quinta-feira, 21 de abril de 2016

ALOYSIO BLINDA CUNHA, DETONA OEA E DIZ QUE TEMER TAMBÉM PEDIU AJUDA AOS EUA



ALOYSIO BLINDA CUNHA, DETONA OEA E DIZ QUE TEMER TAMBÉM PEDIU AJUDA AOS EUA


O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) diz que o vice-presidente Michel Temer lhe telefonou na véspera da viagem para os Estados Unidos preocupado com a difusão do discurso de que "há um golpe em curso no país" e pedindo ajuda para desmontar a tese.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Aloysio afirma em entrevista à BBC Brasil que defenderá a legitimidade do impeachment em suas reuniões com as autoridades norte-americanas.

"Conversei pouco antes de vir com Temer, quando ele manifestou preocupação com esse tipo de orquestração promovida pelo governo brasileiro, que é profundamente lesiva aos interesses permanentes do país. Uma das coisas que nos distinguem de muitos desses BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e outros que concorrem conosco por investimentos internacionais é ser um país onde as instituições democráticas funcionam normalmente, os direitos são respeitados, a imprensa é livre, há segurança jurídica", disse o tucano.

Na entrevista, o senador critica o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro. "Creio que o diálogo com esse senhor não resultará luz nenhuma. Ele se transformou num propagandista desta tese que o PT vem sustentando, de que há em curso um golpe no Brasil", afirma.

O tucano diz não ver problemas que o impeachment na Câmara tenha sido conduzido por Eduardo Cunha. "Ele tem essa função. É o presidente da Câmara e será presidente da Câmara até fim do ano. O que está sendo julgado no impeachment não é o presidente da Câmara, é a presidente Dilma Rousseff. Ela cometeu delitos que são próprios da Presidência da República", ressaltou.

Ele ainda defende que o Brasil mude suas relações com outros países da América do Sul. "O PT, durante muito tempo, fez política externa baseado numa convicção de que os EUA eram uma potência decadente, um país imperialista, e era preciso então que o Brasil se alinhasse a um novo bloco. Isso levou a um desvirtuamento do MERCOSUL, que de bloco econômico visando a facilitar trocas comerciais e investimentos se transformou em plataforma política. E levou a um alinhamento com países como Venezuela, Equador, Bolívia, com prejuízos de interesses brasileiros. Nós queremos mudar isso. Os EUA têm de ser um grande parceiro nosso", afirmou.

MOVIMENTOS SOCIAIS BARRARÃO RETROCESSO



MOVIMENTOS SOCIAIS BARRARÃO RETROCESSO


Parlamentares que votaram contra o processo de impeachment no domingo (17) foram homenageados pelo PCdoB do Maranhão. Em ato na Assembleia Legislativa, na quarta-feira (20), o governador Flávio Dino (PCdoB) entregou uma placa a cada um dos deputados maranhenses que votaram contra o impeachment, além de deputados de outros Estados convidados, como Wadih Damous (PT-RJ), Jean Wyllys (P-Sol-RJ) e Alessandro Molon (Rede-RJ).

O governador do Maranhão afirmou ser necessária a homenagem, pois, “ali, nos 30 segundos entre o deputado ser chamado e ir até o microfone, o mais fácil era votar com a maioria, mesmo contra a própria opinião, como sei que muitos fizeram”.

Em seu discurso, Dino prestou uma homenagem a “uma mulher que já entrou para a história, aconteça o que acontecer”, a presidente Dilma Rousseff. “Porque não é fácil, não é fácil enfrentar o que esta mulher está enfrentando. Todo tipo de ataque e ofensa, cujo auge foi aquele voto daquele deputado fascista, criminoso e torturador, cujo nome não declino para não homenageá-lo”, afirmou.

Professor de Direito e ex-juiz federal, o governador ironizou a tese usada para buscar a cassação da presidente. “Estudo Direito há 30 anos, nunca vi algo tão forjado quanto a invenção do crime de responsabilidade chamado "pedalada fiscal”.

O governador aconselhou a oposição a esperar 2018 para disputar as eleições. “Mas não querem esperar eleição porque não têm como ganhar voto com esse programa de restrição de direitos”, diz Flávio Dino. “Quando o 1% mais rico do país se reúne em torno de um pato para defender seus interesses, os pobres deste país não podem ter dúvida qual lado é correto”, afirmou.

