quarta-feira, 20 de julho de 2016

A GLOBALIZAÇÃO ENTROU EM MODO ESGOTAMENTO

A globalização entrou em modo esgotamento

Não se pode pedir à graxa que detenha a engrenagem. Cunha, Temer, Serra são lubrificações constitutivas do colapso global entre nós.

Saul Leblon

O mudo ruge.

Como o vulcão prestes a explodir, sinais de alerta irrompem no noticiário de diferentes pontos do planeta.

A violência e o espaçamento típicos das saturações não deixam muita margem a dúvidas.

Placas tectônicas aceleram a rota de colisão; rolos de fumaça e estremecimentos da crosta prenunciam a erupção do magma da história.

Brexit, Trump, Dallas, Nice, Turquia, Luisiana, Berlim...

Os últimos vinte e dois dias foram exemplares: a globalização neoliberal entrou no modo esgotamento.

Cada vez mais, os ‘colaterais’ da supremacia dos mercados se exprimem em rupturas, vítimas e conflitos que se acumulam no congestionado espaço das manchetes fumegantes.

A larga contabilidade da morte anestesia, mas a aleatoriedade das geografias e dos atores encerra uma regularidade reveladora.

Vive-se um tempo em que a descoordenação antes de ser o imprevisto é a norma deliberada.

Escavada e burilada, ela compõe o altar da religião sem Meca nem ofício ou santo, exceto a eternidade do fluxo contínuo, ubíquo, indiviso: a circulação do capital e da mercadoria.

São elas as únicas liberdades de fato soberanas impulsionadas pelo neoliberalismo globalizado, desde os anos 70 do século passado.

Perímetros de soberania nacional foram progressivamente calafetados pelo agigantamento da gigantesca massa de forças assim potencializadas.

Espaços de mediação nos quais esse ectoplasma pudesse  ser transmudado em inclusão, igualdade, estabilidade e civilização foram aplastados.

A atrofia descredenciou Estados e governos.

Em seguida desossou partidos e projetos históricos.

Desmoralizou a democracia representativa, desdenhando da urna e das escolhas e agendas do voto majoritário.

Por fim, desqualificou a própria política como fórum de mediação dos conflitos da sociedade e do desenvolvimento.

Um cemitério de administrações zumbis e de Estados ornamentais (para a sociedade) emergiu vigiado pela engrenagem dos fundos sem rosto, dos capitais sem pátria, do dinheiro chantagista.

A pedra angular de toda a vacuidade, para recorrer a um oximoro destes tempos paradoxais, é a liberação da conta de capitais.

A partir dela, a lógica neoliberal promove o sequestro ou a rendição obsequiosa dos instrumentos endógenos de comando da sociedade sobre o seu desenvolvimento.

A opressão, todavia, surfa em um poder de sedução gigantesco.

Quem há de ser contra a liberdade de trocas, de pessoas e de recursos estendida a todo o planeta?

Não se trata de retórica.

O crescimento do comércio global nas últimas décadas suplantou de longe a taxa média do PIB mundial.

Transformou-se na grande e irresistível cenoura de adesão ao mainstream do laissez faire, laissez passer repaginado e mundializado.

Enquanto o PIB mundial cresceu em média 3,1%, entre 1985 e 2011, a taxa anual de crescimento do comércio internacional foi de 5,6%. (OMC, 2013).

Entre os países do G-20, apenas Indonésia e África do Sul registraram diminuição do índice de internacionalização comercial nesse período.

Em tese, o dinamismo das exportações eleva o nível de internacionalização das economias nacionais.

Oxigena cadeias de produção.

Revoluciona padrões de tecnologia, consumo e produtividade.

Faz mais.

Em 2009, pela primeira vez, o comércio mundial de bens intermediários (insumos industriais e serviços) atingiu valor superior ao das exportações de bens finais (51% e 49%, respectivamente).

Mas aqui a panaceia teoricamente boa para todos já revela suas trincas no movimento real da história.

A participação das empresas multinacionais no comércio internacional disparou nas últimas décadas.

Segundo a Unctad, exportações globais totalizaram aproximadamente US$ 19 trilhões em 2010.

Megacorporações globais responderam por 80% desse total, US$ 15 trilhões.

Só o comércio intrafirmas foi responsável por aproximadamente 33% das transações.

A bordo dessa esquadra de bandeiras poderosas, o volume do comércio internacional de bens e serviços cresceu, em média, 7,3% ao ano, entre 2002/2007.

Muito acima do desempenho do PIB, com aumento médio de 4,2 no período. 

A dominância das manufaturas e serviços na composição dos fluxos, favorecida pela derrubada das tarifas e de legislações protecionistas, fez o valor das exportações mundiais desses itens crescer 264% entre 1990-2008.

De US$ 4,3 trilhões para U$15,3 trilhões.

Os circuitos de produção e consumo extravasaram as fronteiras tradicionais na nova planta manufatureira globalizada, fortemente concentrada nas mãos de grandes corporações.

O poder de interferência e indução dos Estados e das urnas nas políticas nacionais de desenvolvimento sofreria desde então apreciável processo corrosivo.

Mais complicado que isso.

Embora notável, a fermentação do comércio mundial desde a década de 1980 ficou ainda muito aquém do poder ordenador concentrado nas mãos do verdadeiro motor sistêmico da globalização neoliberal: Os fluxos financeiros internacionais.

Eles equivalem hoje a cerca de 40 vezes o valor das trocas comerciais.

Não há poder econômico ou político que se ombreie a isso até o momento.

Trata-se de um poder imperial ubíquo.

É ele que pavimenta as rotas, alarga portas, arromba trancas, subordina nações, adestra governos, submete agendas, domestica partidos, abastarda programas, desmoraliza lideranças, derruba recalcitrantes, dita ajustes, fiscaliza austeridades, calibra arrochos.

Instaura, enfim, a endogamia funcional entre o interesse financeiro e o domínio comercial dos mares e dos continentes.

Em quarenta anos de supremacia da desregulação econômica não surgiram instituições dotadas de poder e abrangência capaz de contraditar a lógica concentradora e excludente para colocá-la a serviço da civilização e do bem-estar social dos povos e nações.

O efeito dominó, ao contrário, derrubou, mastigou e cuspiu tudo o que parecia sólido ou prometia sê-lo.

No chão mole viceja o sentimento de frustração que se confirma no rastro de Estados rendidos e de sobras  humanas dessa lapidação épica.

Desfilam aí os desempregados, os desterrados, os deslocados, os desesperados, os descrentes, os desvalidos, os despossuídos, os devorados, os desacorçoados.

‘Loosers’ de todas as origens.

Expelidos pela liquefação de nações e valores das revoluções burguesas do século XIX, e dos ideais socialistas, libertários e igualitários do século XX, compõem o gigantesco orfanato da desesperança e, cada vez mais, como se vê, do desespero.

