São Paulo – O ex-presidente e pré-candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva completa nesta sexta-feira (6) 90 dias de cárcere. Uma prisão política, segundo
juristas e personalidades do Brasil e do mundo, personalidades públicas, movimentos sociais e grande parte da sociedade civil que quer votar em Lula em outubro, como apontas as pesquisas.
A fragilidade no processo que o condenou em segunda instância na Justiça, no âmbito da Operação Lava Jato, é descrita no meio jurídico e pelo próprio ex-presidente como uma farsa, resultado do uso da violência judiciária com fins políticos, o chamado
lawfare.
O objetivo é impedi-lo de disputar a eleição.
“Chegou a hora de todos os democratas comprometidos com a defesa do Estado democrático de direito repudiarem as manobras de que estou sendo vítima”, disse Lula em manifesto ao povo brasileiro, escrito do cárcere e lido esta semana pela presidenta do PT, senadora Gleise Hoffmann. No texto, pela primeira vez Lula pôs em dúvida a capacidade da Corte superior de fazer justiça. Um gesto que deve inflamar a militância em sua defesa nas próximas semanas.
Três meses de presença
Parte da sociedade civil, como movimentos organizados ou apenas cidadãos indignados com a perseguição que põe em risco a democracia e o futuro do Brasil, vem exercendo essa militância obstinada
desde aquele 7 de abril. Foi o dia em que o ex-presidente decidiu deixar a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, depois de três dias de vigília, para ser recebido por outra vigília, a Lula Livre, nos arredores da
sede da Polícia Federal em Curitiba.
Esta sexta-feira marca também os três meses de acampamento levantado no bairro Santa Cândida, na capital paranaense. A solidariedade ao ex-presidente resiste bravamente.
"O número de caravanas que visita a Vigília segue intenso, com média de 300 pessoas mantendo-se diariamente, mesmo após três meses, o que indica a popularidade do presidente e a disposição de as pessoas resistirem por Lula Livre!", diz em nota a coordenação do acampamento. "Lula Inocente! Lula presidente! Diversos grupos de diferentes matrizes religiosas nos procuram, num exercício único de pluralidade e respeito", define o coletivo.
São 90 dias de embates com autoridades locais pelo direito de se manifestar pacífica e civilizadamente. De lutas e também de momentos de cultura, arte, debates e trocas que já entraram para a história.
De partilha do fogão e do pão. De
solidariedade de vizinhos que abriram o coração e a casa para os frequentadores da vigília e do acampamento, os fixos e os itinerantes.
Integrante de movimento de moradia, Edna Dantas está neste espaço de disputa, em Curitiba, desde o início. Na verdade, desde antes da prisão de Lula, como conta à RBA. “Desde o impeachment da Dilma (em 2016), até um pouco antes, eu e alguns companheiros não paramos um dia em defesa da democracia. Desde lá, denunciamos o golpe e os retrocessos que assolam o Brasil.”
“Diante disso, nos organizamos em Curitiba para garantir a vinda de Lula para cá nesse processo da caravana. Passando isso, começou a pressão de certos setores pela prisão do Lula. Minha vontade era de ir para São Bernardo do Campo acompanhar a resistência, na proposta de não deixá-lo sair de lá. Essa era a minha vontade”, lembra Edna.
O mandado de prisão foi expedido pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro na tarde do dia 5 de abril. Durante três dias, Lula resistiu ao lado de milhares de apoiadores, que o carregaram nos braços, quando decidiu cumprir a ordem judicial – depois momentos intensos de reuniões com líderes de diversos partidos e movimentos, e de reflexões com familiares. O ato foi registrado em uma das mais icônicas imagens de todo esse processo.
Lentes da resistência
As imagens da prisão de Lula correram o mundo, estamparam capas de grandes jornais em diferentes países. O processo todo foi, e ainda é, um campo fértil para o trabalho dos repórteres fotógrafos – como Ricardo Stuckert, Eduardo Matysiak, Joka Madruga, entre outros que se revezam no ofício de traduzir em imagens o que não cabe em palavras.
