O Brasil está desgovernado. Sequestrada a ordem democrática, os três poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo) se golpeiam. Enquanto isso, o Estado mínimo, imposto pelo núcleo econômico do governo, essencialmente tucano, estrangula o Estado Social esculpido na Constituição Cidadã de 1988.
A desordem atinge todos os níveis. Basta acompanhar os sucessivos fatos:
Na sexta-feira (21.10.2016), a Polícia Federal invadiu o Senado, sem autorização do presidente da Casa ou do Supremo Tribunal Federal (STF). Prendeu quatro policiais do Senado, inclusive o chefe da polícia, sob alegação de que eles atrapalharam as investigações da Lava Jato.
Como?
Realizando, a pedido de alguns senadores, varredura de escutas se existentes ilegais, supostamente plantadas em gabinetes e residências de parlamentares.
Na segunda-feira (24.10.2016), antes tarde do que nunca, Renan Calheiros, presidente do Senado, em entrevista coletiva muito concorrida, achincalhou o juiz de primeira instância que determinou a operação; e também Alexandre de Moraes, o ministro da Justiça. Aproveitou o momento para revelar uma lista com nomes de senadores que haviam requerido a varredura. Entre eles, grãos tucanos, como Aloysio Nunes e Tasso Jereissati, mas também do baixo clero, como Magno Malta, o arauto da moralidade.
No STF, dois ministros se pronunciaram sobre o episódio de forma distinta. A presidente da Corte, Carmem Lúcia, criticou a fala de Calheiros, defendendo a autonomia entre os poderes. O ministro Gilmar Mendes (STF) passou recado ao juiz que determinou a invasão e, por consequência, a Sérgio Moro, à frente da Lava Jato.
A manchete da Folha na última sexta-feira (28.10.2016), “
Odebrecht diz que caixa dois para Serra foi pago em conta na Suíça”, dá o tom do próximo round no ringue instalado no Planalto. Em delação premiada, executivos da Odebrecht afirmaram que o ministro José Serra (Relações Exteriores) recebeu R$ 23 milhões (R$ 34 milhões em valores atualizados) em caixa dois da empreiteira durante a eleição de 2010.
Estranho para os tucanos é caixa dois, para os petistas é propina.
Para os tucanos uma pequena notinha de pé de página na Folha e no Estadão e nenhuma linha no JN de ontem (29.10.2016).
Para os petistas, manchetes em todos os jornais, revistas, rádios e televisões.
E ainda tinha gente que defendia a regulação da mídia através do controle remoto !
Operação Métis
A invasão da PF na Casa Legislativa, com direito ao carnaval midiático de sempre, escancarou a fissura entre os poderes da República.
Ao justificar a Operação Métis - deusa da astúcia, capaz de prever todos os acontecimentos... – a PF afirmou que a varredura promovida pelos policiais legisladores nos gabinetes e residência dos senadores, “utilizando-se de equipamentos de inteligência", criou “embaraços às ações investigativas” da Lava Jato (G1,
21.10.2016) ???
O sinal de alerta do Legislativo sobre o avanço do Judiciário foi dado pelo senador Renan Calheiros, presidente da Casa. Para que a Lei fosse obedecida, antes de invadir o espaço, a PF deveria ter solicitado autorização a Calheiros (presidente da Casa) ou ao STF que encaminharia a ele um requerimento para isso.
Com 11 inquéritos no STF, oito relacionados com a Lava Jato, Calheiros foi um dos que requereram a varredura, autorizada por ele mesmo. Em coletiva de imprensa, além de defender o trabalho da polícia legislativa, dentro da lei e restrito à detecção de escutas ilegais, ele atacou o juiz federal, Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª. Vera Federal de Brasília, responsável pela Operação:
“Um juizeco de primeira instância não pode, a qualquer momento, atentar contra um poder. Busca no Senado só se pode fazer pelo Senado, e não por um juiz de primeira instância. Se a cada dia um juiz de primeira instância concede uma medida excepcional, nós estaremos nos avizinhando de um estado de exceção, depois de passado pelo estado policial”. (G1,
24.10.2016)
Em relação ao ministro Alexandre de Moraes (Justiça), Calheiros foi além, utilizando expressões como “truculência”, “intimidação” e até mesmo “métodos fascistas”:
“É lamentável que isso aconteça num espetáculo inusitado, que nem a ditadura militar o fez, com a participação do ministro do governo federal que não tem se portado como ministro de Estado, no máximo tem se portado como um ministro circunstancial, de governo, chefete de polícia”.
Disse mais: “A nossa trincheira tem sido sempre a mesma, a Justiça, o processo legal sem temer esses arreganhos, truculência, intimidação. Eu tenho ódio e nojo a métodos fascistas, por isso, como presidente do Senado Federal, cabe a mim repeli-los” (Bom dia Brasil,
25.10.2016).
Durante a coletiva, da segunda-feira (24.10.2016), Calheiros anunciou ter ingressado no STF com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) com o objetivo de definir “claramente” a competência entre os poderes.
