domingo, 10 de janeiro de 2016

Vito Gianotti: "O governo tem que avançar na democratização da comunicação"

  Vito Gianotti: "O governo tem que avançar na democratização da comunicação"


21 Outubro 2015
Grandes Entrevistas
A Revista Caros Amigos publica na íntegra a entrevista com o escritor Vito Gianotti, feita para a edição impressa de outubro de 2012. 
Por Eduardo Sá
Com forte sotaque estrangeiro, Vito Giannotti é um italiano obcecado pelo Brasil e pela comunicação dos trabalhadores. Autor de vários livros sobre história dos trabalhadores e outros tantos sobre comunicação e hegemonia. Familiarizado com os movimentos populares e as mídias alternativas do Rio de Janeiro e do Brasil afora, coordena o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), que se tornou referência na comunicação sindical e comunitária do país. Luta por uma mídia plural, democrática e popular, pautada por um projeto dos trabalhadores e não pelo lucro.
Em entrevista a Caros Amigos, Vito Giannotti conta a história do NPC, que neste ano completou 20 anos de serviços prestados à comunicação sindical e popular. Ele fala também sobre os avanços que têm ocorrido no campo das comunicações na América Latina, analisa por que o governo brasileiro não democratiza o sistema e a esquerda tem dificuldade de criar seus própriosveículos. Para ele, é uma questão muito mais política do que econômica. Seu refrão é: precisamos perder qualquer ilusão com o modelo hegemônico de sociedade e de mídia patronal.
Caros Amigos  Você pode nos contar um pouco da sua história, como se meteu na comunicação?
Vito Giannotti – Eu comecei a mexer com comunicação a partir do primeiro dia que botei o pé no Brasil vindo da Itália, porque nós estávamos numa ditadura e eu era contra. O regime militar queria ganhar as pessoas para o seu projeto.Convencia as pessoas com as suas rádios, com a TVGlobo que criaram em 1965, com a sua televisão, com os seus jornais e a mídia toda que apoiou a ditadura. Se éramos contra, tínhamos que comunicar as ideias. Eu estava numa organização política chamada Ação Popular. A gente fazia jornalzinho, boletim, panfleto e, depois, eu comecei a trabalhar como metalúrgico, antes era pescador. Nós tínhamos um movimento chamado Oposição Sindical Metalúrgica, contra os pelegos, interventores colocados por militares, contra os patrões da Fiesp e a ditadura militar. Tínhamos que fazer jornaizinhos e panfletinhos clandestinos. Como havia saído de uma faculdade na Itália, que abandonei para entrar na luta política, tinha mais facilidade de escrever. Assim peguei o gosto da comunicação sindical com os trabalhadores.
Fiquei em São Paulo 30 anos obcecado pela comunicação e uma das minhas paixões foi a linguagem. Muitos dos nossos jornais de esquerda eram escritos como se fosse em árabe e os trabalhadores não acompanhavam. O brasileiro não está acostumado a ler, então tinha que ter uma linguagem que fosse entendida por quem você quer atingir. Escrevi vários livros sobre linguagem sindical, o primeiro foi em 1982. A comunicação sempre foi uma preocupação enorme, porque para chegar aonde queríamos, a uma sociedade justa, igualitária, fraterna, ou seja, socialista, temos que convencer milhões.
Como surgiu o Núcleo Piratininga de Comunicação?
O Núcleo Piratininga de Comunicação, como diz seu nome, é um núcleo pequeno, tem uma estrutura mínima. Piratininga é o nome de uma tribo indígena, que ia de Niterói até Santa Catarina, em homenagem ao que nunca se fala no Brasil, os nossos índios, uma de nossas raízes. Somos um grupo de  jornalistas, historiadores, professores, diagramadores e ilustradores, que mexemos com a comunicação dos trabalhadores. Que tipo? Sindical, comunitária, de movimentos sociais, alternativa, de esquerda. Como? Somos obcecados pela ideia de ter uma grande comunicação, que os trabalhadores devem ter os seus instrumentos de comunicação.Vai do facebook ao rádio e a televisão, passando pelo jornal e a revista, todo o arsenal eletrônico. Todos os instrumentos usados para o seu projeto político de uma outra sociedade, socialista. Nunca podemos nos contentar, temos que ter a obssessão de ter a comunicação mais ampla possível para transmitir nossa política.
A impressão que passa é que no NPC vocês tratam de uma formação mais política que técnica, uma conscientização para usar todas as ferramentas.
Os cursos vão nesse sentido, sim, você tem razão; mas também ensinam técnica. Um jornal feio pode ter o conteúdo divino,  mas se for escrito  em chinês, no Brasil, não funciona. Tem que ter uma linguagem adequada, nós  damos  uma  série  de cursos  e tenho  uns seis  livros  sobre isso. Vamos melhorar a linguagem e também a forma  e garantir o conteúdo e a distribuição. Nossa estrutura é microscópica, temos duas pessoas contratadas e trabalhos provisórios. Não temos financiamento, fazemos as coisas no grito. Nosso curso anual na área sindical é referência, já estamos no 18º, convidamos uns 50 monitores  das  melhores universidades ou experiências jornalísticas do Brasil. São grandes jornalistas, inclusive internacionais, pessoas apaixonadas pela comunicação dos trabalhadores. O curso é completamente pago pelas inscrições, não tem nenhum patrocínio. É tudo rateado, não é para dar lucro. Quem participa tem um enorme lucro político e ideológico. Temos uns 30 cursos anuais para sindicatos ou movimentos no Brasil todo. São custeados por quem os solicita e a quantia que sobra mantém nossas atividades: escrever livros, agendas, fazer revista, cartilha, etc. É autossustentado, e temos o apoio parcial da Fundação Rosa Luxemburgo, que garantiu uma quantia até o ano que vem que corresponde a uns oito cursos.
Por que o NPC faz um curso de Comunicação Comunitária para um público de jovens de favela, de ocupações urbanas, de pescadores etc?
Realizamos este curso há seis anos. É para comunicadores que trabalham, moram, ou  atuam em comunidades do Rio de Janeiro. São pessoas que moram em favelas e fazem rádio comunitária, um jornalzinho, música popular, etc. Vai de 15 a 70 anos. Passamos tudo o que aprendemos nesses 20 anos de existência, ensinando como fazer um jornal bonito, um programa de rádio  atraente, e montar uma rádio comunitária, que a Anatel vai lá e a polícia fecha. E damos muita importância à pauta, aos assuntos políticos. Agora, os alunos estão produzindo um documentário, que vão colocar no youtube, sobre a comunicação comunitária. Os empresários mudam tudo a cada 6 meses, aperfeiçoam o sistema de produção, e nós temos que melhorar sempre, nos atualizar. Então pegamos esses estudantes que já estão estudando ou praticando e damos um intensivão de 6 meses aos sábados.
E onde se encaixa a produção de agendas sobre vários temas que sai personalizada para movimentos e sindicatos?
