segunda-feira, 5 de março de 2018

Supremo poder

Supremo poder

O debate aberto após fevereiro de 2016, quando o STF julgou o Habeas Corpus nº 126.292, e decidiu que a execução antecipada da pena, após julgamento em segunda instância, não contraria o princípio da presunção de inocência, tem adquirido especial relevância em virtude da aplicação que vem sendo dada pelos tribunais de segunda instância, e as posições de professores e juristas em geral dentro e fora do Brasil

 
05/03/2018 10:30
 
 
“Quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra.” 

(Hannah Arendt)

O crescimento da judicialização, e com ela a importância dos órgãos de justiça, é um fenômeno mundial desde o fim da Segunda Guerra. Na América Latina há uma difusão dos sistemas de jurisdição constitucional nas últimas três décadas. No Brasil, o chamado ativismo judicial, de onde exsurge a judicialização da política, tem seu marco histórico pós-constituição de 1988. Larga parte dos direitos e garantias postos na Carta de 1988 já foi objeto de disputa e debate judicial.

O comportamento do Poder Judiciário vem ganhando destaque na atual conjuntura social brasileira. O professor Conrado Hubner, professor de direito constitucional da USP, em artigo publicado na Folha de São Paulo do dia 28 de fevereiro último, fez duríssimas críticas às posturas do Supremo Tribunal Federal. Afirma que aquela Corte não modera as relações e os conflitos, mas antes os acirra, potencializando as incertezas, o que ocorre pelas ações de seus ministros, desde a antecipação de posição sobre julgados nas páginas dos jornais, até a intromissão em questões estritamente políticas, que não estão na sua esfera de atuação. Isso além de agirem, via de regra, sob o viés corporativista. 

O debate aberto após fevereiro de 2016, quando o Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus nº 126.292, e decidiu que a execução antecipada da pena, após julgamento em segunda instância, não contraria o princípio da presunção de inocência, tem adquirido especial relevância em virtude da aplicação que vem sendo dada pelos tribunais de segunda instância, e as posições de professores e juristas em geral dentro e fora do Brasil.

A relativização pelo STF, em sede de Habeas Corpus, de um dos princípios constitucionais mais significativos atinentes ao direito de defesa, teve respaldo no dia 05 de outubro de 2016, no indeferimento liminar pela maioria de 6 votos a 5, de duas ações declaratórias de constitucionalidade (43 e 44) ajuizadas para defender a aplicação do art. 283, do Código de Processo Penal. O “curioso” é que após essa votação, o ministro Gilmar Mendes, que compôs o grupo da tese vencedora, em aberta contradição com seu voto, concedeu Habeas Corpus para condenados em segunda instância, como foi o caso do empresário Vicente de Paula Oliveira, condenado a 4 anos, 2 meses e 12 dias de prisão, por crime contra a ordem tributária.

A narrativa aqui feita serve apenas para demonstrar a total insegurança jurídica das decisões emanadas da Suprema Corte do país, não somente mas principalmente nesse tema que envolve a liberdade de cidadãos, o que demandaria, por si só, a urgência para que seu plenário  vote o mérito das duas ações declaratórias de constitucionalidade, cujos votos já foram liberados pelo relator, ministro Marco Aurélio Mello, desde o dia 06 de dezembro de 2016. Contudo, o caso do ex-presidente Lula, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no dia 24 de janeiro, fez com que a presidente Cármen Lúcia afirmasse que “reabrir o caso seria apequenar o Supremo”.

A declaração, dada em jantar com jornalistas e empresários no final de janeiro, soou estranha por vários motivos. O primeiro deles é que não se pode falar em “reabrir” o que não está concluso. O mérito das ações declaratórias de constitucionalidade não foi apreciado, somente o pedido liminar. O segundo, mais grave, é que, sendo sabedora de que a posição de colegas cuja tese foi vencedora mudou, a ministra faz tabula rasa da situação de pessoas que estão presas por força de condenação em segunda instância quando, aparentemente, a decisão do Supremo Tribunal Federal hoje seria para manter o dispositivo constitucional, sem relativizá-lo. Tal atitude é reveladora de um espírito autoritário, que se utiliza do poder de pauta como veto, para impedir a mudança de sua posição. 

