quinta-feira, 7 de setembro de 2017

IMPERDÍVEL ; Celso Amorim: servi com um estadista​

Celso Amorim: servi com um estadista​

Lula​ é ​ líder do povo e homem de Estado
publicado 07/09/2017
CelsoArmorim.jpg
Amorim: uma politica externa altiva e ativa (Reprodução: Carta Maior)
​O Conversa Afiada publica artigo do melhor chanceler brasileiro, Celso Amorim​:
Foi com enorme honra que recebi, em dezembro de 2002, o convite do Presidente Lula para ser seu Ministro das Relações Exteriores. Diplomata de carreira, eu fora chanceler de Itamar Franco e havia representado o Brasil,em diversos governos, perante às Nações Unidas, em Nova Iorque, à Organização Mundial do Comércio e outras organizações internacionais em Genebra. Quando recebi o convite, era Embaixador do Brasil junto ao governo britânico. 

A opção do presidente recém-eleito por um funcionário de carreira já denotava sua visão sobre como deveria ser conduzida a política externa em seu governo, já que não faltavam, nos próprios quadros do Partido dos Trabalhadores, pessoas com qualificações e com amplo conhecimento e experiência na realidade internacional. Mais do que qualquer outra coisa – uma vez que jamais tivéramos contato direto – , o Presidente Lula quis significar, com essa opção, que a política externa do Brasil, sem deixar de ser sensível aos anseios populares que o levaram ao poder, seria, sobretudo, uma política de Estado.

Desde logo, percebi que havia grande sintonia em nossas visões. Ao falar à imprensa no momento em que minha indicação foi anunciada, limitei-me praticamente a dizer que a política externa seria levada adiante de forma “ativa e altiva”. Foi esse sentimento, de profundo respeito pela dignidade do país, ao lado da crença na capacidade do povo brasileiro de enfrentar desafios, que norteou nossas posições e iniciativas no cenário internacional. A auto-estima substituiu o inexplicável complexo de inferioridade, que, afora alguns momentos excepcionais, costumava marcar a nossa atuação diplomática. 

Durante o governo Lula, o Brasil rejeitou acordos comerciais desvantajosos que se nos queriam impor; trabalhou intensamente pela integração sul-americana; fortaleceu as relações com os demais países da América Latina e Caribe; intensificou laços de amizade com a África e os países árabes e rompeu novos horizontes na formação de fóruns e blocos com as grandes nações emergentes. Sem hostilizar nossos parceiros do mundo desenvolvido (ao contrário, criamos uma “parceria estratégica” com a União Europeia e um “diálogo global”com os Estados Unidos), trabalhamos em favor de um mundo mais multipolar, no qual os interesses do Brasil e dos países em desenvolvimento como um todo pudessem ser afirmados e respeitados.

Durante as duas gestões do Presidente Lula, o Brasil liderou a criação de uma organização política sul-americana (a Unasul) e esteve à frente da iniciativa da CELAC – Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos. Pela primeira vez em duzentos anos de vida independente foi possível criar órgãos que representassem o conjunto da América do Sul, e da América Latina e Caribe, sem qualquer tipo de tutela externa. O fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul)não somente abriu novos caminhos para a cooperação sul-sul como esteve na raiz da criação do BRICS, que se constituiu em importante fator de equilíbrio na ordem econômica internacional, até então dominada pelo G7 (grupo de economias mais ricas). O Presidente Lula esteve à frente, também, de importantes lutas para erradicar a fome e a pobreza no mundo e para facilitar o acesso de populações pobres a tratamentos de saúde. Sua liderança na reforma das regras do comércio e das finanças internacionais foi amplamente reconhecida, o que se espelhou sobretudo no G20, o grupo das maiores economias, que, para efeitos práticos, substituiu o G7 como principal foro internacional em temas econômico-financeiros.

No plano da paz e da segurança, o Brasil foi chamado a participar de esforços em prol de uma solução pacífica no Oriente Médio, como ocorreu no caso da Conferência de Annapolis, em relação ao conflito Israel-Palestina (o Brasil foi um dos três únicos países em desenvolvimento não-predominantemente islâmicos a participar do encontro). Juntamente com a Turquia, estivemos, em 2010, no centro de uma importante iniciativa para solucionar o problema em torno do programa nuclear iraniano, que viria servir de inspiração ao acordo estabelecido entre as grandes potências e Teerã, em 2015.

Durante os oito anos em que servi diretamente sob as ordens do presidente Lula, pude testemunhar a admiração que ele inspirava nos estadistas das mais variadas partes do mundo. Não seria exagero dizer que, durante esses anos, o Brasil era um “farol” que apontava o caminho do desenvolvimento em direção a uma sociedade mais justa e democrática em um mundo política e economicamente mais equilibrado. Nesses anos, o respeito pelo Brasil atingiu níveis nunca antes alcançados e a figura do nosso presidente era reverenciada por todos, ricos ou pobres, poderosos ou fracos. 

Em vários momentos, principalmente nas longas viagens ao redor do mundo, participei de conversas reservadas, em que temas de política internacional se misturavam com os da situação interna no nosso país. Durante todos esses momentos, jamais presenciei, da parte do Presidente Lula, gesto ou palavra que não fosse indicativa de sua absoluta integridade moral e dedicação aos objetivos maiores do povo brasileiro. 

Recordo-me de uma primeira viagem pelo interior do Nordeste, em que Lula fez questão de mostrar aos seus ministros (a maioria dos quais oriundos de partes mais bem aquinhoadas do país) a verdadeira realidade brasileira. Constatei, com misto de surpresa e espanto,não só a afeição mas também a confiança que o povo pobre do Brasil depositava no líder que acabara de assumir. Há poucas semanas, acompanhei novamente Lula em um trecho de sua “caravana” àquela região e pude constatar que a mesma relação de confiança se preservou. Melhor: foi reforçada pelos avanços sociais que seu governo trouxe. É, pois, com grande tristeza, que vejo as tentativas daqueles que sempre defenderam privilégios de classe e atitudes de dependência em relação a potências estrangeiras de desconstruir a imagem e a obra daquele que foi, sem dúvida, o maior líder popular que o Brasil já teve. 

Como tantos brasileiros, confio que a justiça, afinal, prevalecerá e que Lula poderá seguir conduzindo o Brasil no rumo de uma sociedade menos desigual e de uma posição de respeito, independência e dignidade no plano internacional. 

Brasília, 7 de setembro de 2017
Fonte: Conversa Afiada

DECADÊNCIA DA REPÚBLICA QUADRILHEIRA

decadência da república quadrilheira

Dom Orvandil*


Prezada jornalista Meire Bottura,

Agradeço muito pela participação da amiga em forma de comentários no blog.

