segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O fascismo avança no Brasil

Repassando! 

*Sabe o porquê teve um ataque com mais de 20 tiros ao acampamento em apoio à Lula ?!?*

Porque este atentado à sede do PT em SP não foi investigado...

Porque este atentado à sede do PT no PR não foi investigado...

Porque este atentado à sede do PT em MG não foi investigado...

Porque este atentado à sede do PT em Ribeirão Preto (SP) não foi investigado....

Porque este atentado à sede do PT em Joinville (SC) não foi investigado...

Porque este atentado à sede do PT em Goiânia (GO) não foi investigado...

Porque este atentado ao Instituto Lula não foi investigado...

Porque este atentado à caravana do Lula não foi investigado....

*Nos últimos 30 dias:*

- um juiz manda darem cusparadas e chutes numa senadora da República.

- uma senadora golpista bate palmas quando seus apoiadores agridem de relho e na frente das câmeras, trabalhadores que acompanham Lula.

- um juiz de primeira instância descumpre decisão do STF e diz que a decisão é "despropositada".

- um deputado espanca um professor numa feira, tapa no rosto e tudo mais.

- um general de exército da reserva diz que se Lula for eleito, a única alternativa será um golpe militar.

O ataque a tiros contra o acampamento "Lula Livre", em Curitiba, é mais um sinal de que o neofascismo avança sobre a sociedade e as instituições.

Na Alemanha nazista também não havia culpados dos crimes contra judeus, socialistas, comunistas, ciganos, eslavos, gays e portadores de deficiência.

*Após o golpe de 2016 o Brasil deixou de ser uma democracia e infelizmente, talvez nunca mais volte a ser uma. Não existem mais instituições. Estamos por nossa conta e risco.*

Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador

Política

Abolição da escravidão em 1888 foi votada pela elite evitando a reforma agrária, diz historiador

Não era apenas a liberdade que estava em jogo, diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro, um dos maiores pesquisadores da escravidão no Brasil. Outro tema na mesa era a reforma agrária

 
14/05/2018 10:04
Escravos trabalham em uma plantação de café no Brasil / THE NEW YORK PUBLIC LIBRARY
Créditos da foto: Escravos trabalham em uma plantação de café no Brasil / THE NEW YORK PUBLIC LIBRARY
Em 13 de maio de 1888, há 130 anos, o Senado do Império do Brasil aprovava uma das leis mais importantes da história brasileira, a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão. Não era apenas a liberdade que estava em jogo, diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro, um dos maiores pesquisadores da escravidão no Brasil. Outro tema na mesa era a reforma agrária.

O debate sobre a repartição das terras nacionais havia sido proposto pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. Sua ideia era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos. O político Joaquim Nabuco, também abolicionista, apoiou a ideia. Já fazendeiros, republicanos e mesmo abolicionistas mais moderados ficaram em polvorosa.

"A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para não mexer na propriedade rural", diz Alencastro. Foi aí que veio a aprovação da Lei Áurea, sem nenhuma compensação ou alternativa para os libertos se inserirem no novo Brasil livre. "No final, a ideia de reforma agrária capotou".

Nesta entrevista para a BBC Brasil, o historiador fala ainda sobre a origem da violência do Estado atual contra os negros, afirma que a escravidão saiu da pauta e passou a ser vista como um passado distante, apesar de não ter acabado há tanto tempo assim, e critica o uso da palavra "diversidade" para se referir aos negros. "Falar de diversidade é considerar que os negros são uma minoria, como nos Estados Unidos. Mas no Brasil eles são a maioria. É muito mais que diversidade, é democracia".

Alencastro é hoje professor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. É também professor emérito da universidade de Paris Sorbonne, onde lecionou por 14 anos, e autor do livro "O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul". Veja abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil - Como entender que o Brasil tenha sido o último país a abolir a escravidão nas Américas?

Luiz Felipe de Alencastro - O Brasil foi o último porque foi o que mais importou africanos - 46% de todos que foram trazidos coercitivamente para as Américas. Esse volume assombroso de africanos que chegou aqui acorrentado era considerado como uma propriedade privada. Isso cria uma dinâmica em que a propriedade escrava era muito importante. Muita gente tinha escravos. Nas cidades havia gente remediada que tinha um ou dois escravos. Os estudos mostram que a propriedade escrava no Brasil era muito mais difundida que na Jamaica ou no Sul dos Estados Unidos. Assim, muita gente, e não só os fazendeiros, achava que o país ia se arruinar se parasse de trazer africanos. Quase tudo dependia do trabalho escravo e da chegada dos africanos.

O Haiti é um caso limite, porque é primeiro país americano que chega à independência, com uma revolução feita pelos escravos (iniciada em 1791). É a única insurreição de escravos que chega ao poder no mundo. Já nos outros países em volta do Brasil, a escravidão não era importante. E era importante no Sul dos Estados Unidos.

BBC Brasil - Qual a diferença do processo de abolição no Brasil e nos Estados Unidos, em 1863?

Alencastro - No Brasil, a escravidão não era como nos Estados Unidos. Lá, a escravidão era regional, no Sul. No restante do país, havia uma economia agrícola independente e movimentos abolicionistas. Já no Brasil a escravidão era nacional, no país inteiro, e não havia um setor camponês independente. Por isso, o abolicionismo não tinha como crescer em regiões circunvizinhas às zonas escravistas. Como foi nos Estados Unidos? O norte do país, não escravista, elegeu Abraham Lincoln, do partido republicano, e que era contrário à expansão do escravismo nos novos territórios dos EUA e buscava uma solução negociada para extingui-lo nos estados onde ele existia. Isso causou a ruptura dos estados sulistas com a União. Ocorreu então uma guerra civil para acabar com a escravidão, uma guerra sangrenta, que traumatiza até hoje o país. Aqui não existia nenhuma parte do território em que a escravidão fosse ilegal. Então, mesmo que houvesse 60 escravos no Amazonas na mão de alguns senhores, esse grupo fechava com o partido escravocrata no Parlamento. Havia uma espécie de união nacional em torno do tráfico negreiro e da escravidão.

BBC Brasil - Já se disse que as grandes transformações do Brasil ocorreram sem participação popular, pelas mãos da elite política e econômica. A independência, a abolição, a República. Mas isso é verdade para a abolição?

Alencastro - José Bonifácio de Andrada, que era uma espécie de primeiro-ministro logo depois da independência do Brasil, mandou um projeto para a Assembleia Constituinte, prevendo a abolição progressiva do tráfico e da escravidão. Já naquele momento, a classe dirigente, o corpo da administração imperial tinham perfeita noção de que manter o tráfico de escravos criaria um impasse. Porque a Inglaterra deixara claro que só reconheceria a independência se o Brasil acabasse com o tráfico. E o governo inglês, nessa época, tinha uma importância enorme. Era como se fosse a ONU (porque garantia o reconhecimento diplomático internacional), o FMI (porque emprestava dinheiro para o governo) e a OIT (porque vetava a importação de africanos, mão-de-obra essencial no Brasil) juntos, com uma força naval que desde a batalha de Trafalgar (1805) mandava em todos os mares.

Quando a Inglaterra começou a pressionar mais fortemente, os dirigentes brasileiros cederam, prometendo acabar com o tráfico a médio prazo. Em 1831 é votado o fim do tráfico. Porém, sobretudo no Rio, e em menor medida na Bahia e no Recife, se organizam redes comércio semiclandestino de escravizados africanos. Só em 1850 , o comércio de africanos acabou de fato. Acabou de uma vez. Caiu de 60 mil africanos desembarcados em 1849 para 6 mil em 1851. Como? Porque houve um conchavo entre traficantes e governo. Se amanhã acabar o tráfico de cocaína na Colômbia, não é porque o consumo de cocaína acabou e de um dia para o outro os policiais ficaram virtuosos.

BBC Brasil - Que conchavo foi esse?

Os traficantes foram prevenidos antes que o tráfico ia acabar e foram tirando o dinheiro. Houve uma negociação entre a classe dirigente (a administração imperial) e a classe dominante (os fazendeiros, as oligarquias regionais). O governo propôs uma lei de imigração para trazer trabalhadores rurais, uma estrada de ferro na região cafeeira- porque o transporte era feito em lombo de mula - e a redução das tarifas de exportação de café.

BBC Brasil - Depois que o tráfico acabou, qual passou a ser a estratégia do Império?

Alencastro - Quando acaba o tráfico de escravos, acaba a fonte de reprodução externo do sistema escravista. Depois há a Lei do Ventre Livre em 1871 (que declarou livres os filhos de mães escravas que nascessem a partir daquela data). Isso estanca outra fonte de reprodução da escravidão, que é a reprodução demográfica interna. Dessa forma, houve uma estratégia gradualista para acabar com a escravidão.

Este gradualismo se resume nesta ideia: a escravidão acaba quando o último escravo morrer. Essa era a estratégia do Império. Aí ninguém perde dinheiro. Mas surge então o abolicionismo. É um movimento como as Diretas já!: abolição já! Não tem que esperar até o último escravo morrer para acabar com a escravidão. Vamos abolir já, e sem indenização para os proprietários de escravos. Joaquim Nabuco (político abolicionista) afirmou que o Brasil não tinha dinheiro para pagar os crimes que cometeu.

BBC Brasil - Qual foi a participação do movimento abolicionista? E o povo, participou?

Alencastro - O abolicionismo se acentuou na década de 1880. Há importante liderança negra. Luís Gama, André Rebouças, José do Patrocínio, que se batiam nos tribunais e nos jornais. Esses são os heróis. Também há muita gente anônima que participou. Houve movimentos organizados para dar fuga a escravos, por exemplo. Aqui em São Paulo, havia o grupo do Antônio Bento, os Caifazes. Havia um grupo em Recife, que ajudava os escravos a fugirem para o Ceará, onde a maioria dos municípios já não tinha mais escravos desde 1884, onde os escravocratas eram minoritários . Já o Rio de Janeiro era a província onde o escravismo era mais renitente. Em São Paulo, o oeste do Estado já estava apostando na imigração porque havia muita fuga, e a fuga é uma forma de revolta, dos escravos comprados no Nordeste. Essas ações acentuaram a crise do escravismo.

BBC Brasil - Também se falava de reforma agrária, dar terras para os ex-escravos.

Alencastro - A reforma agrária não estava na pauta da maioria dos abolicionistas. Foi uma radicalização de uma parte minoritária. André Rebouças, um engenheiro negro com muito prestígio, tinha um programa para criar um imposto territorial sobre as fazendas improdutivas e fundar cooperativas de pequenos camponeses. Nabuco, nos anos 1880, foi porta-voz dessas reinvindicações. Mas no final, a ideia de reforma agrária capotou.

BBC Brasil - Por quê?

Alencastro - A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para trazer imigrantes que trabalhassem nas fazendas e não mexer na propriedade rural. Essa virada dos republicanos jogou Nabuco, Rebouças e outros no escanteio e os fez apoiar a monarquia até o fim. Depois disso, (no livro) "Minha Formação" (1900), Nabuco renega sua juventude abolicionista e faz uma declaração monarquista que constitui uma das frases mais infames da história da política brasileira: "Tenho convicção de que a raça negra por um plebiscito sincero e verdadeiro teria desistido de sua liberdade para poupar o menor desgosto aos que se interessavam por ela, e que no fundo, quando ela pensa na madrugada de 15 de novembro (data da proclamação da República), lamenta ainda um pouco o seu 13 de maio".

BBC Brasil - O projeto de reforma de Rebouças e Nabuco poderia ter ido para frente?

Alencastro - A relação de forças não era favorável. Não havia um movimento camponês a favor da reforma agrária, ou uma base popular lutando pelo o direito à terra. No final das contas, o Brasil é um dos únicos grandes países agroexportadores que nunca fez reforma agrária.

BBC Brasil - Além do campo, também havia muita escravidão nas cidades?

Alencastro - Se você somar a proporção de escravos no Rio com Niterói, você tem uma concentração urbana de escravos que não existiu em nenhum outro lugar no mundo, só no Império Romano. No Brasil, a escravidão também tinha essa característica urbana, em uma escala que não ocorreu nas Américas. A escravidão marcava as cidades. Em 1849, o Rio tinha 260 mil habitantes, 110 mil dos quais eram escravos. Isso dá 42% da população.

BBC Brasil - Como foi o dia seguinte à abolição? O que aconteceu com os escravos que se viram livres em 13 de maio de 1888, mas sem compensações, sem apoio do Estado para começar uma vida nova?

Alencastro - Na sequência da abolição, a mão de obra imigrante vai aumentando. Muitos ex-escravos ficam fora do mercado de trabalho na zona rural e, em parte, nas cidades. Mesmo sendo brasileiros, os ex-escravos não tiveram cidadania plena, porque a sua quase totalidade era analfabeta, e o voto do analfabeto foi proibido em 1882, ainda no Império. Este ferrolho para excluir os negros livres e os ex-escravos também atingiu os brancos pobres e analfabetos, como é óbvio. Até 1985, quando o voto deles foi permitido.

BBC Brasil - A escravidão foi um processo de muita violência. Essa violência usada contra os negros acabou quando a escravidão chegou ao fim?

Alencastro - A Constituição brasileira de 1824, no art. 179, proibiu punir crimes com castigo físico. A partir daquele momento, não se podia mais torturar - a inquisição portuguesa havia institucionalizado a tortura como prova, até a pessoa confessar. Vem então o Código Criminal de 1830 que especifica no art. 30: se o condenado for escravo ele não vai para a cadeia, a pena é transformada em açoite. Isso porque se o escravo fosse para cadeia, causaria uma perda de mão-de-obra e dinheiro para o seu senhor. Assim, o escravo era açoitado publicamente, humilhado, torturado. Depois, semanas depois, quando estivesse reestabelecido (do açoitamento), o escravo voltava a trabalhar. Então, a tortura foi legal no Brasil até 1888, mas só para os escravos. Quando a abolição ocorre, a polícia já estava habituada a bater neles. Neles e nos brancos desfavorecidos. Como no caso do voto do analfabeto citado acima, os mecanismos da repressão escravista contaminam a sociedade inteira.

BBC Brasil - 4,8 milhões de africanos aportaram como escravos no Brasil. É muito mais que em qualquer outro lugar no mundo. Nos Estados Unidos, foram menos de 400 mil. Por que a vinda de escravos para o Brasil foi tão grande?

Alencastro - São vários fatores. Do ponto de vista da navegação, há um sistema de correntes e ventos que aproxima muito o Brasil da África. A viagem de ida e volta para os portos brasileiros era 40% mais curta do que a dos navios saindo das Antilhas ou dos Estados Unidos, os quais enfrentavam turbulências na ida e na volta, quando atravessavam a zona equatorial. O Brasil também tinha mercadorias que eram trocadas por escravos, como tabaco e cachaça. Outro fator importante são as conexões do Brasil com os portos africanos. Quando a Corte portuguesa veio para cá, o Rio de Janeiro se tornou a capital do império português - isso incluía Angola, Moçambique... Também havia bases mercantis de interesse brasileiro lá - muito mais associadas ao Brasil do que a Portugal. Isso os americanos nunca tiveram. O negócio negreiro dos Estados Unidos era muito mais controlado pelos ingleses.

