quinta-feira, 12 de abril de 2018

Assim como Curitiba, Brasília recebe acampamento Lula Livre

MOBILIZAÇÃO POPULAR

Assim como Curitiba, Brasília recebe acampamento Lula Livre

Ação se insere no contexto da Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária, do MST

Brasil de Fato | Brasília (DF)
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Acampamento em Brasília reúne militantes vindos de estados como Goiás, Tocantins, Bahia e Minas Gerais / Divulgação
Em sintonia com as mobilizações nacionais em defesa da libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cerca de 400 manifestantes estão reunidos em Brasília no Acampamento Lula Livre.
O dirigente Marco Baratto, do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), afirma que, para os segmentos populares, a crítica à prisão do petista vai além das questões relacionadas à figura do ex-presidente. Ele destaca o avanço da cultura do ódio como ameaça aos direitos garantidos em lei.
“É exatamente esse movimento de ódio e intolerância que destrói as bases da violência, da não aceitação, do ódio ao pobre, ao negro, ao sem-terra ao sem-teto”, complementa.   
Por conta disso, as ações do acampamento se inserem também no contexto da Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária 2018, do MST, que rememora os 22 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás e reforça o combate à violência no campo.
Baratto ressalta que o Acampamento tem três objetivos principais. Além de simbolizar a luta e a resistência do campo popular, a iniciativa contribui com o processo de formação política da militância. Mais que isso, possibilita a interação dos movimentos com os diversos segmentos sociais.
“É colocar a classe, os trabalhadores pra gente discutir os temas na rua. É importante nós estarmos mobilizados na rua, que é o nosso palco de batalha”, afirma o dirigente.
O grupo conta com militantes de diversos estados, como Goiás, Tocantins, Bahia e Minas Gerais. A expectativa é de que o acampamento reúna cerca de 500 pessoas até a próxima semana, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá avaliar as duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) que tratam da legalidade da prisão após condenação de segunda instância.   
De acordo com a organização, a acampamento deve seguir mesmo após a decisão do STF sobre as ADCs.
Filme
As ações do grupo têm caráter diversificado. Nesta quinta-feira (12) à noite, serão exibidos no local trechos do documentário “O povo pode”, que retrata a caravana do ex-presidente Lula pelo Nordeste.
A narrativa destaca a história de pessoas simples da região. Os personagens, que vão desde um assentado do MST na Bahia até uma pequena agricultora do interior de Pernambuco, foram selecionados pelos realizadores do filme entre as pessoas que fizeram contato com o ex-presidente durante a caravana.
O filme traz à tona temas como escravidão, justiça social, acesso à educação e à água. Segundo o produtor, Mauro di Deus, a proposta é ilustrar o legado social dos governos do PT a partir da história dos personagens.  
“Nós partimos do princípio de que os números são frios. Resolvemos, então, mostrar o que mudou na vida daquelas pessoas naquele Brasil profundo do Nordeste em função das políticas publicas dos governos do PT”, acrescenta.
O documentário ainda não tem data oficial de lançamento.
Edição: Diego Sartorato

Cartas para Lula: veja o que escrevem as pessoas acampadas em Curitiba

MOBILIZAÇÕES

Cartas para Lula: veja o que escrevem as pessoas acampadas em Curitiba

Conhecido por dialogar com a população, ex-presidente recebe mais de 190 mensagens de força e carinho