Flávio Dino demonstrou confiança em que as mobilizações sociais vão barrar possíveis retrocessos. “Os movimentos sociais estão mostrando que quem constrói história deste país é o povo organizado para defender seus direitos”, afirmou.

MEMÓRIA DE JACKSON LAGO

"Nós não estamos discutindo acertos ou erros de governo", disse o deputado Weverton Rocha (MA), líder do PDT, que apoia a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência em 2018. "O que está em jogo é algo muito maior que é a Constituição de nosso país".

Secretário do governo Jackson Lago (PDT), Weverton lembrou os dias que se seguiram à sua cassação sem provas. "Os que foram a Brasília articular votos a favor do golpe são os mesmos que aprenderam os caminhos para voltar ao poder sem passar pelo voto popular", lembrou Weverton, em referência à cassação de Jackson Lago (PDT) que levou ao poder de volta Roseana Sarney.

SE TEMER ASSUMIR, NÃO GOVERNA

Representando os deputados de outros estados, Wadih Damous rejeitou a ideia de pedir eleições gerais. “Vamos lutar até o fim contra o golpe, para fazer valer o voto popular”, afirmou. “Se Michel Temer tomar posse não governará”, afirmou o parlamentar. Outro petista, o deputado Zé Carlos (MA) preferiu homenagear o governador. "Se há alguém merecedor deste prêmio é o governador do Maranhão que vem sendo um líder nessa batalha", disse. “Esta coragem premiada hoje não é a coragem de um partido, um deputado ou um governador. É a coragem de todo o povo”, afirmou o vice-líder do PCdoB na Câmara Rubens Pereira Jr (MA).

O vice-presidente da Câmara Waldir Maranhão (PP-MA) lamentou o “preconceito contra nós nordestinos que nos colocamos contra o golpe”. Mas afirmou que “o mundo está nos acompanhando, olhando a defesa que fazemos de nossa Constituição”.

Análise: 17 de abril e o golpe dos escravocratas

Análise: 17 de abril e o golpe dos escravocratas

A admissibilidade do impeachment é uma derrota para os milhões de argentinos e sul-americanos que simpatizam com a proteção de direitos trabalhistas; o Congresso brasileiro está retrocedendo a história no Brasil e em toda a América do Sul


Ao chamado de um senhor com abotoaduras e sorriso sarcástico, os deputados iam passando um a um para gritar seu voto diante do microfone.
Dez deputados do Estado do Pará votaram “Sim” à admissibilidade do impeachment. Sete votaram “Não”. Um se absteve.
Pablo Vergara/ MST

Protesto realizado no Rio de Janeiro em memória das vítimas do Massacre de Eldorado dos Carajás
Às 18h30, no Pará, o golpe havia ganhado.
Localizado no Norte, inclinado contra Suriname, Guiana e o Atlântico, o Pará abriga a maior reserva de minério de ferro do mundo e é um Estado rural. Em uma superfície de 1.253.164 quilômetros quadrados (quatro províncias de Buenos Aires e uma Colômbia) vivem cerca de oito milhões de habitantes.
O 17 de abril não é um dia qualquer para o Estado. Nesse dia se completavam 20 anos exatos do massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, quando 19 trabalhadores rurais foram assassinados pela polícia. O jornalista Eric Nepomuceno, um dos correspondentes do Página/12, reconstituiu a história em seu maravilhoso livro O Massacre. Qualifica os assassinatos como “uma das mais frias e emblemáticas matanças da história contemporânea do Brasil”. Todos pertenciam ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), a maior organização social brasileira fora do âmbito sindical.
Há 20 anos o Pará tinha registrados 18 mil camponeses em condição de servidão. Como o salário não era suficiente, ficavam atados ao patrão, o fazendeiro, pelas compras do armazém. Conta Eric que em 2004, já durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), a família de fazendeiros Mutran foi multada em 435 mil dólares por trabalho escravo. Segundo a Pastoral da Terra do Episcopado, somente entre 1971 e 2004 foram assassinados 772 camponeses por reivindicar terras. “É mais perigosos matar um boi que um homem”, escreveu Eric. “Os matadores de gado normalmente são presos e condenados; os matadores de homens ficam impunes.”
Às 17h de 17 de abril de 1996, uma quarta-feira, um total de 155 agentes da Polícia Militar e talvez também pistoleiros paramilitares dispararam contra 2.500 manifestantes do MST.
O governador era Almir Gabriel, do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), o mesmo que era encabeçado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Quem lembrou o fato foi Valmir Assunção, deputado do PT pela Bahia. Gabriel foi quem deu à PM ordem de dispersar a marcha. Morreu em 2013 sem ter sido investigado nem processado. A Justiça só condenou um coronel e um major. Não se saíram muito mal. Foram detidos em novembro de 2004 e liberados no ano seguinte.
O 17 de abril ficou consagrado como o Dia Mundial da Luta pela Terra.
Nenhum dos dez deputados que no domingo votou “Sim” recordou a matança. Um gritou que votava Sim “contra os ladrões do PT”. Outro vociferou que votaria Sim porque “tenho uma família e um filho de quatro anos e não quero que lhes ensinem sexo na escola”.
No entanto, esses legisladores do Pará e os outros que votaram “Sim” começaram a romper um processo social de integração que necessitava de décadas para afirmar-se e agora pode ficar inconcluso.
Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados e dono do sorrisinho à Giulio Andreotti, é o rosto visível da conspiração para derrubar Dilma e destruir o PT (Partido dos Trabalhadores). O STF (Supremo Tribunal Federal) o processou no mês passado por corrupção no sistema multimilionário de subornos da Petrobras. Ultraconservador, é autor de projetos para instituir o Dia do Orgulho Heterossexual e penalizar com 10 anos os médicos que ajudem a abortar.
Pablo Vergara/ MST