Na luta que fazemos com outros blogs e sites buscamos desconstruir o bloco pesado de poluição do senso comum, portanto cada contribuição é de inestimável valor. A sua, de modo especial por ser trabalhadora das áreas do jornalismo e bancária.

Confesso que sinto nojo, revolta e profunda tristeza com tudo o que vem à tona com as revelações que vêm das prisões e delações dos ladrões de sempre, embora tudo seja muito restrito, incipiente e seletivo.

Na verdade, não me decepciono. Há anos que sei de tudo isso e como tudo é parte do jogo dessa elite dominante, que arrasa o Brasil e nosso povo desde a invasão colonial a partir de 1500.

Coisas como o espetáculo chamado mensalão sob o comando de ministros medíocres do STF, aliados da mídia pornográfica da verdade, como os shows pobres de inteligência e miseráveis de patriotismo, nacionalidade e de democracia promovidos pela força – fraqueza – tarefa da lava-jato, com seus juízes, promotores, procuradores e policiais federais corruptores da justiça e da ciência, na afronta aos fatos e à amplitude judicial, não me surpreendem.

As malas de dinheiro, andando pelas ruas ou escondendo milhões em apartamentos fechados, com recursos roubados do povo e do Estado assaltado pelos grupos mais apodrecidos do País, entristecem-me, mas não me decepcionam.

Termos parlamento sujo com deputados e senadores que serviriam mais para ocupar espaços em presídios ou condenados a prestação de serviços pesados em lugares remotos como criminosos de alta periculosidade e desrespeitosos às coisas públicas e à Constituição, me envergonha sim, mas não me surpreende.

Contarmos com um STF composto de 11 ministros apáticos, coniventes e cúmplices do grave golpe de Estado, que o bando de assaltantes do poder armou para assaltar e estrangular a qualidade de vida de nosso País e do nosso povo , me indigna mas não me surpreende.

Ver pobres torcendo pela direita de tez fascista e se congestionando de ódio me choca, mas não me surpreende.

Tentar ajudar a mobilizar nosso povo e sentir dó por vê-lo tão alheio à depredação dos direitos sociais, inclusive os de primeira necessidade, ao roubo em alta escala dos bens do nosso solo, das nossas matas, das nossas águas e do nosso subsolo, me faz sentir dor lacerante na alma, mas também não me surpreende.

É impactante ver centenas e até milhares de grupos agindo contra o golpe, mas separados e se achando donos da verdade, sem capacidade de mobilização e unidade, me assustam, mas não me surpreendem.

Tudo, minha amiga, faz parte da grande jogada da elite dominante, a mais podre, desumana, egoísta, perversa e preguiçosa do mundo, com muitos desses desvalores já identificados por Darci Ribeiro há muitos anos.

Essa elite apátrida é egoísta porque no seu ideário o Brasil não passa de um canteiro de onde arrancam produtos para comercializar e os brasileiros escravos que devem trabalhar sem direitos para enriquecê-la.

A elite é burra porque ao desvalorizar sua classe trabalhadora com a ilusão de que a tecnologia tudo fará para levantar lucros, no fundo, ela mesma será arrasada e derrubada por ser estúpida e abocanhadora de tudo sem nada repartir, não me surpreende, embora me enoje de ver os seus mentindo e em alto estilo se achando eterna.

Os grupos dominantes são imorais, porque não respeitam pactos, mesmo os defendidos por seus teóricos burgueses. São predatórios destrutivos até mesmo de suas próprias fontes de riquezas e isso não surpreende.

Tomaram o poder em todas as suas instâncias: o executivo, o legislativo e o judiciário. Em todos eles fazem o que vemos nesta conjuntura e isto era previsível, menos para os ingênuos.

Desgraçadamente muitos de nós nos deitamos nas redes certos de que o Brasil e a felicidade do povo brasileiro estavam salvos.

Nada, essa elite atuou sempre na movimentação das peças da tomada do poder.

Eles tomaram o poder.

No mais, tudo é jogo de sena. Rodrigo Janot confessa sua miséria moral, falta de coragem e se afirma como medroso fiel a tudo o que há de mais sórdido a quem ele serve e com quem quer assegurar emprego após deixar o cargo de chefe do MPF, que exerceu com parcialidade seletiva e com muita mediocridade, também faz jogo de sena tendo como palco a pocilga da mesma elite suja a quem serve.

Quanto mais a elite se mostrar, melhor.

Quanto mais a sociedade perceber, mais nos aproximaremos da verdade de que essa elite não serve ao País. O que nos restará?

Essas seleçõezinhas dos lavajateiros, de ministério público, de delações e de prisões coercitivas são todas material intestinal, que de vez em quando esborrifam nos ventiladores, fazendo shows mediáticos estilo programas policiais de baixa qualidade, porque agem nas superfícies dos chiqueiros da elite. E nada mais.

Até mesmo eleições não servirão para nada.

Não haverá salvação fora da insurreição, da mobilização organizada, na luta com o povo nas ruas e no levante popular para varrer todos eles.

Nesta luta, nós, o povo brasileiro, temos que recuperar o significado constitucional de que todo o poder emana do povo.

Emana do povo e não de leis frias, mortas e atingidas pelas ejaculações estuprantes golpistas.

O grito dos excluídos tem que virar tomada da República de fato e por vias de fato, sem enrolação!

Chega! Basta de golpe!

Abraços críticos às obras malcheirosas e putrefatas da elite, excludente e injusta, mas abraços fraternos a quem sonha e luta para tomar o poder e realizar a democracia que merecemos.


* Dom Orvaldil é Arcebispo, Campo Grande/MS

José Dirceu: Venezuela resiste, Trump ameaça e o Brasil se submete

José Dirceu: Venezuela resiste, Trump ameaça e o Brasil se submete


É triste ver o Brasil perder a liderança diplomática ao abandonar os princípios da não intervenção nos assuntos internos dos demais países e da autodeterminação dos povos
Com o texto abaixo, o ex-ministro José Dirceu estreia coluna em Opera Mundi, na qual discutirá temas relativos à conjuntura internacional e aos posicionamentos diplomáticos e políticos do governo brasileiro.