O terceiro fator é o boom do café, que aumentou muito o tráfico negreiro para o Centro-Sul do Brasil. Quem estava financiando isso em última instância? O operário e a classe média inglesa, francesa, russa, que estavam tomando café mais frequentemente. O café do Brasil não tinha concorrência. A partir de 1840, o Brasil vira o maior produtor mundial de café - e é o maior até hoje. Não foi assim com o ciclo do açúcar, que sofria concorrência das Antilhas.

BBC Brasil - Os próprios africanos participaram do comércio de escravos, não?

Alencastro - Os africanos desenvolviam comércio de escravos localizado, limitado aos circuitos regionais das zonas econômicas africanas. A articulação desse comércio interno ao comércio Atlântico - que era um dos setores mais dinâmicos da economia mundial, com companhias formadas, com acionistas investindo pesado - criou uma demanda de escravos que exacerbou o tráfico interno africano. Também houve a importação de armas europeias, dando maior impacto aos conflitos internos, que eram os mecanismos de criação mercantil de escravos. O comércio atlântico negreiro era um comércio totalmente europeu e brasileiro. Nunca houve um navio africano vendendo escravo nos portos das Américas.

BBC Brasil - Como a escravidão explica o país e a sociedade que o Brasil se tornou?

Alencastro - O tráfico negreiro em si explica muita coisa. Explica a unidade nacional, por exemplo. Quem quisesse se separar do governo do Rio de Janeiro, da Coroa, já sabia por antecipação que ia sofrer pressão da Inglaterra quando ficasse independente e teria que acabar com o tráfico. Quem estava melhor posicionado para moderar a pressão inglesa contra o tráfico transatlântico de africanos? O governo do Rio de Janeiro. Uma monarquia que tinha corpo diplomático bem plantado na Europa e era a única representante do sistema monárquico europeu nas Américas. A unidade nacional brasileira é um fenômeno inédito nas Américas. Falava-se a mesma língua. Mas da Patagônia até a Califórnia também se falava a mesma língua, o espanhol e os 4 vice-reinos espanhóis se fragmentaram virando 19 países.

Mas não é só. O tráfico também explica boa parte da diferença entre o Centro-Sul e o Nordeste do Brasil. O sucesso do primeiro não é porque teve mais espírito comercial. É por causa do café, mas também porque a rede negreira fluminense era mais extensa e mais eficaz na África que a dos negreiros pernambucanos ou baianos. Por isso, o café pode se expandir tanto.

BBC Brasil - 130 anos é pouco tempo, só cerca de quatro gerações. Mesmo assim, parece muito distante. Por que temos a impressão de que a escravidão é um passado tão longínquo?

Alencastro - Eu conheci gente em Goiás que falava do tempo da escravidão. E há depoimentos de ex-escravos colhidos no Paraná, nos anos 1950. Por que parece que é tão longe? Logo depois da abolição o assunto saiu de pauta. Salvo para se ensinar que a abolição foi uma generosidade da Coroa, do governo, da redentora princesa Isabel. Daí o motivo do movimento negro ter proposto a troca do 13 de maio pelo 20 de novembro (Dia da Consciência Negra), da princesa Isabel por Zumbi - numa luta política significativa. E depois veio também a imigração, criou-se uma outra história popular que não deixava muito espaço para a história dos afro-brasileiros.

BBC Brasil - A abolição foi uma farsa?

Alencastro - A abolição teve limites. Mas ela ocorreu, não foi farsa. Seria como dizer que a República foi uma farsa, que não acabou com a monarquia. A abolição acabou com a aberração gerada por um quadro institucional e legal que permitia uma pessoa ter como propriedade outra pessoa e seus descendentes, de maneira perpétua. A abolição também não foi uma benevolência da princesa ou do governo. A monarquia já estava caindo, fez uma última manobra e caiu ao tentar captar a plataforma abolicionista para enfraquecer o movimento republicano

BBC Brasil - O senhor é defensor das cotas...

Alencastro - O meu argumento das cotas é que elas são fundamentais para os negros, para os índios e para os pobres e os brasileiros em geral. São elas que vão consolidar a democracia plena no Brasil, com acesso à educação e ao trabalho.

BBC Brasil - Há quem defenda cotas por renda, não por cor...

Alencastro - A cota social apareceu como um argumento substitutivo dos que não queriam apoiar a cota racial. Ninguém falava em cota social no Brasil antes do movimento negro levantar a bandeira da política afirmativa racial - a favor dos negros e também dos índios, é importante lembrar. Trata-se de uma política baseada nas estatísticas étnicas dos Estados. Na região amazônica a proporção de jovens de origem indígena é importante e as cotas favoreceram a entrada deles nas universidades federais.

O Supremo Tribunal Federal votou unanimemente pela constitucionalidade das cotas, em 2012. Raras decisões do Supremo são unânimes. Juridicamente, a situação estava definida: os negros não sofrem descriminação legal, mas há mecanismos informais que os descriminam e desqualificam de forma óbvia. O censo de 2010 mostrou que a maioria da população é negra. Esse dado deve ser bem observado pela maioria dos progressistas e por setores do movimento negro que consideram a política afirmativa como um instrumento em favor da diversidade. É muito mais do que isso. É um instrumento em favor da democracia, do funcionamento do Estado, que favorece o país inteiro. Achar que ela garante a diversidade é considerar que os negros são uma minoria, como nos Estados Unidos. Mas no Brasil eles são a maioria.

BBC Brasil - O senhor também defende o ensino de história da África nas escolas.

Alencastro - A maioria das pessoas que chegaram aqui são africanos. É esse o dado que os professores têm que dar em reunião de pais e mestres, quando perguntam por que perder tempo com história da África. Ora, porque a África é mais importante para a formação do povo brasileiro do que a Ásia e boa parte da Europa e das Américas.