Brasil de Fato |Curitiba (PR)
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A pedagoga Eva Szczepansk foi até a barraca de cartas do acampamento Lula Livre para mandar uma mensagem ao ex-presidente / Matheus Lobo
A cozinheira Ana Lúcia Soares saiu de Centenário do Sul, região norte do Paraná, e veio até Curitiba para ver o ex-presidente Lula, que está preso na Superintendência da Polícia Federal. Apesar das visitas restritas - o que, inclusive, impediu que nove governadores e três senadores vissem o ex-presidente na tarde de ontem (10) - a população encontrou uma forma de conversar com Lula: escrevendo cartas.
“Eu escrevi que a gente vai ficar aqui na luta junto com ele. Nós não vamos sair sem ele”, disse Ana Lúcia. A carta dela foi uma das 105 escritas apenas na terça-feira (10) em uma pequena barraca do acampamento Lula Livre, montado a duas quadras do local onde ele está preso. No dia anterior, foram outras 92 cartas que saíram do acampamento para o ex-presidente. “O meu sonho é que o Lula faça um livro de todas essas cartas para mostrar aos bisnetos dele o quanto era querido pelo povo”, contou a cozinheira.
Iniciativas como essa acontecem em todo o país desde a prisão do ex-presidente. O vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) e o jornalista Ricardo Kotscho também enviaram suas cartas. 
No acampamento de Curitiba, analfabetos encontram ajuda para escrever o que gostariam de dizer a Lula. Conhecido por seu diálogo com o povo, ele receberá cartas de pessoas de vários cantos do Brasil, muitas que nunca o viram pessoalmente, mas que escrevem com carinho e intimidade típicos de um amigo.
Na carta, a professora Eva escreve “Você é a nossa fortaleza” / Júlia Rohden
“Querido presidente Lula, te amo muito! Força companheiro, estaremos sempre ao seu lado. No meu caso, só estou sendo forte porque estou a base de medicamento [calmante]. Rezo muito por você, o povo precisa de você”, escreveu a pedagoga aposentada Eva Szczepanski. 
Para ela, o ex-presidente Lula significou a possibilidade de mudar de vida. “Eu tenho uma história muito sofrida. Até os 16 anos puxava enxada e depois consegui fazer magistério e entrar na faculdade. Foi quando ouvi falar do Lula pela primeira vez e vi que era uma esperança para minha história”, conta. “Eu não tinha nada, saí de casa com a roupa do corpo e fiz a faculdade. Quando entrou Requião [governador do Paraná entre 2003 e 2010] e o Lula, pude fazer mestrado, meu salário melhorou, comprei uma casa, tirei a carteira de motorista e agora tenho um carro. Fui eu que lutei,  trabalhei, estudei, mas com as possibilidades que alguns governos ofereceram, principalmente o Lula”, relata.
Eva hoje trabalha com alfabetização de adultos no acampamento Canaã, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Peabiru, noroeste paranaense. Ela chegou em Curitiba junto com os agricultores do acampamento e conta que escutou gritos de “vagabundos” enquanto descia do ônibus. “Eu respondia: pega numa enxada! Veja a mão calejada de um trabalhador rural e de um povo que trabalha na cidade. Não que eles [da cidade] sejam vagabundos, mas compare as duas mãos: qual a mão que mais trabalha? É a mão do trabalhador rural”, disse.
Virgínia Vieira veio de Navegantes (SC) para Curitiba e escreveu “Teima, Lula, teima” / Matheus Lobo
A catarinense Virgínia Vieira também veio para o Acampamento Lula Livre se solidarizar com o ex-presidente. Ela chegou no sábado pela manhã e aguardava a chegada de Lula na Polícia Federal quando os manifestantes foram duramente reprimidos pela Polícia Federal e Militar
Virgínia é professora e conta que ajudou a instituir o Programa Universidade para Todos (ProUni), criado por Lula em 2004. “Tive alunos de famílias muito pobres e que agora são professores universitários por causa do ProUni. Se isso não é mudar a realidade, eu não sei o que é: tirar uma pessoa da miséria absoluta e permitir fazer faculdade e se tornar advogado, pedagogo, historiador, geólogo, o que for”, avalia. Ela conta que em sua carta, disse para Lula se manter tranquilo e firme. “Escrevi aquela frase que a mãe dele dizia: teima, Lula, teima”, disse a professora.
Praça da República
Durante o festival de música gratuito que aconteceu nesta quarta-feira (11), na praça da República, em São Paulo, voluntários distribuíram papel, caneta e envelopes para que a população pudesse escrever cartas para o presidente. As mensagens foram recolhidas e serão levadas para Curitiba.
"O Lula precisa muito do nosso apoio agora. Quanto mais cartas melhor", disse a especialista em cafés Gisele Coutinho, uma das voluntárias na coleta de cartas para o ex-presidente.