Há semanas escrevi para o jornal espanhol El Pais um artigo sobre a Venezuela, indignado que estava com a política do governo brasileiro, através das operações diplomáticas do Itamaraty, agindo de forma absolutamente irresponsável e submissa aos interesses da direita venezuelana e dos Estados Unidos.
Ao apoiar a oposição, o governo brasileiro alimenta as correntes favoráveis à guerra civil e à intervenção norte-americana, chancelando um noticiário que, no Brasil como na maioria da imprensa internacional, está comprometido com os inimigos do chavismo e sua versão dos fatos.
Não se trata de julgar o governo Maduro ou a revolução bolivariana, mas de buscar saídas pacificas para a crise política e econômica do país, sem intervenção externa e uso da força, até porque as Forças Armadas apoiam Maduro, o governo e a Constituinte.
A administração Trump ameaçou de público intervir na Venezuela a favor da oposição, recebendo imediatamente o repúdio dos governos do México, Peru e Colômbia, deixando a diplomacia brasileira isolada e em maus lençóis, obrigando-a tardiamente a condenar a ameaça norte americana.
O fato é que a oposição optou por derrubar o governo legal e constitucional de Maduro, nossos golpistas – acostumados à impunidade – logo a apoiaram e, submissos a Washington, silenciaram-se frente às ameaças da Casa Branca.

Cuba denuncia 'operação' mundial contra Venezuela e repudia sanções a Maduro

Venezuela é 'elo estratégico' em tentativa dos EUA de recolonizar América Latina, diz Evo Morales

Em carta a Maduro, Raúl reafirma apoio cubano à Venezuela: 'cada golpe fortalece a unidade'

 
As forças conservadoras tiveram a ilusão de que os milhões de beneficiados com a revolução e os governos chavistas se manteriam na defensiva, inertes frente a ataques armados, sabotagens, desabastecimento de produtos essenciais, locaute de empresários, agressões e assassinatos de apoiadores e liderança – a metade dos mortos nas manifestações são policiais e manifestantes a favor do governo Maduro.
Jamais previram a convocação da Constituinte e das eleições regionais e menosprezaram o apoio total das forcas armadas. Recorrendo a dispositivos constitucionais, o presidente Maduro chamou o povo a exercer o poder originário, colocou todas as instituições do Estado sob a batuta da instância democrática soberana e vem recuperando a normalidade política, enfrentando a crise criada pela oposição golpista a partir de sua maioria na Assembleia Nacional.
Agência Efe

Venezuelanos durante os exercícios militares da "Soberania Popular 2017"
Com a iniciativa política lhe escapando das mãos, depois do forte comparecimento às urnas constituintes e da marcação dos pleitos estaduais, restou à oposição apostar suas fichas na pressão que possa ser exercida pelos centros imperialistas, da qual são representativas as ameaças de Trump e as sanções ilegais decididas contra a Venezuela, repetindo o roteiro do fracassado e arbitrário bloqueio a Cuba, vigente desde 1962.
Nessa situação, também é triste ver como o Brasil perde a liderança diplomática, jogando no lixo o papel conquistado por Lula na América do Sul, sempre a favor de soluções negociadas e respeito absoluto aos princípios da não intervenção nos assuntos internos dos demais países e da autodeterminação dos povos.

Henrique Meirelles e o Consenso de Washington

Henrique Meirelles e o Consenso de Washington


O Programa de Reformas de Meirelles, as quais são contrareformas que promovem um retrocesso econômico e social ao período anterior a 1930
1. O programa econômico do Senhor Henrique Meirelles, atual Ministro da Fazenda; ex-Presidente do BankBoston entre 1996 e 1999 e do FleetBoston Financial; ex-Presidente do Banco Central de 2003 a 2010, e, entre 2012 e 2016, Presidente do  Conselho de Administração da holding J&F, de Joesley Batista, é o Programa do Mercado.
2.       É o programa desejado com ardor (e promovido com recursos) pelos banqueiros, rentistas, grandes empresários comerciais e industriais, grandes proprietários rurais, donos de grandes órgãos de comunicação, gestores de grandes fortunas, executivos de grandes empresas e seus representantes no Congresso.
3.       O Mercado pode ser definido como sendo integrado por cerca de 200 mil pessoas que declaram, espontaneamente, ao preencher suas declarações anuais de Imposto de Renda, terem rendimentos mensais superiores a 80 salários mínimos (cerca de 80 mil reais por mês).
4.       Os integrantes dessa entidade, criada e chamada pela mídia e pela academia de Mercado, são em número inferior a 0,2% da população adulta brasileira (cerca de 120 milhões de indivíduos) e se defrontam com os demais 207 milhões de indivíduos, que são mais de 99% do povo brasileiro. Entre os 26 milhões de brasileiros que devem, de acordo com a legislação, apresentar declaração de rendimentos e de bens são eles menos de 1% dos declarantes do imposto de renda.  
5.       O Programa de Reformas de Meirelles, as quais são contrareformas que promovem um retrocesso econômico e social ao período anterior a 1930. Essas contrarreformas, que a esmagadora maioria do povo rejeita, são um programa imposto de forma implacável ao Brasil, sendo, em realidade, a execução (anacrônica) das políticas recomendadas pelo Consenso de Washington.
6.       O Consenso de Washington é uma lista de dez políticas elaborada por técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial, do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos e por acadêmicos norte-americanos, como sendo as políticas mais adequadas e (até as únicas) capazes de promover o desenvolvimento dos países atrasados, subdesenvolvidos, como o Brasil.
7.       Este Consenso, que data de 1989, retoma os princípios da teoria e da política econômica clássica dos tempos do padrão-ouro e anteriores a J.M.Keynes, em um momento da política econômica americana caracterizado pelo sucesso de seus esforços de abertura de mercados, de desregulamentação financeira e de apoteose da globalização; e da política externa, devido a sua vitória contra o Iraque na primeira guerra do Golfo e à derrocada da União Soviética, a maior vitória política e militar em que não houve o dispêndio de uma bala.
8.        A aplicação das políticas do Consenso de Washington, exigida pelas “condicionalidades” do FMI e do Banco Mundial para a concessão de empréstimos e pelos dispositivos dos acordos de livre comércio, versão dos “acordos desiguais” do Século XIX, não levaram ao desenvolvimento dos países da América Latina e da África.
9.        A distância, em termos de renda per capita, de participação no Produto Mundial e no comércio mundial, de número de patentes registradas etc. entre os países altamente desenvolvidos e os países subdesenvolvidos (entre os quais não se deve incluir a China) não se reduziu entre 1989, data do Consenso, e os dias de hoje.
10.   Do ponto de vista estrutural, estes países continuaram a se caracterizar como produtores/exportadores de matérias primas e importadores de produtos industriais, exibindo graves disparidades e pobreza, e baixo ou nenhum dinamismo tecnológico.
11.  Aqueles países que se desenvolveram e cresceram rapidamente depois de 1989 foram aqueles que não seguiram estas políticas do Consenso (sempre advogadas pelos Estados Unidos, organismos econômicos e países desenvolvidos) com especial destaque para a China, e em parte pela Índia.
12.  A execução do Programa do Senhor Henrique Meirelles se faz com a colaboração dos Senhores Ilan Goldfajn e Dyogo Oliveira, e dos técnicos que trabalham na Fazenda, no Banco Central e no Ministério do Planejamento, que são apresentados sob a expressão “equipe econômica”.
13.  O Programa de Reformas executado por Henrique Meirelles e seus auxiliares, com a ajuda do Congresso Nacional, é a implementação, no Brasil, do Consenso de Washington.
14.  As políticas do Consenso de Washington e do Programa de H. Meirelles são dez:
·          disciplina fiscal;
·          redução dos gastos públicos;
·          reforma tributária;
·          juros de mercado;
·          câmbio de mercado;
·          abertura comercial;
·          eliminação das restrições ao investimento direto estrangeiro;
·          privatização de empresas estatais;
·          desregulamentação ;
·          direito à propriedade intelectual.
15.  A disciplina fiscal, primeiro princípio do Consenso, que significa um esforço de promover um rigoroso equilíbrio entre receitas e despesas públicas, elimina a possibilidade de endividamento do Estado para realizar políticas anticíclicas, para enfrentar o desemprego e o subemprego, e realizar os investimentos estruturantes e indispensáveis ao desenvolvimento sustentado de um país.  
16.  A disciplina fiscal, ponto central do Programa de Meirelles, é imposta pela Emenda Constitucional 95, que congela as despesas “primárias” por 20 anos, sem tocar nas despesas do Estado com a dívida pública, que chegam a quase 50% do total do orçamento e dos gastos públicos, sem permitir o aumento de receitas, rejeitando o combate à sonegação de impostos e à evasão de divisas, e, implicitamente, negando a possibilidade de aumento de impostos e de reforma tributária.
17.  O segundo princípio do Consenso, que é a redução dos gastos públicos, significa a redução das despesas primárias com as atividades do Estado em segurança pública, justiça, defesa; em programas sociais como educação e saúde pública; com a Assistência e Previdência Pública; com investimentos de infraestrutura etc.
18.  Não cogita H. Meirelles de reduzir os gastos do Estado com o serviço e amortização da dívida pública, correspondentes a mais de 50% do orçamento, que decorre dos níveis extraordinários, em termos internacionais, da taxa de juros de referência estabelecida pelo Banco Central (a SELIC) nem de controlar as receitas que o setor financeiro aufere com a prática de juros elevadíssimos que inibem o consumo da população e o investimento empresarial.
19.  A politica de redução dos gastos do Estado é procurada através da mesma Emenda Constitucional 95 que congelou as despesas primárias ao nível das despesas realizadas no ano de 2017, por vinte anos, isto é, até 2037.
José Cruz/Agência Brasil

