sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Exclusivo: A realidade acaba se impondo, diz Celso Amorim sobre a política externa de Bolsonaro

09 DE NOVEMBRO DE 2018, 18H35

Exclusivo: A realidade acaba se impondo, diz Celso Amorim sobre a política externa de Bolsonaro

Para ex-ministro, "manter a paz não ocorre automaticamente, exige ação no sentido cooperativo. E a paz é essencial. É feito liberdade, igual ao ar, você só nota que ela é importante quando ela falta".
Arquivo/Ministério das Relações Exteriores
Diplomata desde 1965, quando graduou-se em primeiro lugar na sua turma no Instituto Rio Branco, e ex-ministro – de Relações Exteriores, nos dois mandatos de Lula, e da Defesa, no governo da presidenta Dilma Rousseff -, Celso Amorim tem uma trajetória profissional e de vida pautada na busca da paz pelo diálogo.
Em entrevista exclusiva à Fórum, o diplomata comentou – com todo cuidado com as palavras – os primeiros movimentos do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), no cenário internacional e acredita que, aos poucos, a realidade vai se impor à retórica do político que se apoiou durante seus mais de 27 anos de vida pública em gritos, bravatas e discursos de preconceito e ódio.
“Vamos ver o que vai acontecer. O que ele tem dito tem causado muita reação. Agora, a realidade às vezes acaba se impondo. É claro que, às vezes, as palavras não são ditas de maneiras inconsequentes, pois elas geram consequências – como o cancelamento da visita do atual ministro, Aloysio Nunes, ao Egito. Geram consequências inclusive no plano econômico e comercial”, disse.
Segundo ele, embora em um primeiro momento essas reações econômicas e comerciais estejam repercutindo com maior ressonância, as consequências para o papel da diplomacia brasileira no mundo podem ser bem mais amplas. “O Brasil sempre foi visto como o país que ajudava a resolver conflito, e não que criava conflitos. Algumas vezes não conseguia, mas sempre foi visto como um país trabalhando em prol da paz e do diálogo”.
Pascal Lamy e Celso Amorim (Arquivo)
Não é só o comércio, é a paz
Citando entrevista em que o ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Pascal Lamy, critica o alinhamento de Bolsonaro à política de Donald Trump na Casa Branca e diz que “o Brasil que eu conheço é um país orgulhoso. Nunca um seguidor”, Amorim diz que o Brasil sempre atuou com razoável independência nos organismos multilaterais, como a própria OMC e a Organização das Nações Unidas (ONU), e que esse multilateralismo tem um papel muito importante na diplomacia brasileira.
“O prejuízo é muito grande de abandonar essa política, sem falar nos valores, nos direitos humanos, na democracia, e tudo isso também é importante. Especificamente em nossa região, não é só o comércio, é a paz. A paz na região é muito importante. O comércio na região deve ser um instrumento para consolidar a paz. Então, eu fico muito preocupado com essas declarações”, disse à Fórum.
O diplomata afirma, entretanto, que a equipe de transição de Bolsonaro está tendo um choque de realidade nestes primeiros dias de trabalho, que deve continuar nas próximas semanas.
“Nessas semanas eles estão tomando um choque de realidade e vendo que as coisas não são bem assim. Esse aparente recuo em relação à [transferência da] embaixada – o que é um absurdo, pois não é um capricho do Brasil ter embaixada em Tel Aviv, o mundo inteiro tem embaixada em Tel Aviv, com exceção dos EUA e da Guatemala, que têm embaixada em Jerusalém. Isso tem a ver com todas as resoluções da ONU, desde as que deram a independência à Israel. Em todas, Jerusalém é colocada como uma questão final. Não pode um país tomar partido agora e declarar que ela é capital de Israel. Essa é uma visão que não é só do Brasil, é da França, da Inglaterra, da Turquia”, afirmou Amorim, citando notícias divulgadas nesta quinta-feira (8), quando conversou com a Fórum, sobre um possível recuo de Bolsonaro em relação ao tema.
Reprodução/Instagram
Steve Bannon e O Movimento
Amorim disse que se surpreendeu com a estreita relação entre Steve Bannon, ex-guru de Trump na Casa Branca e criador da internacional ultra-liberal O Movimento, e o clã Bolsonaro. “Isso é uma coisa que ainda está nos surpreendendo. Não se imaginava que a influência pudesse ser tão grande. A entrevista dada por Steve Bannon à Patrícia Campos Mello, na Folha, mostra que sim, eles estavam trabalhando juntos.”
Entretanto, ele acredita que esta politica de “America First”, de Trump, é insustentável com o que Bolsonaro e o Chicago Boy Paulo Guedes pretendem implantar no Brasil.
“Eu acho que isso é insustentável, pois esse tipo de nacionalismo que o Steve Bannon prega e o Trump leva adiante com o ‘America First’, no Brasil teria de ser ‘Brasil first’, ou seja, Brasil em primeiro lugar. E ele não é compatível com essa política de privatização – que na realidade é desnacionalização, pois não há empresários brasileiros com capacidade de comprar as estatais. Portanto, é incompatível com essa política de desnacionalização. É uma contradição. Ela pode não aparecer de imediato, mas vai surgir mais pra frente. E aí vai se ver que não é possível. Embora eu não tenha nenhuma simpatia pela política do Trump, eu posso dizer que ela tem uma certa coerência. Ela defende o nacionalismo e pratica o protecionismo e uma porção de coisas desse tipo – algumas detestáveis, relativo a questão dos imigrantes -, como a proteção das indústrias de Pittsburgh”, afirma.
Para ele, acoplar o populismo nacionalista de direita de Bolsonaro a uma política ultra-neoliberal, pregada por Paulo Guedes, não só é insustentável como pode acarretar vários problemas na região.
“No Brasil você vai acoplar uma visão do populismo nacionalista de direita, que é do Steve Bannon – aparentemente -, com uma política ultra-neo-liberal, que é pregada pela equipe econômica do presidente eleito. Isso não é sustentável, além de criar enormes problemas na nossa região. O Brasil é muito grande e tem uma responsabilidade de manter a paz na região. Nós não podemos esquecer que temos 10 vizinhos. Se começarmos a ter problemas nas fronteiras com esses vizinhos – que graças ao Barão de Rio Branco, são fronteiras pacíficas – nós vamos criar um problema na América do Sul que nunca houve”.
Amorim finaliza lembrando a busca que norteou e ainda norteia sua trajetória nos inúmeros diálogos que mantém mundo afora. “Manter a paz não ocorre automaticamente, exige ação no sentido cooperativo. E a paz é essencial. É feito liberdade, igual ao ar, você só nota que ela é importante quando ela falta.”