A propósito, causa perplexidade que a decisão sobre a pauta do plenário do Supremo Tribunal, diante da situação-limite que está vivendo o país, esteja nas mãos de uma única juíza, que pode proceder conforme seu arbítrio, já que não há critérios transparentes para essa definição. De igual modo, mostra-se esdrúxulo que os apelos de outros atores políticos, de fora, para que o colegiado de 11 juízes discuta e decida qual a tese a ser aplicada, sejam vistos e tratados como “pressão”, como se ilegítimos ou imorais fossem.

Uma revista de circulação semanal trouxe ontem (sábado), como matéria de capa, o conteúdo de uma reunião de parlamentares mulheres, do partido do ex- presidente Lula, com a ministra Cármen Lúcia, ocorrida na última quarta-feira. As deputadas e senadoras fizeram, de fato, apelo para que o STF paute os processos que podem decidir sobre a liberdade do ex-presidente. Não pediram o voto da presidente Cármen Lúcia favorável a sua liberdade, mas tão somente que cumpra seu dever e permita que o plenário da Corte decida. Um procedimento tão ou mais legítimo como os que levaram a ministra – e todos seus demais colegas – a buscar reunião com parlamentares para apoio ao tempo de sua indicação, ou para os votos que recebem no Senado para a nomeação. Ou, ainda, quando pedem para que determinado projeto de lei, em regra lhes concedendo benefícios, seja votado e aprovado. 

Não foi essa a forma abordada pelo periódico. Para além do espanto da narrativa distorcida e que tenta sugerir constrangimento, de uma reunião onde a imprensa não estava presente, e para a qual não foi dada, por parte das parlamentares, qualquer informação, o conteúdo da reportagem é singular ao adiantar até mesmo a posição futura da ministra Cármen Lúcia sobre julgar-se, ou não, impedida para analisar o caso do Habeas Corpus em que atua o ex-ministro e seu amigo Sepúlveda Pertence:

"Recentemente, circulou a história de que Cármen Lúcia poderia se declarar impedida de julgar casos envolvendo Lula pela sua proximidade com Sepúlveda Pertence – o que não acontecerá”
Muito interessante imaginar como uma revista pode saber e afirmar, com tamanho grau de certeza, a posição de uma juíza que depende de uma decisão pessoal. A rigor somente ela poderia fazer tal afirmação. Não publicamente, por óbvio, mas nos autos.

No centro de todo esse debate está o poder excessivo de que dispõe o Poder Judiciário e os demais órgãos do sistema de Justiça no Brasil, como o Ministério Público Federal. É o vazio de percepção da exorbitância de autoridade que lhes foi conferida é o que nos torna, como sociedade, reféns dos caprichos, dos cálculos e das vontades de juízes.

Alheios às práticas democráticas, agem como se fossem a medida de todas as coisas, a régua pela qual se medem os comportamentos e a moral de cada um. Praticam ilegalidades nunca investigadas ou punidas, atuam à margem da lei e seguem incólumes, diante da ausência de uma sociedade que lhes cobre o quinhão, que cultive o espírito necessário para o exercício do pluralismo democrático. 

Outro FSM é possível, e necessário

Outro FSM é possível, e necessário

Depois de 17 anos, chegou a hora de rever a carta de princípios, adaptá-la ao mundo de hoje, com uma lista de temas de consenso, sobre os quais todos estejam de acordo, como a crise climática, as guerras, as armas, a especulação financeira, a crise migratória, entre outros

 
05/03/2018 13:35
 
 
Outro mundo é possível: esse foi o slogan que encantou aqueles que lutaram contra as injustiças e a destruição do planeta no Fórum Social Mundial de 2001, instância que passou a ser, desde aquele então e por vários anos, um ponto de encontro dos movimentos sociais contrários à globalização neoliberal e se constituiu em voz alternativa às diretrizes do Fórum Econômico Mundial de Davos.

Para que pudesse influir nesses valores comuns, para mudar o imaginário coletivo sobre a realidade, sempre é necessária uma organização para manter as metas claras. Enquanto de recitava a horizontalidade e a transparência, sempre existiu a tentação de que se transformar numa franquia, distribuísse pelo mundo todo (e não só pelo mundo em desenvolvimento), sem objetivos comuns que superem a tentação do eventismo.

Dentro do progressismo, há companheiros que se resistem às críticas à realidade feitas pelo Fórum Social Mundial (FSM), talvez porque, genuinamente, defendem algo que é próprio de sua história e a crítica lhes parece inconveniente para este momento de tantas fraquezas. Há quem alegue que a autocrítica permanente nem sempre é frutífera (que é o mesmo que dizer que às vezes é).