O Programa de Reformas de Meirelles promovem um retrocesso econômico e social ao período anterior a 1930

'Estamos frente a um sistema de agiotagem que paralisou o Brasil', diz economista Ladislau Dowbor

Apesar de Trump, a Venezuela dificilmente será um novo Iraque

Henrique Meirelles e o Consenso de Washington

 
20.  Algumas consequências da redução de gastos públicos (ou de privatização dos programas públicos) são as seguintes:
·          redução do Bolsa Família, que atende hoje a 25% da população, o que redundará em aumento da pobreza absoluta;
·          redução do atendimento às crianças na primeira infância;
·          redução do SUS e agravamento da situação da saúde da massa de cidadãos pobres, sem capacidade de pagar por remédios e assistência médica;
·          redução dos investimentos em educação e sua privatização o que excluirá os pobres do acesso à educação;
·          redução dos investimentos em defesa, necessários a uma política de dissuasão, imprescindível a um país com as dimensões geográficas, populacionais e econômicas do Brasil.
·          redução dos investimentos em ciência e tecnologia.
21.  O terceiro princípio, a reforma tributária,  propugnado pelo Consenso de Washington  não significa uma reforma do sistema tributário para torná-lo menos regressivo, isto é, menos incidente sobre os mais pobres, mas sim reduzir impostos sobre o capital e as contribuições previdenciárias das empresas para, com o aumento da perspectiva de lucro das empresas, atingir o objetivo de estimular os investimentos privados.
22.  É o que parece pretender o Ministério da Fazenda e Meirelles, articulador principal da política econômica do Governo Temer, como se pode entrever das discretas manifestações do Governo sobre o tema.
23.  A pouca disposição de Henrique Meirelles de rever as desonerações fiscais e de cobrar a dívida pública da União, que supera o montante de três trilhões de reais, e as dívidas das empresas privadas para com a Previdência, que chegam a mais de 400 bilhões de reais; os programas de refinanciamento de dívidas (REFIS) que são, em realidade, programas de perdão de dívidas; a tolerância com as decisões do Conselho Administrativo da Receita Federal-CARF em favor das grandes empresas e contra o Estado; a tolerância com a evasão de divisas para o exterior, revelam, em seu conjunto, a natureza da reforma tributária que Meirelles está, na prática, realizando em benefício do capital e contra o trabalho.
24.  A prática de juros de mercado, a quarta recomendação do Consenso de Washington, significa que o Estado não deve executar políticas de juros subsidiados para estimular e fortalecer as empresas de capital nacional em sua competição, interna e internacional, com as megaempresas multinacionais que, além dos recursos de suas tesourarias, tem fácil acesso a financiamento de bancos públicos de seus Estados e de megabancos privados multinacionais.
25.  A política de Meirelles de substituir a TJLP-taxa de juros de longo prazo, cobrada pelo BNDES nos empréstimos às empresas (não somente nacionais, mas também estrangeiras) pela TLP-Taxa de Longo Prazo, que fará com que os juros cobrados pelo BNDES se aproximem dos juros de mercado, taxa que será flutuante, é um dos instrumentos da política de privatização dos bancos públicos brasileiros, no caso do BNDES, visa também beneficiar as empresas estrangeiras que atuam no Brasil e forçar as empresas brasileiras a se financiarem junto a bancos privados que praticam taxas de juros (a empresas) que superam 30% ao ano, taxas que tornam inviável qualquer investimento produtivo.
26.  O Consenso de Washington recomenda, em quinto lugar, aos países subdesenvolvidos que adotem uma política de câmbio de mercado, isto é, que o Estado não interfira de nenhuma forma no mercado cambial e que não controle de nenhuma forma os fluxos de ingresso e de saída de capitais da economia e, portanto, permita a intensa especulação que existe no mercado mundial de divisas.
27.  O Ministério da Fazenda e o Banco Central realizam uma politica de câmbio valorizado, isto é, o real tem um valor em relação ao dólar muito superior ao que seria conveniente para promover o desenvolvimento industrial e os investimentos privados necessários, política que dificulta as exportações brasileiras, inunda o mercado doméstico com importações de produtos industriais baratos (provenientes em especial da China, mas não somente da China), estimula as despesas com turismo etc. e desnacionaliza a indústria brasileira que, cada vez mais enfraquecida, é gradualmente vendida a preços “muito bons”, segundo os especialistas em vender o Brasil.
28.  A política cambial é pró-valorização do real com o objetivo de usar a política de juros altos para atrair capitais estrangeiros em investimentos especulativos.
29.  A abertura comercial, sexta política recomendada pelo Consenso de Washington, que consagra a divisão internacional do trabalho entre países primários e países industriais. É objetivo de Henrique Meirelles na medida em que este pratica uma política de plena liberdade de ingresso no Brasil de produtos industriais estrangeiros, mesmo quando há situações de dumping.
30.  As consequências desta política de abertura se pode verificar pelos déficits na balança comercial de produtos industriais com os países altamente industrializados e com a China; por não haver regulamentação da exportação de produtos agrícolas, altamente favorecida pela política de crédito do Governo (o que beneficia os países que importam produtos primários brasileiros); pela decisão de extinguir o acesso a crédito favorecido às empresas instaladas no Brasil que era concedido pelo BNDES; pela eliminação da política de conteúdo nacional; pela fraca defesa das políticas brasileiras denunciadas na Organização Mundial do Comércio-OMC pelos países exportadores industriais que procuram impedir a emergência de competidores enquanto, no Brasil, se repete sem cessar o mantra da competitividade e da produtividade, na realidade, argumentos para promover a redução de salários e de benefícios aos trabalhadores.
31.  Henrique Meirelles pretende consolidar o seu programa neoliberal através da adesão do Brasil à Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico-OCDE, que reúne os países mais desenvolvidos do mundo para articular posições comuns em negociações e em organismos internacionais, sem ouvir a sociedade ou o Congresso Nacional, aferrolhando (lock in) toda sua política ultra neoliberal e tornando sua eventual revisão, ainda que venha a se verificar indispensável pelas necessidades de desenvolvimento de um país com as características do Brasil, mais difícil, pois sua revisão contrariaria “compromissos Internacionais”.
32.  Pretende também Henrique Meirelles promover, a qualquer custo, um acordo de livre comércio com a União Européia, que levará à celebração de acordos de livre comércio com os Estados Unidos, com a China, com o Japão e outros países e eliminará toda possibilidade de desenvolvimento industrial no Brasil devido à eliminação de seu principal instrumento que é a política tarifária.
33.  Estes acordos significarão o fim da tarifa externa comum do Mercosul e, portanto, o fim de toda política de integração regional e de formação de um bloco sul americano.
34.  O sétimo princípio do Consenso de Washington, que determina a eliminação das restrições ao investimento direto estrangeiro, vem sendo posto em prática em especial pela política de câmbio de mercado; pela privatização e desnacionalização das empresas estatais, sem qualquer precaução de natureza estratégica, como ocorre em países desenvolvidos em relação a setores como eletricidade, portos e meios de comunicação; pela abertura da exploração das reservas do pré-sal às megaempresas petrolíferas estrangeiras; pela política de fragmentação e venda a multinacionais petroleiras de empresas do complexo da Petrobrás; pelo fim da política de conteúdo nacional.
