segunda-feira, 6 de março de 2023

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PARA NÃO ESQUECER – 25 DE JANEIRO DE 1835 * INÍCIO DA REVOLTA DO MALÊ

 PARA NÃO ESQUECER – 25 DE JANEIRO DE 1835

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INÍCIO DA REVOLTA DO MALÊ
(Ernesto Germano Parés)
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Em primeiro lugar, queremos ressaltar que há uma grande diferença entre a resistência dos indígenas e a dos negros contra a escravidão. Há autores que tentam mostrar o negro como mais submisso à escravidão, aceitando o domínio branco. Mas é preciso entender que os negros estavam muito distantes de sua terra, em região que pouco conheciam e, principalmente, limitados por uma tática dos senhores em separá-los quando chegavam na colônia, de forma que era muito difícil irem trabalhar numa mesma fazenda negros oriundos da mesma tribo, falando o mesmo idioma e com os mesmos costumes. Havia uma grande preocupação em misturar os que chegavam, levando para uma região membros de tribos que eram hostis no continente de origem e aumentando ainda mais a dificuldade de organização para a resistência.
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Para o Brasil, foram trazidos negros de diversas nações da África, com dialetos, costumes e religiões distintos.
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A colonização portuguesa tinha sua estrutura montada sobre a escravidão. Primeiro foram os indígenas, depois, por interesses mercantis e religiosos (além da dificuldade encontrada em escravizar os indígenas), predominou a escravidão dos negros que, trazidos da África, dariam mais lucro para a burguesia que realizava o tráfico negreiro. Os jesuítas, por outro lado, passaram a condenar a escravidão dos indígenas, por motivos próprios, mas abençoavam a escravidão dos negros a quem consideravam “filhos das trevas”, pessoas de almas pretas pelo pecado.
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Seguindo essa ideologia “escravista-cristã”, os senhores de engenho seriam caridosas almas, benfeitores do próximo, pois ao castigarem e torturarem os negros escravos estavam “purificando” suas almas para o Juízo Final.
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Entretanto, para os escravos o engenho colonial não era o purgatório, mas o próprio inferno. Ser escravo significava ser propriedade, mão de obra compulsória, ser instrumento de trabalho, animal falante. Não ser livre. Sob essa condição viveram, sofreram e morreram os milhões de negros em 350 anos de escravidão no Brasil. E produziram tudo que exportávamos: açúcar, algodão, ouro, diamantes, cacau, tabaco e café.
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Entre 1530 e 1700, toda a economia colonial brasileira centrava-se na cana de açúcar. Quanto maior era a demanda externa por açúcar, maior era a procura interna por escravos. A concentração desses negros, trazidos aos milhares da África, na zona produtora de cana de açúcar (principalmente no Nordeste, no litoral pernambucano) ia aumentando a possibilidade de revoltas diretas contra a escravidão. E essas revoltas iam assumindo diversas características: diminuição no ritmo do trabalho, bebedeiras, suicídio coletivo, aborto provocado, assassinato de senhores, fugas individuais ou coletivas e a formação de Quilombos.
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Como dissemos anteriormente, os traficantes de escravos e os senhores escravagistas tinham uma grande preocupação em separar os negros que vinham da África para evitar que grupos da mesma região ou da mesma tribo ficassem juntos, o que favoreceria a unidade entre eles.
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Mas isso nem sempre aconteceu e, na Bahia, resultou em uma das mais bonitas páginas de resistência dos negros, lamentavelmente desprezada e desconhecida por muitos. A “Revolta dos Malês”!
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O termo “malê” é oriundo da palavra “imalê”, que na língua iorubá significa muçulmano. Ou seja, estamos falando de negros muçulmanos de língua iorubá, conhecidos como nagôs na Bahia. Outros grupos, até mais islamizados como os haussás, também participaram daquela luta, porém, contribuindo com muito menor número de rebeldes.