Há seis anos, o NPC produz também uma agenda temática. A primeira saiu em 2005 com o tema comunicação. São centenas de pequenas notícias de comunicação dos trabalhadores ou de seus inimigos no dia que aconteceu. Quando nasceu a Rede Globo, em 1965, tem uma notícia curtinha: “Foi criada a Rede Globo, uma canal que será de desinformação do povo brasileiro a serviço da ditadura, sempre defenderá a ditadura até 1984”. A imensa maioria dos brasileiros não lê quase nada. No Japão e Inglaterra, uns 60% leem o jornal diariamente, aqui é 4%, menos que na Bolívia, Uruguai e Venezuela. Então, fizemos pequenas notícias para as pessoas se interessarem. Já fizemos agenda sobre a luta das mulheres e, neste ano, o tema é “Lutas, Revoltas, Levantes e Insurreições Populares do século XIX ao XXI no Brasil”. Porque estamos injuriados com o que é ensinado nas escolas, igrejas, famílias, na rua, televisão e rádios, que o brasileiro é bonzinho, pacífico, não luta, é bundão. A tal “índole cordial”. Achamos exatamente o contrário, queremos mostrar o conjunto das lutas feitas nes- se país pelo povo. Colocamos notícias de umas 500 lutas, com revoltas de negros, índios, grandes greves e movimentos populares.
E o que motivou a criação da livraria Antonio Gramsci?
É mais uma iniciativa de formação política, não existe comunicação sem conteúdo. Tem que conhecer história, a economia, a arte, cinema e poesia do Brasil, temos que conhecer tudo. Essa minilivraria é coordenada pela Claudia Santiago, que trabalha há 30 anos com comunicação sindical e acabou de se formar em História. O nome diz: Livraria Antonio Gramsci, fundador do partido comunista italiano, um grande intelectual que foi traduzido no Brasil por Carlos Nelson Coutinho. Gramsci foi um grande obcecado pela comunicação, a ideia dele em resumo é a seguinte: os trabalhadores têm que conquistar a sua hegemonia na sociedade, e isto se conquista com força (partido, organização, exército, lei, parlamento, etc) e convencimento. Comunicação. Então, a livraria é um instrumento da comunicação de ideias. Tem os clássicos da história brasileira, muitos livros da Expressão Popular, que são baratíssimos, vários sobre Che Guevara, Fidel Castro, Revolução Russa, do Marx e Rosa Luxemburgo, além de muitos do Gramsci. Serve ao movimento social. Não tem objetivo econômico, é uma livraria de esquerda para formação política, comunicação e oferecer coisas úteis para a luta do povo.
Como você vê a questão ideológica do conteúdo e a concentração dos meios atuais?
Independente da concentração, existem duas mídias: a deles e a nossa. A mídia empresarial, que eu chamo de comercial ou burguesa, dos patrões, como a Veja, dos Civitas, o Estadão, dos Mesquitas, a Folha dos Frias e o Globo dos Marinhos. Praticamente não existe mídia pública, só uma tentativazinha. A mídia no Brasil tem dono,  e dono pertence  à classe  empresarial  e patronal. A Folha tem seu objetivo quando noticia alguma coisa do ponto de vista político: manter a sociedade do jeito que está, então é conservadora.  É de direita, quer manter a sociedade a serviço dos patrões, banqueiros, latifundiários, empresários, e do grande capital internacional. A outra mídia é a dos trabalhadores, como a sindical, a popular, a alternativa. Um boletim, jornal, uma revista, um programa de rádio ou televisão de um sindicato ou qualquer movimento, como o MST, tem outro objetivo. Estou falando de movimentos que estão a serviço dos trabalhadores com um projeto dos trabalhadores.
A mídia já foi mais plural, existia mais meios, como o Última Hora por exemplo. Já tivemos uma forte imprensa alternativa durante a Ditadura. E hoje?
Toda a mídia menos Última Hora, que foi criado por Samuel Wainer como apoio do governo GetúlioVargas, foi a favor do golpe de 1964. Era contra João Goulart, os comunistas, as greves e as ocupações de terras. Implorou e adorou o golpe. Depois tem uma mudancinha, com o Correio da Manhã. A imprensa alternativa começou com O Sol na ditadura, primeiro alguns jornais pequenos e seu auge foi a partir do AI-5, em 68, quando teve a censura total, a proibição de qualquer voz contestadora ao sistema. Nasceram belos jornais alternativos, o mais conhecido foi o Opinião, em 1970, que dizia o que a mídia do sistema não falava. Se  fala de 150 jornais alternativos entre 1964 e 1984, então havia vozes discordantes muito boas. Qual foi o grande erro que nós, esquerda, cometemos? Quando a ditadura chegou ao fim fomos incapazes de continuar e criar uma grande mídia alternativa, sindical, popular. Nunca um jornal vai juntar toda a esquerda, então que existam dois ou três, cada um compra o seu nas bancas. Só vamos ter essa mídia quando acabar toda ilusão na mídia dos nossos inimigos e a esquerda resolver criar sua própria mídia.
Quando você fala que a esquerda errou naquela época é um tabu administrativo financeiro?
O grande problema é ideológico, político. É se iludir com a mídia burguesa, dos nossos inimigos. Tem que ter uma visão de classe, que existe a nossa mídia e a dos atuais donos do poder e herdeiros da casa grande. Ou nós falamos, ou eles vão falar da maneira deles. Vão omitir, escamotear, mentir é claro! O problema não é econômico, é político-ideológico. A outra questão é que perdemos o bonde da história. Era para ter criado uma mídia alternativa na década de 1980, no auge das lutas operárias, sindicais e populares. Quem minimamente tem feito isso é o MST, com o Brasil de Fato, pena que é um semanário. Quando foi lançado no Fórum Social de Porto Alegre, há 10 anos, chegou a se falar de ser diário. Um dia tem que chegar. Em1990, havia seis jornais sindicais diários, ao todo dava 600 mil por dia. Hoje, não é nem ¼ disso, perdemos o bonde. Temos belas revistas, como a Caros Amigos, mas infelizmente são mensais.
Você falou do Brasil de Fato, mas na prática para torná-lo diário é muito difícil...
Claro, tem que ter financiamento público. O governo Dilma, exatamente nesses dias, está investindo contra o financiamento público a qualquer tipo de mídia popular, alternativa, contra hegemônica. Ao contrário do que deveria fazer, está retirando dinheiro dos pequenos. Como um veículo de uma cidade pequena, por exemplo,vai se manter? Através da Caixa Econômica, Petrobras, o Banco do Brasil. Mas a maioria da verba de propaganda oficial vai para a Globo, que detém 70% da verba de propaganda oficial. Dizem que a propaganda oficial amarra o veículo, mentira! A Globo ou a Veja estão amarradas ao governo? Claro que não! Tem que ter financiamento público declarado, oficial, incentivo à divulgação de ideias, cultura e vozes diferentes. Nós temos ótimos profissionais na esquerda, preparados, só não fazemos porque não se quer. Não se investe nisso. É mais fácil xingar a mídia empresarial.
O que temos de comunicação alternativa, hoje?