Algumas perguntas sobre o episódio:
Se grampos são permitidos, com autorização judicial, nas companhias telefônicas, como os policiais do legislativo poderiam atrapalhar a Lava Jato ?
A Operação Lava Jato, de Sérgio Moro está fazendo escuta física, colocando grampo em gabinetes ou nas residências das pessoas ? Como os grampos encontrados no cárcere de Alberto Youssef, dentro da Polícia Federal?
Em tese, não haveria como prejudicar a Lava Jato com a varredura, porque se houvesse escuta física, a Lava Jato não poderia utilizar esse material. A Justiça autoriza GRAMPOS efetuados nas Operadoras de telefonia. Os policiais do Senado se debruçaram sobre escutas físicas, ou seja, aparelhos colocados nos escritórios e ou nas residências das pessoas de forma ilegal.
É correto, portanto, que o presidente do Senado autorize varredura. E um equívoco a ação da PF e do juiz em determinar a prisão dos policiais e o recolhimento de um equipamento utilizado para evitar uma possível ilegalidade ou crime. A autorização de Calheiros não tem nada de " ilegal".
Golpistas intimidados?
Além do clima de guerra entre os Três Poderes, o episódio escancara o clima de terror promovido pela Lava Jato entre os golpistas.
Sim, golpistas.
Na lista dos senadores que solicitaram serviços da polícia legislativa porque “se sentiam intimidados nas suas relações familiares”, conforme justificativa de Calheiros para autorizar o procedimento, constam:
Aloysio Nunes (PSDB-SP); Álvaro Dias (PV-PR), Ciro Nogueira (PP-PI), Eunício Oliveira (PMDB-CE), Fernando Collor (PTC-AL), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Ivo Cassol (PP-RO), Magno Malta (PR-ES), Omar Aziz (PSD-AM), Raimundo Lira (PMDB-PB), Renan Calheiros (PMDB-AL), Simone Tebet (PMDB-MS), Tasso Jereissati (PSDB-CE), Vicentinho Alves (PR-TO), Waldemir Moka (PMDB-MS), Lobão Filho (PMDB-MA) e Vital do Rêgo (PMDB-PB). (G1,
24.10.2016),
Com exceção da senadora Gleisi Hoffmann, a relação dos “intimidados” é composta pela tropa de choque do impeachment.
Não à toa, que essa lista não foi referida no Jornal Nacional da Rede Globo e nem estará no Fantástico do domindo (30.10), permanecendo restrita aos onlines e impressos, preferencialmente em pequenos espaços..
Entre os nomes, apenas a Senadora Gleisi, o Senador Collor e ex-Deputado Eduardo Cunha, também citado, sofreram busca e apreensão em suas casas o que permitiria, em tese, a PF ter plantado uma escuta física. Outros senadores, apesar de terem seus nomes referidos ou investigados na Lava Jato, não sofreram qualquer " constrangimento" a mando do Judiciário.
Por que Aloysio Nunes, Tasso Jereissati, Álvaro Dias estariam se sentindo intimidados?
Não há dúvidas: tem boi nesta linha.
Convite recusado
O passa-moleque dado pelo presidente do Senado na última terça-feira foi duramente criticado pela presidente do STF, a ministra Carmem Lúcia. Exigindo respeito aos demais poderes da Justiça, ela disse: “todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes somos agredido” (ODIA,
25.10.2016).
A crise estava escancarada.
O presidente decorativo Michel Temer entrou em ação, sem sucesso. Convocou uma reunião entre os Três Poderes que foi declinada pela ministra, alegando “agenda cheia” (OESP,
25.10.2016). O encontrou aconteceu somente na última sexta-feira, com uma estranha pauta sobre Segurança, Calheiros, claro, pediu desculpas (FSP,
28.10.2016).
Esta semana, aliás, será apreensiva para o presidente do Senado. Nos próximos dias, a Corte Suprema votará o impedimento – ou não – de que parlamentares com processo criminal no STF ocupem cargos que possam levá-los a substituir o presidente da República na linha sucessória. Com onze inquéritos no STF, esse é o caso de Renan Calheiros atrás, na fila, do prestativo Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Presidente da Câmara dos Deputados, também citado na Lava Jato (JCNE,
26.10.2016), Maia afirmou sobre a Operação Métis: “tem que se tomar muito cuidado quando um juiz de primeira instância dá decisão em relação a entrar no poder [legislativo]”.
Ele também alertou sobre a ilegalidade da escuta física afirmando que “vale” a atuação da Polícia Legislativa para evitar grampos ilegais. O grampo legal, apontou, “fica no telefone, não precisa, não tem como você evitar grampo legal, porque é autorização judicial e está na central telefônica”. (G1
.24.10.2016).
Maia entende do assunto, seu nome surge em mensagens telefônicas trocadas com o empreiteiro Léo Pinheiro, envolvendo doações de campanha da OAS (OESP,
11.06.2016, FSP,
21.01.2016, EPOCA,
14.06.2016).
Mas, também deve se tratar apenas de caixa dois !