A Europa tem hoje 8 milhões de imigrantes sem papéis; 120 milhões de pobres e 27 milhões de desempregados.

Nos EUA, antes ainda da crise de 2008, 90% dos lares viram sua renda deslizar em plano inclinado. Apenas 1% das famílias ascendeu ao paraíso prometido pela retórica neoliberal do Estado mínimo com benefício máximo, atingindo faixa de ingressos superior a meio milhão de dólares/ano.

Mais de 20% dos menores norte-americanos vivem atualmente em condições de pobreza.

Na sociedade afluente a única coisa que de fato flui é a desigualdade, que em cem anos nunca foi tão aguda quanto agora.

Pela primeira vez, cristaliza-se no mundo rico o mesmo sentimento das periferias nas nações pobres: uma geração de jovens tem a correta percepção de que dificilmente repetirá a faixa de renda dos pais, se é que conseguirá viver com a sua própria um dia.

O conjunto fortalece o diagnóstico obscurantista que projeta a causa da pobreza nacional na presença ‘invasiva’ da pobreza de idioma estrangeiro.

Não precisa muito para dar a ignição a movimentos extremista xenófobos e populistas, que por sua vez liberam a demência terrorista.

Não necessariamente nessa ordem, mas com essa octanagem explosiva.

O noticiário conservador mimetiza a desordem ajudando a construí-la.

Ao sonegar os antecedentes da tormenta, estica-se o elástico da gigantesca armadilha histórica em que vivemos.
 Uma etapa irreversível do desenvolvimento das forças produtivas entrou em colapso sem dispor de uma arregimentação política capaz de promover a sua mutação a serviço da civilização humana.

A nova Bastilha global de interdições e chantagens aguarda o seu 14 de Julho.

Na sala de espera a história encena o enredo do caos.

Esse que congestiona as manchetes e escaladas noticiosas diuturnamente.

O caos é a desautorização virulenta da essência da democracia.

A Queda da Bastilha em 14 de Julho de 1789 reinventou o futuro da sociedade humana.

E o fez, no dizer instigante do filósofo Jacques Rancière, ao suprimir as distinções entre a filiação divina, ou fiduciária, do rei e da realeza, de um lado, e a vala comum dos mortais, de outro.

Nasceu dessa ruptura um conceito ainda hoje rechaçado pela riqueza.

A ideia de que a igualdade não pode ser um alvo remoto, mas deve ser um ponto de partida.

A construção de um futuro comum requer a igualdade dos atores desde o presente.

Onde: no âmbito de uma democracia efetiva, em que o poder emane do povo, para o povo, pelo povo.

A guilhotina, de um lado - mas também os Direitos do Homem e do Cidadão, proclamados cerca de um mês depois da derrubada da Bastilha, em 26 de agosto de 1789 - cuidaria de lavrar essa equivalência em cabeças e nas cabeças.

É tudo o que a globalização nega esfericamente à sociedade e à política hoje.

De forma violenta ela suprime a igualdade no presente e sonega aos povos os meios para sonhar com ela no futuro.

O fim da história como o fim da utopia.

Mas a equação da eternidade não fecha.

A Zona do Euro enfrenta seu oitavo ano entre a deflação e a recessão.

A Itália tem desemprego recorde.

Alemanha e França assistem a uma espiral de xenofobia.

Grécia tem 59% da juventude fora do mercado.

Portugal encara uns 500 mil desempregados.
 A Espanha devastou sua rede de proteção social em oito anos de concessões à austeridade e ainda deve mais um corte de dez bilhões de euros, avisa a troika...

Assim por diante.

Foi preciso que um economista moderado, Thomas Piketty, coligisse uma enciclopédia estatística do avanço rentista sobre a riqueza global para que o tema da desigualdade merecesse algum espaço – fugaz, diga-se — no debate econômico e midiático do nosso tempo.

A ocultação da criatura pretende esconder o colapso do criador.

A essência da desordem neoliberal que se evidencia em contradições nos seus próprios termos.

Crise de superprodução de capitais especulativos, associada a juros negativos (o Brasil é uma excrescência da regra), sobras humanas com anemia da demanda e excesso de capacidade ociosa.

É sobre essa base de placas tectônicas em movimento, a emitir sinais de uma explosão próxima, que o Brasil se depara com a delicada transição de um ciclo econômico.

A sociedade precisa repactuar as bases de seu desenvolvimento.

Mas um golpe de Estado em curso não apenas ignora os sinais de fumaça ao redor: ele é um item constitutivo das manifestações mórbidas em espiral ascendente.

Não se pode pedir à graxa que detenha a engrenagem.

Cunha, Temer, Serra, assemelhados e homólogos na mídia são lubrificações constitutivas do colapso global no plano local.

Assim como a eutanásia do rentista, a derrota desse círculo de besuntadores do mercado requer circunstâncias indutoras bem mais contundentes do que simplesmente denunciar a sua natureza.

A derrubada da Bastilha hoje consiste em dotar a  democracia de um poder regulador dos capitais e do investimento para que possa exercer seu papel: ser uma força antagônica às tendências regressivas, abraçadas, entre outros, pela agenda de arrocho do golpe brasileiro.

A consciência desse confronto é um dado fundamental para renovar a ação política em nosso tempo.

Quando a economia se avoca um templo sagrado, dotado de leis próprias, revestida de esférica coerência endógena, avessa às ruas e às urnas, o que sobra à democracia se não romper?

Os que, como Serra, incitavam o governo Lula a jogar o país ao mar na crise de 2008 agora retrucam que o custo de não tê-lo afogado na hora certa acarretou ‘custos insustentáveis’.

Que precisam ser extirpados do orçamento.

Prescreve-se um caldo de afogamento no capítulo dos direitos sociais da Carta Cidadã.
 Na prática, o teto de gastos preconizado fará regredir a fatia dos pobres na receita futura.

A noção da igualdade como ponto de partida modelador do desenvolvimento está com a cabeça na guilhotina da restauração da Bastilha brasileira.

As escolhas intrínsecas a uma repactuação do desenvolvimento no século XXI não são singelas.

Nada que se harmonize do dia para a noite.

É crucial, assim, pactuar linhas de passagem feitas de metas, ganhos, perdas, salvaguardas e prazos.

Mas há um requisito para isso ter algum peso num tempo que estrebucha e ameaça levar as nações junto: tirar a economia do altar sagrado da ortodoxia e expô-la a uma repactuação democrática que mobilize toda a cidadania.


O pré-sal é nosso.