Protestos foram realizados em diversos Estados do país contra a impunidade
Cunha passou por partidos menores e terminou se ancorando no PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), uma constelação de chefes estaduais ligados aos poderes locais. Sem os seus representantes no Congresso, ninguém pode governar o Brasil. O PMDB foi aliado de Cardoso, aliado passivo de Lula e, depois, aliado ativo do PT, a tal ponto que Lula promoveu o peemedebista Michel Temer a vice-presidente de Dilma em 2010 e, de novo, em 2014. O PMDB cogovernou enquanto pôde obter vantagens e deixou de fazê-lo quando a crise econômica começou a ser notada no PIB, que este ano pode encolher 4%. O emaranhado de alianças se baseou na confluência de interesses e distribuição de subornos. Quando a crise e a imperícia de Dilma na gestão presidencial deixaram o principal aliado incomodado, saiu à superfície a distribuição compartilhada por congressistas do PMDB, do PSDB e por alguns legisladores ou funcionários do PT.
É difícil vencer a soma de corrupção mais recessão mais conspiração. Uma presidenta paralisada politicamente quis fugir com um ajuste ortodoxo. O PMDB correu para que o descrédito caísse sobre o PT, Dilma e Lula. Se o Senado afastar Dilma por 180 dias, Temer ficará no Planalto, e, por certo, não promete continuar com as políticas neodesenvolvimentistas de Lula, mas superar a ortodoxia de Joaquim Levy, o primeiro ministro da Fazenda no segundo mandato de Dilma.
Nem o PMDB na versão Cunha-Temer, nem o PSDB de Aécio Neves estão longe de Almir Gabriel, aquele governador do Pará que mandou matar os trabalhadores rurais. Mas o PT, que sempre encarnou as forças opostas aos fazendeiros, ficou enredado e na defensiva. Parecia impossível imaginar então este capítulo para um partido que só sete anos depois da matança, em 2003, começou com Lula a reparação social mais imponente da história do Brasil.
Os deputados que no domingo gritavam como selvagens não são uma raridade. Simplesmente, sua monstruosidade foi televisionada. Assim funciona o Brasil. Em circunstâncias críticas afloram as características racistas, classistas e escravocratas. Os trabalhadores de hoje seriam como os escravos do século XIX ou como os que eram reduzidos à servidão no Pará e não deveriam perturbar aparecendo na casa grande dos senhores. Essas características se transferem a toda a elite e ocultam com uma ideologia tradicionalista e grotesca os interesses dos bancos transnacionais, do grande empresariado nacional que desfralda a bandeira “Renuncia já” na sede da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), dos desertores do sistema político e dos gigantescos meios de comunicação, que no caso da televisão aberta formam um monopólio como a Globo. Foi notório no domingo o tom pré-político de muitos deputados que votaram pelo “Sim”. Alguns invocaram seus eleitores. Mas os demais mencionaram seus pais, seus filhos, sua família e até seus amigos como fonte legitimadora do voto. Ou disseram que votavam “Sim” “contra o comunismo”, como Jair Bolsonaro, do Rio, que homenageou o torturador de Dilma durante a ditadura, Brilhante Ustra.