Se ouvir falar em capitalização, fuja!

https://www.youtube.com/watch?v=J6H7Xn7VOlo&feature=em-uploademail

PAULO GUEDES TEM FAMA DE BRIGUENTO E EXPERIÊNCIA ZERO EM GESTÃO

Acampamento Marisa Letícia é desmontado

Acampamento Marisa Letícia é desmontado

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Os manifestantes que estavam acampados em um terreno em Curitiba desde o dia 7 de abril, quando foi preso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), desarmaram o acampamento Marisa Letícia, criado para protestar contra a prisão do petista. Segundo a organização, corte de gastos, redução no número de apoiadores e ameaças motivaram.
“Por medida de segurança, uma vez que já sofremos sete atentados e responderemos a quatro processos judiciais, ainda hoje sofremos diversas ameaças, e por cortes de gastos e por número reduzido de pessoas, o acampamento opta em transformar a luta do espaço físico fixo para uma luta itinerante e virtual”, diz comunicado do movimento.
O acampamento, que ficava a um quilômetro da sede da PF, foi desmontado pelo movimento no dia 1º de novembro e deve virar um projeto itinerante.
Já a Vigília Lula Livre, que ocupa um terreno alugado em frente à sede da Polícia Federal em Curitiba, manterá as atividades. Os militantes do movimento dizem que a vigília reafirma ” nosso direito à manifestação e livre expressão”.
“A vigília é o espaço que agrega organizações, militantes, apoiadores e simpatizantes da democracia, instalados em diferentes espaços de acolhimentos na região. Afirmamos, então, sobre o fechamento do acampamento Marisa Letícia, que trata-se de um espaço que, desde o início, teve autonomia e coordenação própria. As nossas atividades da Vigília Lula Livre seguem normalmente”, diz nota do movimento.
Nesta quinta (8), ao lado do deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), o coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos (PSOL), visitou Lula na sede da PF em Curitiba, onde o petista está preso desde abril.
Boulos disse que Lula está “bem” e “firme”, mas que está preocupado com o destino do país e com o “risco” aos direitos sociais. O coordenador do MTST afirmou ainda que o ex-presidente passou o recado de que as pessoas “não se deixem levar por esse momento sombrio” e continuem “na luta”.
Do UOL