A Caros Amigos, que desgraçadamente é mensal, ela é muito boa para um público mais intelectualizado e elitizado. Já imaginou ela semanal que maravilha seria para disputar com as inimicíssimas Veja, Isto É e Época? Temos a Fórum, outra revista interessante, mais na área sindical. É mensal, que pecado! O sindicato tem dinheiro para suntentá-la diariamente, só que uma revista dessa, transformada em diário, tem que ser distribuída. Tem que chegar aos trabalhadores, e isso exige trabalho, não de office boy de moto, mas de militante que vai vender. Em 1946 no Brasil, oPartido Comunista Brasileiro tinha oito jornais diários nas principais capitais. Em 1919, no Brasil, tivemos dois jornais operários diários. Se queria disputar a cabeça das pessoas, e se acreditava que os outros jornais eram inimigos.
Mas, mesmo nas bancas, é um problema, porque as distribuidoras são monopolizadas.
Vamos ter a nossa distribuídora! Como é que o Partido Comunista distribuía em 1946? Distribuição militante. Sem militantes, a perspectiva socialista acabou. Vamos ficar latindo que a burguesia tem tudo? Eu sei que a Globo tem tudo. Quem proíbe a gente de ter? As leis do governo? As leis se mudam com gente  na rua.  A conjuntura  mudou, a primeira desgraça foi a falência das experiências socialistas mundiais do século XX. O fim do muro de Berlim foi trágico, muitos comunistas ficaram debaixo dele, perderam as esperanças, os sonhos. A segunda desgraceira foi a entrada em cena do neoliberalismo, que é a nova teoria e prática política criada a partir do recuo das experiências socialistas na década de 1970 e 1980.  A retomada do velho capitalismo puro, sem nenhum disfarce de estado ou bem estar social: retirada de direitos dos trabalhadores e do Estado, ou seja, a privatizaçãode tudo. Foi uma avalanche ideológica e política enorme, o pensamento único que continua.
Redundou numa crise que sinalizou para algumas falhas e, no entanto, não mudou nada...
A crise está aí, só que o capitalismo sai dela tranquilamente às custas de milhões de mortos, miseráveis, desempregados, da miséria do mundo. O capitalismo supera suas crises fazendo a classe trabalhadora pagar. Ainda hoje, com a crise, os valores são os do neoliberalismo. Na Itália, estão fechando a Fiat, a maior fábrica de automóveis do país desde 1905. Haverá uma revolução? Não, no ano que vem provavelmente vão eleger Berlusconi de novo, que é o rei do neoliberalismo na Itália. Tanto quanto Reagan foi nos EUA e Thatcher na Inglaterra. O individualismo é o princípio chave do neoliberalismo, do pensamento único, da hegemonia dominante. A nossa esquerda está em crise porque, hoje, é muito mais difícil fazer e distribuir um jornal, ter militância e ativista na rua. Não é só crise econômica, é ideológica  e política vinda da falência das experiências socialistas. Não conseguimos explicar, e você tem que admitir que está com uma doença para poder se tratar. Não conseguimos conciliar socialismo com democracia, essa foi a grande falha.
Mas há algumas experiências que não estão dentro desse sistema hegemônico, como a própria América Latina, e trazem elementos novos. Qual a sua avaliação?
Eu começo fazendo reverência à Cuba, todo respeito à Cuba, viva Cuba, somos todos cubanos. Sou um admirador das experiências dos Piratas do Caribe, título de um livro de Tariq Ali. São esses: Fidel Castro, o pai de todos, Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales. São experiências do chamado “eixo bolivariano”, que começou com Chávez. E tem influências no Uruguai, com José Mujica, teve no Paraguai com Lugo, tem alguma influência na amiga Cristina Kirchner. É uma série de novas experiências que falam de um novo “socialismo do século XXI”. Chávez não é marxista, mas com ele a Venezuela se tornou um país com mais justiça, igualdade, e mais independente dos EUA. Ele continua pagando a dívida externa, claro, se não pagar vai ser morto no dia seguinte. A Venezuela e a América Latina podem dar  passos no sentido de, quem sabe nesse século XXI,  conseguirmos criar algumas  outras novas experiências de socialismo. Cristina Kirchner com a nova Ley de Medios, com o apoio de 60 mil argentinos fazendo manifestações de rua exigindo sua aprovação, está propondo uma revolução nas comunicações que pode mudar a América Latina.Tirar a mídia dos grupos hegemônicos monopolistas, El Claríne La Prensa é a coisa mais transformadora. Estes são grupos da burguesia argentina ligada ao império americano. A lei está pronta para funcionar, divide as comunicações eletrônicas, (rádio e televisão), em três partes iguais: entre o Estado, o público e o privado. Por que a Dilma não faz isso? No Brasil, o Lula andou fechando mais de 5 mil rádios comunitárias, enquanto Chávez abriu milhares e permitiu que em cada morro houvesse uma. Na Bolívia, o Evo Morales permitiu que cada nação indígena tenha a sua rádio. São rádios locais, permitidas, incentivadas, essa é a democratização. No Brasil, qualquer deputado pilantra, senador, pastor ou padre tem uma concessão de rádio e televisão, contanto que seja de direita, a serviço do sistema de manter a exploração e opressão do povo. Eu acho que o governo Dilma, se quiser deixar uma marca positiva, tem que avançar na democratização dos meios de comunicação. Rever toda a lei de concessões públicas, que não tem nada de públicas. Essas concessões são sesmarias, doações feitas a donatários: Roberto Marinho, ao Bispo Macedo, ao deputado pilantra de não sei aonde, ao grileiro, ao dono de agronegócio. Concessão significa que o proprietário continua sendo dono, o Estado, o Brasil. Mas não tem nada de público. Ou seja, tem que rever todas as concessões.Se a Dilma fizer, isso é o primeiro passo. Não só rever a legislação, tem que dar incentivo para a mídia alternativa, comunitária, de esquerda, popular, que significa do povo.
Na mídia internacional, o Brasil tem se transformado numa potência, mas aqui há muito tempo não tinha tanta greve, lutas no campo e tantos protestos nas ruas. Como você vê essa contradição?
Eu acho que tem muito pouco protesto, tinha que ter muito mais. Gente, no Brasil quase 60% das casas sem esgoto. Isso merece arrancar todos os trilhos de todas as estradas de ferro do país até resolver. É muito pouco ainda, somos o 4º país do mundo mais injusto, com a pior distribuição de renda. Somos o país com o maior índice de analfabetismo da América Latina. O IBGE fala de 10 a 15% de analfabetos totais, e na Venezuela, um país bolivariano, não tem um analfabeto, a Unesco falou isso há cinco anos. Na Bolívia, um país pequeno e miserável, não existe um analfabeto. Temos ainda cerca de 45% analfabetos funcionais. Então, esse é o nosso Brasil, precisa de muito mais protestos, insurreições e levantes para mudar esse país. A agenda que fizemos para 2013 é um exemplo e incentivo a isso.  
Eduardo Sá é jornalista.