Endereço
De acordo com os organizadores do acampamento, as cartas devem ser encaminhadas para dois endereços:
Instituto Lula - R. Pouso Alegre, 21 - Ipiranga, São Paulo - SP, 04261-030
Sede do PT em Curitiba - Alameda Princesa Izabel, 160 - São Francisco, Curitiba - PR, 80510-200

 
Edição: Franciele Petry

LUTA DE CLASSES “‘Psicopatiaram’ o Brasil”, diz Maria Rita Kehl sobre onda de ódio

LUTA DE CLASSES

“‘Psicopatiaram’ o Brasil”, diz Maria Rita Kehl sobre onda de ódio

Em entrevistas ao Brasil de Fato, Maria Rita e Christian Dunker comentam prevalência da intolerância na arena política

Brasil de Fato | São Paulo (SP)
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Ouça a matéria:
A psicanalista Maria Rita Kehl participa de debate durante o programa de TV Cafe Filosófico / Divulgação / Cafe Filosófico
O ódio é um sentimento comum a todos os indivíduos, e também às multidões que se unem em torno de uma ideia. No entanto, em uma sociedade democrática, há mecanismos para dar vazão ao ódio de forma produtiva, criando um suporte institucional ao diálogo sobre pontos de vista em extremos distintos da luta de classes –prática que, infelizmente, vem se perdendo no Brasil nos últimos anos, abrindo uma porta para o retorno do autoritarismo.
Essa é a análise dos psicanalistas Maria Rita Kehl e Christian Dunker, ouvidos pelo Brasil de Fato para comentar a escalada de intolerância que tem transformado a arena política em terra fértil para conflitos violentos.
“A questão não é odiar, a questão é perceber que não existe nenhuma confiança nas instituições democráticas para que haja um destino político ao seu ódio”, afirma Maria Rita. “Ou seja, se eu odeio, como odeio mesmo, sem problemas de dizer, o presidente Temer, ao mesmo tempo eu não iria, nem sozinha, nem com um grupo de gente, jogar pedra quando ele tá passando. Eu tentaria fazer todas as campanhas do mundo para que ele nunca mais fosse eleito a nada”, conclui.
Maria Rita, que faz a ressalva de que a psicanálise é uma ferramenta para encontrar as causas dos eventos presentes, e não para prever os desdobramentos do momento atual, traça um paralelo com este momento da vida política brasileira com a Alemanha dos anos 1930. “O triste nesta luta de classes é que uma parte da classe média baixa, que tá mal, que tá lutando pra pagar aluguel, coloque suas esperanças numa guinada da extrema direita. Isso aconteceu nos anos 30 na Alemanha. Uma parte dos eleitores do Hitler foi a classe média baixa que sofria com a hiperinflação e que acharam que um salvador da pátria autoritário resolveria o problema”, afirma.
“Então, sem tentar fazer previsões, mas temo que esse desencanto que a população vai sentindo, esse desencanto na própria democracia, possa levar uma parte dos brasileiros a votar por soluções autoritárias, mesmo que não seja especificamente o [deputado federal Jair] Bolsonaro”, lamenta Maria Rita.
Contra a conciliação
Para os psicanalistas ouvidos pelo BdF, esse ódio radicalizado e radicalizador esteve presente no processo de impeachment da ex-presidente Dilma, e também agora no processo de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“A prisão punitiva de Lula acentua e generaliza a descrença no processo e nas instituições. O espetáculo dantesco de voltas e contravoltas, de casuísmos e de contradições que vem se desenrolando impende que o senso comum forme uma impressão minimamente informada sobre as razões do processo. O problema aqui é que quando o poder torna-se opaco e demasiadamente complexo para as pessoas comuns, a tendência é que cada qual interprete esta opacidade conforme sua própria fantasia”, afirma Dunker.
No imaginário persecutório contra Lula, avalia Dunker, o fato de o ex-presidente ser uma figura de conciliação acaba pesando contra sua pessoa: os radicalizados não querem uma solução de diálogo, mas de força. “Curiosamente, Lula ainda representa um certo consenso, uma certa razão conciliatória, que de fato ele colocou em prática, e que para muitos teria sido a razão última da degradação de seu projeto”, conta.
“Ora, negociar, argumentar, convencer, justificar dá trabalho e envolve dedicação, informação, certa formação política, algum domínio da história e da cultura. Ter uma opinião abrangente, por outro lado, é muito mais fácil. O mesmo sujeito que radicaliza agora se desinteressará pela política quando ela deixar de ser a expressão e o suporte para seu próprio ressentimento social”, conclui o psicanalista.
Apesar da escalada constante da intolerância nos último anos, Dunker é otimista em relação ao arrefecimento desse momento de radicalização no futuro. “Como dizia Kant, se você tem dúvida se o que você diz é ético ou não, experimente pensar como isso ficaria dito para qualquer um. Muito das tolices, preconceitos e agressividades que vemos aparecer na boca de figuras públicas decorrem do fato de que estamos em um estado de exceção. Este estado um dia vai acabar, pois nós adoramos as exceções até que elas batem na nossa porta, por trás, devastando nossa vida e nossa alma”, pondera.



