90% e 68,49% da riqueza, sendo as principais fontes de acumulação de riqueza os fluxos de renda e heranças.


Róber Iturriet Avila (*)
Arquivo

(*) Publicado originalmente no portal Brasil Debate.
    
A iniquidade na distribuição pessoal da renda é mensurada de distintas maneiras, levando-se em conta mais de um parâmetro. Os dados comumente difundidos dizem respeito ao fluxo mensal de rendimentos e a repartição da propriedade.

No Brasil, os dados de distribuição de renda são difundidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Recentemente, a PNAD de 2013 foi divulgada retratando um avanço modesto em relação a 2012.

Nesse início de século 21, a apropriação de renda daqueles que estão na faixa dos 10% mais elevados passou de 47,44% em 2001 para 41,55% em 2013. Já aqueles que estão nas faixas 50% mais baixas passaram de 12,6% para 16,41%.


No último ano, houve uma pequena ampliação da taxa de pobreza baseada nas necessidades calóricas: passou de 5,29% em 2012 para 5,50% em 2013. Em 2001, a taxa era de 15,19%. Já a taxa de pobreza atingiu 15,09% da população. Em 2001, essa taxa representava 35,09%.

O Brasil não dispunha de informações de distribuição de riqueza. Houve apenas uma estimativa realizada em 2004, no atlas da exclusão social, e outra mais recente com dados do Tribunal Superior Eleitoral.

Entretanto, o auditor fiscal da Receita Federal, Fábio Avila Castro, defendeu sua dissertação de mestrado utilizando os dados da Receita, até então bastante restritos. Esses dados foram divulgados no site da instituição e a partir deles é possível estabelecer um quadro da repartição da riqueza no Brasil.

Há limitação nas conclusões a partir dos dados porque, em muitos casos, os bens imóveis declarados possuem defasagem de avaliação. Além disso, uma parcela do patrimônio está contabilizada em pessoas jurídicas.

Há que considerar também omissões. Por fim, cônjuges nem sempre declaram bens em separado. De todo modo, esse é o melhor dado de patrimônio do Brasil e é inédito.

Em 2012, 0,21% da população detinha 46,67% do patrimônio declarado, enquanto 0,69% da população detinha 21,82%. Assim, a riqueza dos 0,9% mais ricos representa 68,49% do total notificado.

Essa informação mostra que a concentração é muito superior aos Estados Unidos, um país com elevada concentração. Lá, cerca de 10% da população concentra 72% da riqueza.


É interessante observar que o patrimônio médio daqueles que estão entre os 0,21% brasileiros mais ricos é de R$ 5,8 milhões, mesmo que o corte esteja a partir de R$ 1,5 milhão.

Isso indica que a concentração do patrimônio está entre os indivíduos do topo mais restrito. Além disso, as faixas mais altas possuem, sobretudo, renda do capital, enquanto as outras se concentram no trabalho.

Na literatura, há referências do patrimônio daqueles que estão entre os 10%, 1% e 0,1% mais ricos. Como os dados disponíveis, é possível visualizar o 0,9% e o 0,21% do topo.

Mesmo que os declarantes de 2012 sejam 13,01% da população brasileira, esses dados permitem levantar hipóteses para a população total.

Como quem recebeu mais de R$ 1.499,16 mensais em 2012 e proprietários de riqueza acima de R$ 300.000,00 foram obrigados a declarar, deduz-se que aqueles que não declararam possuem riquezas menores do que os estratos superiores. A partir disso, foi realizado um exercício para estimar a repartição da riqueza.

Se, hipoteticamente, cada não declarante de imposto de renda possuir um patrimônio equivalente à média daqueles que estão na primeira faixa, a riqueza dos não declarantes somados seria de 0,08% do patrimônio total.