20 de Julho de 2016
Líder da equipe que chegou às reservas do pre-sal, alvo de um projeto de abertura ao capital estrangeiro em discussão no Congresso, o geólogo Guilherme Estrella afirma que o fator político foi decisivo para uma descoberta com impacto relevante para o país e as novas gerações." Lula rompeu com as políticas neoliberais que estavam em vigor e reconstruiu o lugar Petrobras em nosso desenvolvimento. A partir daí, estávamos a um passo do pré-sal," diz ele, na primeira parte de uma entrevista exclusiva ao 247. Estrella também acusa o governo Fernando Henrique de "reduzir em 40% a presença da Petrobras na procura de novos campos de petróleo, limitando as pesquisas da empresa e favorecendo a entrada das multinacionais."
BRASIL 247 – Como explicar a descoberta de pré-sal brasileiro?
GUILHERME ESTRELLA – Há fatores econômicos, pois envolve investimentos pesados. Também é preciso ter um bom conhecimento da área a ser explorada, com uma pesquisa geológica de qualidade. Mas o fator político foi decisivo.
247 - Por que?
GUILHERME ESTRELLA – No período que transcorreu entre a reforma neoliberal da Constituição de 1988, com a consequente quebra do monopólio e a instalação do regime de concessão internacional, havia uma política não escrita mas praticada pelos governos do PSDB. Consistia em reduzir em 40% a presença da Petrobras nos trabalhos de  engenharia e pesquisa. A razão disso era clara: pretendia-se estimular empresas estrangeiras a investir no Brasil. Estou convencido de que não era um comportamento casual, fruto de uma decisão de momento, mas uma decisão de caráter estratégico.
247 – E como se fazia isso?
GUILHERME ESTRELLA – Essa decisão impunha duas condicionantes a Petrobras. A primeira, era diminuir a participação da empresa nas licitações de blocos exploratórios promovidas pela Agencia Nacional do Petróleo, ANP. Disputando menos blocos, a empresa tinha áreas menores para pesquisar e explorar. A segunda consequência é que, na prática, essa situação obrigava a Petrobras a atuar apenas na bacia de Campos, então responsável por 80% da produção brasileira. Eram condicionantes gravíssimas para a empresa e para o Brasil.
247 – E por que?
GUILHERME ESTRELLA – Vamos lembrar o que acontecia em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Naquele momento, os blocos exploratórios da Petrobras eram suficientes para companhia manter sua atividade apenas até 2008. Pensando aonde estaríamos, se essa visão fosse mantida sem mudanças, é difícil imaginar o destino da companhia. Com certeza, seria uma empresa menor e mais fragilidade. Só para dar uma ideia. Em 2002,  investimentos em pesquisa ficavam em US$ 110 milhões. Hoje, se encontram em US$ 1,1 bilhão. O lucro líquido foi de R$ 8,1 bilhões em 2002.  Em 2013, passava de US$ 23 bilhões. Nós tínhamos 11 bilhões  de barris em reservas. Hoje, são 16,5 bilhões. Se aquelas condicionantes fossem atendidas, e era natural que tivesse sido assim, vários blocos já sob domínio da Petrobras já teriam sido a ANP em agosto de 2003. 
247 – Qual era o outro efeito grave dessas condicionantes?
GUILHERME ESTRELLA – Um fato elementar do setor de E & P da nossa indústria , os campos de petróleo e ou gás natural perdem produção de modo acentuado após cinco anos. Em média, a perda pode chegar a 10% ao ano. Podemos imaginar o que isso iria significar para a Petrobras: uma situação, absolutamente fora de controle, da perda de sustentabilidade nos dez anos seguintes. Era um quadro de risco que estava começando em 2002.
247 – O que aconteceu então?
GUILHERME ESTRELLA – Logo depois da posse, o presidente Lula rompeu com a política neoliberal que estava em vigor, e que gerava uma relação perigosa de dependência externa. Numa decisão impecável, do ponto de estratégico, que foi ficando clara em inúmeros pronunciamentos, ele mudou a mensagem que vinha do governo. Mais uma vez de forma não escrita, dizia que a Petrobras iria reassumir  sua posição de principal condutora do setor petrolífero, voltando a participar de forma concreta na retomada do desenvolvimento industrial brasileira.
247 – Sabemos que essa postura foi muito bem recebida dentro da empresa. Por que?
GUILHERME ESTRELA – Não poderia ser de outra forma. Estávamos falando em investir fortemente nos blocos que, na situação anterior, deveriam ser devolvidos a ANP já em agosto. Foi assim que descobrimos os Santos os campos de Uruguá e Tambaú, de petróleo. Também encontramos o campo de gás de Mexilhão.
247 – Não era Mexilhinho?
GUILHERME ESTRELA – Nunca foi. Esse termo  depreciativo em relação a Petrobras e seus funcionários, foi uma fruto de uma crítica precipitada, de quem estava impaciente para condenar a nova orientação de qualquer maneira. Na verdade, era uma avaliação em cima  primeiros resultados da exploração, quando se colhe uma amostra parcial, incerta, que deve ser confirmada ou desmentida mais adiante. Estava totalmente errada. Com o tempo, revelou-se que Mexilhão  era, simplesmente, maior campo de gás natural já descoberto em território brasileiro.
247 – O efeito da nova postura do governo Lula foi imediato, então?
GUILHERME ESTRELLA – Sim. Com essas três descobertas foi possível confirmar a existência de um  "sistema petrolífero" na bacia de Santos. Até então, ela ficara relegada ao segundo plano nas prioridades exploratórias da Petrobras. Isso porque, sem investimentos em novas pesquisas, parecia conter,   numa área de extensão gigantesca, um único e pequeno campo de gás natural, descoberto pela Shell, ainda no período dos contratos de risco da década de 1970. Na bacia do Espírito Santo foi descoberto o Campo de Golfinho, de óleo leve (de menor custo de refino) e muito gás. Foram abertas, assim, perspectivas exploratórias muito interessantes naquela bacia sedimentar, logo acima de Campos. Até então, ela era considerada não atrativa para as atividades da empresa. Tanto assim que a decisão de fechar a unidade de E&P, em Vitória, já estava tomada.  
247 – Qual a importância dessa nova postura para a descoberta do pré-sal?
GUILHERME ESTRELLA – A partir desse momento, estávamos a um passo do pré-sal. Não vamos nos enganar. A base de qualquer avanço de envergadura   consiste em aproveitar oportunidades exploratórias criadas pela competência técnica e geocientífica de uma companhia. Por essa razão é correto dizer que tudo o que veio depois significou o coroamento das decisões estratégicas de 2003. Seguindo nesta direção, na licitação da ANP daquele ano a Petrobras foi bastante agressiva. Arrematou inúmeros blocos, dentro e fora da bacia de Campos, persistindo na tendência que permitiu recompor a forte posição exploratória da companhia a longo prazo.   
247 – Como as concorrentes estrangeiras reagiram a essa postura?
GUILHERME ESTRELLA – Um fato importante da licitação de 2003, que marcou uma virada estratégica, é que a área  corporativa da Petrobras havia costurado alianças  de participação com empresas estatais e também privadas estrangeiras. Mas, num ato conjunto, totalmente inesperado, elas simplesmente nos comunicaram, às vésperas da licitação, que não estavam mais interessadas nas alianças anteriores.
247 – O que isso queria dizer?
GUILHERME ESTRELLA – Em meu entendimento, foi uma clara reação contra o governo Lula. Elas demonstraram que as decisões já tomadas não atendiam seus interesses.  Diante disso, a reação da Petrobras foi a de aumentar a agressividade na licitação. Isso permitiu a recomposição de nossa carteira exploratória, agora 100% Petrobras, para os anos vindouros.
(Amanhã, na segunda parte da entrevista, Guilherme Estrella discute por que a Shell interrompeu perfurações no meio do caminho,  na área onde mais tarde a Petrobras encontrou o pré-sal. Também explica porque a pesquisa e exploração de petróleo "não são coisa para banqueiros").