Informativo Semanal do Prof. Ernesto Germano Pares






Zombaria total!
Em apenas uma semana o Brasil conseguiu se tornar um escárnio internacional duas vezes: primeiro com as piadas e charges sobre o “grande” jogador Neymar que passou mais tempo rolando pelas gramas russas do que jogando futebol; em segundo lugar porque agora temos o “judiciário” mais escrachado no mundo.
Os recentes acontecimentos, envolvendo o Presidente Lula desde domingo passado (08), tornaram todo o sistema Judiciário brasileiro em uma grande piada que mereceu risos de países sérios e muita crítica de países ainda mais sérios! E, para piorar, ainda temos uma população que, em sua maioria, não entendeu ou não procurou entender tudo o que se passou.
O Presidente Lula completa 100 dias na prisão, refém de uma corja togada que mostra claramente estar a serviço do grande capital e dos patrões internacionais. O Brasil está em uma situação de caos institucional onde todo o sistema de justiça está vendido aos grandes grupos e passa a ser comandado pela Rede Globo. Não há mais lei, não existe Constituição em vigor e as instituições chamadas democráticas deixam de existir por força da vontade de “meretrícimos” senhores (e senhoras) que se apossaram o poder diante de um executivo sem qualquer credibilidade e que é “aprovado” por apenas 3% da população. Isso mesmo... 3%... o que podemos chamar de “margem de erro” em todas as estatísticas conhecidas!
Todos acompanharam, mas vamos recordar os fatos. No domingo (08), atendendo a uma petição de deputados do Partido dos Trabalhadores, o desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (Porto Alegre), concedeu um habeas corpus para o Presidente Lula. Mesmo sendo um domingo, nunca se viu tanta rapidez e eficiência em nossa “justissa”: a) um juiz que estava em férias, em Portugal, consegue fretar um avião e voltar ao Brasil para impedir a soltura (Sérgio Moro); b) um juiz do Tribunal Regional da Quarta Região impediu que a ordem de soltura fosse cumprida (João Gibran Neto) e; o titular da mesma corte suspendeu o habeas corpus e comunicou-se com Sérgio Moro (Eduardo Thompson Flores). Tudo isso em algumas poucas horas, quando sabemos que a nossa “justiça” demora anos para julgar casos do interesse dos trabalhadores. Ah! Sem esquecer que toda essa balbúrdia jurídica foi respaldada e fielmente cumprida por delegados e agentes da nossa Polícia Federal. Dá para confiar no sistema?
Não sabemos o que pode acontecer com o Presidente Lula, ainda encarcerado em Curitiba, mas podemos dizer, sem medo de errar, que alguma coisa no país mudou depois desse 08 de julho de 2018. Vamos marcar essa data no nosso calendário para lembrar no futuro. Líderes do mundo inteiro olharam para o Brasil e a imprensa não vendida ou amestrada está agora acompanhando tudo o que se passa. Estamos vendo isso nos noticiários internacionais.
Alguém já falou que “quando não existe Justiça a Democracia desaparece”. E é isto que o Brasil está vivendo. Um país onde a “justissa” se colocou a serviço de alguns poucos e sequestrou a Democracia. O golpe contra Dilma Rousseff, em 2016, e a prisão de Lula mostram claramente que voltamos a submergir na escuridão de décadas anteriores.
Mas enganaram-se em um ponto muito importante: acreditavam que prendendo o Presidente Lula iriam impor o modelo que desejassem e eleger um candidato afinado com o sistema. Pensaram, seriamente, que Lula na prisão era “carta fora do baralho”, mas se enganaram. Lula está ainda maior! Em todas as pesquisas, em qualquer cenário que seja apresentado, Lula lidera a vontade popular.
Quando o bonequinho da mídia, Neymar, foi eliminado da Copa do Mundo teria dito aos jornalistas: “não sei onde vou buscar forças para levantar”. O grande ator brasileiro, amigo meu de infância, Bemvindo Sequeira mandou um recado para ele: “Olhe para o Lula! Quantas vezes foi derrubado e se levantou? Está na prisão, mas está maior a cada dia”!
Enquanto isso, nosso país vira zombaria do mundo!
Libertem o Lula! Não, não é o clamor das praças e ruas do Brasil. É o desabafo de deputados portugueses.
Um grupo de deputados de Portugal enviou na segunda-feira (09) uma carta aberta ao Supremo Tribunal Federal do Brasil fazendo um “apelo” para que o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja libertado, “garantindo o pleno exercício dos seus direitos fundamentais” ao repor “as condições mínimas aceitáveis de funcionamento do Estado de Direito”.
“Lula da Silva é hoje reconhecido mundialmente como um preso político. Ninguém ignora que o processo que lhe foi movido, a tramitação excecional que foi seguida, a sua condenação sem provas, a sua reclusão e as condições que lhe são impostas, servem unicamente o objetivo de impedir a sua candidatura às eleições presidenciais, lesando gravemente os seus direitos fundamentais, contribuindo para o desprestígio do sistema judicial brasileiro e pondo gravemente em causa a democracia no Brasil”, diz o texto.
A carta diz ainda que “Como foi amplamente denunciado, o processo em que o Presidente Lula da Silva foi condenado não respeitou as mais elementares regras de um Estado de Direito. Foi gravemente cerceado o seu direito de defesa, com a desconsideração das provas e a recusa de diligências requeridas pelos seus advogados, e foi condenado por um juiz que publicita ostensivamente a sua oposição política a Lula da Silva, tornando evidente a sua falta de isenção para o julgar de forma imparcial”.
Piada ou uma novela de quarta categoria? A imprensa internacional repercutiu a decisão do desembargador Rogério Favreto de soltar o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no domingo (08). Televisões, jornais e emissoras de rádio do mundo inteiro acompanharam os anúncios contraditórios feitos durante o dia, tentando explicar ao público estrangeiro o imbróglio político-judicial brasileiro. 
“O Brasil viveu nesse domingo uma verdadeira telenovela”. Foi com essa frase que a correspondente do canal de televisão France24 no Rio de Janeiro, Fanny Lothaire, começou a explicar o “ping-pong judiciário” entre o desembargador que assinou o alvará de soltura de Lula, o juiz Sérgio Moro e o relator da Lava Jato no TRF-4, Gebran Neto.
“Um juiz ordena a liberação enquanto outro bloqueia”, dá em título a revista francesa Obs, lembrando que o anúncio de Favreto “caiu como uma bomba no Brasil”. Já o diário francês Libération fala de “queda de braço jurídica” e o Le Monde evoca um “coup de Théâtre” a menos de três meses da eleição presidencial.
O jornal português Público diz que a sucessão de ordens judiciais “apanhou de surpresa os meios políticos, jurídicos e jornalísticos brasileiros”. Mesmo tom do lado do canal de televisão do Catar Al Jazeera, para quem o anúncio da liberação foi uma “decisão surpreendente”, enquanto o jornal espanhol ABC publica em seu site uma cópia do alvará de soltura assinado por Favreto.
A mídia internacional passou horas noticiando em seus sites as diferentes decisões dos magistrados, tentando saber quem tinha dado a última ordem. E nós viramos piada internacional.
Vai ser “empreendedor”? No final da década de 1980, a partir da “vitória” do neoliberalismo no planeta, o pensamento patronal criou um novo termo para descaracterizar a relação capital x trabalho. Nas grandes empresas da Europa (e logo no Brasil) surgiu um novo termo que substituía a palavra trabalhadores: agora passaram a ser “colaboradores”. Entenderam?
Pois é. O operário, explorado e com salário arrochado, ganhando cada vez menos, era chamado pela gerência da empresa e pelos seus chefes de “colaborador”, como se isso terminasse com a luta de classe. O que essa “burguesia esperta” esqueceu de dizer é que na França invadida pelos nazistas, durante a Segunda Guerra, “colaborador” era aquele que havia se passado para o outro lado, o que se vendeu. Colaborador significava “traidor”.
Seguindo o mesmo caminho da batalha ideológica, a burguesia nacional criou um novo termo para contornar o problema do desemprego em constante crescimento: agora o trabalhador informal, o autônomo, o que vive de bicos tornou-se “empreendedor”. E muitos estão vivendo nessa ilusão: “não sou mais um desempregado que vive no trabalho informal, agora sou um empreendedor”!
Mas nem tudo é tão bonito nesse mundo do empreendedorismo. A verdade é que os brasileiros que se tornaram trabalhadores autônomos – ou seja, sem vínculos empregatícios, “empreendedores” – nos dois últimos anos tiveram rendimento médio cerca de 33% menor do que aqueles que estavam há mais tempo nesse tipo de ocupação.
A informação está em novo boletim divulgado pelo Departamento Intersindical de Pesquisas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) na quarta-feira (4). O material tem como base dados da última Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em maio deste ano.
Em 2017, cerca de 23 milhões de pessoas atuavam como autônomas, e, desse total, 5 milhões (23%) haviam aderido a esse tipo de trabalho há menos de dois anos, segundo informações da Pnad.
Um importante destaque do boletim do Dieese aponta que os trabalhadores autônomos surgidos no contexto de crise se depararam com trabalhos com menor proteção social.
O boletim ressalta que 77% deles não tinham CNPJ nem contribuíam para a Previdência Social no período analisado; menos de 9% possuíam CNPJ e faziam contribuição previdenciária; e cerca de 20% contribuíam para a Previdência, ainda que sem CNPJ.
De quem é o “Pibinho”? Confirmando projeções anteriores e índice já indicado pelo Banco Central, Produto Interno Bruto (PIB) caiu mais uma vez e cai para 1,6%. A informação foi confirmada pelo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” na quinta (12).
Ele afirmou que após ampla análise o governo decidiu alterar sua previsão dos atuais 2,5% para 1,6% e admitiu que a nova projeção deve ser apresentada no relatório bimestral de receitas e despesas, que deve ser divulgado até o dia 22 de julho.
O veneno nosso de cada dia... Poucos estão acompanhando a guerra que acontece no Congresso Nacional. Os principais atores são os parlamentares “amestrados” que servem aos grandes latifundiários brasileiros e ao agronegócio internacional, em particular às grandes empresas de agrotóxicos.
De um lado estão os grandes produtores rurais que utilizam nos processos produtivos agrotóxicos sintéticos, fertilizantes químicos, irrigação intensiva e manejo inadequado do solo. Do outro lado estão os agricultores familiares e assentados da reforma agrária que usam em seu processo produtivo os princípios da agroecologia, ao produzir produtos orgânicos que convivem de forma sustentável com o meio ambiente, sem uso de agrotóxicos e fertilizantes sintéticos.
Mas o problema principal não é só o “pacote de veneno” que está em votação, liberando no Brasil dezenas de produtos que são proibidos em toda parte do planeta. A questão principal é que a bancada ruralista aposta em dois projetos de lei para evitar que os produtos orgânicos sejam apresentados como alternativa de alimentação saudável para população brasileira.
Para quem não conhece, PL 4576/2016 quer proibir a venda direta de produtos orgânicos aos consumidores e o PL 6299/2002 pretende flexibilizar o uso de agrotóxicos Vale dizer que os dois já foram aprovados em comissões da Câmara dos Deputados.
É o que chamamos de “matar dois coelhos com uma cajadada”. Os grandes proprietários rurais querem aumentar seus lucros ampliando a produção com agrotóxicos e produção intensiva (máquinas que substituem o trabalhador assalariado rural), por outro lado querem impedir que os pequenos agricultores, os que sobrevivem da agricultura familiar, os do MST, consigam vender seus produtos para a população. Brilhante, se não fosse tão terrível.
Não, ele não vai ser preso! O nome é Carlos Marun que, temporariamente, ocupava o cargo de ministro do Trabalho, mas é de fato o verdadeiro articulador e “secretário de governo” do golpista que assumiu o poder em 2016.
Segundo nota da Polícia Federal, Marun está envolvido em organização criminosa para fraudar informações e encaminhamentos no Ministério do Trabalho. O relatório demonstra que ele recebia “vantagens indevidas” para encaminhar documentos de registro de entidades sindicais que lhe eram aliadas, enquanto bloqueava as contrárias ao governo golpista.
Carlos Marun é dirigente do MDB e foi inicialmente nomeado para a Secretaria de Governo de Temer, sendo considerado um dos principais articuladores do manequim de funerária no Congresso Nacional.
Segundo os documentos levantados durante a investigação, Marun pedia à sua chefe de gabinete, Vivianne Lorenna de Melo, para “facilitar a vida” dos sindicatos de Mato Grosso do Sul, estado onde tem sua base eleitoral.
Mas é claro que nada vai acontecer com o Marun, não é?
Capacetes Brancos – a nova ameaça contra a Venezuela. Encoberta pela imagem de “ação humanitária” está mais um dos golpes montados pela CIA para interferir na política mundial e promover a guerra contra os governos que ameaçam os interesses de Washington. Mas, quem são esses Capacetes Brancos?
Já fizemos, há algum tempo, uma matéria em nosso Informativo sobre a nebulosa história desse grupo quando eles foram os principais protagonistas da acusação de guerra química na Síria (já desmascarada, mas abafada pela mídia internacional).
Os conhecidos Capacetes Brancos, pelo que sabemos, surgiram em 2013 como sendo uma “organização de voluntários para “prestar ajuda aos civis na Síria”. Conquistaram notoriedade e, com a ajuda da imprensa amestrada, ganharam fama e quase receberam um Prêmio Nobel da Paz. O mundo foi invadido por essa imagem fabricada de “humanitários”, mas logo surgiram as denúncias de alguns países sobre as tentativas de ingerência do grupo em assuntos internos.
O que sabemos, com certeza, é que os Capacetes Brancos foram organizados e são financiados pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). O investimento inicial foi de 23 milhões de dólares e são, agora, apoiados financeiramente por países da OTAN (em particular o Reino Unido e a Dinamarca) e pelo Japão.
Agora tomamos conhecimento de que membros do grupo já estão nas cidades colombianas de Cúcuta e Maicao, na fronteira com a Venezuela, sob a desculpa de que se preparam para “ajuda humanitária” ao povo venezuelano “perseguido pela ditadura de Nicolás Maduro”. Segundo informações, atenderam “meia centena de pessoas que fogem da Venezuela e contam os horrores do que se passa no país”. Ou seja, o mesmo discurso usado contra Assad, na Síria.
Mas a parte da notícia que deve nos preocupar mais é que o grupo que já está atuando na Colômbia é formado por argentinos. Isso mesmo. Em um acordo depois da vitória da direita no país, houve um “pedido” para que o governo de Buenos Aires (capacho já conhecido) enviasse ajuda médica para o país.
A matéria da jornalista argentina Stella Calloni diz que a missão está “sob a coordenação dos Capacetes Brancos da Chancelaria Argentina” e foi enviada para “atender migrantes venezuelanos que saíram do país em consequência da grave situação interna”.
Não deve ser difícil para nós imaginar quais os próximos passos de Washington. Com um novo bombardeio da imprensa amestrada, logo veremos novas notícias de “atrocidades cometidas pela ditadura venezuelana” e “clamores populares mundiais” para uma intervenção no país. Agora facilitada pelo fato da Colômbia ter entrado para a OTAN.
Haitianos x FMI. No início dessa semana acompanhamos com atenção os acontecimentos no Haiti. Curiosamente, uma grande parte da nossa imprensa “amestrada” não noticiou ou noticiou sem muitos detalhes o que acontecia no país, em particular na capital, Porto Príncipe.
Seguindo a receita neoliberal do FMI, o governo haitiano havia se comprometido a reduzir paulatinamente os investimentos públicos para reduzir os gastos e equilibrar o orçamento interno. Uma das medidas exigidas pelo Fundo é a imediata suspensão da subvenção estatal à gasolina, deixando que os preços sigam o mercado.
As medidas eram acompanhadas pelos haitianos que não aceitavam um novo aumento e a mobilização teve início na capital, estendendo-se depois para várias outras regiões com as cidades de Les Cayes, Cabo Haitiano, Jeremias e Grande Enseada.
O país caribenho viveu momentos de grande revolta depois do anúncio oficial de aumento do preço dos combustíveis, um aumento entre 38% e 51% no preço da gasolina, do diesel e do querosene. A medida foi anunciada às 16h da sexta-feira (06), em uma coletiva de imprensa organizada pelos ministérios da Economia e Finanças e do Comércio e Indústria. A reação popular diante da medida impopular foi imediata, e imediatamente começaram os protestos, que se tornaram massivos.
A capital chegou a ficar totalmente paralisada devido às centenas de barricadas e pneus queimados, enquanto aconteciam os enfrentamentos nas ruas entre os manifestantes e as forças de segurança. E a Polícia Nacional do Haiti chegou a aquartelar-se, cedendo o controle das ruas à multidão de manifestantes. Até domingo (08) foram confirmadas três mortes e dezenas de feridos devido aos enfrentamentos.
A questão é que o preço da gasolina fez acontecer um aumento geral nos custos do transporte e da alimentação. O querosene, por exemplo, é utilizado para iluminar as casas e para cozinhar, em um país onde o fornecimento de gás e energia é muito restrito.
O aumento dos preços se deve a um acordo assinado em fevereiro entre o governo do presidente do país, Jovenel Moïse, do Partido Haitiano Tèt Kale, de direita, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para reduzir os subsídios aos combustíveis. No mesmo acordo, estão outros pontos polêmicos, como a completa privatização da EDH, a estatal de energia do país. Em troca, o FMI se comprometeu a injetar dólares na abatida economia haitiana, dependente crônica da ajuda externa de organizações credoras e ONGs europeias e estadunidenses.
Alguns dias antes, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) pressionou para que o governo anunciasse os aumentos, oferecendo como contrapartida uma “ajuda” de 40 milhões de dólares para outubro, quando começa o ano novo fiscal no país.
Trabalhadores da Fiat x CR7. Os trabalhadores da Fiat, na Itália, anunciaram oficialmente uma greve entre os dias 15 e 17 de julho como forma de protesto contra a contratação do jogador Cristiano Ronaldo (CR7) pela equipe do Juventus. A nota foi divulgada pela União Sindical de Base da FCA, empresa da Fiat-Chrysler.
Segundo a nota, a família Agnelli, dona do clube italiano, é também dona de 30% das ações a empresa de automóveis e, segundo informações, envolveu a fábrica na transação que alcança 100 milhões de euros para comprar o jogador.
A nota da entidade sindical diz que “é inaceitável que uma empresa continue pedindo aos trabalhadores enormes sacrifícios econômicos e a mesma empresa resolva gastar centenas de milhões para a contratação de um jogador de futebol”!
Gerardo Giannone, um empregado da empresa, disse que nos últimos 10 anos não houve um só aumento de salário básico para os trabalhadores, mas “a empresa decide investir uma enorme quantidade de dinheiro em apenas um ‘recurso humano’”. “Isto está certo? É normal que uma só pessoa ganhe milhões e que milhares de famílias não consigam chegar à metade do mês com os salários que recebem?”, pergunta ele.
Trump chega à Londres sob protestos massivos. Em 2001, depois dos acontecimentos em Nova Iorque, o então presidente George W. Bush parece ter acordado de um longo sonho e lançou a pergunta/desafio: “por que o mundo nos odeia tanto”? Ele chegou a convocar uma conferência de sociólogos, historiadores e analistas políticos, em Washington, para responder à sua dúvida. Mas não teve uma resposta. Ao menos não teve uma resposta sincera que o agradasse.
A dúvida voltou a assolar a cabeça do próximo presidente, Barack Obama. Também ele, preocupado com o aumento no número de assassinatos em massa no território estadunidense, ataques às instalações militares em várias partes do mundo e constantes denúncias internacionais sobre a violação de direitos humanos no país fez a mesma pergunta: “por que nos odeiam tanto”?
Nem Bush e nem Obama quiseram ver o óbvio: foram presidentes de uma nação violenta, racista e onde o uso da força como mecanismo de resolução de diferenças é usado como propaganda para todos os cidadãos.
Nenhum país na história humana foi responsável de tantas agressões, diretas ou indiretas, contra outras nações: invasões militares, bombardeios, ocupações, patrocínio de atos terroristas, sabotagens, bloqueios, desestabilizações, assassinatos seletivos e sequestros extrajudiciais formam parte dos métodos com que os Estados Unidos impuseram seus interesses em dezenas de nações da África, da Ásia, da Europa e da América, incluído o México em várias ocasiões.
E Trump está vivendo isso. Na sexta-feira (13), ao chegar ao Reino Unido para um encontro com a primeira-ministra Theresa May e com a rainha, foi recebido por uma multidão nas ruas que protestavam contra a sua presença no país. A própria polícia londrina, tão conhecida pela sua “eficiência”, preferiu não interferir nas manifestações realizadas diante do Parlamento.
Uma multidão de britânicos ocupou a rua para repudiar e gritar slogans contra o presidente estadunidense.
Sabem aquele país “muito” democrático lá no Norte? Não é perseguição ou porque não tenho simpatias, mas os fatos são claros e falam por si. Responda rapidamente: a) qual o único país no planeta que não assinou o Tratado de Quioto para controlar o aquecimento global?; b) qual o único país no mundo que se recusa a assinar o tratado de controle de armas atômicas?; c) qual o único país no mundo que deixou de participar da Comissão de Direitos Humanos da ONU?
Se você respondeu EUA acertou em cheio. Parabéns. Mas agora temos outra notícia: a “grande nação do Norte” se recusou também a assinar o pacto global sobre migrações!
Os países-membros das Nações Unidas firmaram na sexta-feira (13) um pacto global sobre migração, que representa a primeira tentativa de tratar a questão migratória em escala mundial. Ao todo, 192 nações assinaram o documento e apenas os Estados Unidos ficaram de fora!
“Esta é a primeira vez que os Estados-membros das Nações Unidas se reúnem para negociar um acordo que cubra todas as dimensões da imigração internacional de maneira integrada e abrangente”, informou a Organização em comunicado oficial.
O texto foi aprovado por consenso pelos países após um ano e meio de intensas negociações – marcadas pela resistência de alguns governos – e será formalmente adotado em uma conferência intergovernamental em Marrakech, no Marrocos, em 10 e 11 de dezembro.
Embaixadores dos 192 países comemoraram de pé e com uma grande salva de palmas a criação do documento, parabenizando os líderes das negociações, os representantes do México, Juan José Gómez Camacho, e da Suíça, Jürg Lauber.
“Temos 192 países que concordaram com o texto do pacto, e as portas estão abertas para os Estados Unidos caso eles queiram voltar”, destacou Lajcák, presidente da Assembleia Geral.
ONU deseja visitar crianças prisioneiras nos EUA. O funcionário da ONU, Felipe Gonzáles Morales, disse neste sábado (14), em conversa com a imprensa, que “não se justifica a detenção de crianças por razões migratórias”, nem que sejam separadas dos seus pais.
Felipe Gonzáles é relator especial da ONU para direitos dos imigrantes e anunciou que foi solicitada ao governo de Donald Trump autorização para visitar os centros de detenção de crianças na fronteira com o México. E completou dizendo que “são pessoas que não cometeram qualquer delito e que estão presas”.