Blogueiro é condenado a pagar R$ 120 mil por ofensas a Caetano Veloso

09 DE NOVEMBRO DE 2018, 17H44

Blogueiro é condenado a pagar R$ 120 mil por ofensas a Caetano Veloso

Flavio Morgenstern foi condenado a indenizar Caetano Veloso em R$ 120 mil, pela criação da hashtag #CaetanoPedofilo
Caetano Veloso. Foto: Divulgação
A coluna de Lauro Jardim informa que o blogueiro Flavio Morgenstern, cujo nome verdadeiro é Flávio Azambuja, foi condenado pela 14ª Vara Cível da Justiça do Rio de Janeiro a indenizar Caetano Veloso em R$ 120 mil, pela criação da hashtag #CaetanoPedofilo, que viralizou.
A juíza Flavia Gonçalves Morais Alves afirma na sentença que o réu “instigou que seus seguidores viralizassem a hashtag #Caetanopedófilo e estes, estimulados com a convocação aberta para hostilizar e ofender o autor, responderam imediatamente, espalhando uma onda de ódio e ofensas contra o artista”.
De acordo com a juíza, as postagens tiveram o único objetivo de atacar Caetano, ultrapassando a liberdade de expressão.
Em agosto o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que o Twitter pagasse R$ 380 mil a Caetano Veloso.
O pivô da ação foram posts onde o deputado Marco Feliciano chama Caetano de “pedófilo”. Em março, foi decidido que eles deveriam ser retirados do ar pela rede social.
Como o Twitter não os retirou, a defesa do cantor entrou com uma ação no TJ-SP pedindo a punição e a juíza Thania Cardin, da 28ª Vara Cível do Tribunal, multou a rede.

NOTÍCIAS INTERNACIONAIS SOBRE O BRASIL


2 - NOTÍCIAS INTERNACIONAIS SOBRE O BRASIL 

RFI, França
“Tempo sombrio vai ser longo no Brasil”, diz escritor Milton Hatoum, que recebe prêmio Roger Caillois na França. Milton Hatoum se tornou nesta quinta-feira (8) o terceiro escritor brasileiro a ser contemplado com o prêmio Roger Caillois pelo conjunto de sua obra.  A entrega do prêmio acontecerá no dia 13 de dezembro, na Maison de L’Amérique Latine, em Paris. Milton Hatoum, que estará presente, disse que “é um bom momento para sair um pouco do Brasil”.

http://m.br.rfi.fr/franca/20181108-tempo-sombrio-vai-ser-longo-no-brasil-diz-escritor-milton-hatoum-que-recebe-premio-r

RFI, França
“Não coloco os pés enquanto ele estiver no poder”: turistas desistem de ir ao Brasil após eleição de Bolsonaro. A RFI entrevistou estrangeiros que já conhecem ou que tinham interesse de visitar o Brasil pela primeira vez mas que, diante do atual cenário, desistiram de fazer uma viagem ao país.

http://m.br.rfi.fr/franca/20181108-nao-coloco-pes-enquanto-estiver-poder-turistas-desistem-brasil-apos-bolsonaro 

THE GUARDIAN, Inglaterra
Empresas petrolíferas com ligações com o Reino Unido nomeadas no escândalo de corrupção Lava Jato. Vito, Glencore e Trafigura estão em relatório do grupo Global Witness que levantou questões sobre suas conexões com empresários citados no vasto escândalo de corrupção.

https://www.theguardian.com/world/2018/nov/08/oil-trading-firms-linked-to-brazils-car-wash-corruption-scandal

PÁGINA 12, Argentina
A sucessora, alinhada a Moro. Juiza Hardt vai interrogar Lula. O ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, será interrogado em 14 de novembro em relação a outro caso na investigação Lava Jato, no qual ele é acusado de suposta corrupção e lavagem de dinheiro. 
https://www.pagina12.com.ar/154175-la-sucesora-en-linea-con-moro

EL PAÍS, Espanha
Temer convida Bolsonaro para a cúpula do G20 na Argentina. O encontro, no final do mês em Buenos Aires, pode ser o palco do primeiro encontro entre o ultra brasileiro e Trump.

https://elpais.com/internacional/2018/11/07/actualidad/1541615367_355666.html

RFI, França
Líder palestina diz que transferir embaixada brasileira para Jerusalém seria "irresponsável" e teria "sérias consequências". Integrante do comitê executivo da Organização para Libertação da Palestina (OLP) e do Conselho Legislativo Palestino, Hanan Ashrawi considera a decisão de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém uma bravata de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro. Líder do departamento de Cultura e Informação da OLP, a ex-deputada palestina espera que a medida não se transforme em realidade. “Não seria bom testar as consequências”, afirma na entrevista exclusiva à RFI Brasil.

http://m.br.rfi.fr/brasil/20181109-para-lider-palestina-transferir-embaixada-brasileira-para-jerusalem-seria-irresponsa

PÚBLICO, Portugal
Bolsonaro escolhe "musa do veneno" para ministra da Agricultura. A deputada Tereza Cristina lidera a “bancada do boi” e o seu papel na aprovação de uma lei que torna mais rápida a regularização de pesticidas valeu-lhe uma alcunha pouco simpática.

https://www.publico.pt/2018/11/08/mundo/noticia/bolsonaro-escolhe-principal-apoiante-liberalizacao-pesticidas-ministra-agricultura-1850376