PLP 257/2016: Desmonte do Estado Brasileiro para Pagar Dívida Nunca Auditada




PLP 257/2016: 

Desmonte do Estado Brasileiro para Pagar Dívida Nunca Auditada 

19/7/2016, Maria Lucia Fattorelli, Auditoria Cidadã

Quem ainda não percebia como a dívida pública afeta diretamente o bolso dos trabalhadores – ativos e aposentados – e o funcionamento de todo o serviço público no Brasil, passará a compreender esse nefasto impacto ao analisar o teor do Projeto de Lei Complementar (PLP) no 257, de iniciativa do governo Dilma, e que tramita em regime de urgência no Congresso Nacional.

O objetivo de “…assegurar a manutenção da estabilidade econômica, crescimento econômico e sustentabilidade intertemporal da dívida pública” está explícito na exposição de motivos do projeto de lei.

É evidente que todo o sacrifício imposto pelo PLP-257 tem o objetivo de privilegiar o pagamento da dívida pública.

Adicionalmente, o PLP-257 contém dispositivos que representam abusos injustificáveis, pois transformam a União em seguradora internacional para investidores e garantem remuneração da sobra de caixa de bancos.

Nesse artigo, resumimos algumas das disposições do referido projeto, a fim de contribuir para o debate dos servidores públicos e alertar para a importância de exigirmos completa auditoria da dívida pública – federal e estaduais – pois, se submetidas a uma auditoria, tanto as dívidas dos estados como a dívida federal seriam em grande parte anuladas!

O que o PLP-257/2016 prevê?

O PLP-257, anunciado como “Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal” significa, na realidade, ampla reforma administrativa que inclui o corte de direitos dos trabalhadores e aposentados do setor público de todas as esferas; afeta os aposentados do regime geral ao prever a limitação do reajuste do salário mínimo, e restringe fortemente o tamanho do serviço público.

Tudo isso para que sobrem recursos para o pagamento da dívida pública que nunca foi auditada, como manda a Constituição Federal, já que o objetivo de “…assegurar a manutenção da estabilidade econômica, crescimento econômico e sustentabilidade intertemporal da dívida pública” está explícito na exposição de motivos do projeto de lei.

Além de todos esses danos ao serviço público, o PLP de Dilma contém dispositivos que representam abusos injustificáveis, pois transformam a União em seguradora internacional para investidores e garantem remuneração da sobra de caixa de bancos.

Resumidamente, o PLP 257/2016 prevê:

a) Alongamento oneroso para o pagamento da dívida dos estados com a União

b) Intenso ataque aos direitos dos servidores e intervenção mediante monitoramento e avaliação dos estados

c) União poderá receber bens, direitos e participações acionárias em sociedades empresárias, controladas por estados e DF, como contrapartida à amortização, para privatizá-las em seguida

d) Limita o gasto público primário a percentual do PIB redefinido no Plano Plurianual (PPA)

e) Possibilita Regime Especial de Contingenciamento

f) Considera Aposentadorias e Pensões como “Despesas de Pessoal”

g) Torna mais rígidos os controles das despesas com pessoal

h) Estabelece mecanismos automáticos de ajuste da despesa para fins de cumprimento do limite concebido, em 3 estágios sequenciais.

i) Permite a contratação de dívida para reduzir pessoal

j) Transforma a união em seguradora internacional para investidores privados nacionais e estrangeiros

k) Desrespeito às vinculações de recursos

l) Ilegalidade na previsão de atualização monetária para a dívida pública

m) garantia de remuneração da sobra de caixa de bancos

A seguir, um breve comentário sobre os diversos tópicos:

a) ALONGAMENTO ONEROSO PARA O PAGAMENTO DA DÍVIDA DOS ESTADOS COM A UNIÃO

Anunciado como “Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal”, na prática o PLP de Dilma não representa auxílio efetivo, pois o alongamento em até 30 (trinta) anos para o pagamento das dívidas dos estados – que foram refinanciadas pela União desde o final da década de 90 – exige assinatura prévia de aditivo contratual oneroso, condicionado à adoção de rigoroso ajuste fiscal.

Exige a desistência de ações judiciais relacionadas à dívida ou aos contratos, o que fere a Constituição Federal. Também pode vir a comprometer completamente as finanças dos estados, na medida em que põe fim ao limite da Receita Líquida Real, que atualmente impede que os valores destinados ao pagamento das dívidas pelos estados à União supere o percentual de 11,5 a 15%, dependo do Estado.

O PLP menciona ainda a possibilidade de um “Desconto” de até 40% nas prestações por até 24 meses, porém, tal desconto é apenas aparente e momentâneo, pois também exige assinatura prévia de aditivo contratual oneroso condicionado a medidas adicionais de ajuste fiscal ainda mais severas.

Assim, além de não rever as ilegalidades e ilegitimidades que permeiam o processo de refinanciamento da dívida dos estados desde a sua origem, o PLP-257 empurra o problema para o futuro e eterniza a submissão dos entes federados a esse processo que vem sugando recursos constantemente e promovendo o contínuo crescimento das chamadas dívidas estaduais.

Para se ter uma ideia do rombo que representa tal refinanciamento, vamos citar o caso do Paraná. À dívida do estado em 1998 no valor de R$462,34 milhões foram somados nada menos que R$5,2 bilhões referentes a passivos do Banestado, que foi privatizado para o Itaú. Assim, a dívida refinanciada no final da década de 90 foi de R$5.659.969.457,52.

Os bancos estaduais foram privatizados como joias sem jaça: os bancos privados levaram todo o patrimônio dos bancos estaduais, os edifícios, mobiliário, carteira de clientes, créditos a receber, dinheiro em caixa etc., mas as dívidas desses bancos foram transferidas para os estados. Até hoje sofremos impacto dessa benesse concedida aos bancos privados que “compraram” os bancos estaduais privatizados.

Ao longo desses 16 anos os estados pagaram religiosamente seus compromissos junto à União, caso contrário, teriam o fundo de participação (FPE) retido.
No caso do Paraná, a dívida interna supera os R$16 bilhões em fevereiro de 2016, segundo dados do Banco Central (imagem).