35.   Outras políticas do Governo de favorecimento ao capital estrangeiro são a abertura de setores de serviços como a saúde e educação; a venda de terras a estrangeiros; a desregulamentação ambiental e a abertura de reservas florestais à exploração econômica, em especial à mineração.
36.  A Operação Lava Jato contribuiu de forma importante para criar na opinião pública uma imagem da Petrobrás como empresa corrupta e ineficiente, a partir da divulgação permanente para a imprensa de delações premiadas envolvendo dirigentes da empresa e políticos, apesar de sua capacidade de produção e de sua liderança tecnológica no setor de petróleo.
37.  Em realidade, o objetivo da política de Meirelles é reduzir o Estado ao mínimo, eliminando sua competência e função reguladora e fiscalizadora da atividade econômica (inclusive no sistema tributário) e de investidor e transferir toda atividade econômica para a empresa privada, mas em especial para a empresa estrangeira, promovendo um amplo processo de desnacionalização da economia que ocorre, inclusive, em paralelo à eliminação de qualquer apoio às empresas de capital nacional.
38.  A execução do oitavo princípio do Consenso de Washington, que recomenda a privatização das empresas estatais, estava anunciado no Programa de Parcerias de Investimento-PPI desde o início do Governo Temer e agora se acelerou com a crise política e com o desequilíbrio fiscal agravado pelas necessidades de articulação de apoio político no Congresso para impedir a aprovação da abertura do processo de investigação contra o Presidente Michel Temer e para compensar a  queda constante de receita tributária, devido à recessão econômica causada pela própria política recessiva que Henrique Meirelles provoca ao  executar, com rigor, as políticas recomendadas pelo Consenso de Washington e pelo Mercado.
39.  Agora foi anunciada a privatização de 57 empresas, entre elas a Eletrobrás, a Casa da Moeda e grandes aeroportos, e prossegue, de forma discreta, o programa de desinvestimento da Petrobras, executado por Pedro Parente, que transformará a Petrobras, uma grande empresa de petróleo integrada e altamente competitiva no cenário internacional, em uma pequena empresa exportadora de petróleo, em especial para os Estados Unidos.
40.  Henrique Meirelles está empenhado em privatizar os bancos públicos, como revelou Ilan Goldfajn, Presidente do Banco Central, ao dizer, em entrevista à imprensa, que os “juros altos” (ou o spread) no mercado brasileiro decorriam da falta de competição no setor financeiro, que deveria ser aberto aos bancos estrangeiros. 
41.  A política de desregulamentação é a nona política patrocinada pelo Consenso de Washington que significa, no mínimo, o afrouxamento da legislação econômica e trabalhista.
42.  O Programa econômico do Mercado, executado por Henrique Meirelles, segue à risca essa recomendação do Consenso em todos os setores de atividade econômica a começar pela reforma trabalhista, com a redução das atribuições dos sindicatos; o enfraquecimento da Justiça do Trabalho e da fiscalização; a prevalência do negociado sobre o legislado; a terceirização em todas atividades das empresas; os horários intermitentes  de trabalho; a possibilidade de demissão em massa de trabalhadores; fim do imposto sindical, mantendo o sistema S das entidades patronais; ampliação dos contratos temporários; fim da carteira de trabalho.
43.  A reforma da Previdência Pública significará, devido à migração dos contribuintes mais ricos e mesmo dos mais pobres, que perceberão a inutilidade de contribuir devido aos novos prazos e exigências de aposentadoria, a privatização e o fim da Previdência no Brasil para os mais pobres, cujo rendimento não permitirá que paguem planos privados de previdência.
44.  Na área ambiental, a flexibilização se faz pela transferência da União para os Estados da competência para a determinação de reservas ambientais; pela redução das exigências dos relatórios de impacto ambiental; pela flexibilização no uso de agrotóxicos.  
45.  Todo o programa de privatização (e desnacionalização) de empresas estatais corresponde também a uma ampla desregulamentação da atividade econômica em benefício das empresas privadas, mas não dos trabalhadores.
46.  O enfraquecimento da regulamentação econômica se agravará com a redução das atividades de fiscalização do Estado que decorrerá da atrofia dos organismos de fiscalização devido a cortes de recursos e de pessoal.    
47.  A décima recomendação do Consenso de Washington diz respeito a proteção da propriedade intelectual através de uma legislação mais favorável aos detentores de patentes e marcas  que são, em geral, megaempresas multinacionais.
48.  Há um esforço permanente do Governo, através do Instituto Nacional de Propriedade Industrial-INPI, de reduzir os prazos para exame das solicitações de concessão de patentes, sem estabelecer nenhuma obrigação de fabricação no Brasil, o que se torna a patente um monopólio de importação, e redução das exigências de novidade, ao que se soma nenhuma fiscalização e remessas significativas e crescentes de pagamentos ao exterior por tecnologias, muitas vezes obsoletas e pelo uso de marcas, o que é absurdo.                                     
Consequências do Programa de Henrique Meirelles
49.  O elevado grau de urbanização da sociedade brasileira torna necessária a existência e a expansão da indústria, que é o setor dinâmico de qualquer economia desenvolvida de grandes dimensões.
50.   A mecanização da agricultura de larga escala voltada para a exportação não gera empregos suficientes  e expulsa mão de obra do campo para as cidades o que agrava a situação da população urbana em termos de emprego, habitação, saúde, educação etc.
51.   A tendência à automação e à robotização no setor industrial, sem nenhuma política para enfrentar este desafio, faz com que, ainda que haja aumento da produção,  se reduza a geração de empregos industriais.
52.  A inexistência de uma politica de exportação de produtos industriais, que inclua a participação ativa das empresas estrangeiras, e o permanente ingresso de capitais estrangeiros necessários para equilibrar o balanço de pagamentos, devido ao déficit estrutural nas contas correntes, gera uma perspectiva de crise cambial futura, apesar das reservas significativas atuais.
53.   A concentração de renda e de riqueza tenderá a se aprofundar continuamente assim como as demais disparidades internas e vulnerabilidades externas. A violência urbana e rural tenderá a se agravar de forma significativa.
54.  Os detentores de grandes fortunas tenderão a se tornar absenteístas, isto é, passarão a residir no exterior como já ocorre em relação a muitas de suas famílias e herdeiros.
55.  O Programa econômico do Mercado executado por Henrique Meirelles consolidará a situação do Brasil como produtor e exportador de produtos primários agrícolas e minerais, em especial de petróleo, e como território de exploração de mão de obra com a instalação de megaempresas multinacionais para explorar um mercado interno de tamanho médio, cerca de trinta milhões de consumidores, mas que é maior que o mercado interno de muitos países europeus (em número de consumidores), cercados estes 30 milhões por 170 milhões de uma massa anômica de desempregados, subempregados e miseráveis.  
*Samuel Pinheiro Guimarães foi secretário geral do Itamaraty (2003-2009) e ministro de Assuntos Estratégicos (2009-2010) 