O Pré Sal como uma decisão estratégica

O Pré Sal como uma decisão estratégica

Por Christian Boura e Flávia Vinhaes

O artigo de Samuel Pessoa na Folha de S. Paulo de 8/11/15(1) critica o tamanho da dívida da Petrobras e o fato do EBITDA (Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização)(2) ser 4,8 vezes o tamanho da dívida líquida da empresa, referindo-se ao índice do fechamento anual de 2014. Na verdade, esse índice atualmente é até maior, 5,24 de acordo com os dados mais recentes de setembro de 2015 e divulgados ao mercado em 12/11/15.
O colunista, ao comparar o índice das demais empresas internacionais do setor de óleo e gás com a Petrobras conclui que estas apresentam índices significativamente mais baixos, na ordem de 1,7 segundo ele. De fato, com exceção da BP e da Repsol, a maioria das empresas do setor apresenta este indicador mais baixo.
Um dos argumentos para que empresas do setor de óleo e gás devam manter baixos índices de alavancagem financeira é o fato de que a exploração e extração de petróleo é uma atividade de alto risco, tendo em vista as incertezas geológicas dos reservatórios. Por melhor que seja o estudo geológico, só se tem certeza do potencial petrolífero de uma dada região após a perfuração dos poços. Mesmo assim, são várias etapas até que o poço em questão seja declarado comercialmente viável. Caso não seja comercialmente viável, todo o investimento (centenas de milhões de dólares) é perdido e os valores são reclassificados como despesa (antes estavam classificados em investimentos, aumentando o ativo patrimonial). Isso explica o conservadorismo financeiro em condições normais, quando não se possui uma grande reserva a ser explorada.
E o que a Petrobras tem que suas concorrentes mundo afora não têm?
Se observarmos uma série histórica de produção de petróleo nos últimos 10 anos, observamos que a Petrobras é a única empresa, entre as maiores, que apresenta crescimento consistente da produção. Muitas das empresas pares da Petrobras estão com a produção estagnada ou em declínio. Ademais, as reservas de petróleo e gás do Brasil, após a descoberta do pré-sal, aumentaram significativamente havendo hoje, de reserva provada, algo em torno de 16,2 bilhões de barris. Há rumores de que essa reserva (incluindo as reservas ainda não provadas) é muito maior, o que nos colocaria em um patamar próximo ao da Rússia e muito superior aos EUA. Logo, a opção pelo endividamento se deu pela necessidade de explorar e desenvolver essas reservas e aumentar a produção, lembrando que as empresas internacionais, pares da Petrobras, não têm acesso a reservas nesse nível (3). Hoje a produção do pré-sal já é de quase 1 milhão de barris de óleo e gás por dia e tende a aumentar mês a mês.
Construir refinarias no pais – como a RNEST e o Comperj – foi uma decisão estratégica dos últimos governos, com finalidade de aumentar o valor agregado do nosso produto, ao invés de exportarmos óleo bruto, poderíamos exportar óleo diesel com boa especificação (caso da RNEST) e produtos petroquímicos de alto valor (caso do Comperj). Ainda que as refinarias tenham custado muito acima do inicialmente projetado nos estudos de viabilidade, a finalidade estratégica parecia ser a mais acertada, afinal o esforço em incrementar o valor agregado de nossa produção só traz benefícios para a economia e o desenvolvimento do país.
Samuel Pessoa também questiona o fato da Transpetro estar atrasando repasses para suas contratadas, supostamente por problemas de caixa. Ora, segundo os dados trimestrais de setembro de 2015, a Petrobras possui R$ 100 bilhões em caixa e imaginamos que a Transpetro, como subsidiária da Petrobras, não teria problemas em acessar esse caixa. É possível que o ocorrido se dê porque a indústria nacional tem tido dificuldades em atender prazos e cumprimento de metas e a Petrobras não pode pagar por etapas e produtos não entregues, deixando as empresas sem capital de giro e levando-as a buscarem crédito, até o limite de sua viabilidade.
É importante destacar que parte expressiva da dívida da Petrobras se deveu à decisão política de não repassar ao mercado interno os preços dos seus derivados, principalmente gasolina, diesel e gás de botijão (GLP), cujos aumentos ocorreram no mercado internacional no período de 2011 a 2014 (no patamar de US$ 100 / bbl). Esse cenário já se alterou e esta defasagem deixou de ser fonte de endividamento.
Por fim, são públicos os esforços da Petrobras, sua diretoria atual e seus empregados em equacionar o problema do endividamento, seja via adequação dos investimentos para patamares mais realistas à capacidade da empresa e da indústria, seja pela recuperação dos preços internos e pela adoção de redução/racionalização de custos operacionais. Enquanto o EBITDA de 2014 foi de R$ 59 bilhões, a geração de caixa foi de R$ 62 bilhões. Para comparar, em 2015 (janeiro a setembro) temos um EBITDA de R$ 57 bilhões e uma geração de caixa de R$ 61 bilhões. Ou seja, em 9 meses de 2015 já alcançamos o valor de todo o ano de 2014 e parte desse desempenho certamente pode ser creditado às medidas que estão sendo tomadas, notadamente a política de preços e redução de custos.
Notas:
1- O artigo chama-se “A culpa não é da Lava Jato”.
2- O EBITDA é considerada uma medida de geração de caixa e por isso é utilizado no indicador ENDIVIDAMENTO LÍQUIDO / EBITDA. Entretanto, por ser um indicador decorrente da Demonstração de Resultado do Exercício, o EBITDA apresenta muitas parcelas que não são realmente caixa – ou pelo menos não neste exercício contábil. Exemplo são as despesas com prospecção e provisionamentos diversos normalmente considerados em Outras Despesas Operacionais. Mesmo assim, convencionou-se no mercado (Brasil e exterior) a utilização desse indicador como medida de geração de caixa.
3- Exceto o Canadá, as maiores reservas de petróleo estão em países aos quais essas empresas não têm acesso: países árabes, Rússia e Venezuela.
Christian Boura é economista pela UFMG e funcionário da Petrobras (este trabalho não expressa a opinião da Petrobras, sendo de exclusiva responsabilidade do autor) e Flávia Vinhaes é economista, doutora pelo IE/UFRJ

A mídia esconde o lado bom do Brasil

Roberta Almeida  sentindo-se agradecida.
O Exército Brasileiro conseguiu, ontem, encontrar água ao perfurar um poço em Caicó, no nordeste. A água jorrou com força e foi encontrada em um terreno onde atualmente funciona um complexo de creches cujo abastecimento hídrico é feito por caminhão pipa.
Alguém viu isso na televisão ou no jornal???

Para reflexão

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Entrevista: Sofia Hammoe fala sobre ataques de Macri a Lei de Meios na Argentina

Entrevista: Sofia Hammoe fala sobre ataques de Macri a Lei de Meios na Argentina

Entrevista: Sofia Hammoe fala sobre ataques de Macri a Lei de Meios na Argentina

 
   