Muitos adotam posturas próximas à máxima que diz que “numa fortaleza sitiada, a crítica é traição” (o único fora de debate são os princípios), outros temem perder seus patrocinadores. O que deveria sair do debate é a definição de qual é a estratégia a seguir: continuar dentro do FSM para introduzir estes debates tão necessários, construir outra ferramenta, e, em ambos os casos, com quem. Lembrando sempre, ademais, que vivemos em plena ofensiva neocolonial.

Os princípios
Em várias regiões se denuncia que o comitê brasileiro nunca quis deixar o poder num modelo anárquico abstrato, baseado talvez numa visão das comunidades de base católicas brasileiras, sem nenhuma relação com a realidade. E o Comitê Internacional, composto por personalidades, está controlado por pequenos grupos e figuras que, embora defendam o altermundismo, representam ONGs (algumas financiadas por empresas), cada uma delas com linhas e propósitos tão concretos como particulares.

Depois de 17 anos, chegou a hora de rever a carta de princípios, adaptá-la ao mundo de hoje, com uma lista de temas de consenso, sobre os quais todos estejam de acordo, como a crise climática, as guerras, as armas, a especulação financeira, a crise migratória, entre outros.

Também é o momento de o FSM voltar a ser uma instância que tenha incidência no mundo. Ou alguém é contra uma declaração unívoca contra as guerras, contra a destruição do planeta ou contra a enorme desigualdade, refletida no fato de que oito pessoas possuem a mesma riqueza que 2,3 bilhões?

Não parece normal que este FSM de Salvador não tenha o tema da crise climática como um eixo importante, profundamente sentido pela sociedade civil. Parece que os temas são canalizados por ONGs europeias e estadunidenses, interessadas em temáticas que não são urgentes para as nossas sociedades, mas que contam com um financiamento para a sua organização.

Acima, na estrutura do FSM está a figura do arquiteto brasileiro Francisco “Chico” Whitaker, escasso de horizontalidade desde que recebeu o Prêmio Nobel alternativo, quando o Fórum era um ponto de referência para quem queria mudar o mundo e encarava o debate sobre a necessidade de outro mundo possível, necessário, imprescindível.

O verso da horizontalidade se contradiz permanentemente com o autoritarismo e a manipulação nas estruturas de poder (do FSM), mais entusiasmadas em organizar eventos (tudo é eventual, não há continuidade nem seguimento dos temas e debates) entre convencidos do que em lutar pelo pensamento crítico anticapitalista.

Quando os movimentos políticos começaram a se aproximar do Fórum, se fez todo o possível para distanciá-los, com a desculpa de evitar a contaminação. Nossos presidentes progressistas não foram bem-vindos. Tampouco se aproveitou suas experiências, suas dúvidas, suas propostas, para que fossem debatidas. Além disso, o grupo brasileiro impediu que o Comitê Internacional emitisse um comunicado contra o juízo político a presidenta Dilma Rousseff, que desembocou no golpe de Estado jurídico-midiático-policial-empresarial. Tampouco se defende a democracia?

Nos primeiros fóruns, por exemplo, o painel que se organizou sobre a Utopia, com José Saramago, Eduardo Galeano, Federico Mayor e 60 mil participantes, demonstrou a necessidade do debate, da batalha de ideias, da guerra cultural contra o capitalismo e as forças neocoloniais. Já não estão conosco nem Saramago nem Galeano, se foram sem que suas ideias fossem aproveitadas: não se fez sequer um resumo do encontro para difundi-lo. Não havia interesse?

Devemos compreender que horizontalidade e organização não são dois valores opostos. Os organizadores do FSM emitem um documento que defende que haja centenas de painéis, e alegam que integrá-los seria agir contra a horizontalidade. Sem dúvida, todos estes painéis são uma prova da riqueza do debate, e também da fragmentação: cada um sabe do seu painel, mas não do que se debate nos outros, sobre o mesmo tema, e menos ainda sobre outros temas.

As personalidades que deram vida e prestígio ao FSM concordam que ele hoje está em profunda crise, como indicam as cifras e a falta de repercussão e entusiasmo, e insistem na necessidade de dar passo a uma horizontalidade sempre inclusiva e transparente, mas aceitando que é necessária uma mínima organização e estruturação.

A endogamia
O tema da horizontalidade choca também com a necessidade de informação e de comunicação (e assim tem sido também no Comitê Internacional, que acreditava que isso era trabalho dos jornalistas). Desde o começo do processo, (os meios alternativos) insistiram na necessidade de se criar instrumentos para compartilhar as ideias e conclusões com os que não vinham, porque compartilhar é uma responsabilidade coletiva e individual dos que querem e lutam por um mundo diferente.