A reportagem conversou Joka Madruga, da Agência PT, sobre a visão de quem revela o processo ao mundo. "Na vigília, como profissional, o dia a dia é desafiador. Acabamos assumindo um lado, que sempre tive, que é o do trabalhador (…) Se um lado, como profissional, tem o desafio de romper barreiras e preconceitos relacionados ao jornalismo de esquerda, pessoalmente é uma alegria", explica Joka.
"Estou vivendo um momento histórico do país. Daqui a 50 anos, as pessoas falarão sobre o assunto e utilizarão as fotos de vários profissionais que passam por aqui. Tem muita gente e muita coisa boa acontecendo", afirma.
Joka acompanha a vigília desde o primeiro dia, que classifica como o mais difícil de toda a jornada. “O momento mais difícil foi a chegada do Lula. Tive que ver o pessoal da direita jogando rojão na direção do helicóptero e depois a polícia atirando em vários companheiros que se machucaram. Pessoas com quem convivo no dia a dia. Foi um momento muito pesado, de muita revolta. Ver um homem que ninguém encontra uma prova contra ele ser preso e de repente acontece tudo aquilo. Foi o momento mais cruel que vivemos aqui.”
Mas nem só de repressão foram os dias. “Temos as visitas”, disse. Uma das imagens mais marcantes foi a do teólogo Leonardo Boff, 79 anos, sentado junto à entrada da unidade da PF. Naquele dia
Boff teve negado o acesso ao ex-presidente, junto com o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, 87 anos.
Joka Madruga divide a história da vigília em dois períodos principais. “Nos primeiros dias, chegava na vigília umas 7h e saía umas 21h. Foi muito tenso, era uma coisa maluca no sentido de acontecer muita coisa. Quando saíram as liminares e o acampamento saiu aqui da frente, a rotina acabou sendo um pouco mais tranquila. A minha rotina também passou a ter um pouco mais de calma. Às vezes venho só de manhã ou só de tarde. Alguns dias, fico o dia todo. Venho para cá de ônibus há 90 dias. Subo no centro e desço no terminal da Santa Cândida.”
De volta ao acampamento
Assim como Madruga, Edna relata o momento mais difícil desses 90 dias. “Na chegada do Lula, sofremos uma grande agressão. A Globo e a direita não divulgaram, mas estávamos bem próximos da entrada da PF quando o helicóptero chegou. Então, começaram a soltar bombas e tiros de borracha. Feriram alguns apoiadores do presidente Lula. A partir daquele momento, eu e mais cinco pessoas já acampamos lá, na mesma noite. A violência foi traumática para muitos. Alguns nem conseguiram se manter aqui pelo trauma. Aquele dia foi bem triste.”
Os agressores se dizem moradores incomodados com os supostos transtornos da vigília e do acampamento. Na realidade, são pessoas incomodadas com a existência de Lula e de gente disposta a lutar com unhas, dentes e a consciência por sua liberdade, por justiça e democracia
“Eles incitam o ódio e a violência. Mas não vamos arredar o pé, não vamos recuar. Vamos enfrentar essa direita fascista de Curitiba e denunciar isso. Nossa permanência será enquanto Lula estiver aqui”, garante.
O acampamento coordenado por Edna foi batizado em homenagem a Marisa Letícia, morta em fevereiro de 2017. Ele existe na atual configuração há 80 dias. Os dez primeiros, como relatou Madruga, foram em frente à sede da Polícia Federal. Após a concessão de uma liminar impedindo a ocupação, as lideranças negociaram e levaram as barracas para um local distante a 1.200 metros quilômetros dali.
Ajudam na organização vários movimentos sociais. Um dos principais é o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que ajuda na organização, na cozinha, no atendimento médico, entre outras áreas essenciais para os acampados.