Se submetidas a uma auditoria, grande parte dessa dívida dos estados poderia ser anulada, tendo em vista que os contratos se encontram inflados por ilegalidades e ilegitimidades desde a origem dos convênios firmados com base na Lei 9.496/97, cuja gênese está expressa em Carta de Intenções de dezembro/1991 com o FMI, itens 24 e 26. Dentre as ilegalidades dessas renegociações cabe destacar as indicadas no Quadro I a seguir:

Quadro I

Ilegalidades e ilegitimidades do refinanciamento da dívida dos estados pela União


• Desrespeito ao Federalismo: A exagerada remuneração nominal estabelecida na Lei 9.496/97 impôs ônus excessivo aos Estados e Municípios, muitas vezes superior à remuneração recebida pela União sobre empréstimos feitos pelo BNDES a empresas privadas, por exemplo.

• Desrespeito à Sociedade: O mesmo princípio que impede a cobrança de tributos entre os entes federados (Constituição Federal, art. 150, VI, “a”) deve ser aplicado em relação à cobrança de juros entre entes federados, pois tal ônus recai sobre o cidadão. A separação entre União, Estados e Municípios é meramente organizativa, já que somos uma federação indissociável, sendo impossível que o cidadão viva em um município e não viva em um estado ou no país. Quando um ente cobra remuneração financeira excessiva de outro ente federado, o cidadão é lesado. Cabe lembrar que a mesma Lei nº 9.496 determinou que os valores recebidos dos Estados e Municípios se destinam obrigatoriamente ao pagamento da dívida pública federal.

• Cobrança de juros sobre juros: a exigência de exagerada remuneração tem continuamente transformado parcelas de juros em nova dívida, sobre a qual passam a incidir novos juros, caracterizando-se a prática de anatocismo, ilegal conforme súmula 121 do STF, de 1963, que assim se pronunciou: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

• Capitalização mensal de juros: A Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), vigente, estabeleceu: “Art. 4º – É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano”.
Dessa forma, juros vencidos e não pagos deveriam ser computados à parte, mas sobre estes não poderiam incidir novos juros, em obediência à Súmula 121 do STF.
O texto do Decreto 22.626/33 aponta para mais uma questão relevante: os juros somente poderiam ser acumulados em conta-corrente ao final de cada ano e não mensalmente.

• Cobrança de juros superiores aos autorizados pelo Senado: Na prática, os juros que estão sendo pagos pelos entes federados têm sido superiores aos autorizados em Resoluções do Senado Federal. No caso de Minas Gerais, por exemplo, em vez dos 7,5% a.a. autorizados pelo Senado, foram pagos 7,763%, o que significou erro nos cálculos superior a R$ 2 bilhões no período analisado. No caso do Rio de Janeiro, em vez de 6%, foram pagos 6,17% a cada ano. Tal ônus excedente decorre de erro do programa de cálculo que divide a taxa anual por 12, mas as aplica mensalmente e de forma cumulativa, resultando em percentual superior ao aprovado.

• Remuneração nominal exorbitante: A atualização monetária mensal e cumulativa do estoque da dívida refinanciada (com base no índice mais oneroso do país que é o IGP-DI calculado por instituição privada, FGV) e, em cima dessa atualização, a aplicação mensal dos juros reais, constituiu-se em um mecanismo que provocou a multiplicação das dívidas refinanciadas por diversas vezes, condenando os estados a uma eternização das obrigações, apesar do cumprimento de todas as condições exigidas.

• Exigência de robustas garantias: O pagamento das dívidas dos entes federados tem como garantia as transferências constitucionais obrigatórias devidas pela União (FPE e FPM), o que significa que o risco de inadimplência é nulo, não justificando cobrança de remuneração tão abusiva.

• Desequilíbrio entre as partes: Estados e Municípios haviam sido impedidos de acessar outros créditos com entidades federais (Decreto nº 2.372/97) e foram forçados a aderir às condições da Lei nº 9.496 para refinanciar dívidas anteriores em condições ainda mais onerosas, além de submeterem a amplo programa de privatizações e ajuste fiscal.

• Desconsideração do valor de mercado dos títulos estaduais e municipais: A União não considerou o baixo valor de mercado da dívida mobiliária estadual e municipal, tendo refinanciado tais dívidas a 100% de seu valor nominal, o que representou inaceitável transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado. Também foram ignoradas as práticas fraudulentas denunciadas pela CPI dos Títulos Públicos (conhecida como CPI dos Precatórios).

• Assunção de dívidas privadas representadas por passivo de bancos estaduais no esquema PROES: Passivos dos bancos estaduais privatizados (ou não) foram transferidos para os respectivos estados e foram refinanciados em conjunto com as dívidas de cada estado, onerando indevidamente as finanças estaduais.

• Desconsideração dos antecedentes: Não foram considerados os impactos da política monetária federal, principalmente no início dos anos 90, que provocou crescimento astronômico da dívida dos Estados antes da negociação, evidenciando co-responsabilidade da União.

• Adoção do IGP-DI: A questionável adoção do índice (IGP-DI) calculado por uma instituição privada (IBRE/FGV) provocou crescimento da dívida dos entes federados de forma injustificada.

• Ausência de cláusula do equilíbrio econômico-financeiro do contrato: Ao contrário do que faz nos contratos administrativos de longo prazo, a União não estabeleceu tal cláusula para proteger os entes federados.

• Condições diferentes para cada Estado: A taxa de juros reais variou de 6% a 7,5%, e o comprometimento da receita dos Estados variou de 11,5% a 15%, o que comprova a ausência de isonomia entre os diversos entes federados.

Não é por acaso que o PLP-257 exige que os estados “desistam de eventuais ações judiciais que tenham por objeto a dívida ou o contrato ora renegociados, sendo causa de rescisão do termo aditivo a manutenção do litígio ou o ajuizamento de novas ações”.
O PLP 257 altera dispositivos da Lei nº 9.496/97 e da Medida Provisória no 2.185-35, de 24 de agosto de 2001, para exigir de estados e municípios encargos que estapafúrdios, tendo em vista que se trata de relação entre entes federados.
No caso de descumprimento das metas e dos compromissos fiscais definidos nos Programas de Reestruturação e de Ajuste Fiscal, estados e municípios ficarão sujeitos ainda a uma amortização extraordinária correspondente a vinte centésimos por cento de um doze avos (1/12) da Receita Corrente Líquida. Estados ficarão sujeitos a multa de 2% e juros de mora de 1% a.m., sem prejuízo da execução de garantias e demais cominações previstas na legislação, em caso de atraso nos pagamentos das obrigações mensais.
Em resumo, pode se dizer que o PLP 257 ignora o disposto no art. 1o da Constituição Federal, na medida em que afronta o Federalismo.

b) INTENSO ATAQUE AOS DIREITOS DOS SERVIDORES E INTERVENÇÃO MEDIANTE MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO DOS ESTADOS

O ajuste fiscal imposto pelo PLP-257 justificará uma verdadeira intervenção federal nos estados, pois o PLP prevê monitoramento fiscal constante, além de avaliação de programas e projetos. Dessa forma, abala o respeito ao Federalismo, além de atingir em cheio os direitos dos servidores ativos, aposentados e pensionistas.
Dentre as medidas impostas para que o estado obtenha o alongamento do pagamento da chamada dívida com a União em até 30 (trinta) anos, cabe destacar, resumidamente, as seguintes:

• não conceder vantagem, aumento, reajustes ou adequação de remunerações;

• limitar o crescimento das outras despesas correntes;

• vedar concessão ou ampliação de incentivo ou benefício tributário ou financeiro;

• suspender admissão ou contratação de pessoal;

• reduzir em 10% a despesa mensal com cargos de livre provimento (comparativamente a junho/2014).