* Com informações de Rute Pina
Edição: Diego Sartorato

ESTADO DE EXCEÇÃO Defensoria Pública de SP manifesta preocupação sobre prisão após segunda instância

ESTADO DE EXCEÇÃO

Defensoria Pública de SP manifesta preocupação sobre prisão após segunda instância

Defensores destacam alto índice de revisão de prisões por parte dos tribunais superiores

Brasil de Fato | Brasília (DF)
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Ouça a matéria:
Segundo Defensoria Pública de SP, em dois anos, foram expedidos mais de 13 mil mandados de prisão no estado / Arquivo Agência Brasil
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) enviou uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) manifestando preocupação com as prisões de réus condenados após decisão de segunda instância.
O documento, enviado nessa terça-feira (11), destaca, por exemplo, o alto índice de revisão das decisões por parte do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, 44% dos cerca de 11 mil habeas corpus impetrados pela DPESP junto STJ foram aceitos.
O defensor público Thiago de Luna Cury destaca que a execução da pena antes do trânsito em julgado compromete a presunção de inocência do réu, garantida pela Constituição Federal. No caso das referidas decisões revistas pelo STJ, houve alteração em aspectos fundamentais, que vão desde a aplicação de penas alternativas até a anulação da condenação inicialmente imposta ao réu.  
“O índice muito grande de reforma [das decisões] indica que aquelas pessoas que têm o início do cumprimento das suas penas acabam cumprindo suas penas de maneira ilegal”, afirma Cury.  
A Defensoria destaca ainda o contingente de pessoas que são alvo de mandados de prisão antes do trânsito em julgado. Para se ter uma ideia, entre fevereiro de 2016 e abril deste ano, foram ao todo 13.887 mandados dessa natureza expedidos somente pelo TJSP. Todos eles se fundamentaram no entendimento fixado em 2016 pelo STF de que a prisão após segunda instância seria admissível do ponto de vista jurídico.
Cury salienta que, nas câmaras do TJSP, a rejeição dos recursos apresentados pela defesa dos réus varia entre 16% e 80%, o que indicaria a grande chance de reversão das medidas de prisão por parte dos tribunais superiores.   
O defensor destaca ainda a insegurança jurídica trazia pela polêmica em torno do entendimento que vem sendo apresentado pelo STF desde 2016. Ele acrescenta que o impacto vai além da instabilidade gerada dentro do sistema de Justiça e atinge especialmente setores sociais mais vulneráveis.  “Em regra, essas pessoas acusadas formalmente são da classe trabalhadora. São geralmente pobres”, frisa.
No entanto, o defensor sublinha que os prejuízos tendem a atingir o conjunto da sociedade.
“Ela [a medida] traz uma ameaça ao próprio Estado de direito. Começa a abrir as portas pra um Estado de exceção, que vai, paulatinamente, avançando sobre as garantias. Com isso, todas as outras passam a ser ameaçadas”, considera.
ADC 44   
O documento enviado ao STF será adicionado à Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 44, relatada pelo ministro Marco Aurélio. De autoria da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a ADC tem a DFESP como amicus curiae – espécie de terceiro interessado no processo – e questiona a legalidade da prisão após segunda instância.
Juntamente com a ADC 43, ajuizada pelo Partido Ecológico Nacional (PEC), a ação concentra atualmente as atenções no âmbito do Judiciário por conta da polêmica em torno da prisão do ex-presidente Lula (PT). As duas podem ser julgadas na semana que vem pelo Supremo.
Edição: Juca Guimarães