Política Maria da Conceição Tavares e a hegemonia Americana

Política

Maria da Conceição Tavares e a hegemonia Americana

Tomando como referência suas análises da "retomada da hegemonia norte-americana", as contribuições de Maria da Conceição Tavares à análise econômica das relações internacionais são examinadas no que apresentam de inovador

 
26/08/2018 11:28
A economista Maria da Conceição Tavares (Acervo Histórico do Arquivo Central/Unicamp)
Créditos da foto: A economista Maria da Conceição Tavares (Acervo Histórico do Arquivo Central/Unicamp)
 
"Neste período de transição, que ainda está longe de terminar ou de chegar a bom termo, é indiscutível a retomada da hegemonia americana. O que não se sabe é a viabilidade dos EUA se transformarem, de forma estável, numa economia cêntrica a partir da qual o mundo seria reorganizado por uma nova geografia econômica e política". Maria da Conceição Tavares, "A retomada da hegemonia norte-americana", 1985.


O AMBIENTE INTELECTUAL DO DEBATE

Na entrada do século XXI o tema da "crise da hegemonia norte-americana" soa bizantino, mas até o fim da década de 1980 ainda era uma preocupação obsessiva dos anglo-saxões. Discutindo as "hegemonias mundiais" ou analisando a "ascensão e queda das grandes potências", o debate intelectual sobre as relações internacionais seguia girando em torno do suposto declínio da supremacia mundial dos Estados Unidos. A própria "economia política internacional", como uma nova disciplina acadêmica, apareceu no mundo anglo-saxão na entrada dos anos 1970, na mesma época da crise cambial do padrão-dólar e da derrota norte-americana no Vietnã. E definiu sua primeira agenda de pesquisa a partir do seu diagnóstico de uma crise econômica e política internacional e da sua preocupação com a possibilidade de que estivesse se repetindo a história que levou, nos anos 1930, ao Fascismo e à II Guerra Mundial. Foi nesse contexto que Charles Kindleberger publicou o seu The World in Depression 1929-1939, atribuindo a "crise de trinta" à incapacidade norte-americana de assumir a liderança mundial que fora até então da Inglaterra. Esta hipótese foi retrabalhada e desenvolvida por Robert Gilpin (1974) e por Stephan Krasner (1976), tendo-se produzido um corpo de idéias que, mais tarde, Robert Kehoane chamou de "teoria da estabilidade hegemônica" (1981). A tese central deste conjunto generaliza a leitura de Kindleberger, ao sustentar que "na ausência de uma potência liberal dominante, a cooperação econômica internacional mostrou-se extremamente difícil de ser alcançada" na história moderna do capitalismo (Gilpin, 1987, pg 88). Naquele momento, a preocupação central e comum a todos estes autores era o restabelecimento de uma ordem econômica internacional estável e liberal, sob a hegemonia norte-americana.

Neste sentido, pode-se dizer, recorrendo a uma categoria de Robert Cox (1981), que a "economia política internacional" anglo-saxã, nasceu da crise da década de 70, como um caso típico de uma problem solver theory. Na década que se seguiu, entretanto, o seu campo se alargou fazendo-a perder o imediatismo pragmático inicial e incorporar, a partir daí, uma ampla gama de autores que já não pertenciam ao mainstream da teoria política e econômica internacional. Sua pergunta inicial estendeu-se no espaço e no tempo, definindo uma nova agenda de pesquisa histórica e comparada sobre o "ciclo vital" das grandes potências e sua capacidade de impor a sua hegemonia política e econômica internacional. O que fora uma preocupação imediata adquiriu uma dimensão teórica mais ambiciosa: esclarecer o processo de nascimento, estabilização e declínio das sucessivas "ordens político-econômicas mundiais" e explicar porque alguns países conseguem impor e depois perder a supremacia mundial. Em 1984 Robert Keohane lançou seu livro After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy, e foi só em 1988 que Paul Kennedy editou o seu clássico The Rise and Fall of the Great Powers, ainda carregado de premonições sobre a decadência mundial dos Estados Unidos.

Em 1995, Suzan Strange publicou seu ensaio Political Economy and International Relations, onde faz um balanço crítico da trajetória dessa "economia política internacional", desde o momento da publicação do seu artigo "International economics and international relations: a case of mutual neglect", em 1970. Segundo Strange, depois do fim da Guerra Fria, "there is a kind of malaise, a sense of uncertainty about where to go from here, even of confusion about where we have reached so far..." (Strange, 1995:157). Em primeiro lugar, porque não se logrou superar o divórcio entre a economia e a política no estudo das relações internacionais: "... the intellectual problem of synthesis has still not been solved. International relations people have studied economic phenomena and have made use of concepts and even methods of argument borrowed from economics. Economists, by contrast, have largely ignored the literature of international relations ..." (p. 156). Em segundo lugar, porque a economia política internacional foi uma área que surgiu e se desenvolveu movida pelos fatos mais do que pelas idéias. Como a autora diz, os fatos variaram através das décadas, mas, neste tempo, quem agendou a pesquisa foram as dificuldades e impasses da política externa norte-americana, cujo norte, em última instancia, foi sempre a vitória na Guerra Fria. Reforçando seu argumento, Suzan Strange relembra o trabalho pioneiro de Richard Cooper, The Economics of Interdependence, quejá em 1968, defendia de forma absolutamente clara que a prioridade número um era "desenvolver uma agenda intelectual" que permitisse melhorar a coordenação entre os aliados para enfrentar o desafio da União Soviética.

Por um caminho totalmente diferente do mainstream, e muito mais próximo do que Robert Cox chamou de critical theory, Fernand Braudel também havia concluído, — numa série de conferências feitas em 1977, na Universidade John Hopkins – que "o mundo não pode viver sem um centro de gravidade"; mas, ao contrário dos demais, considerava muito pouco provável que os Estados Unidos estivessem deixando de cumprir esta função mundial. Logo depois, em 1981, Robert Cox inaugurou a chamada "corrente neomarxista" da economia política internacional, introduzindo no debate o conceito gramsciano de hegemonia e propondo que se estudasse a formação e crise das ordens mundiais, olhando para o poder dos estados como faziam os realistas, mas também prestando atenção aos processos simultâneos de internacionalização da produção, das relações de classe e das estruturas de poder. Uma convergência que explicaria a novidade da supremacia mundial norte-americana depois da II Guerra Mundial: não apenas um caso de hegemonia, como a da Inglaterra no século XIX, mas de "imperial system" (Cox, 1981). Na mesma época, Immanuel Wallerstein concluía de forma heterodoxa, no seu Dinamics of Global Crisis (1982), que "despite the crisis, the capitalist world-economy continues to follow its internal logic and hence is still developing, is still (in its own terms) succeeding" (Wallerstein, 1982:33). Giovanni Arrighi, por sua vez, publicava seu trabalho clássico sobre a "crise da hegemonia norte-americana" – rediscutida sob uma ótica assumidamente marxista —, propondo a distinção entre os "aspectos formais" ou institucionais e os "aspectos substantivos" do conceito de hegemonia e sustentando a hipótese de que "the downfall of the U.S. imperial order has not led to the end of U.S. hegemony, but simply to its transformation from formal state-organized hegemony to an informal market-enforced corporately organized hegemony" (Arrighi, 1982:66).

Depois de vinte anos, este debate teve uma morte súbita com o fim da Guerra Fria. Substituiu-o uma nova agenda de pesquisa, orientada pelos Estados Unidos e seus aliados, uma vez mais, e voltada para os problemas de administração da nova geometria do poder e da riqueza mundial, que surgiu com o fim da URSS e com a aceleração das mudanças econômicas que alteraram a face do capitalismo mundial nas duas últimas décadas do século XX. Paradoxalmente, nesta nova conjuntura, Giovanni Arrighi é quem defende, mais firmemente, a tese de que apesar das aparências contrárias, o "ciclo longo de acumulação e hegemonia norte-americano" entrou, em 1970, numa crise terminal de duração imprevisível. Um tipo de crise secular que se repetiria na história do capitalismo, sempre acompanhada de explosões e euforias financeiras, os verdadeiros indicadores da chegada do "outono" dos grandes ciclos econômicos. Segundo Fernand Braudel, esta seria a hora da "transição de um regime mundial de acumulação para outro" (Braudel, 1994).

O futuro pode não dar razão a Arrighi; entretanto, há que sublinhar que o presente tampouco deu razão às teses do mainstream. Como já dissemos noutro lugar, "a história destes últimos vinte e cinco anos (...) encarregou-se de contradizer (...) a previsão e a estratégia propostas por esta "teoria da estabilidade hegemônica" (...)" (Fiori, 1999:71). Durante a década de 1990, o mundo esteve praticamente entregue ao arbítrio de uma só potência hegemônica, orientada pelo seu commitment liberal e pelo seu desejo de construir e sustentar uma ordem internacional baseada em regimes e instituições globais, no campo do desarmamento como no do comércio e dos investimentos. "Como propunha Kindleberger, os Estados Unidos, hoje, arbitram isoladamente o sistema monetário internacional, promovem ativamente a abertura e desregulação das economias nacionais e o livre comércio, têm incentivado a convergência das políticas macroeconômicas, têm atuado pelo menos em parte como last resort lender em todas as crises financeiras e detêm um poder incontrastável no plano industrial, tecnológico, militar, financeiro e cultural" (Fiori, 1999:71). E no entanto, o capitalismo tem convivido com uma prolongada instabilidade sistêmica que acompanha o novo sistema cambial. Enquanto que as relações políticas entre os estados carecem de parâmetros ou referências, pendentes apenas do "arbítrio da superpotência ou do seu "diretório político-militar" anglo-saxão.

Em 1985, Maria Conceição Tavares publicou seu primeiro artigo sobre a "retomada da hegemonia norte-americana", apresentando a tese que retomou e desenvolveu, em 1997, no seu ensaio sobre "a reafirmação da hegemonia norte-americana" (Tavares e Fiori, 1997). Dois trabalhos seminais que se transformaram no ponto de partida da pesquisa e reflexão coletiva, que culminou no livro poder e dinheiro uma economia política da globalização. Pelo título e pelo tema, a discussão de Maria da Conceição Tavares inscreve-se naturalmente no debate da economia política internacional dos anos setenta e oitenta. Sua importância, entretanto, não está apenas no seu diagnóstico antecipatório do fim da crise americana. Está na sua visão original sobre o papel da moeda e da política monetária americana como carro-chefe de uma estratégia consciente de retomada da hegemonia ameaçada na década de 1970. Seus dois ensaios, entretanto, transcendem a discussão mais limitada do tema, na medida em que Maria da Conceição Tavares analisa a "retomada" como uma estratégia político-econômica e como dimensão de um processo global de transformação capitalista. Além disto, ela propõe uma leitura destas mudanças que não se submete à agenda da política externa norte-americana e introduz o ponto de vista da periferia do sistema: uma perspectiva absolutamente original dentro da economia política internacional em todos os tempos. Por fim, na contramão do diagnóstico de Suzan Strange, a economista Maria da Conceição Tavares não ignora a literatura sobre as relações internacionais e consegue combinar, de forma precisa, a análise política com a econômica, reunindo num mesmo argumento o movimento de retomada da supremacia americana, o surgimento de um novo regime de acumulação mundial e o redesenho das relações Centro/Periferia, em escala global. Sua tese central, na verdade, é um programa de pesquisa de grande fôlego, que deu apenas o seu primeiro passo com a publicação do livro Poder e dinheiro.

 

O ARGUMENTO DE MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

O primeiro elemento importante a destacar no argumento de Maria da Conceição Tavares é que ela já não está mais preocupada com a crise e, sim, com o caminho e as conseqüências da "retomada da hegemonia americana". Como ela diz, "as crises que instabilizaram a economia mundial na década de 70 foram seguidas de dois movimentos de reafirmação da hegemonia americana, no plano geoeconômico (através da diplomacia do dólar forte) e no plano geopolítico (através da diplomacia das armas), que modificaram profundamente o funcionamento e a hierarquia das relações internacionais a partir do começo da década de 1980" (Tavares e Fiori, 1997:55). Contudo, estes dois movimentos não foram apenas uma resposta pragmática ou reativa ao desafio da crise. Foram decisões e políticas que amadureceram durante a década e se transformaram na "visão estratégica da elite financeira e militar que chegou ao governo com a vitória de Ronald Reagan, em 1980" (p. 29).

A ameaça externa e a própria crise da sociedade americana, que se estendem através da década de 1970, acabam produzindo uma mudança na correlação de forças políticas dentro do Estado americano e depois, rapidamente, dentro do seu espaço hegemônico. No campo geoeconômico, a "diplomacia do dólar forte", "ao manter uma política monetária dura e forçar uma sobrevalorização do dólar, a partir de 1979, permitiu que o FED retomasse na prática o controle dos seus próprios bancos e do resto do sistema bancário privado internacional e articulasse em seu proveito os interesses do rebanho disperso... A partir daí o sistema de crédito interbancário orientou-se decisivamente para os EUA e o sistema bancário ficou sob controle da política monetária do FED que passou a ditar as regras do jogo mundial..." (p. 34). Ao mesmo tempo, a nova política econômica americana permitiu a soldagem dos interesses globais do capital financeiro internacional, rearticulando os seus múltiplos anéis nacionais que, de uma forma ou outra, irão assumindo o poder político, a partir dali, no centro e na periferia do sistema. De tal forma que – segundo Maria da Conceição Tavares-ainda que viesse a ocorrer uma crise financeira global, caberia aos EUA comandarem a reconstrução ou montagem de uma nova "arquitetura financeira internacional". Paralelamente, no campo geopolítico, a Administração Reagan deslancha uma ofensiva anticomunista, começando no início dos anos 80 – com o anúncio do programa militar "Guerra nas Estrelas" – , que culminaria com a decomposição da União Soviética, no início dos anos 90. Dois movimentos em pinça que, segundo Maria da Conceição Tavares, explicam, em última instância, a gigantesca concentração de poder econômico, militar e financeiro que ocorreu nas duas últimas décadas do século XX. Ou seja, sua tese é que a retomada da hegemonia americana e a nova "financeirização capitalista" são duas faces de um mesmo processo, resultante das políticas do próprio governo norte-americano, amadurecidas na hora em que seu poder parecia entrar em decadência.

Esta estratégia e suas políticas mudaram a face econômica e política do capitalismo contemporâneo. Em primeiro lugar, consolidou-se um novo sistema monetário internacional, baseado no dólar e sem qualquer padrão de referência. Posteriormente, pouco a pouco, foram sendo definidas as regras e instituições de um novo regime de acumulação e de uma nova hierarquia político-militar mundial. A partir dos anos 80, o dólar deixa de ser "um padrão de valor no sentido tradicional dos regimes monetários internacionais anteriores (padrão ouro-libra e padrão ouro-dólar), mas cumpre, sobretudo, o papel mais importante de moeda financeira em um sistema desregulado onde não existem paridades cambiais fixas e onde o valor do dólar é fixado pela taxa de juros americana, que funciona como referência básica do sistema financeiro internacional em função da capacidade dos EUA em manterem sua dívida pública como o título de segurança máxima do sistema" (Tavares e Fiori, 1997: 64). Por outro lado, a generalização do processo de desregulação dos mercados de capitais e a dolarização da maior parte dos negócios e da riqueza mundial fizeram com que a gestão monetária do FED se transformasse no poder que – em última instância – administra e arbitra os fluxos financeiros mundiais, os conflitos de interesses entre blocos de capitais e estados e que também promove, ativamente, a homogeneização das políticas econômicas dos países mais frágeis.