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Os motivos do “Não” foram claros. Como disse Marcelo Castro, um membro dilmista do PMDB, Dilma é honesta, Dilma não roubou, Dilma não tem empresas nem contas no exterior, ou seja, não há delito. E sem delito o julgamento é um golpe.
Se após a admissibilidade votada na Câmara o Senado afastar Dilma e, pior, se depois a destituir, será preciso reler a análise de Ciro Gomes. Ex-ministro de Lula e opositor de Dilma, mas, sobretudo, contrário ao impeachment, disse na revista Carta Capital que, se o golpe se consumar, “não vejo possibilidades de um governo estável nos próximos 20 anos”. Descreveu que no ódio e na raiva confluem três grandes grupos: os eleitores frustrados de Aécio Neves, os afetados pela decadência econômica e os impactados pela “novela do escândalo a cargo dos grandes órgãos da mídia”. Cunha seria a síntese dessa tripla negação. E Temer, a encarnação “da ilegitimidade do governante e do entreguismo aos interesses internacionais, flagrantemente inseridos nesse assunto, sobretudo quando falamos de petróleo”.
Antonio Augusto/ Câmara dos Deputados

Dos 511 deputados que votaram no último domingo, apenas 36 chegaram ao Congresso com votos próprios
O voto de domingo é uma horrível notícia para a Argentina. Mauricio Macri foi endeusado pelos megaindustriais da Fiesp. Mas a persistência da queda econômica e da crise política no principal parceiro da Argentina reduzirá ainda mais as chances de recuperação econômica. Golpeará diretamente a indústria automobilística e minguará as exportações industriais.
A admissibilidade do impeachment é uma derrota para os milhões de argentinos e sul-americanos que simpatizam com a proteção de direitos trabalhistas, com uma maior intervenção do Estado, com políticas reformistas, com a integração e com os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, China e África do Sul) como alternativa em matéria de financiamento sem condicionantes conservadores.
O Congresso brasileiro está retrocedendo a história no Brasil e em toda a América do Sul.
Como disse Patrus Ananias, do PT, voto número 100 contra o impeachment, “é um golpe contra os pobres”.
O golpe dos escravocratas.
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Texto publicado originalmente pelo site Página/12
Traduzido por Maria Teresa de Souza

Raduan Nassar: Judiciário estará acima da lei?

Raduan Nassar: Judiciário estará acima da lei?

STF, dorminhoco, adormeceu. Procuradoria Geral da República, partidarizada, volta a engavetar o que não convém ao procurador. Estamos bem arrumados!


Ressalvadas exceções de ministros atuais respeitáveis, o STF – Supremo Tribunal Federal – está adormecido, dorminhoco, maculado por sinal pelo seu passado com o regime militar.
Tivesse o STF despertado da letargia, e o processo de impedimento da presidenta Dilma Rousseff não teria sido sequer instaurado, pela desqualificação de quem o conduz. E porque deveria sobretudo ter se detido no exame da tipificação do suposto crime de responsabilidade.
Uma pergunta: por que o mesmo tribunal não julgou até agora o presidente da Câmara dos Deputados? Está lá como réu desde janeiro do ano em curso… Daí que, ressalvadas as respeitáveis exceções, seria até o caso de se afirmar que o STF, que inclui alguns ministros apequenados, propiciou por “omissão” o golpe de domingo/17.04.2016, levado a cabo na Câmara, em grande parte, por uma quadrilha de cleptomaníacos.
Rosinei Coutinho/SCO/STF

Por que o STF, até agora, não julgou o presidente da Câmara dos Deputados?

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Além disso, a Procuradoria Geral da República patrocina claramente pareceres partidarizados, dando cobertura inclusive às derrapagens de um judiciário de primeira instância. Arquivou quatro pedidos de investigação de um tucano, trazendo à lembrança o “engavetador geral da República” da era FHC.
Em maio próximo, assume a presidência do TSE – Tribunal Superior Eleitoral – o questionável e pedante ministro Gilmar Mendes… e, no próximo ano, o excelente Enrique Ricardo Lewandowski será substituído na presidência do STF pela global Cármen Lúcia…
Estamos bem arrumados!
De fato, como é costume alegarem, ninguém está acima da lei, segundo a Constituição. Mas é preciso que se diga com todas as letras: a magistratura também não está acima da Lei.
Publicado originalmente em Outras Palavras