• instituir regime de previdência complementar na modalidade de contribuição definida;

• admitir monitoramento fiscal contínuo para a manutenção do equilíbrio fiscal;

• instituir critérios para avaliação periódica dos programas e dos projetos com vistas a aferir a qualidade, a eficiência e a pertinência da sua manutenção, bem como a relação entre custos e benefícios de suas políticas públicas, devendo o resultado da avaliação ser tornado público;

• elevar das alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores e patronal ao regime próprio de previdência social para 14% e 28% respectivamente;

• reformar o regime jurídico dos servidores ativos e inativos, civis e militares, para limitar os benefícios, as progressões e as vantagens ao que é estabelecido para os servidores da União;

• definir limite máximo para acréscimo da despesa orçamentária não financeira.

É evidente o dano aos servidores e ao serviço público, tendo em vista que todo o ajuste será feito somente sobre as despesas não financeiras, preservando assim o privilégio da destinação de recursos para o pagamento da chamada dívida pública, que se fosse auditada seria em grande parte anulada.

Adicionalmente, o PLP estabelece que os valores pagos à União serão imputados prioritariamente ao pagamento dos juros contratuais, o que impede a redução do principal da chamada dívida.

Caso os estados optem pela redução temporária de 40% no valor das prestações devidas à União, ficarão condicionados à adoção de medidas de ajuste adicionais:

• redução em 20% da despesa mensal com cargos de livre provimento, em comparação com junho/2014;

• vedação à contratação de operação de crédito por prazo equivalente ao dobro do prazo constante do requerimento;

• limitação das despesas com publicidade e propaganda a 50% da média dos empenhos efetuados nos últimos três exercícios, por prazo em que for acordada a redução extraordinária.

Todo esse sacrifício social para que sobrem mais recursos ao pagamento da chamada dívida pública.

c) UNIÃO PODERÁ RECEBER BENS, DIREITOS E PARTICIPAÇÕES ACIONÁRIAS EM SOCIEDADES EMPRESÁRIAS, CONTROLADAS POR ESTADOS E DF, COMO CONTRAPARTIDA À AMORTIZAÇÃO, PARA PRIVATIZÁ-LAS EM SEGUIDA

O art. 9o do PLP 257 autoriza a União a receber bens, direitos e participações acionárias em sociedades empresárias, controladas por Estados e pelo Distrito Federal, com vistas à sua alienação, nos termos de regulamentação por ato do Poder Executivo. Diz ainda, ente outras disposições, que a sociedade empresária cujas ações serão recebidas pela União, deverá ser sediada no país, revestida sob a forma de sociedade anônima e ficará sob controle da União.

Tal dispositivo surge como uma incógnita, já que não detalha a que “sociedades empresárias” se refere. Pode estar relacionado à assunção de dívidas privadas e/ou à recepção das debêntures emitidas por empresas (Sociedades Anônimas) que estão sendo criadas em diversos estados e municípios, levando a financeirização ilegal para o interior do país .

Adicionalmente, o PLP prevê que tais direitos e participações recebidos pela União serão destinados, por esta, à privatização.

d) LIMITA O GASTO PÚBLICO PRIMÁRIO A PERCENTUAL DO PIB REDEFINIDO A CADA 4 ANOS NO PLANO PLURIANUAL (PPA)

O PLP 257 altera diversos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e, dessa forma, afeta todo o funcionalismo público federal, estadual e municipal.
Estabelece um limite anual para o gasto público primário, a ser estabelecido a cada 4 (quatro) anos, por ocasião do Plano Plurianual.

No caso da União, o limite total anual do gasto público primário será expresso como percentual do PIB anual.

No caso de Estados, Distrito Federal e Municípios, tal limite anual será dado por percentual da receita primária total anual.

Cabe observar que o limite imposto se restringe aos gastos “primários”, que não incluem os gastos com juros e amortizações da dívida.

Trecho da Exposição de Motivos do PLP 257 deixa claro o objetivo desse limite para o gasto público primário, esclarecendo inclusive que no caso de expansão de receitas durante o período de 4 anos para a sua vigência, a sobra de recursos será revertida para o pagamento da dívida pública:

“… propõe-se que o limite do gasto público primário seja definido como um percentual do PIB, a ser redefinido a cada quatro anos na aprovação do Plano Plurianual. Além disso, a adoção desse limite busca uma aciclicidade do gasto, permitindo que em períodos de expansão da receita, o Estado consiga gerar superávits fiscais para a redução da sua dívida, enquanto que em período de queda de receita, o gasto público possa contribuir para a manutenção da demanda agregada da economia, suavizando as crises.”

O PLP-257 exige ainda que o Plano Plurianual contenha seção que trate especificamente da despesa com pessoal de todos os Poderes e do Ministério Público, estabelecendo limites para o crescimento da despesa total com pessoal; fixação de critérios para concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, para os servidores próprios; e limites totais para as despesas com terceirização.

e) POSSIBILITA REGIME ESPECIAL DE CONTINGENCIAMENTO

No caso de crescimento real baixo ou negativo do Produto Interno Bruto – PIB nacional, regional ou estadual, o PLP-257 prevê a criação de um Regime Especial de Contingenciamento de Gastos ainda mais drástico, como consta expressamente da Exposição Motivos do PLP:

“31. Nesse Regime Especial, o Poder Executivo contingenciará a totalidade da despesa pública, no entanto, preservando aquelas relativas a investimentos em fase final de execução ou que sejam considerados prioritários e aquelas consideradas essenciais pelos órgãos para a manutenção das suas atividades e prestação de serviços públicos. Dessa forma, mantém-se o compromisso com a responsabilidade fiscal sem comprometer a prestação de serviços públicos essenciais e dando continuidade a investimentos importantes para a recuperação da economia.”

f) CONSIDERA APOSENTADORIAS E PENSÕES COMO “DESPESAS DE PESSOAL”

O PLP-257 inclui novos parágrafos ao art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal para incluir as despesas com aposentados e pensionistas no cálculo das despesas com pessoal:

“§ 3o Será considerada despesa com pessoal, segregada por cada poder e órgão, dos Poderes e dos órgãos referidos no art. 20 o total da despesa com inativos e pensionistas dos Poderes ou dos órgãos, mesmo que seja financiada com recursos do Tesouro, inclusive as despesas com inativos e pensionistas que compõem o déficit do Regime Próprio de Previdência Social.