Esta convergência das políticas conservadoras provocou, por sua vez, uma desaceleração seletiva e hierarquizada do crescimento econômico mundial e uma maciça transferência de renda e de capitais do resto do mundo para os títulos do governo e para o mercado norte-americano. Uma tendência difícil de ser revertida, porque "enquanto a taxa de crescimento da economia mundial for inferior à taxa de crescimento americana não há a menor possibilidade dos capitais excedentes, sobretudo os bancários e o das empresas com capacidade ociosa, resolverem investir preferencialmente nos seus países de origem" (p. 42). Além disto, o novo regime de acumulação tem se caracterizado: i) por um acirramento da concorrência capitalista, responsável por deslocamentos e destruições muito rápidas das atividades produtivas; ii) por uma acelerada concentração de capital, na forma de associações estratégicas e fusões gigantescas, sobretudo no campo das finanças, da industria bélica e das tecnologias de ponta, como no caso das telecomunicações e da informática; iii) e, finalmente, por um movimento de centralização que tem levado "à localização convergente de capitais patrimoniais e financeiros nos grandes centros decisorios mundiais (...) de maneira tal que todas as decisões relevantes que se referem à produção 'globalizada' vêm sendo tomadas por um conjunto restrito de empresas e bancos dos países centrais, cuja estratégia é efetivamente global" (p. 73 e 77).

Por fim, a nova configuração econômica mundial apresenta um dinamismo territorial seletivo e hierarquizado, concentrando-se nos Estados Unidos, Europa e em alguns países do Leste asiático, pelo menos até 1997 (com exceção da China). Segundo Maria da Conceição Tavares, a transnacionalização do espaço econômico norte-americano e asiático e a integração do espaço europeu vão redefinido os termos da divisão internacional do trabalho, permitindo aos Estados Unidos desempenhar um papel cêntrico, que vinha sendo, até agora, incompatível com o fechamento e auto-suficiência de sua economia. Fica excluída desta nova "economia-mundo" a maior parte dos territórios e países periféricos. A América Latina, em particular, ao optar por uma inserção subordinada no processo de globalização, adota nos anos 90 um novo padrão de desenvolvimento, caracterizado por ciclos curtos com baixas taxas de crescimento, seguidos por períodos de recessão corretiva. No médio prazo, esta trajetória tem provocado reversão da industrialização, aumento da desigualdade e crescente dependência dos fluxos de capital externo. Do outro lado deste regime de acumulação, a nova geopolítica do mundo, sobretudo depois de 1991, também apresenta uma face hierarquizada e unipolar, mas extremamente instável e que limita de forma decisiva a eficácia dos estados nacionais situados nas camadas intermediárias e inferiores da hierarquia. Neste novo cenário, as estratégias econômica e militar do hegemon apontam numa mesma direção: a da redução crescente da autonomia dos estados mais frágeis, que ficam incapacitados para estabelecer e sustentar seus próprios objetivos nacionais, sejam eles econômicos ou político-militares.

Maria da Conceição Tavares conclui seu argumento perguntando-se pelo futuro da nova supremacia norte-americana. Ela não considera que a "transição" esteja encerrada, nem que haja uma nova ordem mundial fechada. Pelo contrário, sugere, cautelosamente, que "quando os gestores da ordem hegemônica buscam um avanço imperial de suas prerrogativas, buscando impingir uma primazia decisoria absoluta em todas as áreas da vida internacional, tal linha de ação pode implicar em que se concretizem perdas para os atores mais expostos, acima e além do custo implícito na hierarquização hegemônica. Tais perdas, por seu turno, podem tornar mais atraentes, no curto prazo, políticas de resistência e atrição localizadas, frente aos desígnios do hegemon" (p. 82).

 

DE "RETOMADA" A PODER E DINHEIRO

O argumento e a tese central do artigo de Maria da Conceição Tavares tiveram, como vimos, um papel decisivo na pesquisa comparada e na reflexão histórica que culminaram na publicação do livro Poder e dinheiro. O projeto, desenhado na segunda metade dos anos 80, propunha-se acompanhar a trajetória da macro-transformação geopolítica e geoecoômica mundial ocorrida nos últimos vinte e cinco do século XX, juntando, numa ponta, a tão discutida "crise de hegemonia" e, na outra, o que a literatura convencionou chamar de "globalização". A pesquisa empírica incluiu um estudo comparado de alguns países europeus e asiáticos e uma investigação histórica mais ampla e detalhada sobre o desenho estratégico e as conseqüências da resposta norte-americana à sua própria crise, através do acompanhamento da política de reafirmação do poder do dólar e de recomposição da liderança político-militar e ideológica entre seus aliados e dentro da sua periferia.

O avanço da história real, depois de 1985, foi deixando cada vez mais transparente a natureza da crise que começara no início dos anos 70 e o motivo da sua radicalidade. Como noutros momentos da história passada, o que chamava cada vez mais a atenção era o fato de que a guerra e o dinheiro estavam de volta, situados na raiz de uma desordem mundial que envolveu e afetou quase todos os países e suas relações com as armas e o regime monetário internacional. Ou seja, os dois campos onde foram tomadas as principais decisões e onde ocorreram os fatos decisivos, responsáveis pela recomposição da hegemonia norte-americana, na década de 1980, e pelo redesenho dos espaços e das hierarquias políticas e econômicas regionais e mundiais, depois do fim da Guerra Fria. Trata-se de uma longa transição realizada por um lento movimento estratégico, que começou nos Estados Unidos com a Administração Nixon, mas que só adquiriu consistência e nitidez mundial a partir do momento em que as vitórias de Margareth Tatcher e Ronald Reagan consagraram uma nova aliança de poder dentro do mundo anglo-saxão. Aliança essa que recolocou as "altas finanças" e os "belicistas" no topo da hierarquia de interesses dos seus estados e no comando das políticas econômica e militar internacionais. Foram essa nova coalizão de interesses e poder e essa convergência político-ideológica e estratégica entre os governos e as finanças dos Estados Unidos e Inglaterra que deram o suporte necessário e indispensável ao sucesso da dupla ofensiva que inaugura a década de 1980. Por um lado, a retomada e acirramento da luta anticomunista, que Fred Halliday chamou de Segunda Guerra Fria, e por outro, a implementação conjunta das políticas econômicas deflacionistas e das reformas liberais.

A ofensiva ideológica e militar logrou, numa década, "reenquadrar" os aliados europeus e asiáticos e dizimar as resistências periféricas, culminando com a Guerra do Golfo e a "rendição" da URSS. E, por seu lado, a "desregulação competitiva" dos mercados promovia a livre circulação do capital, a convergência das políticas econômicas nacionais e a aceleração do processo de globalização financeira. Daí a convicção histórica, que atravessa o livro Poder e dinheiro, de que a globalização não foi uma obra exclusiva dos mercados ou do progresso tecnológico. O livro não desconhece a força e pressão dos mercados, nem tampouco o fato de que as novas tecnologias facilitaram os caminhos abertos pela mão da política. Contudo, a trajetória da transformação político-econômica mundial poderia ter sido completamente diferente – a despeito dos mercados e das tecnologias se não fosse pela natureza dos interesses, pela ideologia e pelas decisões estratégicas que permitiram a retomada da hegemonia norte-americana e a reordenação militar e monetária de sua zona de influencia. É uma nova configuração de poder e riqueza e uma nova forma de funcionamento do sistema capitalista mundial, que lembra, em muitos aspectos, o auge da "civilização liberal" do século 19. Entretanto, há que ter cautela com as comparações, sobretudo porque entre estes dois finais de século mudou radicalmente aquilo que o livro considera essencial: as relações entre o poder político hegemônico e o regime monetário internacional. Hoje, as relações entre o império e o sistema monetário internacional – "dólar flexível" – são completamente diferentes das que a Inglaterra manteve com o sistema do padrão-ouro. Como já vira Maria da Conceição Tavares no seu ensaio de 1985, o novo sistema monetário permite aos Estados Unidos um tipo de senhoriagem financeira – através do manejo de sua moeda – que não obedece a nenhum outro padrão de referência que não seja o próprio poder econômico e político norte-americano. Uma nova realidade que recoloca, no plano teórico, o velho enigma que atravessa a história do pensamento econômico, qual seja o das relações entre o poder político, o valor do dinheiro e a acumulação da riqueza; e entre o dinheiro, as armas e a acumulação do poder político.

Ninguém desconhece que os foram "mercantilistas" os primeiros a identificar a relação congênita do poder político com a riqueza capitalista, bem como a importância da moeda na competição entre os estados territoriais e na criação do excedente econômico. Mesmo que não tenham jamais desenvolvido sua tese de forma sistemática, foram eles que fundaram, em última análise, a economia como política econômica e para eles o crescimento do poder estava essencialmente ligado ao crescimento da riqueza e vice-versa. No século XVII, Josiah Child considerava "absolutamente necessário que se tivesse sempre em conta, conjuntamente, a ganância e o poder" (Child, em Hecksher, 1943:474); e Francis Bacon, olhando pelo lado do poder, dizia que "os soberanos devem estar em guarda para que nenhum dos seus vizinhos cresça (em território, comércio, riqueza, etc.) em proporções tais que cheguem a constituir uma ameaça contra eles mais do que antes" (Bacon em Hecksher, 1943:468). Uma idéia que reaparece mais tarde no nacionalismo econômico do século XIX e que está por trás de todas as estratégias e políticas neomercantilistas do século XX. Foi, portanto, a economia política clássica que deslocou o Estado do núcleo de sua teoria sobre o excedente e a acumulação capitalista. Tanto Smith quanto Ricardo retiram o Estado de sua teoria do valor e da distribuição, mantendo-o apenas na função de árbitro do conflito de interesses entre os salários e os lucros. Marx vai mais além, desconhecendo o papel dos estados e dos territórios nas suas "leis de movimento" do Capital. Os neoclássicos apenas completam esta cirurgia, colocando a "lei da oferta e da demanda" no centro de sua teoria da distribuição e transformando o Estado numa "externali – dade" que responde de forma absolutamente neutra e funcional às "falhas de mercado". A "revolução keynesiana", apesar de ter virado de cabeça para baixo a teoria ortodoxa, bem como as teorias do desenvolvimento econômico, manteve a mesma concepção de Estado dos neoclássicos: uma instituição homogênea e exógena, capaz de decidir e implementar políticas econômicas que corrijam a ação deficiente dos mercados. Uma espécie de "ente epistemológico", alheio aos conflitos de interesse e externo ao processo de produção e distribuição da riqueza. Um longo esforço para eliminar teoricamente o papel econômico da relação entre o poder e o dinheiro na acumulação e distribuição desigual da riqueza capitalista. Mas um esforço inútil, porque se trata de uma relação cuja importância e complexidade reaparece a cada nova grande crise capitalista, como no caso das três últimas décadas do século XX. Por isto, Poder e dinheiro é um título, mas é também a equação analítica que organiza a visão teórica e a leitura histórica de todo o livro, devendo estar presente no exame da gênese conceituai, tanto quanto no da trajetória histórica do capitalismo.

Quando esta equação é olhada pelo lado do dinheiro, o problema já aparece na própria ambigüidade do seu conceito. Por definição, a moeda é um "bem publico" (o lado destacado por Kindelberger e todos os teóricos da "estabilidade hegemônica"), mas é também um instrumento de enriquecimento privado. Adam Smith tinha perfeitamente presente esta ambigüidade, quando advertia sobre "a avareza e a injustiça dos nobres e dos estados capazes de alterarem o valor das suas moedas, dando origem por vezes a conseqüências mais graves para as fortunas privadas do que qualquer grande calamidade" (Smith, 1984:24). Desde uma perspectiva diferente, analisando a natureza da riqueza capitalista, Marx dizia nos Grundisse que "a finalidade do trabalho não é um produto particular, mas sim o dinheiro, ou seja, a riqueza na sua forma universal..."; e Keynes reconhecia, na sua Teoria Geral, que "numa economia empresarial (...) o empresário está interessado não no volume do produto, mas no volume do dinheiro que espera receber". É a partir daí que L. G..Belluzzo pode concluir que, numa economia capitalista, "tanto a produção de mercadorias quanto a posse de ativos é uma aposta, em condições de incerteza, na capacidade destas formas de riqueza preservarem seus valores em dinheiro". A questão central aqui, entretanto, tem a ver com as regras de conversão e, portanto, com o poder que as cria e que é responsável pela sua gestão. São regras que não caem do céu e, como diz Belluzzo, "dependem em boa medida de convenções que nascem do embate entre as frações capitalistas e entre estas e as classes assalariadas" (Belluzzo, 1997:155 e 156). Este era o problema que estava na cabeça de Ricardo, quando advertia, no início do século XIX, que "a experiência mostra que sempre que um Estado ou um Banco teve poder ilimitado de emitir papel-moeda, abusou desse poder..." (Ricardo, 1982:241).