O FSM foi ficando preso a iniciativas endogâmicas: de cada edição, pouco ou nada das experiências chegou ao resto do mundo. Seria simples entrar em consenso sobre regras que respeitem os organizadores de painéis: nomear um relator que, no final do evento entregue um resumo do debate e suas conclusões, e que esse fosse compartilhado. Hoje, os meios eletrônicos tornam possível o que há 17 anos era impensável.

Seria útil que os que não estão (no painel) possam refletir e compartilhar, o que não tem nada a ver com a tão mencionada horizontalidade, e sim com a evidente necessidade de coordenar as lutas. O desenho do FSM é facilitador da fragmentação: cada painel define que sua luta é a mais importante e não o que deu origem a ela, a necessidade de inventar um mundo diferente, justo, equitativo, com paz e respeito à natureza.

O desenho é para que cada grupo coordene consigo mesmo, e atenta contra a própria filosofia do FSM. Como dizia Galeano nos Anos 70: “enquanto alguns fazem a revolução, Brigitte Bardot luta em defesa das baleias azuis”.

Em mais de quinze anos, o FSM correu riscos com o da rotinização, a cooptação, a burocratização, a falta de participação de movimentos reais, a dispersão, a infiltração, entre outros. E esta realidade agora confirma esses riscos. Em meio à uma crise sistêmica do capitalismo, com crises climática, política, social, migratória e alimentar sem precedentes, a aposta continua sendo na tão celebrada horizontalidade, que só beneficia o pensamento único e o imobilismo.

Em breve, o mundo enfrentará os efeitos das novas tecnologias na vida dos trabalhadores e na economia, assim como as notícias falsas (fake news), a pós-verdade e a inteligência artificial, o que faz necessária uma nova agenda, porém manejada a partir do sul. Nada disse foi discutido em 2001, em Porto Alegre. Seis anos depois do início, em 2007, o fórum de Belém do Pará deu a primeira mostra coletiva de rejeita a crise do capitalismo e a necessidade de uma ruptura com o mesmo.

Hoje, cresce o debate entre movimentistas “puros” (que hoje estão aliados à socialdemocracia europeia e à Igreja católica) e militantes sociais e políticos sobre o futuro do FSM, sobre a relação entre partidos políticos anticapitalistas e movimentos, sobre os vínculos com governos progressistas da região.

Obviamente, o FSM perdeu peso e influência, talvez porque aqueles movimentos sociais que levaram os nossos presidentes reformistas ao governo saíram das ruas, porque também eles foram cooptados (e/ou burocratizados) pelas tarefas de governo, o que levou a uma desmobilização.

Hoje, muitos outrora altermundistas buscam foros sobre temas que têm interesse para ONGs europeias e estadunidenses, e fogem dos temas cruciais para o futuro de sua própria gente, talvez para não perder a ginástica forista. Foi o que vimos há pouco, na reunião da OMC em Buenos Aires, onde invisibilizaram a luta contra o TLC entre o Mercosul e a União Europeia, entre outros temas.

Outro Fórum Social Mundial é possível e necessário: este atual só garante o eventismo, a imposição de organizadores de uma franquia que segue as agendas das ONGs europeias e estadunidenses, a fragmentação, o abandono da batalha das ideias, o desprezo e a utilização das organizações sociais e da possibilidade de buscar e debater, juntos, espaços e formas de seguir a luta em circunstâncias mais difíceis, muito mais que há 17 anos.

Não se trata de destruir nada, e sim de transformá-lo, para que novamente seja capaz de entusiasmar os lutadores sociais, para que se termine o imobilismo. O desafio é saber para onde caminhas, e com quem caminhar. Não suportamos a verdade única: o debate sempre é enriquecedor, para todos. Hoje, não há caminho, mas já dizia o poeta espanhol Antonio Machado (que nada sabia de fóruns, mas sim de luta): “caminhante, são tuas pegadas o caminho, e nada mais / caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar”.