Carlos Alberto Brilhante Ustra e a criação do sistema de repressão e torturas da ditadura

Carlos Alberto Brilhante Ustra e a criação do sistema de repressão e torturas da ditadura

'Intelectual orgânico' do terrorismo de Estado e homenageado pelo deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao votar 'sim' ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, torturador morreu em outubro de 2015 sem ser punido por seus crimes
O grande articulador dos sequestros, mortes e desaparecimentos da ditadura militar brasileira morreu sem ser punido. Carlos Alberto Brilhante Ustra morreu em 15 de outubro de 2015, aos 83 anos, mas seu espírito continuará perambulando entre nós, assim como perambula o do regime do qual se tornou um dos maiores símbolos. Ustra foi o comandante do DOI (Destacamento de Operações e Investigações) paulista de 1970 a 1974. Ele não foi apenas um comandante: foi também o organizador de um aparato de informações e operações que tinha no terror de Estado e na tortura, até a morte, o principal método de investigação.
 
Sob o comando direto do coronel, agentes de rua, torturadores treinados a partir de métodos desenvolvidos por franceses e norte-americanos no Vietnã e na Argélia durante a Guerra Fria, e oficiais do setor de análise foram responsáveis diretos pelo massacre de militantes como o estudante Antonio Benetazzo, assassinado a pedradas, chutes, socos e pontapés num “cirquinho” – como os agentes chamavam as encenações de tiroteio nas ruas.
 
“Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi, um dos maiores centros de tortura da ditadura civil-militar, viveu 60 anos a mais do que meu tio, Luiz Eduardo da Rocha Merlino, a quem ele impediu de seguir sua vida ao comandar as intermináveis sessões de tortura que o levaram à morte, em 19 de julho de 1971. Ustra morreu de ‘morte morrida’ e não de ‘morte matada’, como suas vítimas”, diz a jornalista Tatiana Merlino. “A impunidade venceu a justiça”, completa.
 
Wilson Dias/Agência Brasil
Coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra durante depoimento na Comissão Nacional da Verdade; torturador não foi punido por crimes cometidos
 
Torturas
 
O geólogo e deputado estadual Adriano Diogo, preso em março de 1973, foi um dos sofreram pesadas torturas nas mãos de Ustra, desmentindo assim um dos mitos sobre o coronel: o de que ele apenas comandava as torturas e não participava delas.
 
“Ele gritava como um louco com os comandados. Certa vez, no dia em que o cardeal d. Paulo Evaristo Arns celebrou a missa de sétimo dia da morte do estudante de geologia Alexandre Vanucchi, dia 30 de março, fui levado a um pátrio externo. Ali, com um carcereiro, trocaram o porrete por uma palmatória. Eles bateram em todos que estavam lá. Batiam e gritavam vivas à ditadura e ao Medici, xingavam o cardeal”, conta Adriano.
 

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“Quando cheguei no DOI, tinham acabado de matar o Alexandre Vanucchi Leme. O Ustra me disse então que também ia me mandar pra Vanguarda Popular Celestial”.
 
Outro caso que envolveu diretamente Ustra foi a tortura de Criméia Schmidt de Almeida, grávida de sete meses, presa junto com os sobrinhos Janaína e Edson Teles. Ustra a torturou grávida, pessoalmente. Os pais das crianças, Maria Amélia de Almeida Teles e César Teles, já haviam sido presos. Enquanto Criméia era torturada, as crianças vagavam pelos pátios e corredores do DOI. Posteriormente foram sequestradas e enviadas ilegalmente para a casa de um tio, delegado de policia, que trabalhava na delegacia de onde saíram vários membros que integraram o DOI de Belo Horizonte.
 
“Durante cerca de 10 dias, minhas crianças me viram sendo torturada na cadeira de dragão, me viram cheia de hematomas, com o rosto desfigurado, dentro da cela. Nessa semana em que meus filhos estavam por ali, eles falavam que os dois estavam sendo torturados. Disseram: 'Nessas alturas, sua Janaína já está dentro de um caixãozinho'. Disseram também que eu ia ser morta. Isso foi o tempo todo. O tempo todo, o terror. Ali era um inferno”, descreve Amelinha Teles.
 