§ 4o Para a apuração da despesa total com pessoal, deverá ser observada a remuneração bruta do servidor, nela incluídos os valores retidos para pagamento de tributos.”

O texto da Exposição de Motivos do PLP não deixa dúvidas quanto à interpretação dos novos dispositivos:

“Vale destacar alterações no art. 18 da LRF para deixar mais claro que os gastos com pensionistas e aposentados devem ser computados como outras despesas de pessoal, bem como aqueles relacionados à terceirização de mão-de-obra ou qualquer forma de contratação de pessoal de forma indireta, inclusive por posto de trabalho, que atue substituindo servidores e empregados públicos. Ainda nesse sentido especifica-se que na apuração da despesa total com pessoal deverá ser observada a remuneração bruta do servidor, nela incluídos os valores retidos para pagamento de tributos.”

Com esse dispositivo, será rapidamente atingida a meta estabelecida na mesma LRF para gastos com pessoal. As consequências são danosas para os servidores, que ficarão sujeitos à aplicação de uma série de penalidades previstas no art. 169 da Constituição Federal.
A Seguridade Social, que tem sido superavitária anualmente em dezenas de bilhões de reais, conforme resumo indicado no Quadro II a seguir:


Fonte: ANFIP

A estimativa do superávit da Seguridade Social em 2015 chega a quase R$ 60 bilhões. Esse impressionante superávit da Seguridade Social tem sido utilizado para outros fins, especialmente para o pagamento de juros da dívida federal.

g) TORNA MAIS RÍGIDOS OS CONTROLES DAS DESPESAS COM PESSOAL

O PLP-257 inclui novos dispositivos ao art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para considerar nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda à exigências e limites que enumera.

Altera também o art. 22 da LRF para impor medidas a serem adotadas caso a despesa total com pessoal exceda a 90% do limite, tais como:

• Vedação à concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título; à criação de cargo, emprego ou função; à alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa e provimento de cargo público; admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, e contratação de hora extra;

• Estabelecer plano de implementação das medidas estabelecidas no § 3o do art. 169 da Constituição, que incluem redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança e exoneração de servidores não estáveis.

h) ESTABELECE MECANISMOS AUTOMÁTICOS DE AJUSTE DA DESPESA

Definido o limite do gasto, o PLP-257 propõe mecanismos automáticos de ajuste da despesa para fins de cumprimento do limite concebido, que serão acionados em até três estágios sequenciais, sucessivamente, de acordo com a magnitude do excesso de gasto dos entes envolvidos em verificações trimestrais ou quando da elaboração do Projeto de Lei Diretrizes Orçamentárias.

Conforme consta da Exposição de Motivos do PLP-257, cada estágio exigirá, resumidamente, o seguinte:

1o ESTÁGIO

“38. As ações do primeiro estágio seriam em linhas gerais: (i) vedação da criação de cargos, empregos e funções ou alteração da estrutura de carreiras, que impliquem aumento de despesa; (ii) suspensão da admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento, aquelas que não impliquem em aumento de gastos e as temporárias para atender ao interesse público; (iii) vedação de concessão de aumentos de remuneração de servidores acima do índice de inflação oficial prevista; (iv) não concessão de aumento real para as despesas de custeio, exceto despesa obrigatória, e discricionárias em geral; (v) redução em pelo menos dez por cento das despesas com cargos de livre provimento.”


2o ESTÁGIO

“39. Caso as restrições apresentadas no primeiro estágio não sejam suficientes para manter o gasto público primário abaixo do limite estipulado, o segundo estágio se faz necessário com as seguintes medidas: (i) vedação de aumentos nominais de remuneração dos servidores públicos, ressalvado o disposto no inciso X do art. 37 da Constituição Federal; (ii) vedação da ampliação de despesa com subsídio ou subvenção em relação ao valor empenhado no ano anterior, exceto se a ampliação for decorrente de operações já contratadas; (iii) não concessão de aumento nominal para as despesas de custeio, exceto despesa obrigatória, e discricionárias em geral; e (v) nova redução de pelo menos dez por cento das despesas com cargos de livre provimento.”


3o ESTÁGIO

“40. Por fim, se os dois estágios anteriores ainda não forem suficientes para adequar o gasto público primário ao limite estabelecido, novas medidas serão ativadas, configurando o terceiro estágio: (i) reajuste do salário mínimo limitado à reposição da inflação; (ii) redução em até 30% dos gastos com servidores públicos decorrentes de parcelas indenizatórias e vantagens de natureza transitória; e (iii) implementação de programas de desligamento voluntário e licença incentivada de servidores e empregados, que representem redução de despesa.”

i) PERMITE A CONTRATAÇÃO DE DÍVIDA PARA REDUZIR PESSOAL

O PLP-257 proíbe a contratação de operações de crédito, exceto se estas se destinarem ao refinanciamento da dívida mobiliária (dívida em títulos) e as que visem à redução das despesas com pessoal.

Dessa forma, para viabilizar os planos de demissão voluntária e outras exonerações, o governo poderá lançar mão de mais endividamento junto aos entes financeiros.

j) TRANSFORMA A UNIÃO EM SEGURADORA INTERNACIONAL PARA INVESTIDORES NACIONAIS E ESTRANGEIROS

O PLP-257 inclui, entre as garantias dadas pela União, a garantia às operações de seguro de investimentos, ficando autorizada a efetuar o pagamento de indenizações de acordo com o cronograma de pagamento da operação coberta a entidades privadas nacionais e estrangeiras, Estados estrangeiros, agências oficiais de crédito à exportação e organismos financeiros multilaterais.

A Auditoria Cidadã da Dívida passou a denunciar junto a parlamentares esse verdadeiro abuso na utilização de recursos públicos, que poderá atingir limites inimagináveis. Publicamos artigo que foi amplamente distribuído aos parlamentares .

Em vez de providenciar a retirada de tal dispositivo abusivo e de alto risco às finanças públicas do texto legal, parlamentares inseriram dispositivo semelhante no texto da Medida Provisória no 701/2016. Impressionante como andam rapidamente as disposições legais de interesse do setor privado e que podem provocar graves danos às finanças públicas!

O risco dessas operações de seguro de investimentos serão administrados pela empresa ABGF – Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S/A , criada desde 2012, e recentemente transferida para o Ministério do Planejamento, juntamente com o BNDES, por meio da Medida Provisória 726/2016.