Por Pedro Martins
do Canal Ibase
Os 15 primeiros dias do governo de Mauricio Macri na Argentina começaram marcados por um grande número de decretos presidenciais. Ao todo, o novo presidente argentino já emitiu mais decretos do que sua antecessora Cristina Kirchner. E um dos principais alvos dos decretos de Macri foi a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, mais conhecida como Lei de Meios. Por conta disso, o Canal Ibase conversou com a jornalista argentina Sofia Hammoe, que integra a Associação Mundial de Rádios Comunitárias. Ela apontou os principais ataques de Macri e como vem sendo a resposta dos movimentos sociais e da socidade civil argentina.
Considerada um avanço na democratização da comunicação, a Lei de Meios possui medidas como a divisão do espectro, garantindo espaço para os meios sem fins lucrativos nas frequências de rádio e TV. Além disso, a Lei também criou o órgão regulador, a AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual), cujos integrantes são eleitos por diferentes setores da sociedade e seus mandatos, propositalmente, não coincidem com os mandatos presidenciais. Tudo isso para tentar manter a independência política do órgão. Macri, através de um decreto, fez uma intervenção na AFSCA e transferiu as responsabilidades do órgão para o Ministério das Comunicações, tirando sua independência.
Diante de tantos ataques, a Defensoria do Público de Serviços de Comunicação Audiovisual solicitou com urgência uma reunião na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para expor o problema, que tem sido considerado um ataque frontal a liberdade de expressão. Vale lembrar que à época da aprovação da Lei de Meios, o então Relator Especial de Liberdade de Expressão da ONU, Frank La Rue, a classificava como um grande avanço que deveria ser seguido por outros países do continente e de outras regiões do mundo.
Veja como foi a conversa com Sofia Hammoe.
sofiaCanal Ibase: Quais foram os principais ataques do governo Macri a Lei de Meios nesses primeiros 15 dias de governo?
Sofia Hammoe: Foram três medidas tomadas por este novo governo que atacaram a Lei de Meios, todas via decreto presidencial sem passar pelo Congresso. O primeiro foi o Decreto número 13, que é uma nova lei de ministérios. Nele é criado um novo Ministério de Comunicações, que tem sob sua órbita algumas agências reguladoras que eram autárquicas, segundo as leis anteriores a este decreto, como, por exemplo, a AFSCA (Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual) e a AFTIC (Autoridade Federal de Tecnologias da Informação e das Comunicações). Então, tudo que era a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que é conhecida como Lei de Meios, e tudo que tinha a ver com o que se conheceu como Argentina Digital, agora passou a fazer parte de um único órgão do poder executivo nacional. Ou seja, independência zero. E tudo que tem a ver com a comunicação audiovisual, a internet e as redes digitais passa a depender do poder executivo. Isso foi só o início.
Logo depois, por causa deste decreto, houve uma intervenção na AFSCA despejando do prédio toda a diretoria do órgão, que não tem apenas um diretor. A diretoria tem representação de diversos setores da sociedade, não apenas da comunicação. Tinha lá diretores e diretoras indicados pelo poder executivo, mas aprovados pelo Congresso. Também tinha representantes das minorias do Congresso, das províncias, das universidades nacionais com curso de comunicação, das universidades privadas, dos povos originários, dos meios sem fins de lucro… Enfim, uma série de representações que eram parte da direção da AFSCA, que ficaram sem ter como incidir de alguma forma na comunicação na Argentina. Em seguida houve uma medida interposta por um delegado da AFSCA na cidade de La Plata que obteve uma ordem judicial para que isso voltasse atrás, e a polícia não deixou os trabalhadores da AFSCA entrarem de novo no prédio. Isso foi semana passada. E no dia 04 de janeiro, foi apresentado um novo decreto presidencial que muda a Lei de de Meios, especificamente alguns artigos dela. A maioria desses artigos tem a ver com a quantidade de meios que uma corporação pode ter ou deixar de ter e a formação de rede. Nessas mudanças, por exemplo, a TV a cabo não é contemplada como um serviço de comunicação audiovisual, o satélite não pode ter mais nenhuma concessão que não seja satélite. Quer dizer, sobra somente como serviço de comunicação audiovisual as frequências de rádio e a TV aberta.
Canal Ibase: Você pode explicar quais são as perdas que se tem com esses ataques no direito à comunicação e na democratização dos meios?
Sofia: Organizações da sociedade civil, advogados e advogadas, especialistas e até organizações que apoiaram a candidatura de Mauricio Macri estão criticando essas medidas que mudam a Lei de Meios porque, no geral, esses decretos violam todos os estândares internacionais de liberdade de expressão. A gente não pode esquecer que a Lei de Meios foi reconhecida até pela Relatoria Especial de Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros organismos internacionais que reconhecem os avanços dessa regulação para garantir fundamentalmente a liberdade de expressão. Essa lei garantia a diversidade de meios e a pluralidade de vozes. E como isso era garantido? Era garantido porque não se permitia uma grande concentração de meios em poucas famílias, pessoas ou grupos. Não é que não podiam ter, mas tinha a limitação de até dez concessões. Mas antes da Lei de Meios, podiam ter mais de 24, não tinha nenhuma restrição também quanto à cobertura no país que cada grupo poderia ter (a lei restringe a 35% da população o alcance de cada veículo). Tudo isso voltou a valer com os decretos de Macri. Agora o novo decreto permite que cada grupo possua até 15 licenças de radiodifusão. Além disso, legaliza que as outorgas sejam vendidas, mas isso não é possível para os veículos sem fins de lucro, só para os comerciais. O decreto de Macri fala em usuários e consumidores, enquanto a Lei de Meios era baseada no direito à comunicação e no acesso a este direito. Tinham espaço na Lei de Meios todos os setores que tivessem capacidade para operar uma frequência de rádio ou um canal de televisão. Com o novo decreto, tudo isso fica de fora.
Canal Ibase: Para ficar bem claro, quem se beneficia com essas medidas do governo Macri?
Sofia: Os beneficiados são os grandes grupos econômicos, que sempre tiveram a capacidade de comprar todos os meios de comunicação. Ou seja, principalmente o Grupo Clarín, que tem frequências de rádio, canais de televisão e também TV a cabo, entre outras questões, e que quer entrar também no negócio de telecomunicações e internet. Basicamente é isso, o decreto está permitindo novamente a concentração de todos os meios em um grupo que vai dizer para todo o país como é que o mundo deve ser e mostrar a sua leitura de realidade.
O novo decreto também permite a formação de redes em todas as ocasiões que forem necessárias. Então, imagina o quanto é ferida a diversidade e as realidades locais a partir do momento em que um grupo tem a propriedade da maioria dos meios do país.
Canal Ibase: Qual tem sido a reação dos movimentos sociais diante dessas medidas, tendo em vista que a lei foi elaborada com ampla participação da sociedade civil?
Sofia: Teve várias manifestações da sociedade civil, dos sindicatos, dos meios sem fins de lucro, dos povos originários, da mulheres… Enfim, inúmeras organizações têm se mobilizado para repudiar nas ruas esse decreto chamado de “necessidade e urgência” porque nenhum dos argumentos colocados para que essas normas sejam alteradas por decreto justificam o que foi feito até agora como necessário e urgente. O que mais está se criticando é a não chamada ao Congresso para sessões extraordinárias para, entre outras coisas, se for necessário, mudar a lei. Como sabemos, a Lei de Meios foi debatida ao longo de um ano no país inteiro e recebeu 1.200 modificações que foram discutidas em audiências públicas, que foram enviadas por e-mail, pelo correio, por telefone etc, por organizações ou por pessoas individualmente. Ou seja, uma lei que foi construída por toda a sociedade argentina é agora simplesmente apagada com um decreto que não tem nenhuma necessidade, não tem nenhuma urgência a não ser a urgência do Grupo Clarín, que tem uma liminar na justiça que vence no dia 16 de janeiro (este era o prazo que o Grupo Clarin tinha conseguido na justiça para se adequar à Lei de Meios devolvendo parte de suas licenças de rádio e TV que superavam o limite estabelecido pela lei)
Canal Ibase: E quais são os próximos passos da luta contra esses ataques a Lei de Meios?
Sofia: Os movimentos, organizações, partidos políticos e grupos estão primeiro fazendo uma grande campanha de informação sobre o que diz o decreto e como ele fere os estândares internacionais em matéria de liberdade de expressão. A própria redação dos decretos seria inconstitucional. Além disso, advogados, advogadas e organizações estão elaborando representações na justiça local, e também tem pedidos para que o caso seja apresentado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para que se peça explicações ao governo de Mauricio Macri.