Considerando as duas primeiras faixas, a soma seria 1,06%, ao se contabilizar as três primeiras faixas, seria de 4,92%. Por fim, se o patrimônio médio dos não declarantes for equivalente à média das quatro primeiras faixas dos declarantes, o patrimônio daqueles seria 12,55% do total.

Nesse último caso hipotético, a média leva em conta os declarantes com bens até R$ 30.000,00, perfazendo mais de 13,8 milhões de pessoas. Nesse caso específico, os 0,9% mais ricos deteriam 59,90% da riqueza dos brasileiros. E os 0,21% mais ricos deteriam 40,81% do total.

Com base nesses quatro cenários levantados, os 0,9% mais ricos do País detêm entre 59,90% e 68,49% da riqueza dos brasileiros.

As principais fontes de acumulação de riqueza são os fluxos de renda e heranças recebidas.

No Brasil, o imposto de renda possui uma alíquota máxima de 27,5%. Na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos, a alíquota máxima é de, respectivamente, 56,7%, 45,0% e 39,6%. Os impostos sobre herança e sobre ganhos do capital, no mesmo sentido, são menores no Brasil do que nos países mais desenvolvidos.

Contrapondo-se a evolução dos dados de concentração de renda com os de riqueza, há a sinalização de que o processo de redistribuição de renda esbarrou em limites, dado que os índices de pobreza e de Gini estão melhorando menos.

Ao que parece, para persistir distribuindo renda seriam necessárias alterações tributárias. Além do imposto de renda, os impostos sobre herança e sobre ganhos do capital são mais brandos no Brasil, não apenas em relação aos países desenvolvidos, mas também em comparação aos vizinhos da América do Sul.

A configuração da tributação brasileira favorece a concentração existente. Mudanças tributárias oportunizariam recursos para financiar educação e outros serviços públicos que permitem a ascensão daqueles que estão na base da pirâmide social.

(*) Economista e pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE-RS)


Fonte: Carta Maior

Onde está o Estado? LEITURA IMPRESCINDÍVEL PARA A COMPREENSÃO DA REALIDADE BRASILEIRA


02/02/2015 - Copyleft

Onde está o Estado?

Os serviços públicos são ruins por causa da corrupção? O Brasil é o país com maior carga de impostos? conheça alguns números e tire suas conclusões.


Róber Iturriet Avila; Luís Felipe Gomes Larratea
Ken Teegardin / Flickr
Não raro há a veiculação da dissociação entre a arrecadação dos governos e o retorno de bens e serviços estatais. O intento, sistematicamente alardeado, é bem sucedido em formar a opinião pública. Não é difícil de compreender a indignação gerada na população, sobretudo frente ao desconhecimento dos parâmetros de carga tributária e da precária informação das benfeitorias do Estado. O obscurecimento e a naturalização das ações estatais permeiam o debate acerca da tributação. Os salários dos parlamentares e os casos de corrupção selam uma visão bem sedimentada, escamoteando as reais intenções da repetição de um mantra não verdadeiro, mas hegemônico. Essa miragem transpassa e gera propositalmente uma cegueira coletiva, que, além de inverídica, está carregada de ideologia e atende a interesses específicos.

O Brasil é um país que oferece um sistema de saúde universal, desde a constituição de 1988. O resultado disso pode ser observado nas taxas de mortalidade infantil e na ampliação da expectativa de vida desde então. Somos exemplo de vacinação e combate a doenças. Graças à ação do Estado a esquistossomose, a cólera e a leptospirose não são epidemias. O Estado está na luz dos postes, nas estradas, nos calçamentos, no transporte urbano, no transporte aéreo, no recolhimento do lixo, na destinação do esgoto, na escola pública (da pré-escola ao pós-doutorado), no policiamento, na defesa territorial. Essa é a parte mais visível. Mas há também Estado na forma de subsídios que garantem a energia elétrica, a produção de alimentos, o investimento em conhecimento, a aquisição de imóveis e o avanço técnico. Há Estado nas políticas de geração de emprego e de desenvolvimento econômico.  Ele está também na seguridade social, ou seja, nas aposentadorias, nas pensões por morte, nos seguros de maternidade e de invalidez. O Estado permite a mediação e o julgamento dos conflitos, a reclusão de malfeitores, além da própria organização das regras que nos permitem viver de forma civilizada e não no caos e na guerra como foi marcada a história humana. Não há um dia sequer que qualquer cidadão não esbarre na ação do Estado e não se beneficie diversas vezes dela.