A deselegância do cardeal Odilo Scherer

A deselegância do cardeal Odilo Scherer. Por Roldão Arruda

 
Doria tenta vender a farinata sob as bênçãos de Dom Odilo Scherer
Publicado no Facebook de Roldão Arruda
Conheci dom Angélico Bernardino Sândalo quando eu era repórter no Estadão e escrevia sobre religião. Ele me chamava de ‘irmão’. Não era uma exclusividade. Todo mundo é ‘irmão’ de d. Angélico. Até pessoas das quais não gosta. Nunca perguntei o motivo desse tratamento. Imagino que seja para lembrar que somos todos filhos de um mesmo pai. Também imagino que foi essa ideia de fraternidade que o levou, desde a ordenação sacerdotal, a se voltar mais para as pessoas carentes, os que perderam tudo, os migrantes, os sem-teto, os sem-terra, os excluídos.
Na década de 1970, esse interesse do padre Angélico pelos pobres chamou a atenção do então arcebispo de São Paulo, o franciscano Paulo Evaristo Arns. E quando o papa Paulo VI disse a ele que devia dividir seu trabalho e nomear um bispo auxiliar para cada milhão de fiéis da arquidiocese, o primeiro nome que veio à cabeça de d. Paulo foi o daquele padre. Logo depois de sagrá-lo bispo, despachou-o para a periferia, o extremo da Zona Leste, bandas de Itaquera, na época uma das regiões mais carentes da cidade. Lá, o bispo se entrosou tão bem com o povo que até trocou de time: deixou o Palestra Itália pelo Corinthians.
D. Angélico foi um dos principais conselheiros de dom Paulo nos anos da ditadura. Acompanhou-o, lado a lado, no episódio do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, numa dependência do Exército. Editou o jornal católico O São Paulo. Enfrentou a censura à imprensa. Por onde passou estimulou movimentos populares por habitação, saúde, creches, transportes.
Hoje, com 85 anos, aposentado, vive numa casa modestíssima na Zona Norte. Às vezes é chamado para alguma celebração especial. No ano passado ministrou o sacramento da extrema-unção à esposa do ex-presidente Lula, Marisa Letícia, de quem era amigo há quase quarenta anos.
Agora o chamaram para o ato ecumênico que lembraria a passagem de um ano da morte de Marisa. Era para ser um ato no interior do sindicato. Mas, com a decretação da prisão de Lula e a multidão que se aglomerava do lado de fora, acabou transferido para a rua. E foi assim que o País viu o bispo ao lado do ex-presidente.
Como era de se esperar, nesses tempos de polarização política e de ódios, a imagem dos dois em rede nacional provocou reações furiosas, quase fratricidas, entre católicos. D. Angélico foi xingado das piores coisas. Como nos velhos tempos da guerra fria, o chamaram de bispo da batina vermelha. Um colunista político disse que rezou uma missa negra, confundindo, como vários outros jornalistas, ato ecumênico com missa.
D. Angélico desceu do caminhão assim que encerrou o ato e Lula começou a discursar. Ninguém prestou atenção nele quando seguiu por uma rua estreita e íngreme, à procura da condução que o levaria para casa. Trajava calça cinza, de cós muito alto, e camisa branca. Os passos eram lentos e amparados pelas mãos da irmã Carmem Julieta, que o acompanha sempre.
No dia seguinte, a assessoria do arcebispo de São Paulo, cardeal Odilo Scherer, divulgou uma nota sobre o assunto. É um texto curto e objetivo. Começa preocupado em isentar o cardeal: diz que ele não tem nada a ver com o ato ocorrido em São Bernardo e explica que “aconteceu fora da jurisdição e responsabilidade do arcebispo e da arquidiocese de São Paulo”. Depois desse ato de lavar as mãos, o texto faz a afirmação que logo em seguida se transforma em manchetes de sites, jornais, rádios e TVs: “O arcebispo lamenta a instrumentalização política do ato religioso”.