500 empresas devem R$ 392 bilhões à União; mineradora Vale lidera o ranking

500 empresas devem R$ 392 bilhões à União; mineradora Vale lidera o ranking

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Por Márcio Zonta e José Coutinho Júnior
Brasil de Fato
O Ministério da Fazenda divulgou uma lista com as 500 empresas que mais devem à União. Juntas, as dívidas somadas chegam a mais de R$ 392 bilhões. Caso 17% desse valor voltasse aos cofres públicos de uma vez, já alcançaria os R$ 66 bilhões da meta do ajuste fiscal deste ano, que vem cortando investimentos de diversas áreas sociais, como saúde e educação. Além disso, o rombo nas contas públicas de 2014, que é de R$ 32,5 bilhões, também poderia ser compensado com parte do montante das dívidas.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou, por meio de nota, que a divulgação da lista faz parte da gestão do ministro da Fazenda Joaquim Levy de “promover um incremento da recuperação de créditos inscritos em Dívida Ativa da União, na busca pela justiça fiscal", e que "o objetivo é dar a máxima transparência aos dados da Dívida Ativa da União”.
Achilles Frias, procurador da Fazenda e presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda (Sinprofaz), afirma que a quantidade de dívida de todas as pessoas jurídicas para com a União ultrapassa a casa do R$1,5 trilhão. “Temos 3,5 milhões de devedores grandes. Desses, 18 mil respondem por 2/3 de toda dívida, e desses, as 500 empresas divulgadas respondem por 40%”.
Além de ações judiciais que visam travar a cobrança das dívidas, o procurador denuncia que muitas empresas declaram as dívidas para não cometerem ilícitos, mas não pagam, esperando para utilizar o Programa de Recuperação Fiscal (Refis), que alivia multas, juros e outros encargos. “As empresas preferem não pagar para fazer o parcelamento mais tarde. É melhor que pegar dinheiro no banco, e elas usam dinheiro da União, que deveria ir para programas sociais, para pagar suas dívidas”.
Segundo Achilles, um impasse para que essas dívidas sejam cobradas é que a Procuradoria está sucateada. “A Procuradoria é o único órgão que pode fazer as cobranças dessa dívida, mas não se confere estrutura para isso. Para cada procurador, há 0,7 servidores, então o procurador, além do trabalho jurídico, tem o trabalho burocrático de localizar devedor, procurar bens. O sistema de dados também está ultrapassado. Se o governo investisse na Procuradoria, e ela fosse atrás desses 18 mil devedores, o ajuste fiscal, que está penalizando a economia e o cidadão, seria desnecessário. E é a cobrança dos grandes, de quem deve”.
Primeiro lugar
A mineradora Vale é a maior devedora, com R$ 41,9 bilhões em dívidas. Desta quantia, o pagamento de R$ 32,8 bilhões está suspenso por decisões judiciais. A empresa deve cerca de R$ 17 bilhões a mais do que a segunda devedora da lista, a empresa Carital Brasil LTDA, antiga Parmalat, com R$ 24,9 bilhões de dívidas.
Apesar de dever para a União, a Vale recebe investimentos estatais para continuar operando no país. Estudo da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) aponta que, para minerar na Amazônia, a Vale obteve 70% do valor de R$ 506,96 milhões que foi distribuído para as mineradoras que atuam na Amazônia, via Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), entre 2007 e 2012. Esse montante foi injetado na mineração altamente lucrativa do ferro e cobre nas minas de Carajás.
Segundo o governo do Pará, por consequência da Lei Kandir, criada em 1996 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, a Vale está isenta de pagar tributos às operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Isso já subtraiu dos cofres públicos do estado R$ 25 bilhões.
Leia mais: 
De acordo com o Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (Cepasp), os acionistas da empresa em diversas partes do mundo embolsaram US$ 4,5 bilhões, no ano de 2013. A mineradora ainda aprovou uma segunda parcela de US$ 1,74 bilhão, chamada de remuneração mínima, ao mesmo grupo, paga no fim de 2013, além de um valor adicional de US$ 500 milhões.
“O Estado brasileiro deveria tomar uma atitude mais contundente para com os devedores do próprio Estado, começando pela Vale, ao cobrar a dívida através das ações que a mineradora distribui”, afirma Jarbas Vieira, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Bancos
Entre os que receberam essas quantias da Vale, está a JP Morgan Chase & Company. O Banco J.P. Morgan S.A. figura na lista de devedores da fazenda em 79º lugar, com dívida de R$ 841 milhões.
Os bancos, setor que tem lucrado muito este ano, mesmo com a crise econômica, também registram dívidas na Receita. Bradesco, Santander e Itaú juntos somam R$ 7,900 bilhões em dívidas.
O lucro do Bradesco no primeiro semestre de 2015 foi acima de R$ 8,7 bilhões; sua dívida com a Receita é a sétima maior da lista, em mais de R$ 4,8 bilhões. Somado com a dívida de R$ 408 milhões da filial Bradesco Financiamentos S.A., em 222º lugar na lista, o banco deve um total de R$ 5,279 bilhões.
O Itaú, por sua vez, teve lucro de R$ 11,7 bilhões, e deve, por conta da Itaucard S.A., braço responsável pela emissão e administração de cartões de crédito, a 44ª maior dívida na lista; R$ 1,35 bilhão.
Já o Santander, que teve lucro de R$ 3,3 bilhões, tem duas dívidas, a do Banco Santander Brasil S.A. está em 69º lugar, com R$ 978 bilhões, e a da Santander Leasing S.A, que é a 353ª maior, com R$ 288 milhões, que totalizam R$ 1,266 bilhão em dívidas.
Confira a lista das 10 empresas mais devedoras (em bilhões)
1 - Vale: R$ 41,9
2 - Carital Brasil Ltda: R$ 24,9
3 - Petrobras: R$ 15,6
4 - Industrias de Papel R Ramenzoni S/A: R$ 9,7
5 - Duagro Adm e Participações: R$ 6,5
6 - Viação Aérea São Paulo (Vasp): 6,2
7 - Banco Bradesco: 4,8
8 - Varig: 4,6
9 - American Virginia Ind e Comércio Exp. De Tabacos Ltda: 4,1
10 - Condor Factoring Fomento Comercial: 4,1

Somos todos idiotas?

Após a privatização da Vale do Rio Doce, contra a qual tantos brigaram,  era comum ouvir algumas pessoas dizerem:“Está vendo, agora os lucros são estrondosos, o Estado é mesmo cabide de emprego, a Vale estatal não rendia nem um décimo do que rende hoje... A iniciativa privada é que sabe administrar!”
Não adiantava argumentar que a diferença é que o poder público não objetiva única e primeiramente o lucro, como o faz a iniciativa privada. Nem lembrar  que o Estado tem compromisso com empregados, com  meio ambiente e com a garantia futura das suas reservas. Que faz investimentos em capacitação científica e tecnológica e que não adota  práticas de extração que ameacem o bem comum. Que ali a prioridade é o interesse da maioria. E que, por isso, em qualquer nação minimamente civilizada, áreas como essa, que envolvem a soberania nacional, são rigorosamente controladas pelo poder público.
Ao longo dos últimos anos, a Vale tem deixado, por onde quer que passou, um rastro de destruição e violência, fazendo de tudo para alcançar as cifras fabulosas que as riquezas minerais do povo brasileiro têm entregue a seus acionistas. O custo social e ambiental de suas ações é incalculável. Essa conta ainda vai ser feita.                                                               Tânia Franco

P.S. Os US$ 4 bi distribuídos a seus acionistas apenas em 2011 foi mais do que o Brasil recebeu pela privatização da empresa!!!!!