Se olharmos esta mesma equação pelo lado do poder, perceberemos, com nitidez ainda maior, que de se trata de uma relação congênita, porque aparece no próprio ato de criação ou validação da moeda. De fato, a moeda só existe e adquire universalidade a partir do momento em que é "ungida" por algum poder que a designa e sustenta, bancando, em última instância, o seu valor. Como dizia Smith: "para prevenir abusos, facilitar trocas e assim fomentar todos os tipos de indústria e comércio, os países que se preocuparam com o seu desenvolvimento foram obrigados a cunhar certas quantidades dos metais normalmente usados para efetuar a troca das mercadorias. É esta a origem da moeda cunhada e dessas instituições públicas chamadas casas da moeda; estas são exatamente da mesma natureza das instituições que põem um selo de garantia nas roupas de linho e lã. Em ambos os casos se pretende garantir, por meio de um selo público, a quantidade e a qualidade uniforme das diferentes mercadorias levadas ao mercado" (Smith, 1984:23). Em síntese, o dinheiro só tem validade e curso normal dentro de cada país porque está assegurado por uma autoridade que acabou assumindo a forma, a partir do século XVII, dos bancos centrais. O mesmo deve ser dito da circulação supra-estatal do dinheiro e do primeiro regime monetário internacional, que só se viabilizou porque estava lastreado pela libra, pelo Banco da Inglaterra e pelo poder econômico e político do país hegemônico. Entretanto, essa aparência contratual do regime monetário, esconde, da forma mais sutil, uma dimensão essencialmente contraditória do capitalismo. Belluzzo chama atenção para o fato de que toda gestão monetária atende e cristaliza uma correlação de forças entre as classes e as várias frações do próprio capital. Mas existe algo mais, encoberto pelo dinheiro e pelos regimes monetários internacionais: a contradição entre a natureza global e universal izante do capitalismo e dos seus fluxos econômicos e a multipolaridade de sua gestão política e do seu desenvolvimento territorial. Cada país tem sua moeda designada pelo seu Estado e ela pode ou não ter validade em outros territórios e jurisdições políticas. Investigando a origem das trocas, Smith constatava que "os homens previdentes devem ter procurado, em cada período da sociedade, depois do estabelecimento da divisão do trabalho, efetuar os seus negócios de maneira a ter sempre à sua disposição, além do produto do seu próprio trabalho, uma certa quantidade de qualquer outra mercadoria facilmente negociável (...) mas em todos os países, porém, os homens parecem ter sido finalmente obrigados a preferir os metais para este tipo de utilização" (p. 22). Ricardo acrescentaria mais tarde que "o valor do dinheiro jamais é o mesmo em dois países quaisquer" (Ricardo, op. cit.: 108). Neste sentido, se o dinheiro é o denominador comum de todas as formas de riqueza dentro de um território, ao mesmo tempo ele define uma equivalência com a riqueza dos demais territórios. Por isto, o poder de arbitragem das taxas de juros é decisivo dentro de cada nação, enquanto o poder de senhoriagem internacional é uma peça decisiva para compreender o movimento de acumulação assimétrica dos capitais privados e a distribuição desigual da riqueza mundial entre os vários estados nacionais. Neste sentido, a administração da moeda tem um papel decisivo tanto na competição intercapitalista como na luta pelo poder e pela hegemonia internacionais. E se as regras monetárias nacionais sintetizam uma correlação de forças internas, cada sistema ou regime monetário internacional representa uma "síntese" transitória da correlação de forças entre estados e economias nacionais e entre agentes privados internacionais, representando uma verdadeira radiografia do grau de soberania econômica de cada país. Em última instancia, portanto, todo regime monetário internacional reflete uma relação transitória de poder entre as "grandes potências" detentoras das "grandes moedas". Como diz Belluzzo, "os regimes monetários internacionais apresentam peculiaridades que decorrem das relações indissociáveis, mas conflituosas, entre a soberania dos Estados nacionais e as forças privadas da 'generalização' mercantil e financeira" (Belluzzo, 1987:162). Por isto, do ponto de vista do livro Poder e dinheiro, os regimes monetários são uma dimensão decisiva para a compreensão da dinâmica global – econômica e política – do sistema capitalista e, portanto, também das relações entre o seu Centro e suas Periferias; um aspecto que esteve quase sempre ausente da literatura estruturalista latino-americana.

Esta contradição reflete-se no comportamento ambíguo da classe mais diretamente ligada à gestão do dinheiro: a "classe financeira" ou das "altas finanças". Por um lado, são cosmopolitas e pacifistas, como diz Karl Polanyi, porque uma vez estabelecida uma determinada hierarquia de moedas, qualquer alteração significará gigantescas transferências de riqueza. Por outro lado, não podem se desfazer do seu vínculo territorial com uma determinada jurisdição monetária, onde reproduzem e realizam, em última instância, o valor da sua riqueza. Esta mesma contradição se manifesta no fato que, em todas sociedades e momentos da história do capitalismo, o capital financeiro tenha se projetado "para fora", seja como forma de conquista ou como forma de preservação do seu valor patrimonial. Num caso, movido pelo objetivo de expansão do seu "território de arbitragem", no outro caso, como maneira de assegurar-se contra as incertezas, ancorando-se nas moedas mais sólidas. Mas é este mesmo movimento expansivo, sobretudo no caso das moedas mais sólidas, que reaproxima, de tempo em tempo, a moeda das armas, ao agudizar-se sua competição por novos "territórios econômicos" ou de senhoriagem. É nestes momentos que a classe financeira costuma abandonar seu cosmopolitismo e seu pacifismo em nome de projetos de expansão que reabrem os conflitos imperialistas. Como dissemos noutro momento, "o poder dentro do sistema capitalista ora assume a sua forma mais abstrata, o dinheiro, ora retoma a face mais dura e visível das armas, sem que seja possível jamais alcançar uma estabilidade econômica ou equilíbrio político de longo prazo" (Fiori, 1999:63). A geoeconomia e a geopolítica mundiais, os regimes monetários e os sistemas hegemônicos interagem, portanto, permanentemente, e só a sua compreensão conjunta permite explicar a morfología dos ciclos econômicos e políticos.

A história real do capitalismo confirma plenamente a importância desta relação entre o poder e o dinheiro na reprodução e expansão do sistema. Os estados originários nasceram associados com o capitalismo e expandiram seu poder, junto com seus capitais privados – sobretudo mercantis e financeiros – movidos pela competição inter-capitalista, mas também, pela competição entre os estados, pela riqueza e pela preservação da suas soberanías (o "dilema da segurança"). Foi assim durante o período "mercantilista", mas esta regra mantém-se válida até hoje, explicando as disputas imperialistas, entre as grandes potências, pelos mercados externos e pela imposição supra-nacional de suas moedas. Desde o início do sistema, "a competição entre os Estados (...) se transformou numa formidável alavanca de acumulação de capital (...) e acabou gerando uma estrutura hierarquizada de poder e riqueza dentro do próprio núcleo central do sistema, no coração da Europa (...)• Um pequeno número de jurisdições políticas autônomas cuja competição interna, na guerra e na paz, foi absolutamente decisiva para a expansão dos mercados, a difusão do progresso tecnológico e a acumulação e distribuição da riqueza mundial. E foi igualmente decisiva para a criação das "janelas de oportunidade", que permitiram – quando bem aproveitadas – o aumento da participação na riqueza mundial de alguns poucos estados e territórios situados fora do núcleo central do sistema" (Fiori, 2000:6).

O livro Poder e dinheiro retoma explicitamente o caminho aberto pela teoria do "capital financeiro" e do "imperialismo", de Hilferding e de Bukharin, a verdadeira origem teórica — ainda que não na forma de uma disciplina acadêmica – do que veio a se chamar, depois de 1970, "economia política internacional". Eles também analisavam um período da história econômica e política européia onde a convergência entre o poder das armas e das finanças inglesas liderou a expansão colonialista européia, até o momento em a que a competição interestatal e imperialista destruiu a "complementaridade competitiva" e o "equilíbrio de poder" que estabilizaram a Europa e a hegemonia inglesa. Também naquele período, a supremacia do capital financeiro inglês uniformizou os interesses das burguesias e das elites políticas européias e forçou a convergência das políticas econômicas dos seus estados nacionais. Analisando esta nova realidade, Hilferding reintroduziu a política e a relação entre os estados na discussão marxista sobre as "leis de movimento" do capital. Sua nova leitura do capitalismo, na entrada do século XX, permitiu-lhe ver que "o poder político é decisivo na luta competitiva de caráter econômico e para o capital financeiro a posição do poder estatal é vital para o lucro (...) um estado forte que faça valer seus interesses no exterior (...) e que possa intervir em toda parte do mundo para converter o mundo inteiro em área de investimento" (Hilferding, 1985:293 e 314). Por outro lado, permitiu a Bukharin antecipar o sentido essencial do movimento da globalização, ao perceber que "um império universal é o ideal sonhado do capital financeiro (...) [e nesta luta] vai buscar seu último argumento na força e na potência da organização do Estado" (Bukharin, 1984:99). Foram estes dois autores os primeiros a perceber o efeito explosivo que teve a convergência de interesses entre o grande capital financeiro e a hegemonia inglesa, sobretudo a partir do momento em que esta entra em choque com os projetos imperiais dos outros estados, que conseguiram recuperar o seu atraso e industrializar-se na segunda metade do século XIX. Não se pode esquecer que a Inglaterra também enfrentou uma crise econômica na década de 1870 e que sua resposta e a reafirmação de sua supremacia também passaram pela recuperação do poder de sua moeda e de seu capital financeiro.

 

DE PODER E DINHEIRO ESTADOS E MOEDAS

Na década de 1990, o mainstream da "economia política internacional", sobretudo nos EUA e Inglaterra, deslocou sua atenção para o tema do "fim das soberanías nacionais". Um debate agendado, uma vez mais, pela discussão das Grandes Potências sobre a legitimidade de suas "intervenções humanitárias" em territórios de estados que "abusem do seu poder", desrespeitando os "direitos humanos" de suas populações. (Jackson, 1990; Lyons and Mastanduno, 1995; Hehir, 1995; Keohane, 1995; Thompson, 1995; Biersteker and Weber, 1996; Krasner, 1999). Tese que aparece apoiada e reforçada, em muitos autores, pelo argumento complementar de que a globalização econômica seria a verdadeira responsável material pela derrubada das fronteiras territoriais e pela lenta mas inexorável destruição dos "egoísmos nacionais". Criar-se-ia, assim, as condições de um mundo único, integrado e pacífico, a ser defendido pelos estados originários, mais alinhados com o ideal cosmopolita e a visão iluminista de um direito universal de origem européia. Agenda e discussão outra vez enviesada pela nova agenda da política internacional dos Estados Unidos e dos seus aliados europeus e por urna leitura da história e do conceito de soberania que não correspondem aos fatos.

O que a história moderna ensina é que, se os "estados territoriais" nasceram na Europa do século XVI, foi só no século XX que eles se transformaram num fenômeno universal, e que durante este processo a soberania nunca foi um poder absoluto, sendo sempre objeto de conflitos e negociações que redefiniram seu significado e extensão muitas vezes, através do tempo e dos vários espaços geopolíticos mundiais. Além disto, ela sempre obedeceu a uma hierarquia liderada por um pequeno numero de Grandes Potências européias, às quais se juntaram, no século XIX, os Estados Unidos e o Japão. O que estaria se passando de novo com a soberania dos estados e sua relação com a globalização, neste final de século XX? Em primeiro lugar, não há dúvida que estamos vivendo um novo ciclo de aceleração do processo permanente de internacionalização capitalista; em segundo lugar, este ciclo foi acompanhado de uma mudança radical do quadro geopolítico mundial, que começou com o fim Guerra Fria; em terceiro lugar, como conseqüência, o mundo está vivendo um destes momentos históricos de renegociação das suas hierarquias geopolíticas e geoeconômicas e portanto, também, dos graus de soberania de cada uma de suas jurisdições políticas. Esta reconstrução não é um processo automático e tem se dado de forma absolutamente diferente no "núcleo central" e na periferia do sistema – Ásia e América Latina, – dependendo das estratégias regionais e globais de desenvolvimento e expansão de cada estado.

Esta visão das transformações mundiais e do problema da soberania, no caso dos países periféricos, encaminhou nossa pesquisa numa direção completamente diferente do mainstream anglo-saxão. Mantendo a equação analítica do livro Poder e dinheiro, nossa atenção deslocou-se para a análise histórico-comparativa e para o estudo da "renegociação" das estratégias estatais de "desenvolvimento econômico", no contexto das novas relações geopolíticas e do novo regime monetário internacional. Estamos convencidos, junto com Suzan Strange, de que são "as decisões políticas sobre as moedas e as finanças – tomadas pelos governos na história recente do sistema monetário mundial – que vêm determinando, mais do que qualquer outra coisa, a distribuição dos ganhos e das perdas, dos riscos e das oportunidades entre os estados nacionais e entre as classes sociais" (Strange, 1986).

A estrutura do livro Estados e moedas no desenvolvimento das nações explicita imediatamente esta continuidade analítica. Compara as trajetórias nacionais de desenvolvimento econômico de alguns países sob a hegemonia inglesa e o regime monetário internacional do "padrão-ouro/libra" e, depois, sob a hegemonia norte-americana e o regime do "padrão-dólar/ouro", concluindo com algumas reflexões exploratórias sobre os caminhos possíveis do desenvolvimento sob a vigência da supremacia unipolar norte-americana e do atual sistema monetário internacional, "dólar-flexível". Analisa os casos dos Estados Unidos, Alemanha, Japão e Rússia, países que se agregaram ao núcleo político e econômico central do sistema capitalista na segunda metade' do século XIX e que foram, em conjunto, responsáveis pelo seu dinamismo econômico-tecnológico e pela sua administração política e financeira, até o final do século XX. Em seguida, o livro compara alguns "milagres econômicos" ocorridos no século XX, em particular depois da II Guerra Mundial, sob a hegemonia americana e em condições de Guerra Fria. Sua hipótese mais geral é que as oportunidades de desenvolvimento capitalista das economias nacionais estiveram, em cada período histórico, fortemente condicionadas pela forma como tais economias enfrentaram a "restrição externa"; esta, ligada a dois constrangimentos fundamentais: "i) as características gerais do regime monetário internacional e, em particular, a forma pela qual o país central opera o padrão monetário internacional; ii) e a orientação geopolítica da(s) potência(s) dominante(s). Sendo que o país que emite a moeda de curso internacional, por não estar diretamente sujeito à restrição de balanço de pagamentos, cumpre um papel fundamental no controle da expansão da demanda efetiva e da liquidez internacional (...), mas, por outro lado, a forma e a direção em que isto ocorre depende muito da situação geopolítica internacional (...)" (Medeiros e Serrano, 1999:120).

Não cabe repetir nem a investigação, nem a análise histórico-comparativa que está no livro Estados e moedas. Apenas sublinhar alguns tópicos históricos que reforçam a visão analítica do livro Poder e dinheiro e prolongam a pesquisa iniciada com a tese seminal de Maria da Conceição Tavares sobre a "retomada da hegemonia americana", anunciando, ao mesmo tempo, novas perguntas e dificuldades. Sobretudo quando se tenta assimilar as várias leituras nacionais, numa mesma visão ou tipologia, capaz de integrar os elementos histórico-estruturais numa análise dinâmica da geopolítica e geoeconomia internacionais. É com este objetivo que fazemos uma breve rediscussão de algumas situações internacionais e de alguns casos de desenvolvimento, para identificar e distinguir o que seriam os caminhos paradigmáticos de uma tipologia a ser construída.

I) Durante a hegemonia liberal inglesa e a vigência do padrão-ouro, houve duas trajetórias ou estratégias bem sucedidas de desenvolvimento econômico. De um ângulo estrutural, Medeiros e Serrano sublinham o "carro-chefe, ou a atividade econômica responsável pelo dinamismo do crescimento, falando de um modelo "industrializante" e de um outro, de tipo "agrário-exportador": "o primeiro liderado pelo estado e centrado na formação, expansão e proteção do mercado interno; e o outro complementar à estrutura produtiva inglesa e baseado na produção especializada de commodities" (Medeiros e Serrano, 1999:125). A primeira trajetória foi a dos os casos europeus estudados por Gershenkron, mais a dos Estados Unidos e a do Japão. Enquanto a segunda incluiu a periferia latino-americana, estudada por Prebisch, mais alguns territórios que gozaram da condição formal ou informal de dominions ingleses. Mas só quando se toma em conta, além dos fatores estruturais, a inserção geoeconômica e geomonetária destes países é que se consegue distingui-los.