Aram Aharonian é jornalista e comunicólogo uruguaio, fundador do canal TeleSur e presidente da Fundação para a Integração Latino-Americana (FILA)

Fórum Social Mundial 2018 na Bahia: Trincheira contra a ofensiva do capital

Fórum Social Mundial 2018 na Bahia: Trincheira contra a ofensiva do capital

Carlos Tiburcio, do Grupo Facilitador do FSM 2018, defende a importância do Fórum como espaço de encontros e de lutas

 
05/03/2018 13:27
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
 
A próxima edição planetária do Fórum Social Mundial, que começa no dia 13 de março em Salvador, Bahia, Brasil, tem tudo para impactar politicamente nesta conjuntura. Há fortes razões para que o FSM 2018 se transforme numa grande trincheira de resistência à ofensiva do capital em nível internacional, com especial importância para as forças sociais e políticas brasileiras.

A circunstâncias políticas internacionais e nacionais estão impondo esse desafio.

Organizado em apenas um ano, num período dos mais adversos, o 13° FSM foi ganhando a adesão de centenas de organizações e movimentos sociais e sindicais de todo o mundo. Mais de 1300 atividades autogestionadas já foram inscritas, fora centenas de outras que estão sendo organizadas diretamente pela Universidade Federal da Bahia, UFBA. As principais lideranças sociais e políticas brasileiras vão participar do evento e dezenas de grandes personalidades de todos os continentes já confirmaram presença. Para se ter uma ideia da adesão: cerca de mil voluntários do Brasil e de vários países já se inscreveram para trabalhar nas mais diversas áreas. E espera-se entre 60 e 90 mil participantes durante os cinco dias do Fórum.

A presença do Grupo Facilitador do FSM 2018 em alguns eventos importantes da sociedade civil planetária ao longo do ano passado contribuiu para a construção desses resultados, a exemplo da COP 23 em Bonn (Alemanha), da Cúpula União Europeia-África em Abidjan (Costa de Marfim) e a Cúpula dos Povos, realizada em paralelo à reunião da OMC em Buenos Aires, na Argentina, cuja Declaração Final aprovou um forte chamamento rumo ao Fórum na Bahia.

A metodologia de construção do Fórum, como se sabe, referencia uma dinâmica horizontal, autônoma e autogestionada, que está na Carta de Princípios aprovada pelo Conselho Internacional logo após a realização vitoriosa do evento de fundação, em 2001, em Porto Alegre.

Nestes 17 anos, 12 edições planetárias do Fórum foram realizadas no Brasil e em vários outros países (**), além de dezenas de Fóruns descentralizados, temáticos e regionais em todos os continentes, consolidando um amplo, capilarizado e profundo processo político de caráter internacionalista e  antineoliberal.

Trata-se, assim, de uma construção consolidada e de acúmulo político de grande importância para as esquerdas e para as forças progressistas e democráticas de todo o mundo, mesmo que se considere os eventos de menor relevância social e política ocorridos ao longo desse período. Ainda mais numa conjuntura de forte ofensiva do capital.

Nesse sentido, muitos que inicialmente hesitaram diante do potencial e do significado político dessa edição planetária do FSM, já estão arrumando as malas e tomando o rumo da Bahia.

A cidade de Salvador vai ser ocupada pelos ativistas do FSM, principalmente o Campus da UFBA, no bairro de Ondina, território central das atividades. Como também a Universidade Estadual da Bahia UNEB, no Cabula, o Parque do Abaeté, em Itapoan, o subúrbio ferroviário, Cajazeiras, o Centro Administrativo e muitas outras áreas.

Grandes acampamentos, como o Intercontinental da Juventude e o dos Indígenas, já começam a ser montados. A grande Marcha de Abertura sairá do Campo Grande e terminará no centro antigo da cidade, na Praça Castro Alves, que “é do povo como o céu é do condor”, nos versos do compositor e cantor baiano Caetano Veloso.

E tudo isso vai acontecer num quadro de aguçamento das contradições em nível global, com novos desdobramentos e riscos decorrentes da crise capitalista iniciada em 2007/2008, com destaque para a América Latina – basta analisar o alto risco de intervenção armada na Venezuela, estimulada pelos Estados Unidos – e a ocorrência de uma forte inflexão política no momento conjuntural vivido no Brasil, para ficar em dois exemplos críticos.

No nosso país, a recente intervenção federal decretada pelo governo golpista no Estado do Rio de Janeiro acentua a tendência à militarização do regime de exceção – já violentado pela judicialização seletiva da política – e aponta para a consumação do que tem sido qualificado como “um golpe dentro do golpe”.

Está aberta assim uma nova fase decisiva de confrontos sociais e políticos que certamente determinará o futuro do país nos próximos anos.