A carga tributária brasileira gira em torno de 36%. O PIB de 2014 deve fechar em, aproximadamente, R$ 5,155 trilhões. Isso significa que a renda per capita é de R$ 25.389,00. Nessa medida, cada brasileiro paga, em média, R$ 761,00 em impostos por mês para atender uma série de garantias legais e de reclamos sociais.  Embora seja possível aprimorar a eficiência e reduzir o desperdício, para quem sabe fazer conta, salta aos olhos o óbvio: é um recurso escasso para tudo o que exigimos dos governos.

Outro jargão de senso comum é que se não fosse a corrupção, os serviços públicos seriam melhores. De acordo com a FIESP, o País perde R$ 100 bilhões em corrupção. Ainda que esse dado não seja preciso e nem desprezível, representa apenas 1,9% do PIB. Faz falta, mas não resolve. Em linha semelhante, o discurso de senso comum alega que os impostos servem para pagar os salários dos parlamentares. Não cabe defender o patrimonialismo e a exuberância do congresso, de todo modo, o custo do parlamento brasileiro é de 0,19% do PIB. Já todos os funcionários dos 39 ministérios custam 1,2% do PIB.

As comparações corriqueiras com outros países também ignoram os dados. Na Noruega, por exemplo, a renda per capita é de US$ 100.818,00 e a carga tributária de 44%. Dessa maneira, cada cidadão contribui, em média, com R$ 8.800,00 mensais ao Estado. Ou seja, onze vezes mais do que o brasileiro. É lógico e racional que seus serviços públicos sejam onze vezes melhores do que os nossos.

Já nos Estados Unidos a carga tributária está em torno de 27%. Naquele país, entretanto, não há sistema de saúde pública, não há ensino superior gratuito e nem sistema de aposentadoria e pensões pelo Estado. O cidadão estadunidense que não possui seus serviços privados está à margem.

Um dos papéis do Estado é melhorar a distribuição e permitir melhores oportunidades a quem está na base da pirâmide social. Isso está ancorado na compreensão teórica de que o mercado não é plenamente eficaz em permitir oportunidades iguais a todos. Quanto se tem em conta que metade dos brasileiros recebe até R$ 1.095,00 mensais, logo se conclui que milhões de pessoas não teriam acesso algum à saúde e à educação não fosse o Estado. Ao se efetuar a conta de onde efetivamente é gasto, constata-se que 71% da arrecadação preenchem apenas três serviços: saúde, educação e previdência.

Cabe observar que a estrutura tributária brasileira está centrada no consumo e na folha de salários, juntas essas rubricas respondem por 76,26% da arrecadação. Já os impostos sobre propriedade perfazem 3,85% do total. Convém constatar também que há segmentos da sociedade brasileira que têm índices de desenvolvimento humano equivalentes ao norueguês e não precisam da saúde pública e da educação pública, muito embora usufruam dessas nas cirurgias de alta complexidade, nos transplantes, no ensino superior e nas bolsas de pós-graduação.

Enxugar o Estado pode ameaçar a sustentabilidade de serviços basilares à vida e à dignidade humana. Pode ameaçar o direito de quem não tem condições de pagar por tais serviços e necessita da intervenção estatal para sua subsistência. Esse tema abarca ainda a justiça social, cuja participação do Estado nos países que lideram os índices de desenvolvimento humano é equivalente à brasileira ou superior. Corrupção, parlamento e ministérios juntos representam 3,29% do PIB. Esse recurso seria suficiente para melhorar substancialmente os serviços públicos?