• É o que acontece, por exemplo, com os Estados Unidos e o Japão, entre os países que seguiram a trajetória "industrializante". Os Estados Unidos porque usufruíram, desde o século XIX, da condição de principal destinatário dos investimentos externos ingleses, como se fosse ainda um dominion ou território contínuo da Inglaterra, em termos econômicos e culturais. Mas, ao mesmo tempo, porque tiveram liberdade para administrar sua relação com o padrão-ouro e utilizar um protecionismo mais amplo e agressivo do que o dos países europeus de "industrialização tardia". A primeira industrialização japonesa, por outro lado, fica também ininteligível se não se toma em conta as condições geopolíticas regionais, que incentivaram a sua industrialização militarizada e sua expansão, com a conquista imperial de uma parte significativa do Leste asiático. Tudo isto sob o olhar complacente da Inglaterra, com quem se aliou na Primeira Guerra Mundial, e que lhe concedeu o direito de participar, como sócio menor do clube das Grandes Potências, nas negociações de paz de Versalhes. Fenômeno que se repetiria depois de 1930, com a reconquista militar do que o Japão considerava seu "espaço vital".

• Neste período, entretanto, a Europa se mantém como epicentro da competição e do dinamismo do sistema capitalista, que se expande para o resto do mundo, sob o comando do seu capital financeiro. A sua "guerra civil" milenar foi, e seguiu sendo durante o longo século XIX, o verdadeiro dínamo do capitalismo e do sistema interestatal, de modo que só ali se pode falar da força propulsiva do "atraso" entre países, povos e culturas que em algum momento estiveram mais ou menos nivelados em termos de poder econômico e militar. Mas, mesmo assim, não se compreenderia o sucesso das industrializações tardias européias se não fosse pela sua "complementaridade competitiva" com a Inglaterra no manejo do padrão-ouro, no acesso livre das suas manufaturas aos mercados ingleses e na forma como a Inglaterra manteve, permanentemente, seu "déficit de atenção" estratégico com relação aos seus concorrentes europeus.

• A inserção diferenciada – geopolítica e geoeconômica – parece ser também um fator decisivo para distinguir e compreender o maior ou menor sucesso econômico dos países "primario-exportadores". De um lado, há que colocar os dominions formais ou informais da Inglaterra, verdadeiros territórios contínuos da metrópole, com quem mantinham uma completa integração produtiva e de onde vinham vultuosos investimentos diretos, assegurados, em última instância, pelo Banco da Inglaterra. Uma situação geoeconômica e política que lhes assegurava os mercados, os investimentos e o crédito, protegendo-os dos efeitos perversos das flutuações cíclicas da economia central. No resto da periferia, submetida ao padrão-ouro, mas não "avalizada" pelo Banco da Inglaterra, os casos de sucesso foram menos numerosos e entrecortados por crises periódicas e ajustamentos deflacionários, acompanhados de queda dos preços dos produtos primários, crise aguda do balanço de pagamentos e abandono temporário do padrão-ouro. Aos casos mais graves seguiram-se moratórias, acompanhadas de novo endividamento junto à banca privada, sobretudo inglesa. Foi nestes territórios que se manifestou, pela primeira vez, a "restrição externa cambial", diagnosticada mais tarde pelos estruturalistas.

II) Durante o período do padrão-dólar e da Guerra Fria também é possível identificar dois tipos básicos e bem sucedidos de desenvolvimento nacional. Mas, nesta nova configuração, o fator diferenciador chave se desloca, de forma mais explícita, para o campo da geopolítica. Todos os projetos desenvolvimentistas tiveram o mesmo desideratum industrializante. Por outro lado, todos os estados puderam usufruir as condições criadas pelo sistema monetário de Bretton Woods, que estabeleceu paridades fixas, relativamente, e permitiu o controle nacional da circulação de capitais, ao contrário do padrão libra-ouro. Com isto, os estados ganharam autonomia para definir seus objetivos e suas políticas econômicas nacionais. Neste espaço se viabilizaram as políticas keynesianas anticíclicas, as políticas sociais e de proteção que deram origem ao welfare state, assim como todas as políticas de natureza "desenvolvimentista". E ninguém mais tem dúvidas sobre a importância que teve, para a sustentação desta ordem mundial capitalista e liberal, a competição interestatal bipolarizada da Guerra Fria, que "tinha o propósito declarado de estimular o acesso à riqueza através do crédito dirigido à acumulação produtiva, como desiderato de manter o pleno emprego (...)" (Belluzzo, 1999:101). Mesmo utilizando duas categorias heterogêneas, pode-se dizer que houve neste período um tipo de desenvolvimento "a convite", como o chamam Medeiros e Serrano, e um outro tipo que já foi chamado "dependente e associado".

• Na primeira categoria incluem-se os "milagres econômicos" europeus e a reconstrução japonesa, seguida pelos "quatro tigres asiáticos". Em todos esses casos, para o estabelecimento de planos de ajuda e gastos militares, assim como para obtenção de condições especiais de acesso ao mercado norte-americano, pesou decisivamente a posição ocupada por cada país dentro do tabuleiro do confronto central com a União Soviética. Mas mesmo assim, há que distinguir claramente a posição geopolítica e geoeconômica européia da situação asiática. O Japão, por exemplo, depois da Segunda Guerra, "foi obrigado a secundar a presença norte-americana no seu antigo 'espaço-vital', sem dispor mais de poder militar e sem o beneplácito americano para exercer a função de coordenação política do espaço econômico por onde se espalham seus capitais de investimento", sendo transformado "num híbrido neomercantilista sob proteção militar externa" que acabou "convertendo-se numa potência industrial e comercial sem conseguir entretanto impor o seu sistema financeiro à sua própria região, ou mesmo (...) construir um sistema de pagamentos regional baseado na sua moeda" (Fiori, 1999:75). Já no caso europeu, a proteção norte-americana induziu e facilitou um projeto de integração regional sob a batuta econômica dos alemães e de sua moeda, com um regime monetário e um sistema de pagamentos próprio, com a Alemanha, porém, transformada num protetora do militar. "Uma implicação econômica imediata dessa estratégia foi a concordância implícita dos americanos com o estabelecimento de uma taxa de câmbio, subvalorizada, de 4,20 marcos alemães por dolar no quadro do regime de taxas de câmbio faixas, instaurado em Bretton Woods. E a livre conversibilidade da moeda só veio a ser adotada em 1958, quando a estabilidade e o crescimento já estavam assegurados " (Braga: 216)

• Muito longe da Guerra Fria e muito perto dos Estados Unidos, alguns países latino-americanos se transformaram no espaço privilegiado de experimentação do quarto e último estilo ou padrão de desenvolvimento", que foi chamado "dependente e associado" pela literatura dos anos 1970 e que só teve sucesso real e duradouro – do ponto de vista do seu objetivo industrializante – no Brasil e no México. A maioria dos países latino-americanos respondeu à crise de 1930 tomando o caminho obrigatório da "substituição de importações". Mas, depois de 1950, sem contar com as mesmas condições e facilidades oferecidas aos "convidados estratégicos" dos Estados Unidos, só alguns conseguiram levar a frente seus projetos "desenvolvimentistas", aproveitando-se da autonomia político-econômica assegurada pelo regime monetário de Bretton Woods e do afluxo de investimentos diretos estrangeiros que asseguraram o dinamismo do modelo, em associação com o investimento público e a constituição de empresas estatais. Uma estratégia que fez da América Latina lugar pioneiro da internacionalização dos mercados internos e de experimentação – já na década de 1970 – do incipiente processo de globalização financeira. O modelo se propunha construir uma estrutura industrial integrada, mas não se propôs – ou não pôde se propor – nenhum projeto de "poder nacional". Se tomarmos o caso brasileiro, que foi paradigmático, pode-se ver com clareza que a idéia nacionalista de construção de uma potência regional foi rigorosamente vetada, tanto na sua versão nacional-populista da época de Vargas, como na sua versão militar, de "potência emergente", do governo Geisel. De tal maneira que, se "foi possível conciliar – com o apoio norte-americano – o liberalismo internacionalizante de suas elites civis, econômicas e políticas, com o nacionalismo anticomunista de suas elites militares, promovendo um acelerado processo de industrialização" (Fiori, 1999:77), não foi possível, nem necessário, dar-lhe um conteúdo nacional que passasse pela mobilização e inclusão social da população. Como se sabe, este modelo ou padrão de "desenvolvimentismo" entrou em crise terminal, na década de 80, exatamente por causa de sua fragilidade financeira externa. Suas elites econômicas e políticas puderam aderir com rapidez e facilidade à nova estratégia neoliberal patrocinada pelas Grandes Potências porque seu poder e riqueza não tinham maior vinculação e compromisso com qualquer idéia popular ou comunitária de Nação.

III) O livro Poder e dinheiro analisa exaustivamente as transformações mundiais que começam em 1970 e acabam reestruturando radicalmente o ambiente geoeconômico e geopolítico do desenvolvimento do capitalismo. Um novo regime monetário internacional e uma nova geometria de poder que redefinem, sobretudo depois de 1990, as condições e as possibilidades de crescimento econômico dos países mais atrasados com relação ao núcleo central do sistema. O próprio "núcleo central" do sistema está passando por uma profunda transformação: do ponto de vista geopolítico, desde 1991, estão sendo redefinidos seus membros e suas regras de hierarquização e funcionamento; do ponto de vista monetário, a hierarquia e a flutuação de suas três principais moedas de referencia – o dólar, o marco/euro e o ien – estão no epicentro da revolução financeira e da instabilidade sistêmica que caracterizaram a economia capitalista nas duas últimas décadas do século XX. "Nas relações entre os Estados Unidos e a Europa está claro tanto o jogo financeiro quanto a hierarquia de poder, dada pela supremacia da política diplomática e militar norte-americana e auxiliada pelo alinhamento da Inglaterra com os desígnios da potência hegemônica. O grande problema está na Ásia, onde é difícil ordenar o jogo monetário-financeiro e hierarquizar as relações da potência hegemônica com o Japão e a China. Sobra ainda o problema não trivial de como operacionalizar o jogo com países continentais tão assimétricos em poder militar e financeiro, como índia e Rússia, e como regular de vez o 'padrão monetário' da América Latina (...)" (Tavares, 1999:481). Neste momento, portanto, o numero de incertezas é ainda muito grande – porque se está vivendo um processo de mutação análogo ao que ocorreu depois de 1870 – e isto dificulta uma análise mais segura das perspectivas nacionais de desenvolvimento nos vários tabuleiros geopolíticos do mundo. Mas não é impossível fazer um exercício de prospecção, utilizando como base o conhecimento sobre as condições de sucesso dos quatro "paradigmas" que estivemos rediscutindo.

• O futuro da antiga Europa ocidental depende, em boa medida, "da possibilidade de resistência alemã à uma transição perversa em seu padrão de desenvolvimento... o que parece depender do surgimento de contraposições, na União Européia, que abram novas perspectivas mundiais, superiores aquelas já conhecidas da hegemonia americana..." (Braga, 1999: 219). Do ponto de vista do desenvolvimento de suas regiões mais atrasadas, entretanto, a Europa só se viabilizará caso consiga apagar os últimos vestígios de sua "guerra civil" secular e constituir um Estado único, capaz de ungir e sustentar sua moeda e uma estratégia militar autônoma. Deverá enfrentar, ao mesmo tempo, a questão das suas várias velocidades, somando agora à "questão mediterrânea", a velha "questão do leste", que se repõe periodicamente, seja na forma de retrocessos sociais, como no caso do século XVII, seja na forma de movimentos ou revoluções nacionalistas e socialistas, como nos séculos XIX e XX. Mas neste caso, colocam-se duas perguntas de difícil resposta: como manter o ritmo de crescimento europeu sem a competição interestatal que esteve na origem do seu próprio capitalismo; e como desenvolver suas regiões atrasadas sem que elas recorram às estratégias nacionalistas ou neomercantilistas utilizadas, no século XIX, pelos países europeus atrasados com relação à Inglaterra.

• No outro extremo do sistema, a presença norte-americana é uma peça chave na incógnita asiática. É muito difícil imaginar uma unificação político-econômica das grandes civilizações asiáticas. E não é provável que o Japão, a China ou a Coréia aceitem uma hegemonia regional que seja também capaz de sustentar um regime monetário e um sistema de pagamentos comuns às principais economias da região. Mas, mesmo que se possa examiná-la teoricamente, esta hipótese enfrentará a oposição ativa e permanente dos Estados Unidos e da própria Europa. Por isto, não é improvável o ressurgimento regional de casos de "desenvolvimento a convite", agora destinados a isolar ou cercar o espaço de expansão natural do poder chinês.

• Neste caso, é provável que os países continentais – como a China, a índia e a Rússia – sejam forçados a retomar as políticas neomercantilistas e nacionalistas das "industrializações tardias" européias do século XIX. China e índia dispõem de arsenais atômicos e de estratégias militares autônomas, situando-se no cenário internacional como potências intermediárias com pretensões hegemônicas regionais. Rússia, por seu turno, segue sendo a segunda maior potência nuclear do mundo e vem dando sinais cada vez mais evidentes de que pretende retomar o seu caminho secular de afastamento estratégico da Europa e dos Estados Unidos e de militarização de sua economia.

• Longe, uma vez mais, das bipolarizações que se anunciam no cenário geopolítico e do espaço geoeconômico mais dinâmico do capitalismo, a América Latina transformou-se, no final do século XX, no espaço privilegiado de experimentação de um novo modelo de desenvolvimento, muito mais próximo do seu paradigma "primário-exportador" do século XIX do que de sua trajetória desenvolvimentista posterior a 1930. Um modelo que foi experimentado no Chile, depois de 1973, e que muito mais tarde foi sintetizado na proposta geoeconômica do Consenso de Washington: desregulação dos mercados, privatizações, ortodoxia macroeconômica e aposta no dinamismo dos investimentos estrangeiros. Uma estratégia que se manteve vigente até a crise mexicana de 1994, mas que, depois da crise brasileira de 1998, transformou-se num simulacro do modelo dos dominion ingleses, sob uma tutela do FMI e do Tesouro norte-americano, mas sem contar com last resort do banco central norte-americano e, portanto, sem poder garantir a estabilidade cambial requerida pelos capitais internacionais. Ao mesmo tempo, na busca de credibilidade internacional "os estados nacionais destas "economias emergentes" abandonaram qualquer objetivo e estratégia própria e foram sendo transformados numa espécie de "guardiões paralíticos" de uma moeda de que de fato não dispõem e de um equilíbrio fiscal que lhes escapa das mãos como resultado do círculo vicioso provocado por sua própria política monetária" (Fiori, 1987:141).