Dilma Rousseff: “Segunda etapa do golpe é tirar Lula da eleição de 2018"

Dilma Rousseff: “Segunda etapa do golpe é tirar Lula da eleição de 2018"


Um ano após o golpe, a ex-presidenta comenta os retrocessos do governo ilegítimo, como a privatização da Eletrobras
O golpe que tirou do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff completa um ano na próxima quinta-feira (31/08). Nessa data, em 2016, os senadores decidiram, por 61 votos favoráveis a 20 contrários, afastar definitivamente a petista do cargo, mesmo sem comprovar que ela tenha cometido crime de responsabilidade. “Eles inventaram um processo para me tirar do governo. E usaram uma maioria construída por compra de votos, que são os mesmos 267 que garantem a impunidade do presidente ilegítimo Temer”, afirma Dilma um ano depois, em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato.
Rousseff também comenta sobre a situação de perseguição política e jurídica ao ex-presidente Lula, sobre a proposta do governo golpista de privatização da Eletrobras e sobre a necessidade de lutar contra o golpe. “Todos nós vamos ter de ser capazes de nos dedicar a tentar tirar o Brasil dessa encruzilhada em que ele se encontra”, afirma. Confira a seguir ou ouça a versão de áudio aqui, que foi ao ar no Programa Brasil de Fato, em emissoras de São Paulo, Belo Horizonte e Recife.
Um ano após o processo de impeachment, como a senhora olha para tudo o que aconteceu?
Eu considero que o processo de impeachment foi um golpe porque não tinha crime de responsabilidade. Eles inventaram um processo para me tirar do governo. E usaram uma maioria construída por compra de votos, que são os mesmos 267 que garantem a impunidade do presidente ilegítimo Temer. É a mesma composição do Congresso, que foi construída pelo [ex-deputado] Eduardo Cunha e que me tirou através de um processo absolutamente sem base e sem fundamento, hoje reconhecido pelo mundo inteiro. A história foi bastante desagradável para os golpistas. Prendendo-os, deixando claro quem eram eles.
O golpe também esbarra nessa perseguição ao ex-presidente Lula? 
Eu não acho que o golpe é um ato apenas. Meu impeachment é a primeira etapa do golpe, a segunda etapa está se mostrando bastante conservadora e muito reacionária, de um lado, e extremamente radicalizada de outro. Faz parte dessa segunda etapa tirar o Lula da eleição de 2018, criando factoides judiciários para ele. Todo esse absurdo processo do triplex, na qual o próprio juiz [Sérgio Moro] reconhece que os fundamentos da acusação não existem. Ele próprio, o juiz, faz acusações que não deveriam ser feitas. Esse segundo aspecto do golpe tem um lado que é a politização da Justiça. Quando um juiz diz: "olha, eu não li, mas acho que está correto" e fala fora dos autos… Aquela questão que é básica na democracia, que todos são iguais perante a lei, ela deixa de existir. Você cria uma justiça e usa a lei para destruir civilmente o que eles consideram como o alvo inimigo que tem que ser destruído.
O Congresso agora está propondo uma reforma política, com o “distritão”, e alguns partidos falam sobre parlamentarismo. Isso também está incluído nesse contexto de golpe?
Você tem uma terceira fase, que pode ser simultânea, que é essa proposta de parlamentarismo. Toda vez que as classes dominantes, os setores conservadores, se encontram em uma situação difícil, eles apelam para o parlamentarismo. Esse parlamentarismo, combinado com o “distritão”, tem por objetivo criar um sistema em que a força do dinheiro vai ser absolutamente dominante. Não é nem hegemônica, vai ser dominante. O objetivo é tirar a representação progressista, popular, de esquerda, de centro-esquerda, do mapa. O grande objetivo do golpe estratégico é esse. O tático imediato é impedir que a Lava Jato chegue a eles. Todos os oportunismos fisiológicos que eles são capazes. Agora, o grande objetivo era, como perderam quatro eleições seguidas, quatro eleições presidenciais, chegaram à conclusão que a democracia não lhes convinha. Eles não são democratas.
Qual seria uma reforma política ideal para o país, na sua opinião? 
Vivemos em uma situação extremamente difícil. O Brasil tem 35 partidos. Você há de convir comigo que não existem 35 projetos para o Brasil. O que se vê e que explica uma parte do golpe foi uma ocorrência grave, que é logo após a Constituinte, e a Constituição Cidadã de 1988: se construiu no Brasil um centro democrático. No centro estava o velho MDB, com Ulysses [Guimarães] e outros, que eram progressistas, eram de centro-direita, ou centro-esquerda. A grande maioria deles não era excessivamente conservadora. Alguns até eram, mas olhavam o país, respeitavam o Brasil.