A retórica de que o cidadão paga impostos e não recebe serviços é astuciosa. Ela vitimiza quem deveria contribuir mais para o bem estar social, como ocorre nos países mais desenvolvidos.  Os dados são claros e mostram que a elite brasileira contribui menos em termos tributários do que seus congêneres na maioria dos países do mundo. Ainda assim, querem reduzir o Estado. Quem vai corrigir as distorções históricas de 388 anos de escravidão que viabilizou o enriquecimento da elite brasileira? Como as raízes patriarcais serão extirpadas? A quem interessa um Estado menor?


Róber Iturriet Avila - É Doutor em Economia, Pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da Universidade do Vale do Rio do Sinos

Luís Felipe Gomes Larratea - Bacharel em Políticas Públicas e bolsista FAPERGS/FEE


FONTE: Carta Maior

8 propostas para garantir a justiça tributária no Brasil


08/08/2014 - Copyleft

8 propostas para garantir a justiça tributária no Brasil

Documento elaborado por auditores fiscais da Receita Federal apresenta uma proposta de reformulação do sistema tributário nacional.


Najla Passos
Arquivo

Brasília - À exemplo dos empresários, que já entregaram aos presidenciáveis suas reivindicações para a reforma tributária, os trabalhadores também se mobilizam para defender seus interesses relacionados à pauta. Dentre os estudos disponibilizados centrais e sindicatos, destaca-se o documento “Sistema Tributário e Seguridade Social – contribuições para o Brasil”, elaborado pela categoria que melhor entende do assunto: os auditores fiscais da Receita Federal.

De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), Cláudio Damasceno, a publicação apresenta uma proposta consistente de reformulação do sistema. O objetivo é resgatar o princípio da justiça social expresso na Constituição de 1988, mas completamente destroçado pelas mudanças no sistema operacionalizadas a partir de 1995, com o início do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o avanço do neoliberalismo no Brasil.

Ele afirma que a distorção ocorre porque a grande concentração da tributação está sobre o consumo, e muito pouco sobre a e o patrimônio. “Hoje, 54% do que é arrecadado no Brasil são impostos sobre o consumo, 5% sobre a renda e – pasme - só 3% sobre a propriedade”, esclarece. Por isso, a proposta da categoria visa justamente modificar a cobrança sobre a renda, desonerando os ganhos provenientes do trabalho e aumentando a tributação sobre os lucros e propriedades.

Confira 8 das propostas dos auditores fiscais para a reforma tributária:

1 – Corrigir a tabela do IRPF

Dos muitos impostos existentes no Brasil, o Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) é o que melhor pode ser utilizado como instrumento de justiça fiscal. Infelizmente, precisa ser muito aprimorado para atingir tal resultado. Nos últimos 18 anos, a defasagem acumulada na tabela do IRPF chega a 61,42%. E quanto mais defasada, maior o percentual do seu salário que o trabalhador precisa entregar ao fisco. Desse montante absurdo, 15,69% decorrem do acumulado nos governos Lula e Dilma. Todo o resto é obra exclusiva da gestão do ex-presidente FHC que, além de passar a tributar os mais pobres, manteve a tabela congelada de 1996 a 2002.

Pela tabela de 2014, quem ganha acima de R$ 1.868,23 (cerca de 2,5 salários mínimos) paga a alíquota mínima de 7,5%. Até 1996, quem recebia até nove salários mínimos sequer pagava imposto de renda. A cobrança do IRPF é injusta também para quem ganha na faixa de R$ 4.664,68 (6,5 salários mínimos). É que a alíquota cobrada, de 27,5%, é a mesma que incide sobre os rendimentos de quem ganha R$ 5 mil, R$ 50 mil ou R$ 500 mil. “Hoje, por conta de uma política de governo de não correção da tabela, de não aplicar essa defasagem sobre a tabela de isenção, os trabalhadores que recebem entre R$ 1.777 até de R$ 2,8 mil estão pagando o imposto quando não deveria pagar. E os que recebem um salário maior estão pagando mais impostos do que deveriam”, explica Cláudio.