O bloco de classe golpista mantém a ofensiva política, amparado principalmente pela fração hegemônica do capital – o setor financeiro-rentista -, por grande parte do aparato jurídico-policial, pela maioria conservadora no Congresso e pela mídia oligopolizada, mas se desmoraliza cada vez mais diante da grande maioria da sociedade. Um exemplo gritante se expressou nas avenidas, nas transmissões televisivas e nas redes sociais nesseCarnaval.

O governo ilegítimo de Temer avançou radicalmente nos retrocessos sociais, mas se viu obrigado a recuar na conquista da propalada “joia da coroa”, a antirreforma da Previdência, diante da resistência dos partidos de oposição, o PT à frente, dos trabalhadores, dos sindicatos, das Centrais e movimentos sociais e do enorme desgaste da proposta junto à grande maioria da população.

E as classes dominantes têm pela frente o calendário eleitoral deste ano, para o qual ainda não conseguiram construir nenhuma saída minimamente confiável para elas próprias.

É nesta conjuntura de realização do FSM 2018 que algumas questões incontornáveis, tudo indica, terão de ser resolvidas a curto prazo:

Qual será o desfecho da perseguição político-jurídica ao ex-Presidente Lula, que já atingiu um ponto de extrema tensão no conjunto da sociedade?

O que farão as lideranças sociais e políticas diante das ameaças concretas de desfiguração do regime presidencialista ou até mesmo do adiamento das eleições deste ano?

Como reagirão doravante amplos setores populares em face da continuidade da crise econômica, do desemprego, da radical perda de direitos, das dezenas de milhões de devedores com os “nomes sujos”, apesar da propaganda ufanista do governo e da mídia sobre “a retomada da economia”?

É preciso insistir: o bloco de classes que perpetrou o golpe não conseguiu até agora, com tudo o que fez e tem feito de violações à democracia e aos direitos sociais, superar sua maior debilidade política: obter condições de concorrer e vencer eleições presidenciais livres e democráticas.

Essa debilidade não tem sido uma exclusividade das classes dominantes brasileiras. Ela é, na verdade, uma das características marcantes da atual fase de dominação capitalista e da luta de classes em várias partes do mundo, em especial na América Latina. Daí, as restrições acentuadas à democracia e os golpes e tentativas golpistas que, sob variadas formas, vêm ocorrendo no Brasil e em outros países.

As mais de 1300 atividades que serão realizadas no FSM 2018, de modo geral, vão resistir a tudo isso. E mais: muitas delas vão promover programações que se desdobrarão neste ano e no próximo em campanhas e novas atividades após o término do evento.

São muitas, mas é preciso citar pelo menos algumas, com o risco evidente de cometer omissões:

“Assembléia das Democracias”, que deverá reunir lideranças internacionais de peso, inclusive ex-presidentes de alguns países cuja democracia foi golpeada ou está sob ameaça.

“Assembléia Mundial das Mulheres”, que deverá aprovar pontos considerados doravante inegociáveis em suas lutas.

“Assembléia Mundial dos Povos”, que incluirá pelo menos 20 grandes lutas globais para a construção de agendas comuns.

Entre as várias Atividades de Convergências e Conferências, “A Era do Capital Improdutivo. O FSM 2018 e a ampliação das resistências”, que aprofundará o conhecimento e o debate sobre a dominação do capital financeiro no mundo e apresentará propostas de campanhas organizativas de caráter popular, tanto no Brasil quanto no exterior.

E, por fim, a “Ágora dos Futuros”, outra novidade política desse Fórum, na qual serão apresentados, na manhã do último dia, de forma plural e diversa, os resultados e desdobramentos de variadas atividades.

“Um outro Mundo é Possível. Resistir é Criar, Resistir é Transformar”.

** Edições planetárias do FSM no Brasil e no mundo:

2001, 2002, 2003, 2005 e 2012: Brasil, Porto Alegre; e 2009, Belém;

2004: Índia, Mumbai;

2007: Quênia, Nairóbi;

2011: Senegal, Dacar;

2013 e 2015: Tunísia, Túnis;

2016: Canadá, Montreal.

Por Carlos Tibúrcio, jornalista, diretor da Web Radio Democracia no Ar – Rede de Resistência Democrática, um dos fundadores do Fórum Social Mundial pelo Movimento ATTAC-Brasil e atual membro do Grupo Facilitador do FSM 2018 pela Ciranda de Comunicação Compartilhada, coordenou as Equipes de Discursos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma.


Créditos da foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

JESSÉ: GOLPE JÁ É CONSENSO NO MEIO ACADÊMICO

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