Lula e Dom Angélico no ato ecumênico no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC
Li e reli a nota. Parece feita às pressas, com o objetivo de dar satisfações aos católicos mais direitistas, e suscita uma pergunta óbvia: se o arcebispo metropolitano não tem nada a ver com aquilo, a quem cabe a responsabilidade? É assim que o cardeal joga a bomba no colo do bispo de Santo André, d. Pedro Cipolini.
Para entender melhor é preciso explicar que a Igreja Católica tem uma divisão própria de territórios. De acordo com essa divisão eclesiástica, São Bernardo faz parte da diocese de Santo André. Indiretamente, portanto, o cardeal está perguntando o seguinte ao irmão e bispo vizinho: como é que você permite que um ato desses ocorra em sua jurisdição?
O alvo mais óbvio da nota, no entanto, é d. Angélico. O cardeal divulgou a nota sem dar um telefonema para o bispo emérito que mora na mesma cidade e a poucos quilômetros de distância. Nem sequer para avisá-lo. Tratou-o, de acordo com os tempos de guerra, como inimigo.
Faltou elegância, no mínimo, ao cardeal. Como arcebispo metropolitano, poderia ter conversado com o bispo de Santo André ou se dirigido à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por outro lado, em vez de engrossar e estimular o conflito, poderia ter exercido o papel de pastor, acalmando os ânimos e pedindo orações para o Brasil.
Como entender essa reação do cardeal? Existem algumas pistas. D. Scherer é um expoente do conservadorismo católico. Em 2013, no conclave que elegeu o sucessor do papa Bento XVI, o nome dele figurou na lista dos preferidos da ala conservadora. Mas não prosperou. Se é mesmo o Espírito Santo que orienta o conclave, ele deve ter soprado no ouvido dos cardeais, que, após dois papados conservadores, seria melhor optar por uma cabeça mais arejada e reformadora. E eles elegeram o jesuíta Bergoglio, hoje papa Francisco.
Em 2014, o papa afastou o cardeal Scherer e outros três cardeais da cúpula do Banco do Vaticano, instituição financeira envolvida numa série de escândalos, inclusive com suspeitas de lavagem do dinheiro do crime organizado. Foi uma demonstração de que ele veio mesmo para mudar.
No Brasil, o cardeal é um dos poucos integrantes da CNBB que defendem abertamente as propostas do governo Temer para a reforma da Previdência. Antes disso, ele já havia apoiado a proposta que congelou gastos públicos.
Em São Paulo, Scherer procurou demonstrar proximidade com João Doria – tucano que lastreou sua campanha eleitoral para a prefeitura em ataques ao PT e a Lula. Chegou a falar de maneira positiva, em duas ocasiões e publicamente, a respeito da ‘farinata’ que Doria pretendia distribuir nas escolas públicas.
O cardeal até posou ao lado do prefeito tucano quando ele divulgava o tal composto alimentar. No final da história, porém, ficou falando sozinho. O valor nutritivo do composto era tão duvidoso e polêmico que foi posto de lado. Pelo próprio Doria, que já se afastou da prefeitura para se candidatar ao governo do Estado, após ter prometido aos seus eleitores que jamais deixaria o cargo antes de terminar o mandato.

PT fará vaquinha para custear despesas pessoais de Lula Todos os apoiadores contribuirão conforme possam.

PT fará vaquinha para custear despesas pessoais de Lula

 Folhapress 2 horas 19 minutos atrás