2 – Tributar os lucros e dividendos distribuídos

Enquanto os rendimentos provenientes do trabalho submetem-se a alíquotas crescentes de até 27,5% no IRPF, os lucros e dividendos recebidos por empresários e acionistas de empresas estão isentos do pagamento do imposto desde 1995. Há empresários que declaram o recebimento de um “pro labore” baixo, de até R$ 1,7 mil por mês e de lucros e dividendos altos, de R$ 10 milhão ou mais ao ano. Assim, ficam isentos do IRPF, enquanto seus empregados que recebem um salário mensal de R$ 5 mil têm 27,5% dos seus rendimentos retidos na fonte para pagamento do imposto.

Os empresários alegam que seus lucros e dividendos devem ser isentos porque suas empresas já pagam Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ). Mas isso não significa o mesmo resultado em termos tributários. Estudo do CDES aponta que, entre 2000 e 2006, enquanto os lucros cresceram 446,3%, a cobrança de IR sobre o resultado das empresas alcançou apenas 196,6%.  Estimativas do Sindifisco apontam que, caso a distribuição de lucros e dividendos fosse tributada na tabela do IRPF a uma alíquota de 15%, o Estado arrecadaria R$ 18,12 bilhões em 2013. E sem penalizar ainda mais os mais pobres.

3 – Aumentar a tributação da propriedade

Os impostos brasileiros sobre a propriedade não respeitam os princípios da progressividade e por isso, acabam tendo um impacto irrisório na arrecadação brasileira: apenas 3,76% do total em 2012. Nos países desenvolvidos é bem diferente. No Canadá, no mesmo ano, representou 11,5%. No Japão, 9,7%. Na Coreia do Sul, 11,4%. No Reino Unido, 12,1%. E nos Estados Unidos, 12,8%. Isso acontece tanto nas cidades, onde o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) penaliza os mais pobres, quanto no campo, onde o Imposto Territorial Rural (ITR), privilegia o latifúndio.

4 – Cobrar maiores impostos sobre heranças e doações de quem recebe mais

O Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doações (ITCD) é de competência dos Estados e, por isso, varia de um lugar para outro. Em São Paulo, por exemplo, a alíquota única é de 4% tanto para o trabalhador que recebe um pequeno terreno da família quanto para o bilionário que herda condomínios e shoppings de luxo. Por isso, o imposto tem baixo impacto na arrecadação brasileira. Em 2012, respondeu por apenas 0,21% do total. Nos Estados Unidos, Alemanha, França e Reino Unido, impostos similares alcançaram, em média, 41%.

5 – Cobrar IPVA sobre embarcações e aeronaves

Outro tributo sobre a propriedade que comete fragrante injustiça com o contribuinte brasileiro é Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). O trabalhador que, à duras penas, consegue comprar um moto de 125 cilindradas para enfrentar o trânsito caótico das cidades, tem que pagá-lo anualmente aos estados.  Mas os multimilionários que adquirem embarcações e aeronaves estão livres de quaisquer impostos. Cabe destacar que o Brasil é o país com a segunda maior frota de aviões executivos e o maior conjunto de helicópteros urbanos do mundo.

6 – Tributar as remessas de lucros para o exterior
A desoneração da tributação do dinheiro remetido ao exterior é outro legado negativo do governo FHC que ainda vigora. A justificativa é que a medida aumenta a atratividade do país para o capital internacional. Mas isso vale a opção de manter os mais pobres pagando a maior parte do custo do Estado? Dados do Banco Central mostram que, somente em 2012, a remessa líquida de lucros e dividendos ao exterior alcançou o montante de US$ 30,65 bilhões. Se esses recursos fossem taxados em 15%, como ocorria até 1995, o Brasil teria arrecadado mais R$ 10,76 bilhões, em 2012. Estimativas do Sindifisco apontam que, desde 1996, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 91,26 bilhões com a medida.