Roberto Bagio é coordenador do MST do Paraná e se dedica tanto ao acampamento quanto à vigília. Para ele, o sentido da resistência é político. “Ela (a vigília) encarna uma grande referência nacional e internacional de solidariedade, de compromisso com a democracia e também de solidariedade com o presidente Lula. Estamos preparados para resistir o tempo que for necessário aqui com um conjunto de atividades como formação, debate e palestras”, diz.
“A vigília segue como uma referência, uma luz que ilumina e abastece os que estão aqui, que vêm visitar, que estão mirando pra cá e de qualquer forma estão na corrente pela liberdade do Lula. Ao mesmo tempo, precisamos intensificar a pressão em Brasília. Vamos fazer uma concentração de mobilizações ao redor de Brasília e do Supremo (Tribunal Federal), culminando com o registro da candidatura do Lula”, informa o dirigente do MST.
Em 15 de agosto, quando deve ser feito o registro da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Superior Eleitoral, a capital federal será palco de uma grande manifestação.
Segundo Roberto, há ainda uma agenda intensa de atividades a serem realizadas nas próximas semanas. “Temos uma programação para os meses de julho e agosto com o objetivo de discutir com a base, com a sociedade, com o campo, os assentamentos, comunidades indígenas, escolas. Para termos uma perspectiva do nosso futuro. No nosso horizonte está a questão de como retomar a democracia para que a vontade da maioria seja preservada como direito do cidadão como em qualquer democracia do mundo.”
Ainda pensando no horizonte, o fotógrafo Madruga confia nas tecnologias de comunicação para que a esquerda trabalhe em uma narrativa diferente daquela posta pela mídia tradicional corporativa. “Acredito que a história é contada pelos vencedores. Porém, hoje, com a tecnologia e os meios que temos, conseguimos mudar isso um pouco. Até porque acredito que vamos sair vencedores. Lula vai conseguir sair da prisão, vai se eleger presidente. Acredito que é possível. Claro que, para isso, precisamos do esforço de cada militante, de cada profissional para podermos retomar essas conquistas que perdemos com o atual governo.”
NOTA DA VIGÍLIA LULA LIVRE
90 dias contra o golpe e pela democracia!
1. Dia 5 (quinta), completam-se noventa dias da prisão do presidente Lula, em que o juiz Sérgio Moro, e agora o ministro do STF, Luiz Edson Fachin, atropelarem o Estado Democrático de Direito, ao fazer um julgamento parcial, sem provas contundentes, recheado de manobras políticas. Como Lula mesmo diz, é preciso que se apresente uma prova concreta para que não seja candidato!
2. Há três meses o presidente resiste! Mantém sua candidatura, em primeiro lugar nas pesquisas, e diariamente tem se posicionado pela retomada de um país com desenvolvimento, com Justiça, com olhar para o social e para a nossa América Latina – é urgente resgatar o Brasil anterior ao golpe. Mesmo preso, Lula não se calou, e nem foi esquecido, como queriam seus perseguidores!
3. Nós da Vigília Lula Livre convidamos militantes, defensores da democracia e dos direitos humanos, e simpatizantes para estar conosco na vigília neste dia (5), bem como em todos os outros dias, participando de nossas atividades culturais, políticas, de debates sobre qual é o programa e a agenda que este país necessita.
4. Informamos que, em que pese especulações de diferentes níveis e em diferentes meios, a coordenação da Vigília segue em contato semanal com as autoridades, intermediado pelo Ministério Público do Paraná, para manutenção do espaço respeitando os limites de silêncio e bem-estar da comunidade.
5. O número de caravanas que visita a Vigília segue intenso, com média de 300 pessoas mantendo-se diariamente, mesmo após três meses, o que indica a popularidade do presidente e a disposição de as pessoas resistirem por Lula Livre! Lula Inocente! Lula presidente! Diversos grupos de diferentes matrizes religiosas nos procuram, num exercício único de pluralidade e respeito.
6. Às elites, só vai restar a derrota em outubro e o preconceito contra o povo!
Curitiba, 4 de julho de 2018 – inverno e, em breve, primavera.