 

A TÍTULO PROVISÓRIO

No livro Estados e moedas, teoria e história convergem, permitindo algumas conclusões que, embora provisórias, parecem ter alguma solidez:

1.a primeira, e mais genérica, é que "a tendência natural do capitalismo desregulado aponta na direção de uma crescente polarização e divergência entre as taxas de crescimento do produto e os níveis de renda per capita dos diferentes países" (Medeiros e Serrano, 1999:119);

2.esta tendência à polarização e ao desenvolvimento assimétrico do capitalismo entre nações e dentro territórios nacionais só conseguiu ser revertida com sucesso – excluído o caso dos domínios coloniais ingleses-através da ação político-econômica de alguns estados que foram capazes de definir e sustentar projetos estratégico e políticas de longo prazo. Mas deve-se atentar para o fato de que o desenvolvimento capitalista é inseparável da intervenção estatal e, portanto, o segredo do sucesso não pode estar apenas na forma institucional ou no tamanho do setor público.

3. por outro lado, desde a segunda metade do século XIX, há fortes evidências de que o sucesso destas estratégias nacionais esteve condicionado pela forma com que a Inglaterra e, depois, os Estados Unidos operaram direta ou indiretamente a sua moeda mundial e pela forma com que os estados "mais atrasados" administraram sua relação com o regime monetário internacional, consolidando ou não uma moeda e um sistema de crédito autônomo com relação às flutuações e aos ciclos da economia hegemônica. Os países que não conseguiram reduzir sua dependência dos ciclos da demanda externa e do estrangulamento recorrente do seu balanço de pagamentos, tampouco tiveram moedas conversíveis e passaram à periferia do sistema, dependendo, periodicamente, do refinanciamento privado das suas dívidas, ou do recurso à moratória;

4. a história também ensina que a competição político-militar teve papel decisivo para o sucesso ou fracasso das estratégias nacionais de desenvolvimento, sobretudo no caso dos estados originários e dos que passaram a constituir o "núcleo central" do sistema. Para estas potências, a guerra, como um limite virtual ou como um fato real, cumpriu muitas vezes o papel de princípio organizador de suas estratégias econômicas, em particular no campo tecnológico e dos sistemas de comunicação e transportes. Na periferia do sistema, alguns Estados que foram obrigados a armar-se graças a conflitos regionais mais intensos e permanentes acabaram se diferenciando do resto da periferia, como nos casos da índia e da China. Entretanto, a história também ensina que as armas e os projetos militares, por si só, podem não ter maior efeito dinamizador sobre as economias nacionais, como, por exemplo, nos casos da Coréia do Norte, do Paquistão, etc Nos demais estados periféricos, sem autonomia tecnológica e sem estratégia militar autônoma, o peso da geopolítica global só se faz sentir indiretamente quando, em circunstâncias especiais, abre ou fecha oportunidades, segundo as necessidades do jogo de poder das Grandes Potências;

5. existe .um elemento, entretanto, que parece estar presente em quase todos os casos de sucesso, fora dos dominions coloniais: a existência de uma "orientação estratégica" voltada para a formação e expansão do "poder nacional", independente da forma como este objetivo tenha sido chamado por Adam Smith ou Friederich List. Sobretudo, nos casos em que esta "orientação" contou com o apoio das elites econômicas e intelectuais e com a mobilização das populações.

6. esta "orientação estratégica" é uma decisão interna de cada país e sempre foi a resultante de uma determinada correlação de forças entre frações capitalistas, burocráticas e militares e entre o estado, o capital e as várias frações do mundo do trabalho. Mas este vetor nunca se transformou num projeto de desenvolvimento nacional apenas a partir dos "interesses materiais" e da "consciência" dos vários grupos e classes sociais. Isto só ocorreu quando os interesses e as alianças indispensáveis foram viabilizados e atualizados pelos desafios e oportunidades colocados pela inserção internacional de cada país. Sobretudo, quando eles assumiram a forma de um entrentamento ou competição externa – econômica ou político-militar – e, ainda mais, quando esta se configurou de maneira bipolarizada ou na forma de um de "equilíbrio de poder" altamente instável. Como no caso das classes fundamentais do capitalismo, também no caso da competição interestatal não existe tendência inevitável à bipolarização. Parafraseando Luckacs, se poderia dizer que, também neste caso, hão há uma passagem automática da consciência "em si", para a consciência "para si" dos povos, territórios e nações. Não há duvida, no entanto, que é no campo destas "orientações" que se deve buscar o denominador comum capaz de homogeneizar as categorias e permitir uma classificação mais consistente dos "tipos ideais" de desenvolvimento que estivemos estudando e analisando no livro Estados e moedas.

7. deve-se considerar, ainda, que a dicotomía clássica centro/periferia não atribuiu maior importância aos fatores monetários e geopolíticods e que a distinção entre industrializações ou capitalismos originários e tardios só adquire importância analítica quando se refere a um conjunto de estados, territórios ou economias que foram, em algum momento, equiparáveis do ponto de vista do seu poder econômico ou militar, como foi o caso de grande parte da Europa.

Neste ponto, a teoria de Karl Polanyi talvez possa contribuir para uma primeira delimitação e classificação do campo das "orientações estratégicas". Em particular, sua hipótese de que existem "dois princípios" que movem o sistema capitalista: "um, o princípio do liberalismo econômico, que objetiva estabelecer um mercado auto-regulável e usa principalmente o laissez-faire e o livre comércio como seus métodos. O outro, o princípio da proteção social, cuja finalidade é preservar o homem e a natureza, além da organização produtiva (...) e que utiliza a legislação protetora, associações restritivas e outros instrumentos de intervenção como seus métodos" (Polanyi, 1980:139). Traduzindo sua tese para uma outra clave, poderíamos também dizer que, no limite, estes dois princípios retratam ou tipificam o que seriam as duas "orientações estratégicas" básicas e polares, capazes de organizar um projeto de desenvolvimento econômico. De forma genérica, pode-se dizer que as Grandes Potências, que foram mercantilistas e praticaram políticas protecionistas até incluir-se no "núcleo central" do sistema, invariavelmente, adotaram e passaram a defender o projeto liberal-cosmopolita de organização da economia mundial a partir uma "orientação estratégica" liberal. Suas relações internas de competição e complementaridade, entretanto, admitiram, historicamente, duas formas distintas de organização liberal da economia e da política mundial: no campo econômico, aceitando ou não (em geral transitoriamente) o controle da circulação de bens e capitais; e no campo geopolítico, estruturando-se na forma de um sistema hegemônico ou de um sistema baseado no "equilíbrio de poder". Por outro lado, também se pode sustentar que o "principio da auto-proteção territorial" foi essencial na "orientação estratégica" de todos os estados que, em algum momento, se propuseram um catch up com relação aos países mais desenvolvidos, recorrendo, invariavelmente, às políticas "neo-mercantilistas" e, em alguns casos, ao nacionalismo político-ideológico. Nos dois casos, ainda que por caminhos diferentes, o desenvolvimento foi acompanhado, no longo prazo, da proteção/incorporação da maioria das populações.

Mas esta foi a forma como estes dois princípios ou "orientações estratégicas" fundamentais se manifestaram na relação competitiva entre os estados do núcleo originário europeu do sistema interestatal. O mesmo padrão não tem se repetido necessariamente nos demais estados que foram nascendo da decomposição dos impérios europeus, a começar pelos ibéricos, no século XIX. Por isto, o esquema de Karl Polanyi não consegue dar conta das razões geopolíticas e geoeconômicas que estimulam a hegemonia de um ou outro princípio fora do cenário Europeu, nem, tampouco, das formas e momentos em que ocorreu ou pode ocorrer a convergência, nestes territórios, entre os movimentos nacionalistas e socialistas, em torno a projetos de desenvolvimento econômico nacional. Também aqui, a história parece conter algumas lições preliminares, mas importantes, sobre estes pontos obscuros da teoria. A primeira, é que em quase todos os países periféricos, dentro e fora da Europa, as elites e burguesias foram cosmopolitas e liberal-internacionalizantes. Só circunstâncias muito especiais, de competição ou crise política e econômica, forçaram as elites e burguesias locais a um rompimento com suas redes econômicas, políticas e ideológicas internacionais, internalizando seus interesses e fazendo-as optar por projetos de "desenvolvimento nacional". Quando se tratou de respostas às crises econômicas transitórias, em geral foram projetos que tiveram o apoio e liderança de militares, burocratas e intelectuais, mas que raramente contaram com uma mobilização ideológica mais ativa, com uma aliança política com "forças populares". Só em casos de enfrentamentos mais prolongados e com fortes conotações geopolíticas é que estes movimentos de "internalização" das classes dominantes e de seus interesses econômicos encontraram no nacionalismo um instrumento de soldagem – mesmo que puramente ideológica – de uma comunidade de interesses unida pelo desafio externo. E foi, sobretudo, nestas circunstâncias e, em particular em condições de guerra, que a "orientação estratégica" do desenvolvimento econômico nacional se propôs uma incorporação social efetiva da população, soldando num mesmo projeto a luta por maior participação na riqueza mundial, e a promoção ativa da redistribuição interna da riqueza nacional. São momentos e espaços onde a contradição capitalista, ligada ao problema da sua territorialidade, assumiu a forma mais nítida de uma "consciência para si" nacionalista, sem entrar em conflito com a "consciência de classes" dos movimentos socialistas. Mas, em todos os casos, o que pesou decisivamente não foram os interesses materiais imediatos das elites burguesas ou do povo. O que de fato os aproximou e redefiniu seus interesses estratégicos e suas coalizões políticas foram condições externas, mais ou menos recorrentes. Em termos muito gerais e aproximativos, pode-se afirmar-que, salvo raras exceções, a "internalização" das elites e das burguesias e sua aproximação nacionalista aos seus povos só ocorreu quando houve algum tipo de bipolarização ou equilíbrio de poder político, militar ou econômico no campo internacional capaz de ameaçar ou afetar os interesses do Estado e a riqueza das burguesias locais. Uma "lei" que atuou de forma implacável na história européia e que se mantém vigente nas relações entre as grandes potências que compõem o núcleo central do sistema, mas que só se manifesta excepcionalmente na periferia, quando não existe um verdadeiro desafio geopolítico ou geoeconômico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARRIGHI, G (1982), "The crisis of hegemony" in Amin, S., Arrighi G., Frank, A. G. and Wallerstein, I. (1982) Dynamics of the Global Crisis. London, Macmillan Press.         [ Links ]

BELLUZZO, L. (1997), "Dinheiro e as transfigurações da riqueza", in M.C. Tavares e J.L. Fiori. Poder e dinheiro. Petrópolis, Editora Vozes.         [ Links ]

BIERSTEKER, T. and Weber, C. (1996) State Sovereignty as a Social Construct. Cambridge        [ Links ]

BRAGA, J.C. (1999) "Alemanha: império, barbárie e capitalismo avançado", em Fiori, J.L., Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, Editora Vozes.         [ Links ]

BRAUDEL, F. (1978) Afterthougts on Material Civilization and Capitalism.         [ Links ]

BRAUDEL, F. (1987) A dinâmica do capitalismo. Rio de Janeiro, Rocco.         [ Links ]

BUKHARIN, N. (1984) A economia mundial e o imperialismo. São Paulo, Abril Cultural.         [ Links ]

COOPER, R. (1968) The Economics Of Interdependence. New York, McGraw-Hill.         [ Links ]

COX, R. (1981) "Social forces, states, and world orders: beyond international relations theory". Journal of International Studies, 10(2): 125-155.         [ Links ]

FIORI, J.L. (1999) Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis.         [ Links ]

FIORI, J.L. (2000) "A proposito de uma construção nacional interrompida", mimeo.         [ Links ]

FIORI, J. L. (1997) "Globalização, hegemonia e império", em M.C. Tavares E J.L. Fiori, Poder e dinheiro. Petrópolis, Editora Vozes.         [ Links ]

GILPIN, R. (1975) U.S. Power and the Multinational Corporations Basic Books. New York,         [ Links ]

GILPIN, R. (1987) The Political Economy of International Relations. Princenton University.         [ Links ]

HECKSHER, E. (1943) La epoca mercantilista. Mexico, Fondo de Cultura Economica.         [ Links ]

HEIR, J.B. (1995), "Intervention: from theories to cases". Ethics And International Affairs, 9,         [ Links ]

HILFERDING, R. (1985) O capital financeiro. São Paulo, Nova Cultural.         [ Links ]

JACKSON, R. H. (1990) Quase States: Soveregnity International Relations And The Third World. Cambridge University Press.         [ Links ]

KENNEDY, P. (1998) The Rise And Fall Of The Great Powers.         [ Links ]

KEOHANE, R. (1984) After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy. Cambridge University Press.         [ Links ]

KEOHANE, R. (1995) "Hobbes dilemma and institutional change in world politics: sovereignity in international society" in H.H.Holm and G. Sorensen. Whose World Order? Uneven Globalization and the End of the Cold War. Boulder, Westview.         [ Links ]

KINDELBERGER, C. (1972) The World in Depression 1929-1939. Berkeley.         [ Links ]

KRASNER, S. (1999) Sovereignity and Organized Hipocrisy. Princenton University Press.         [ Links ]

KRASNER, S. (1976) "State power and the structure of international trade". World Politics (April) 28 (3). 317-343        [ Links ]

LYONS, G. and Mastanduno, M. (1995) Beyond Westphsalia? State Soverignity and International Intervention. Baltimore, John Hopkins University Press.         [ Links ]

POLANYI, K. (1980) A grande transformação. Rio de Janeiro, Editora Campus.         [ Links ]

RICARDO, D. (1982) Principios de economia política e tributação. São Paulo, Abril.         [ Links ]

SMITH, A (1985) Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações.Abril.         [ Links ]

STRANGE, S. (1970), "International economics and international relations: a case of mutual neglect". International Affairs, April, 304-315        [ Links ]

STRANGE, S. (1986) Casino Capitalism. London, Basil Blackwell.         [ Links ]

STRANGE, S. (1995), "Political economy and international relations", in K. Booth and S. Smith. International Relations Theory Today. Oxford, Polity Press.         [ Links ]

TAVARES, M. C. (1999), "Império, território e dinheiro", in J.L. Fiori, Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis, Ed. Vozes.         [ Links ].

TAVARES, M.C. e Fiori, J.L. (1997) Poder e dinheiro, uma economia política da globalização. Petrópolis, Editora Vozes.         [ Links ]

THOMSON, J. (1995) "State sovereignity in international relations". International Studies Quartely 39, pp. 213-33.         [ Links ]

WALLERSTEIN, I. (1982) "Crisis as transition", in Amin, S. et alii, Dynamics of the Global Crisis. London, MacMillan Press.         [ Links ]

 

* Artigo escrito originalmente para o livro comemorativo dos 70 anos de Maria da Conceição Tavares, em vias de publicação.
Fonte: Carta Maior