7 – Taxação dos investimentos estrangeiros

Desde 2006, estrangeiros residentes em outros países que aplicam dinheiro em fundos de investimentos brasileiros não pagam IRPF. A medida foi tomada pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o objetivo de atrair mais capital internacional para o país. Quem mais se beneficia dela são os bancos estrangeiros com representação no Brasil: as operações de arbitragem decorrentes permitem ganhos desproporcionais para estes agentes financeiros, ferindo o princípio constitucional da isonomia tributária entre rendas iguais.

8 - Punir os sonegadores

As modificações na legislação operadas em 1995 também enfraqueceram o combate à sonegação tributária no país ao prever o fim da punição para os sonegadores, desde que o tributo devido seja pago antes da denúncia, ainda que de forma parcelada. Cabe lembrar que os trabalhadores não têm como sonegar o IR, que já é retido na fonte. Não é a eles que esta legislação beneficia.



Créditos da foto: Arquivo


Fonte: Carta Maior




A costura do invisível: sobre a carga tributária brasileira


22/05/2014 - Copyleft

A costura do invisível: sobre a carga tributária brasileira

A produção nacional continua bem nos setores mais expressivos e a carga tributária não indica ser empecilho crônico do recuo momentâneo do crescimento.


José Carlos Peliano (*)
Arquivo

Não é novidade a arquitetura que será feita a seguir tomando informações aqui e ali de fontes oficiais do Brasil e do exterior. A maior parte delas não será encontrada na velha mídia, onde as informações são coadas várias vezes até ficarem com o aroma e o gosto pretendidos pelo editor-chefe, quando são liberadas para a composição final, ou poderá ser, sim, encontrada uma parte reduzidíssima delas, a qual será observada apenas como uma referência despretensiosa, descaracterizado o teor principal.

Outros arquitetos como eu já incursionaram por esse tipo de exercício buscando juntar as peças do quebra-cabeças que norteia a análise e a avaliação da economia brasileira diante da invisibilidade ou falta periódica e intencional de informações nos jornais, revistas e TV a despeito da abundância de informações medíocres ou mal intencionadas que são veiculadas.

Tomei emprestado o título destas notas do último desfile realizado por Jum Nakao em 2004 no São Paulo Fashion Week, posteriormente divulgado em livro de mesmo nome cujas concepção, composição, arte gráfica e edição ficaram a cargo de minha filha, Adriana Peliano.

Vamos então à costura do invisível. Começando pela comparação direta entre carga tributária e produção. Pois é, parlamentares, empresários e consultores de parlamentares e empresários, todos eles há tempos fazem ecoar aos quatro ventos que a carga tributária do Brasil é indecente. Percentual altíssimo que desestimula a produção e os investimentos.

Houve até um momento em que se discutiu a oportunidade e a viabilidade de se instaurar no país o imposto único que serviria para não só rebaixar os custos da produção em todos os níveis e setores, mas também amenizar os custos e as despesas de consumo e investimento tanto das famílias quanto das empresas. A tese e as tentativas não vigoraram e o esforço desapareceu, embora continue querendo ressuscitar vez ou outra pelas investidas dos mesmos parlamentares e empresários e seus seguidores.

Pois bem, a primeira fonte de informação é a insuspeita The Heritage Foundation, organização conservadora com sede em Washington, a qual defende políticas públicas sob o princípio do livre mercado, governo limitado, liberdade individual, valores tradicionais e defesa e segurança nacionais fortes. Os dados por ela divulgados indicam numa comparação internacional qual a posição do Brasil na escala das maiores cargas tributárias do mundo.