Somos todos idiotas?

Referência de sucesso da privatização tucana, a Vale distribuiu em 2011 US$ 4 bilhões a seus acionistas, mas não instalou buzinas que salvariam pessoas da lama.

 
por: Saul Leblon
Antonio Cruz / Agência Brasil
A ilusão de que a barbárie é um processo incremental que se desenvolve em algum ponto remoto do planeta, ou do calendário, ofusca uma rotina de convívio com a sua plena vigência nos dias que correm.
 
A matança em Paris na última sexta-feira, o avanço de um mar de lama assassina no interior brasileiro, são ilustrações de uma transição de ciclo histórico, cuja raiz é sonegada ao discernimento social pela semi-informação emitida do aparelho midiático conservador. 
 
A cada soluço do inaceitável ergue-se, assim, a boa vontade dos que farejam algo estranho arranhando a porta do lado de fora. 
 
Em janeiro, dizíamos ‘Somos todos Charlie’.
 
Em setembro dissemos ‘Somos todos Aylan Kurdi’ ( o menino curdo de três anos, morto em uma praia na Turquia).
 
Em novembro estamos dizendo ‘Somos todos franceses’, pranteando a centena e meia de jovens assassinados em uma única noite em Paris. 
 
Por que estamos sendo jogados periodicamente a nos identificarmos com vítimas de uma tragédia que se abate sem que se possa detê-la, nem explicar de onde se origina e por que se repete em formas diversas com a mesma gravidade?
 
A lista é interminável.
 
Se a mídia desse a ênfase adequada a outros  dramas equivalentes, por certo teríamos dito também  ‘somos todos gregos’, ‘somos todos sírios’,  ‘somos todos africanos’, ’somos todos desempregados europeus’, somos todos despejados espanhóis, somos todos líbios, iraquianos, iranianos, pretos americanos pobres...
 
Se desse hoje o alarme suficiente à lamacenta catástrofe promovida pela Vale, em Minas Gerais, estaríamos dizendo ‘Somos todos rio Doce’....
 
A solidariedade exclamativa é importante ao evidenciar a nossa inquietação.
 
Mas é insuficiente. 
 
Quando o que está em jogo é a incompatibilidade entre a ganância estrutural dos mercados e a dos impérios, de um lado; e a sobrevivência do interesse público, de outro, a boa intenção exclamativa, a exemplo da caridade cristã, não é capaz de afrontar os perigos que acossam as bases da sociedade e o seu futuro.
 
A desordem mundial, movida a incertezas, brutalidades psicopatas, insegurança social permanente e colapsos recorrentes movidos a forças intangiveis, não retrocederá se não for afrontada com anteparos do interesse público dotado de ferramentas à altura do desafio: Estados nacionais democraticamente fortalecidos.
 
A ausência de coordenação global entre economias, a subordinação da democracia a interesses financeiros que se dedicam a esvaziá-la, a incompatibilidade entre a acumulação irracional e a sobrevivência dos recursos que formam as bases da vida na terra, não serão superados com boas intenções de organismos não governamentais.
 
A crise de 2008 foi o sintoma desse corredor estreito da história para onde estão sendo tangidas referências e conquistas acumuladas pelas lutas democráticas e populares desde os primórdios do século 20 e antes dele.
 
Ao contrário do que recitam colunistas agendados pelos departamentos de economia dos bancos, ela não acabou.
 
O cerco em marcha se estreita, como evidenciam os acontecimentos de Paris, ou seus equivalentes na Síria.
 
A emergência do ciclo neoliberal nos anos 70 deu carta branca à ganância rentista, confiante na expertise do dinheiro para alocar recursos com maior eficiência ao menor custo, tendo o globo como tabuleiro cativo.
 
Os alicerces da democracia social  (o pleno emprego, direitos universais, Estado, partidos e sindicatos forte) foram corroídos.
 
Sob explosões de bolhas, bombas, desemprego, náufragos,  governos e nações acuadas por defenderem a destinação social do desenvolvimento, o século 21 assiste agora aos efeitos colaterais dessa troca.
 
Um poder de chantagem ímpar, dotado de mobilidade sem igual na história do capitalismo ungiu o bunker financeiro em carrasco das nações.
 
O preço da mutação é o novo normal sistêmico.
 
A desigualdade cresce, o emprego definha, o endividamento asfixia famílias e Estados, a política se desmoraliza, fundos e acionistas enriquecem em uma sociedade que vegeta, e sobretudo, quando ela empobrece.
 
A barragem acumula rejeitos de todas as raças, cores e religiões.
 
Não há lugar para todos serem a mesma coisa em parte alguma nessa engrenagem seccionada por diques que separam vidas sólidas de massas líquidas  lamacentas.
 
Se o Estado é capturado integralmente pelos mercados, as pontes para a construção de laços de valores compartilhados entre as nações e dentro das nações ficam intransitáveis.
 
Os terroristas que mataram 127 jovens em uma só noite em Paris diziam exatamente isso enquanto disparavam: 
 
‘Vamos fazer com vocês o que vocês fazem na Síria’, em alusão ao intervencionismo aberto do governo Hollande que se estende da Síria ao Iraque, do Iraque a nações africanas.
 
Estamos falando de um governo socialista, ou melhor, de mais um sintoma da doença maligna que faz da política o novo idioma do caos. 
 
A chave religiosa apenas reforça esse hospício ordenado pela razão financeira, que instala uma guerra social aberta de abrangência global, em nosso tempo.
 
Frentes conflagradas espalham-se pelos mapas das nações e dentro de cada uma delas, nas periferias urbanas onde os rejeitos humanos dos embates se acumulam. 
 
Volta e meia ali também as barragens se rompem.
 
A UE tem hoje 8 milhões de imigrantes sem papéis; 120 milhões de pobres e 27 milhões de desempregados.
 
Após seis anos de arrocho neoliberal para curar a trombose de 2008, o desemprego, a desigualdade, o futuro obscuro, o esfarelamento do padrão de vida dos trabalhadores e da classe média –condensado em uma geração de jovens que dificilmente repetirá a faixa de renda dos pais--  turbinou a rejeição ao estrangeiro, criou o medo da  'islamização, alimentou a extrema direita e liberou a demência terrorista dos alijados.
 
Não necessariamente nessa ordem, mas com essa octanagem. 
 
A consciência dessa longa travessia é um dado fundamental para renovar a ação política num tempo de supremacia das finanças desreguladas, ungidas à condição de um templo sagrado, dotado de leis próprias, revestido de esférica coerência endógena, avesso ao ruído das ruas, das urnas e das aspirações por cidadania plena.
 
Corta. Feche o foco agora no Brasil dos dias que correm.
 
É nesse cenário de guerra aberta que o conservadorismo e seu jornalismo de propagação ‘acusam’ o governo de não ter jogado o país ao mar em 2008, como tantos ‘estadistas’ do ajuste fizeram.
 