Esse e outros casos de tortura podem ser lidos no livro "Infância roubada", coordenado por Amelinha Teles e Adriano Diogo e editado pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva em 2014. A família Teles entrou com uma ação declaratória contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, com a finalidade de que a Justiça, mesmo não podendo condená-lo criminalmente devido à Lei da Anistia, o declarasse como torturador. Isso ocorreu em 2008, quando a ação foi julgada. Não cabem mais recursos contra a decisão.
 
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Integrantes de movimentos sociais protestaram com faixas, cartazes e pichações em frente à casa de Brilhante Ustra
 
Na sede da rua Tutoia, onde funcionou primeiro a Oban (Operação Bandeirante) e depois o DOI-Codi, Ustra representou não apenas o comando do terror, mas também o seu “intelectual orgânico”: aquele que dividiu funções, imaginou métodos de ação e conduta, impôs um discurso, limites de atuação, hierarquias. Seu modelo foi adaptado por outros DOIs do país, além de influenciar diretamente a conduta de muitos policiais civis e militares de lá para cá.
 
Assim como o tenente-coronel da SS de Hitler, Adolf Eichmann (1906-1962), que concebeu e planejou os campos de extermínio do nazismo, as ideias de Ustra serviram de exemplo para a repressão no resto de país. Mas aqui, ao contrário do que aconteceu com Eichmann, julgado e condenado à morte, Ustra nunca foi punido. Pelo contrário. Suas ações sempre foram acobertadas pela ditadura e pelo restou dela.
 
Descoberta
 
A atriz Bete Mendes, eleita deputada pelo PT em 1982, partido que abandonaria para votar em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, estava no Uruguai em uma viagem oficial com o então presidente José Sarney em 1985 quando encontrou, na embaixada brasileira, o coronel Brilhante Ustra trabalhando como adido militar. Bete Mendes o denunciou como um de seus torturadores, o “doutor Tibiriçá”, quando, em 1970, foi presa por integrar o grupo de esquerda VAR-Palmares. Ustra, claro, nega que tenha torturado Bete.
 
No encontro em Montevidéu, a atriz diz que o coronel a procurou para pedir desculpas, dizer que cumpria ordens.  Ele sempre foi protegido por seus superiores. Na época da denúncia de Bete, o então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, soltou uma nota defendendo a atuação de Ustra durante os anos de chumbo, dizendo que “ele havia colocado em risco sua própria vida em combate à subversão e ao terrorismo”. Os militares também espalharam a versão de que Bete havia, voluntariamente, se confraternizado com seu torturador.  Ustra acabou por voltar logo ao Brasil, mas sua saída do posto no Uruguai foi oficial, não foi uma punição por conta da denúncia da deputada.
 
A Lei da Anistia, promulgada em 1979, durante o governo do general e ditador João Batista Figueiredo, com um texto propositalmente pouco claro, anistiava os crimes políticos. Mas ficou subentendido pelos donos do poder da época que os crimes conexos eram aqueles cometidos pelos torturadores.
 
“Isso em Direito é um erro crasso, pois todo advogado sabe que a conexão só pode ser estabelecida quando os autores fazem ações em conjunto com os mesmo objetivos e motivações. Por exemplo, só pode ser considerado crime conexo o roubo de carro quando usado para auxiliar a fuga de um assalto a banco”, analisa a historiadora Janaína Teles.
 
Os militares conseguiram assim abafar essa análise do direito e evitar processos judiciais contra os torturadores. “Houve muita colaboração da Justiça para acobertar os crimes dos militares”. Mesmo na época, as pessoas que foram envolvidas em “crimes de sangue” não foram anistiadas. Muitas não foram anistiadas porque sequer foram condenadas. Ustra foi um dos maiores beneficiados pela lei. Seus atos terríveis foram perdoados pelo Estado ainda durante a ditadura. A Lei da Anistia ainda hoje é uma das maiores responsáveis pela impunidade aos agentes do Estado que torturaram, mataram e desapareceram com os corpos dos militantes políticos.
 
Nilson Bastian/Câmara dos Deputados
"Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff", disse o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) ao dar seu voto favorável ao impeachment da presidente
 
De 1985 para cá, quando Ustra estava em Montevideu e foi desmascarado como coronel Tibiriçá, se passaram trinta anos. Trinta anos nos quais as feridas da ditadura permaneceram intocáveis. A “obra intelectual” de Ustra foi completada com a edição do livro "A verdade sufocada", que chegou à décima edição em 2014.
 