O Brasil é o último colocado no conjunto de 18 países com as maiores cargas tributárias do mundo. À frente dele estão Kiribati, Zimbabwe, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Cuba, França, Finlândia, Noruega, Áustria, Itália, Alemanha, Reino Unido, Espanha, Argentina, Portugal e Rússia.

A percentagem do total de tributos cobrados sobre o Produto Interno Bruto (PIB) do nosso país é de 34,4%. Enquanto isso, relação igual na Dinamarca chega a 49%, França 44,6%, Itália 42,6%, Alemanha 40,6%, Espanha 37,3%, Argentina 37,2%, Portugal 37% e Rússia 36,9%.

Desde a crise financeira de outubro de 2008 eclodida nos Estados Unidos e espalhada pelo mundo afora, o Brasil tem sido um dos poucos países que conseguiu manter-se relativamente saudável na expansão de seu PIB e afetado sem maiores prejuízos em suas contas externas pelas oscilações da moeda e do crédito internacionais. Por outro lado, boa parte dos países acima listados foram afetados, uns mais, outro menos, com redução forte do PIB e aumento do endividamento bancário e da dívida externa.

Com todo o chororô parlamentar e empresarial de ocasião, não foi o tamanho da carga tributária brasileira que impediu o país de reagir bem à crise internacional. Ao contrário de muitos dos demais países acima que, sim, com cargas tributárias maiores acabaram reduzindo os ritmos de crescimento, chegando uns até mesmo à recessão, para enfrentarem melhor a situação financeira internacional.

Ao mesmo tempo o Brasil é o primeiro produtor mundial de etanol e biodiesel e o maior exportador de soja do mundo, além de ser o quarto produtor mundial de cimento, o quinto de telefones celulares – ao mesmo tempo o quinto em acessos de usuários na internet – e o sétimo de veículos. Somando tudo isto, o país apresenta a sétima economia mundial em tamanho do PIB.

Esses volumes e cifras alavancam seus respectivos nichos produtivos bem como a economia como um todo por serem setores portadores de sinergias fortes para frente e para trás no complexo da produção agrícola e industrial nacional. É uma falácia, portanto, pontuar a carga tributária como obstáculo e gargalo à expansão produtiva do país. O rescaldo da crise financeira, no entanto, ainda ronda muitas países e repercute no Brasil pelo arrefecimento localizado do movimento do comércio exterior.

O reflexo positivo das boas colocações do país nesses e noutros setores produtivos chega aos dados do desemprego. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE divulgada nesta quarta-feira, 22 de maio, mostra que a taxa de desemprego em abril último atingiu 4,9%, o menor percentual para esse período desde sua implantação.

Mais significativo é que, na comparação mensal, a taxa de março tinha sido de 5%, enquanto na comparação anual, a taxa em janeiro deste ano chegou a atingir 5,9%. Quedas seguidas, portanto, reduzindo mais ainda o contingente sem emprego formal no mercado de trabalho – a população desocupada ficou 17% menor do ano passado para cá.

A formalização dos trabalhadores igualmente aumentou desde o ano passado, quando o número de trabalhadores com carteira assinada no setor privado chega a 11,7 milhões com acréscimo de 2,2%. Por fim, o rendimento médio real praticamente se mantém de março para abril deste ano, mas sobe 2,6% de 2013 a 2014, saindo do nível de R$ 1.977,24 e chegando ao nível de R$2.028,00. A situação de emprego e renda do trabalhador brasileiro, portanto, apresenta um quadro de melhoria gradativa apontando um cenário positivo daqui para a frente.

O resumo da ópera é que a produção nacional continua bem nos setores mais expressivos mundialmente e a carga tributária não indica ser empecilho crônico nem vilã do recuo momentâneo do crescimento, tanto é assim que os resultados conjunturais do desemprego e do rendimento mostram evolução gradativa para melhor nos dois casos. Os efeitos positivos sobre a desigualdade de renda são imediatos e inegáveis.



Créditos da foto: Arquivo


Fonte: Carta Maior