Esse centro democrático se perdeu nesses caminhos dos governos pós-1988. E chegou no período Lula e floresceu mais no meu, a construção de um centro que passou progressivamente a ter uma hegemonia de centro-direita. Essa hegemonia, que está expressa no grupo do Eduardo Cunha e no controle que ele tinha do chamado centrão, é extremamente grave. Porque nessa discussão sobre as formas que assumiu a coalizão presidencial, é fundamentalmente não por causa dessa coalizão, é porque o centro foi dominado, pode se dizer, por uma quase extrema direita. Extrema direita pelos métodos, pela concepção de mundo, pelas lutas civilizatórias as mulheres, contra os gays, contra LGBT, contra negros… Enfim, extremamente conservador do ponto de vista civilizatório, mas também econômico e social.
Você tem uma estrutura de regulação eleitoral que facilita também essa proliferação de partidos, porque não tem cláusula de barreira. Ao não ter cláusula de barreira, duas cláusulas democráticas - que é o fundo partidário e o acesso gratuito à televisão - passam a ser moeda de troca. Cria-se partidos que não têm compromisso com a questão de um partido, que é ter acesso ao governo, e esse partido passa a negociar tempo de televisão, comprando e vendendo, e passa a negociar também, o fundo partidário, a que ele tem acesso. Passa a ser um negócio. Então é necessária uma reforma, mas você não resolve a reforma política com “distritão” ou “distritão misto” etc. Você resolve mudando a cláusula de barreira e caracterizando e dando valor ao partido. Não há como você ter democracia sem partido.
Ainda nesse processo de golpe, e sobre o papel da mídia, qual sua opinião sobre a importância de uma lei de meios de comunicação para democratizar o acesso aos conteúdos e ter menos monopólio?
Sempre me perguntam sobre as minhas autocríticas. Eu tenho duas, grandes. Uma é não ter lutado mais por uma Lei de Meios. Outra é essa questão de ter isentado, na esperança de que os empresários investissem, e o que eles fizeram foi aumentar sua margem de lucro. Mas no caso da mídia, eu acho que tem uma característica que nós temos de estar atentos. Sempre que nós falamos em controle e regulação, nós estamos falando em regulação econômica da mídia. Nenhum de nós está falando que quer controlar o que eles falaram, censurar o que eles dizem, ou ter qualquer ato contra a liberdade de imprensa. O que nós queremos é que um grupo econômico não controle o rádio, a televisão, o canal pago, a televisão aberta, a internet, que tenha um grande espaço na internet, entre outras coisas mais. Nós não queremos o reino de um grande grupo com sua grande opinião tentando fazer a cabeça do Brasil. Isso tem de ser regulado sim. Eles sempre foram muito competentes para tentar dizer que o que nós queríamos era acabar com a liberdade de imprensa. Não. Eles é que não querem liberdade de imprensa. Eles é que acham que, através do controle que eles têm, monopolista, eles tentam ter uma opinião apenas. Nós somos a favor da pluralidade de opiniões, da diversidade de opiniões, do respeito à toda grande riqueza regional que esse país tem. É visível que nós vivemos em uma situação no Brasil gravíssima, antidemocrática por característica, que é a presença de um grande grupo e esse grande grupo é a [Rede] Globo, ele tenta conduzir a política do Brasil. Ele tenta fazer e desfazer e isso é muito grave, porque caracteriza uma coisa muito perigosa. que é o “grande irmão”. O “grande irmão” é Globo. 
E sobre os ataques aos direitos dos trabalhadores que têm sido feitas por esse governo golpista?
O povo está cada dia mais sem a menor rede de proteção social, sem acesso a serviços básicos de educação e saúde e isso vai provocar, com o passar do tempo, tem por efeito secundário, a violência, uma quantidade enorme de moradores de rua, a fome, outra vez a gente volta para o mapa da fome, tínhamos saído em 2014. A violenta volta da desigualdade reduz os programas sociais, acabam com o Programa Minha Casa Minha Vida, vão acabando lentamente com o Mais Médicos, e vão produzindo a grande ambição que é o neoliberalismo. Como decorrência no plano internacional, o Brasil volta a se subordinar à esfera de influência dos países desenvolvidos, deixa de ter uma política autônoma, altiva, que respeite os demais países, mas também que se faz respeitar. Perde inclusive, a importância enquanto representante aqui na América Latina, do que há de mais democrático e mais pacífico.
Ainda no tema dos retrocessos, o governo golpista quer privatizar a Eletrobras. A partir da experiência que a senhora tem na área de energia, como avalia o impacto disso nos brasileiros?
É importante que as pessoas entendam porque esse é um setor que tem uma certa complexidade técnica e o governo e muitas pessoas usam disso para ocultar o que de fato estão fazendo. A Eletrobras é uma empresa que tem 47 usinas hidrelétricas. Muitas dessas usinas já têm mais de 30 anos, algumas já têm 60 anos. No Brasil tem uma lei que diz o seguinte: quando uma usina tem 30 anos ela já pagou. E quem pagou? O consumidor de energia na sua conta de luz. Quando ele paga a conta, ele está pagando algumas coisas de cada uma dessas usinas. Algumas delas foram pagas, inclusive, duas vezes, porque tem um período de 60 anos de pagamento.