Ao mesmo tempo em que tenta esconder, permanentemente e sem qualquer evidência, as violências que, sabe-se, faziam parte da rotina de Ustra e de seus comandados, a obra também pode ser lida como o fracasso do regime militar em sua tentativa de ocultar as violações cotidianas dos direitos individuais. A suposta verdade sufocada, ao fim e ao cabo, não passa de uma coleção de mentiras, que nenhum historiador sério leva em consideração.
 
Comunidade de informações
 
Ustra também liderou, por muito tempo depois de deixar o DOI, uma legião de ex-agentes que buscavam esconder e silenciar quem, dentro do grupo, ousasse revelar segredos e fatos que aconteceram nos centros de repressão.
 
Segundo a revista Veja, Ustra era muito ligado ao general de ultradireita Sylvio Frota, ministro do Exército que tentou dar um golpe em outubro de 1977 no então general-presidente Geisel, e também à comunidade de informações do regime. Ele tornou-se um dos militares que tentou barrar a abertura política, com atos terroristas de direita, como as bombas plantadas em bancas de jornais no final dos 1970 e começo dos 1980, e o atentado ao Riocentro.
 
As ameaças de hoje
 
Essa comunidade de informações, com ex-agentes, membros do esquadrão da morte, militares de ultradireita, torturadores e policias, continuou agindo na democracia, tentando esconder o que ocorreu durante na ditadura. Um de seus integrantes, em entrevista ao jornalista Marcelo Godoy, autor do livro "A casa da vovó" (Alameda, 2014), deixou sua voz gravada, dizendo com todas as letras que era melhor o repórter do jornal O Estado de S. Paulo interromper suas investigações sobre o que ocorreu na rua Tutoia.
 
Leia o diálogo:
 
“— Então quando você quer escrever ou falar uma coisa, acabam suicidando você. É aquela história: o que você acha disso ou acha daquilo? Eu não acho nada porque um amigo meu achou um dia e não acharam nunca mais o cara. Você entende?
 
— Entendi.
 
— Às vezes as pessoas deixam de escrever certas coisas ou de comentar outras coisas não por omissão, mas por instinto de preservação.
 
— Mas isso é uma época que já passou, né?
 
— Não, não passou, o duro é que não passou. O duro é que é o seguinte: pode ter passado para você, mas eu sei que não passou. Tanto não passou que você andou ligando para as pessoas e todo mundo ligou pra mim. Se tivesse passado, eu não estaria falando com você, eu ainda estaria no anonimato e você jamais saberia de mim...”
 
Ustra não foi ao lançamento do livro de Godoy, que aconteceu na Assembleia Legislativa de São Paulo, durante sessão da Comissão Estadual da Verdade comandada pelo deputado estadual Adriano Diogo, mas enviou um representante, o policial civil e ex-integrante do Dops Carlos Alberto Augusto, conhecido também como “Carlinhos Metralha”. Metralha pediu um livro autografado, para Ustra, para quem Marcelo mandou um recado: “Para que o senhor saiba o que ocorria sob o seu comando”.
 
Na linguagem que os militares entendem, Marcelo Godoy quis dizer que era impossível Ustra negar o que estava escrito no livro, que tinha como fontes, muitas ainda anônimas, tantos comandados pelo coronel. De fato, nem Ustra nem nenhum de seus comandados respondeu publicamente sobre crimes relatados no livro. Quem sabe agora, depois de sua morte, esses homens e mulheres que participaram da face mais cruel da repressão aceitem vir à tona e contar como essa engrenagem do regime funcionou – e onde estão os corpos de tanta gente desaparecida.
 
“A promoção com que Ustra sempre sonhou, a general, nunca saiu. Contudo, pelo menos não estamos vendo suas fotos com uniforme militar e polidas medalhas. Já é um avanço. Pequeno demais para os que sofreram nas mãos e sob as ordens desse carniceiro.”, disse Marcelo Oliveira, ex-assessor de comunicação da Comissão Nacional da Verdade, em seu perfil no Facebook.
 
Quando voltou do Uruguai, Ustra era um dos 12 militares que poderiam ganhar a estrela de general. Não foi escolhido e passou à reserva. Aposentou-se com uma bela mansão no Lago Norte de Brasília, guardada por enormes barras de ferro. Quando resolveu comandar o Doi-Codi, Ustra apostou na ditadura militar. Se estivesse no mesmo regime em que atuava quando era do Doi, podia ter se tornado ministro ou chefe do serviço secreto. Apostou também na absoluta impunidade para seus crimes. No que ganhou.