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Mas os “malês” se diferenciavam de todos os demais negros trazidos para o Brasil porque eram alfabetizados (sabiam ler e escrever), principalmente para que pudessem fazer a leitura do livro sagrado do islamismo, o Alcorão.
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Imaginem o que isso significava em um período em que a imensa maioria dos brasileiros era analfabeta!
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Esses negros diferenciados que aqui chegavam eram o que chamam de “escravos de ganho”, ou seja, trabalhavam para seus senhores em serviços urbanos que rendiam dinheiro. A maior parte do dinheiro recebido era entregue ao senhor. Mas isso já caracteriza os malês como uma forma diferente de escravos que se diferenciavam dos que trabalhavam nas lavouras.
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Eram revoltados com a ideia de viver como escravos e tinham conhecimento de muitas revoltas já ocorridas na Bahia em épocas anteriores. Começam a se organizar para resistir não só à escravidão, mas também contra os maus-tratos recebidos dos senhores, o racismo sofrido pelos escravos e a proibição de praticar o islamismo.
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E o movimento foi programado para ter início em um domingo, dia 25 de janeiro de 1835. Nesse dia estava programada uma festa católica nas proximidades da capital (Salvador) e os revoltosos pensaram em aproveitar que os senhores estariam na capital para deflagrarem a revolta. Armas não eram problemas, porque haviam escondido muitas que eram roubadas e devidamente escondidas.
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A revolta não foi bem-sucedida. O movimento foi denunciado por duas mulheres, africanas, livres.
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Ainda assim, os negros conseguiram tomar alguns prédios do governo baiano e ocupar instalações militares, onde conseguiram mais armas. Mas a reação foi brutal. Uma grande parcela dos revoltosos foi morta durante os combates e outros foram presos. Os que tentaram fugir para o interior acabaram sendo capturados e condenados à morte.
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A Revolta dos Malês deve ter grande importância em nossos estudos, não tanto pela duração ou pelas vitórias conquistadas, mas pelo fato de que foi a primeira dirigida e conduzida por negros africanos alfabetizados, que produziam jornais e comunicados escritos no idioma natal.
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Alguns historiadores dizem que os negros revoltosos desejavam implantar no Brasil um estado islâmico, mas não há qualquer confirmação dessa hipótese.
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Vale ler um texto deixado pelo chefe de polícia de Salvador, Francisco Gonçalves Martins, e publicado em um jornal do Rio de Janeiro (Jornal do Commercio – 10/02/1835) e que mantemos com a grafia original:
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“a insurreição estava tramada de muito tempo, com hum segredo inviolavel, e debaixo de hum plano superior ao que devíamos esperar de sua brutalidade e ignorancia. Em geral vão quasi todos sabendo ler e escrever em caracteres desconhecidos, que se assemelhão ao Arabe, usado entre os Ussás, que figurão terem hoje combinado com os Nagós. Aquella Nação em outro tempo foi a que se insurgio nesta Provincia por varias vezes, sendo depois substituida pelos Nagós. Existem mestres que dão lições, e travão de organisar a insurreição, na qual entravão muitos forros Africanos, e até rios.”
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“Tem sido encontrados muitos livros, alguns dos quaes, diz-se, serem preceitos religiosos, tirados de misturas de sectas, principalmente du Alcorão. O certo he que a Religião tinha sua parte na sublevação, e os chefes fazião persuadir aos miseraveis, que certos papeis os livrarião da morte, d’onde vem encontrar-se nos corpos mortos grande porção dos direitos, e nas vestimentas ricas e esquisitas, que figurão pertencer aos chefes, e que forão achados em algumas buscas.”
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COMO SEMPRE, SAUDAMOS TODAS AS LUTAS DE LIBERTAÇÃO DOS POVOS!
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VIVA A REVOLTA DO MALÊ!
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Nas imagens: 01) gravura sobre a Revolta do Malês; 02) a revolta que sacudiu o Império brasileiro
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