Em 2012, nós reduzimos a tarifa de energia. Ninguém queria que se reduzisse. Queriam lucrar mais, um lucro além daquilo que está na lei. Então, nós reduzimos as tarifas de energia, sob protesto de algumas pessoas que queriam que tanto o setor privado quanto o público continuassem recebendo e a população não teria nunca acesso a essa parte que teria por direito, por uma questão de justiça, ser voltada para ela, retornada para ela.
Especialistas dizem que o valor é incoerente com a realidade do patrimônio da Eletrobras.
Você veja que está estapafúrdio isso. Eles vão vender por R$ 20 bilhões, porque eu acho que o esquema de privatização é assim: pegam algumas usinas, renovam o contrato de concessão delas, falam o seguinte: "tá tudo zerado”. Não tem essa de passar uma vantagem para o consumidor. O preço da usina é o preço da usina. Mas o mais grave também de tudo é o seguinte: quem garantiu desde a época do apagão do [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso e do racionamento, que foi 2000 para 2001? Uma parte dessa garantia foi dada pela Eletrobras. Eu te diria que a parte mais expressiva dela foi dada pelas usinas da Eletrobrás. Vai acontecer que eles só vão investir quando tiverem lucro significativo. Quando eles não tiverem lucro significativo eles não investem. Aí dá aquilo que deu na época do Fernando Henrique: falta de investimento. Eu acho que essa agenda é uma agenda perigosíssima porque ela compromete o futuro do Brasil. Ela tira os principais instrumentos de expansão do Brasil. 

Ex-senador boliviano Roger Pinto Molina, asilado no Brasil, morre após queda de ultraleve

Uruguai pede reunião do Mercosul para discutir reforma trabalhista do Brasil, a qual diz ser 'retrocesso'

'Estamos frente a um sistema de agiotagem que paralisou o Brasil', diz economista Ladislau Dowbor

 
Mídia Ninja

Ex-presidenta participou da caravana de Lula que percorre o Nordeste até dia 5 de setembro
A gente já pode mensurar como isso vai chegar na conta dos brasileiros? Eu falei com o [Luiz] Pinguelli (ex-diretor da Eletrobras) também e ele disse que pode ser entre 8 e 10% no mínimo. 
Eu não tenho esse cálculo, eu te digo, mas eu acho que o cálculo do Pinguelli como ponto de partida é um bom cálculo.
Pelo menos 8, 10% de aumento direto na conta?
Eu quero te dizer que eu acho pouco. Porque quando você olha o preço de uma usina individual, eu acho a seguinte equação: uns quase uns 70% para mais é investimento. Uns 30%, menos até, 20% é operação e manutenção. E isso vai para a tarifa. Não são todas as usinas que estão amortizadas já, mas é uma parte significativa que está amortizada. E isso pode resultar em algo como 8 a 9% mínimo, chegando a uns 15, 20%. É o que a gente espera. Agora, é gravíssimo também a falta de segurança. Eu quero ver quem é que vai investir na hora da precisão. Porque você não precisa, não dá pra ficar discutindo, quando o país volta a crescer a sua projeção de consumo de energia amplia.
Na sua opinião, qual a real motivação do governo golpista com essa medida? Eles dizem que é a cobertura do rombo de R$ 159 bilhões.
Não é só isso não. Eu acho que o governo golpista junta a fome com a vontade de comer, como diz o nosso povo. Eu acho que é da ideologia dele acreditar que o Estado tem de sair de todas as atividades, mesmo aquelas que são estratégicas para um país, como é o caso do fornecimento de energia elétrica. Ela é estratégica, porque desse fornecimento dependem todas as atividades econômicas e sociais desse país. Não funciona uma escola se não tiver luz elétrica, não funciona um posto de saúde, um hospital. Não funciona uma indústria, não funciona uma atividade agrícola. Então, eles são neoliberais. Um dos itens fundamentais do neoliberalismo é tirar o Estado de todas as atividades. E notadamente, na área de energia, porque, além disso, essa área é extremamente atraente. Esta, vamos dizer, é a grande fome neoliberal, acabar com a Eletrobras, fazer com que ela seja uma empresa privada, é algo que está no receituário que eles têm para o Brasil. Esse mesmo receituário vai querer chegar na Petrobras. 
Essas medidas atacam a soberania nacional do país?
Uma coisa que é terrível é voltar numa região do mundo, em que por mais de 140 anos nós vivemos em paz, e ver que aceitaram a entrada de Exército dos Estados Unidos em operações na Amazônia. Isso é imperdoável. Não tenho nada contra os Estados Unidos, mas não tenho nada a favor que o Exército norte-americano vá para a Amazônia e em um quadro de crescente antagonismo na Venezuela. Acho de uma irresponsabilidade do governo brasileiro absurda. São irresponsáveis de deixar que haja ali um conflito, porque ali não é brincadeira. Ali dará guerra civil. Eles estão querendo aqui, transformar a América Latina numa zona de conflito. E esse governo ilegítimo do Temer é irresponsável de aderir a isso. 
Um ano após o golpe, como está sua rotina? A senhora tem pensado em disputar novos cargos eletivos?
Minha rotina hoje é mais leve. Óbvio, porque a minha rotina era mais pesada antes, quando eu era presidenta. Faço esporte, tento me acondicionar fisicamente. Acho que as pessoas têm que fazer isso porque é uma questão de você envelhecer com qualidade. Eu, como estou entrando nos 70, quero ser capaz de andar quando tiver 80. Além disso, eu leio, estudo, participo de debates e atuo em atividades culturais. Eu tenho uma vida bem diversificada. Mas ainda não, não estou pensando nisso [candidatura] ainda não. Não que eu descarte integralmente isso, mas agora não estou avaliando essa possibilidade. 
A gente está vivendo um momento de muita desesperança no país. Qual mensagem você deixa ao povo brasileiro?
Eu acho que o povo brasileiro sempre foi capaz, nas mais difíceis situações, de meio que digerir essas forças que queriam na verdade ou submetê-lo ou oprimi-lo, ou tirá-lo da decisão. Ele sempre foi lúcido o suficiente. Eu acredito que o povo brasileiro, é um povo que tem fé e muita esperança. Nós vamos ter também de lutar, lutar é importante. Eu acho que lutar fortalece, dá brio, dá garra para as pessoas. Todos nós vamos ter de ser capazes de nos dedicar a tentar tirar o Brasil dessa encruzilhada em que ele se encontra.