O custo de não tê-lo afogado na hora certa –vertem boquirrotos economistas de bancos-- acarretou os custos insustentáveis que ora explodem em desequilíbrios fiscais e orçamentários
 
O ‘voluntarismo lulopopulista’ terá que ser pago a ferro e fogo, lambuza nossos ouvidos a voz pastosa do sociólogo Fernando Henrique Cardoso, com seu conhecido domínio da macroeconomia.
 
Recomenda-se vivamente beber a cota do dilúvio desdenhada em 2008 de uma talagada só, como Joaquim Levy gostaria, encorajado pelo poleiro de tucanos da Casa das Garças.
 
Só há um jeito de escapar da loucura disfarçada de racionalidade: tirar a economia do altar sagrado da ortodoxia e expô-la ao debate democrático do qual participem todas as forças sociais, unidas em uma frente de propósitos específicos.
 
Novo corte para um close na gosma em movimento no Brasil.
 
Pode-se identifica-la literalmente na massa de lama derramada de uma barragem da mineradora Vale, que já atingiu nove municípios de Minas e do Espírito Santo e avança para matar 880 kms de rios, riachos, ribeirões e fontes.
 
Referência de sucesso da privatização tucana, recordista em distribuir dividendos a seus acionistas, a Vale durante anos só deixou 1% do lucro obtido na mineração de Mariana/MG ao município.
 
Em compensação, despejou agora 60 bilhões de litros de lama tóxica no seu entorno, uma lava que  viaja  pelo Rio Doce para compartilhar com o Espírito Santo a maior catástrofe ambiental da história brasileira.
 
A devastação está apenas no começo.
 
A convalescença pode demorar séculos.
 
Esse é o tempo –advertem geólogos-- para que a lama cuspida pela incúria gananciosa se transforme em solo fértil outra vez.
 
A Vale não vai cuidar do interesse público nessa longa mutação. 
 
O governo Dilma já deveria ter montado um gabinete de crise para enfrenta-la e coagi-la a assumir custos, no limite com intervenção na empresa para saber a extensão das ameaças que esconde.
 
No vácuo, o prefeito Neto Barros (PCdoB-ES), de B.Guandu (ES), fez o que cabe diante das dimensões de um roteiro que começa com o colapso do abastecimento de água, avança para doenças, inclusive câncer, encerra a destruição de cadeias alimentares, representa a falência de agricultores e de cidades, e desemboca em desemprego, revolta e migrações para periferias conflagradas.
 
Neto Barros fechou a ferrovia da Vale com a patrulha de máquinas da prefeitura até que a presidência da empresa aceite negociar.
 
Pergunta: isso é terrorismo? É atentado? 
 
Não. 
 
Mutatis mutante isso é a reação desesperada à supremacia dos interesses de mercado sobre a segurança da sociedade, o bem-estar das populações, a preservação das fontes da vida e o direito ao futuro sonegados por um bombardeio de lama.
 
Numa entrevista famosa em 2009, ao portal da revista Veja, FHC justificou a venda da Vale do Rio Doce – que tinha em Serra o defensor mais entusiasmado, entregou o ex-presidente-- entre outras razões, ao fato de a 2ª maior empresa de minério do mundo ter se reduzido - na sua douta avaliação - a um cabide empregos estatal, 'que não pagava imposto, nem investia'. 
 
Filho dileto do ciclo tucano das grandes alienações públicas, Roger Agnelli -presidente da Vale do Rio Doce de 2001 a 2011 -- foi durante anos reportado ao país como a personificação da eficiência privada reconhecida nessa transação.
 
Com ele, graças a ele, e em decorrência da privatização-símbolo que ele encarnou, a Vale tornou-se uma campeã na distribuição de lucros a acionistas. 
 
Vedete das Bolsas, com faturamento turbinado pela demanda chinesa por minério bruto, que o Brasil depois reimportava, na forma de trilhos, por exemplo, --a única laminação para esse fim foi desativada pelo governo FHC-- a Vale tornou-se o paradigma de desempenho corporativo aos olhos dos mercados. 
 
Um banho de loja assegurado pelo colunismo econômico, ocultava a face de um negócio rudimentar, um raspa-tacho do patrimônio mineral alçado à condição de referência exemplar da narrativa privatista. 
 
Agora se vê o mar de lama acumulado por debaixo do veludo.
 
A 'eficiência à la Agnelli' lambuzou o noticiário pró-mercadista durante uma década de fastígio. 
 
Da cobertura econômica à eleitoral, era o argumento vivo a exorcizar ameaças à hegemonia dos 'livres mercados' pelo lulopopulismo. 
 
Projetos soberanos de desenvolvimento, como o da área de petróleo, eram fuzilados com a munição generosa da menina dos olhos do neoliberalismo: a Vale de balancetes nas nuvens.
 
A política agressiva de distribuição de lucros aos acionistas --na verdade um rentismo ostensivo, apoiado na lixiviação de recursos existentes, sem agregar capacidade produtiva ao sistema econômico-- punha na Petrobrás o cabresto do mau exemplo. 
 
Era a resiliência estatista nacionalisteira, evidenciada em planos de investimento encharcados de preocupação industrializante e 'onerosas' regras de conteúdo local. 
 
A teia de acionistas da Vale, formada por carteiras gordas de endinheirados, bancos e fundos, com notável capilaridade midiática, nunca sonegou gratidão .
 
Enquanto o mundo mastigava avidamente o minério de teor de ferro mais elevado do planeta, a Vale era incensada a cada balanço, seguido de robustas rodadas de distribuição de lucros e champanhe. 
 
No primeiro soluço da crise mundial, em 2008, a empresa administrada pela lógica pró-cíclica dos rentistas reagiu como tal e inverteu o bote: foi a primeira grande empresa a cortar 1.300 trabalhadores em dezembro daquele ano, exatamente quando o governo Lula tomava medidas contracíclicas na frente do crédito, do consumo e do investimento. 
 
A Petrobrás não demitiu; reafirmou seus investimentos no pré-sal, da ordem de US$ 200 bilhões até 2014. 
 
Se a dirigisse um herói dos acionistas, teria rifado o pré-sal na mesma roleta da Vale: predação imediatista, fastígio dos acionistas e prejuízos para o país. 
 
Em seu último ano na empresa, Agnelli  --apoiador confesso da candidatura derrotada de Serra contra Dilma, em 2010--  distribuiu US$ 4 bi aos acionistas. 
 
Saiu carregado nos ombros da república dos dividendos.
 
Indiferente aos apelos de Lula, manteve-se até o fim fiel à lógica que o ungiu: recusou-se a investir US$ 1,5 bi numa laminadora de trilhos que agregasse valor a um naco das quase 300 milhões de toneladas de minério bruto exportadas anualmente pela empresa. 
 
Com a derrota de Serra, o conselho da Vale destituiu o camafeu ostensivo da coalizão tucanorentista, em abril de 2011. 
 
Agora se sabe que o centurião de alardeada proficiência administrativa, além de recolher apenas 2% de royalties ao país, nunca conseguiu reunir recursos para instalar uma simples buzina, que poderia ter salvo vidas levadas pelo mar de lama que legou ao país, enquanto brindava os acionistas com bilhões.
 
Estamos diante de um exemplo em ponto pequeno da desordem global, que à falta de melhor conceito, pode ser batizada de barbárie de mercado.
 
É rudimentar conceito. Porém é mais encorajador do que dizer apenas e tristemente ‘somos todos idiotas’.