Será que recursos do BNDES serão utilizados para cobrir as perdas dos investidores privados nacionais e internacionais? Ou emitiremos mais títulos da dívida pública para cobrir tais perdas? Quem, afinal, bancará as perdas e indenizações referentes às garantias dadas pela União, às operações de seguro de investimentos? Como é possível que ao mesmo tempo em que se estabelecem rígidos controles com despesas de pessoal necessárias à manutenção dos serviços públicos e ao atendimento aos direitos sociais previstos na Constituição, abrem-se totalmente os cores públicos para atendimento de interesses privados nacionais e internacionais?

k) DESRESPEITO ÀS VINCULAÇÕES DE RECURSOS

O PLP 257 inclui novo artigo à Lei de Responsabilidade Fiscal que sugere o fim das vinculações constitucionais, que têm sido a garantia mínima de destinação de recursos para áreas essenciais como saúde, educação, previdência e assistência social:

“Art. 43-A. Todas as receitas públicas serão arrecadadas e recolhidas a uma conta única, na forma definida pelo ente federativo, que acolherá todas as disponibilidades financeiras, independentemente das vinculações de recursos, dos seus titulares ou beneficiários e dos agentes arrecadadores, compreendendo os recursos de todos os Poderes, os órgãos referidos no art. 20, incluídas as autarquias, as fundações públicas, as empresas estatais dependentes e os fundos, excetuado o disposto no § 1o do art. 43.


§ 1º As disponibilidades financeiras serão registradas em subcontas, resguardada a autonomia financeira de cada Poder ou órgão autônomo em sua execução.


§ 2º As receitas decorrentes dos rendimentos financeiros dos recursos da conta única constituirão fonte de recursos ordinários do ente federativo.”


l) ILEGALIDADE NA PREVISÃO DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA PARA A DÍVIDA PÚBLICA

O PLP 257 menciona a possibilidade de refinanciamento do principal atualizado da dívida pública, quando inexiste dispositivo legal que determine a atualização do montante da dívida. A atualização monetária faz parte dos juros nominais, ou rendimento nominal da dívida.

Ademais, qual é a lógica de congelar os salários dos servidores e aposentados, impedindo até mesmo reajustes nominais, desvincular reajustes do salário mínimo, e ao mesmo tempo garantir atualização monetária, além dos abusivos juros já pagos para os detentores dos títulos da dívida brasileira?

Esse é mais um dispositivo que nos remete à necessidade de reivindicar urgente auditoria da dívida pública.

m) GARANTIA DE REMUNERAÇÃO DA SOBRA DE CAIXA DE BANCOS

Tal benesse está colocada de forma muito sutil, quase imperceptível, no art. 16 do PLP 257, que altera o art. 10 da Lei nº 4.595/64:
Art. 16. A Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 10.

(…)

XII – Efetuar, como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais e o recebimento de depósitos remunerados; (…)”

Mediante essa singela alteração da Lei 4.595/64, o Banco Central (BC) poderá efetuar “o recebimento de depósitos remunerados”, que, na prática, significa a garantia de remuneração de toda a sobra de caixa, que os bancos poderão simplesmente depositar no BC e, sem risco algum, receber a remuneração desejada.

Essa medida vem justamente no momento em que aumentam as denúncias sobre as chamadas “operações compromissadas” realizadas pelo BC sob a justificativa de controlar a inflação. O BC retira do sistema financeiro o que considera excesso de moeda , trocando referido excesso por títulos da dívida pública que pagam os juros mais elevados do planeta!

Tal operação não tem sido suficiente para controlar a inflação e, na prática, garante a remuneração de toda a sobra de caixa dos bancos, provocando graves danos à economia nacional, na medida em que:
• gera dívida pública sem contrapartida alguma;

• gera obrigação de pagamento de juros aos bancos;

• acirra a elevação das taxas de juros de mercado, pois enxuga cerca de um trilhão de reais dos bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, afetando fortemente a indústria, o comércio e todas as pessoas que recorrem a crédito bancário;

• empurra o País para uma profunda crise socioeconômica, devido à exigência de pagamento de elevados juros sobre cerca de R$ 1 trilhão.

A alteração trazida pelo PLP 257 permite que o BC continue remunerando a sobra de caixa dos bancos, porém, sem a utilização de títulos da dívida pública, pois insere na “lei” a remuneração dos depósitos feitos pelos bancos como um “instrumento de política monetária”.

Embora aparentemente haverá uma redução no montante da dívida pública em poder do BC, o custo com os juros se manterá, ou até aumentará, pois o BC irá remunerar os depósitos voluntários feitos pelos bancos em patamares sequer declarados. Todos os mesmos graves danos à economia nacional que as tais “operações compromissadas” vêm provocando também continuarão existindo.

Essa é mais uma aberração que beneficia bancos e amarra a economia do país, já que incentiva o aumento das taxas de juros de mercado e cria elevada despesa pública configurada pela remuneração para aos bancos. Representa um verdadeiro assalto aos cofres públicos e constitui uma tremenda infâmia, pois está colocada no mesmo projeto que subtrai dezenas de direitos de trabalhadores e leva ao sucateamento diversos serviços públicos essenciais à sociedade: saúde, educação, segurança, assistência etc.

CONCLUSÃO

O objetivo de “…assegurar a manutenção da estabilidade econômica, crescimento econômico e sustentabilidade intertemporal da dívida pública” , explícito na exposição de motivos do PLP-257, é complementado pela conclusão expressa ao final da referida exposição:

“63. (…) Por fim, considerando o fortalecimento institucional que resultará da aprovação do Projeto de Lei Complementar, entende-se que as medidas ora propostas irão contribuir para a retomada da confiança dos investidores e irão demonstrar o compromisso do governo federal com a responsabilidade fiscal.”

Em resumo, todo o sacrifício imposto pelo PLP-257 se destina a garantir o pagamento dos juros e amortizações da chamada dívida pública.

Afinal, que dívidas são essas que estão servindo de justificativa para todo esse sacrifício social e comprometimento do Estado?

Somente uma AUDITORIA poderá responder a essa e outras questões, por exemplo:

• Qual é a origem da dívida pública? O país recebeu toda a soma de dinheiro contratada? Em que foram investidos os recursos? Quem são os beneficiários desses empréstimos? Com que propósito?

• Que mecanismos e processos geraram dívidas públicas?

• Que dívidas privadas foram transformadas em dívida pública? Qual é o impacto destes débitos privados no orçamento do Estado?

• Quanta dívida pública foi emitida para salvamento bancário?

• Qual é a responsabilidade dos bancos centrais, organismos multilaterais e bancos privados no processo de endividamento?

Não existe a devida transparência em relação a esse processo de endividamento público que denominamos “Sistema da Dívida”, que tem transformado nossa realidade de abundância e riqueza em um cenário de escassez que só favorece a interesses do setor financeiro privado e grandes monopólios privados nacionais e internacionais.

É urgente realizar a AUDITORIA DA DÍVIDA, COM PARTICIPAÇÃO SOCIAL.*****