Sua atuação impecável na implantação do Estado mínimo, na defesa da PEC 241 – agora PEC 55 no Senado - e das 10 medidas contra a corrupção do Ministério Público (G1,
26.10.2016), podem lhe garantir um refresco.
Sem falar dos financiadores de sua campanha – a maioria bancos e empresas do sistema financeiro (FSP,
15.07.2016) – que têm nele um forte representante dentro do Congresso. Não é à toa que Maia vem tentando se reeleger na presidência da Câmara em 2017 e à revelia da Constituição exigir uma eleição de deputado entre as disputas pela vaga (AE,
07.10.2016).
No último dia 13, o deputado se reuniu com o ministro Gilmar Mendes para discutir reforma política. Imagine a conversa entre ambos sobre a proibição do financiamento privado de campanhas em curso.
Maia deu uma palha: “Não haverá mais financiamento de pessoa jurídica. Então, nós teremos financiamento ou de pessoa física ou público. Com [apenas] estes dois modelos, o sistema vai entrar em colapso em 2018” (IG,
13.10.2016).
Resta a pergunta: Qual a legitimidade de Gilmar Mendes para discutir reforma política com o Presidente da Câmara?
Vem chumbo grosso por aí.
Salve-se quem puder
É sempre bom lembrar que Mendes e Maia têm um amigo em comum: o sumido senador Aécio Neves. Investigado em dois inquéritos no STF na Operação Lava Jato, citado em várias delações, Aécio foi considerado um grande articulador da vitória de Maia na Câmara em julho deste ano (R7,
16.07.2016).
Sua presença também pode ser suposta nas críticas, cada vez mais constantes, do amigo Gilmar Mendes sobre a atuação de Sérgio Moro.
Nesta semana, o todo-poderoso do STF destacou que "a Lava Jato tem sido um grande instrumento de combate à corrupção”, mas “daí a dizer que nós temos que canonizar todas as práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa distância”.
Ele também pediu “escrutínio crítico” em relação às dez medidas do MPF.
A mais inquietante de suas declarações, apesar de assegurar que o Brasil vive seu mais longo período de “normalidade institucional”, disse respeito à Operação Métis. Gilmar Mendes foi categórico em relação à invasão da PF no Senado: “medidas em relação ao Senado devem ser autorizadas pelo Supremo”.
Chegou, inclusive, a mencionar a cautela dos militares em 1964: “Se tem que tomar todas as medidas para não botar a polícia dentro do Congresso. São coisas que não se compatibilizam. Existe um elemento simbólico. Até os militares foram muito cautelosos em fechar ou colocar a Polícia dentro do Congresso. É preciso ter cuidado com isso”.
Em suma: o senador Calheiros não ofendeu a Justiça e a Ministra Presidenta do STF, ficou pendurada no pincel.
De quebra, Mendes defendeu o projeto de lei contra o abuso de autoridade de juízes e promotores, criticando abertamente Sérgio Moro: "alguns chegam a dizer exageradamente que comprometeria a Lava Jato. Significa que eles precisam de licença para cometer abuso? Me parece um absurdo". (OGLOBO,
21.10.2016).
Não esquecer que as rusgas entre Gilmar e Janot datam de 2015, tendo porém se tornado mais agudas nos últimos tempos.
A disputa interna entre os golpistas será tórrida no próximo ano.
Gilmar Mendes, inclusive, passou a agenda: “já tivemos muitas denúncias recebidas. Esse processo prossegue e certamente, no ano que vem, já iremos ter decisões do Supremo, ou condenações ou absolvições” (G1,
24.10.2016).
Bye-bye
É neste contexto que os boatos sobre o afastamento de Temer se fortalecem no Planalto Central. No horizonte, as delações da Odebrecht – nas quais Serra já entrou no bolo - prometem atingir pesos pesados do atual governo como Eliseu Padilha (Casa Civil), Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) e Moreira Franco (Parcerias de Investimentos), além de Rodrigo Maia (CEM-RJ). (FSP,
26.10.2016). Enquanto isso, Eduardo Cunha permanece bem guardado sob as asas de Moro.
A pergunta se coloca: qual será o nome que eles vão impor, nas eleições indiretas, após o chisparem com Temer e cia. do planalto?
Seja qual for, terá de ser alguém que abrirá, ainda mais, a atuação do núcleo tucano instalado no centro econômico do poder. Alguém forte capaz de conter os excessos – só agora incensados – da Lava Jato. E com a estatura de uma pulga, em termos sociais, para promover o desmonte de um país que poucos anos atrás ascendia em justiça social, soberania e perspectiva de futuro.
A verdade é que uma possível delação premiada de Eduardo Cunha e família e dos executivos da Odebrecht, têm potencial destruidor de uma bomba atômica, como reconhece o próprio Juiz Moro, neste final de semana.
Desta forma, o povo brasileiro deve estar atento a essas movimentações e possibilidades, que podem levar um aventureiro à Presidência da República, com o rótulo de salvador da Pátria.
Lembram? Já foram mencionados Joaquim Barbosa, mais recentemente Sergio Moro, quem será o próximo?
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