LIBÉRATION, França
A eleição de Bolsonaro para crianças (interativo): Domingo, 28 de outubro, os brasileiros escolheram um novo presidente. Seu nome é Jair Bolsonaro. Muitos cidadãos se alegraram com a vitória eleitoral, mas uma parte da população está preocupada. Jair Bolsonaro costuma dizer coisas chocantes e dá a impressão de que ele governará o Brasil de maneira dura. Esta eleição foi excepcional porque realmente dividiu os habitantes. Vamos chegar no horário do Brasil e vamos ver o que está acontecendo no país! 

https://ptitlibe.liberation.fr/election-bolsonaro,101004



Fonte: Carta Maior

Neoliberalismo, distopias e Bolsonaro

Economia Política

Neoliberalismo, distopias e Bolsonaro

Lógicas neoliberais. Despolitização e valores individualistas. Perseguição judicial e erros do PT. Combinados, estes ingredientes produziram a tempestade perfeita e o desastre

 
09/11/2018 10:19
(Arte: Alex Andreev)
Créditos da foto: (Arte: Alex Andreev)
 
A eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da república do Brasil deixa o mundo estarrecido. Seu estilo autoritário e agressivo, sua apologia à tortura, suas continuadas ofensas a determinados grupos ao longo de seus quase 30 anos de vida parlamentar (mulheres, negros, LGBTQs) e seu desprezo aos princípios democráticos são tão impressionantes que mesmo para um nome de destaque mundial da extrema-direita, como a francesa Marie Le Pen, ele causa repulsa: “suas declarações são inaceitáveis”, ela diz. Não por acaso, só Trump parece relevar tudo isso e louva, pelo Twitter, a conversa alvissareira que teve, em 30 de outubro, com o presidente eleito.

Considerando que o Brasil não é um país pequeno e sem importância no cenário mundial, bem ao contrário, e considerando, portanto, que essa eleição significa o voto de mais de 57 milhões de pessoas em alguém como Bolsonaro (ainda que esse contingente represente apenas 39,2% dos eleitores do país), cabe uma reflexão profunda e que mobilize todo o arsenal teórico à disposição para que se possa identificar as causas desse terremoto anticivilizatório. Evidentemente não é possível fazê-la no curto espaço de um artigo e, com certeza, independentemente do que possa vir a acontecer a partir de agora, esse resultado será discutido e estudado, analisado e dissecado por décadas a fio. É possível, contudo, antecipar alguns elementos, que podem jogar alguma luz em episódio tão sombrio.

Um fenômeno dessa magnitude nunca é isolado, de modo que não pode ser explicado mobilizando-se apenas variáveis relativas às questões sociais e políticas internas ao país. Além disso, o mundo é hoje cada vez mais integrado, seja por conta da forma que foi tomando o processo de acumulação de capital desde o início dos anos 1980, num sistema econômico que é hoje (depois da transformação capitalista da China) verdadeiramente mundial, seja pelo estupendo desenvolvimento das assim chamadas tecnologias de informação e comunicação (elemento, por sinal, de extrema importância no resultado das eleições brasileiras). Nosso primeiro olhar vai, portanto, para o cenário externo.

Depois de mais de três décadas de ascensão e difusão da cartilha e das políticas neoliberais mundo afora (como se sabe, mesmo países europeus geridos por longos períodos por partidos social democratas acabaram por sucumbir a essas políticas – e o Brasil comandado pelo Partido dos Trabalhadores tampouco foi diferente), o neoliberalismo parece ter chegado num ponto de saturação e sem ter entregue aquilo que prometera. No início dos anos 1980, as teorias da “repressão financeira” alegavam que a estrutura institucional herdada do pós-segunda guerra mundial – com seus controles, regras, tributos e quarentenas – era deletéria para o desenvolvimento, e que a liberalização financeira, ao tornar mais eficiente a alocação de capitais no globo, traria melhores tempos para todos os países, potenciando o crescimento. O mesmo se dizia da generalização da abertura comercial, pois que a economia mundial viria a ser então uma harmônica aldeia global, em que todos os países, beneficiados por suas vantagens comparativas mútuas, sairiam ganhando materialmente.

Mas o resultado dessas políticas, três décadas depois, foi o aumento da desigualdade (inclusive entre os países), o crescimento muito lento e o surgimento de um desemprego que tem características estruturais. Tudo isso piorou substantivamente com o advento da crise financeira internacional de 2008-09, que não só tornou ainda mais indigestos os resultados desse modelo, como, ao longo da última década e graças aos meios segundo os quais se tentou equacionar os problemas, aprofundou as contradições que estão em sua base. O voto antissistema é uma consequência imediata dessa situação. É por aí que devem ser explicados, a meu ver, a eleição de Trump nos Estados Unidos, o Brexit britânico e a ascensão de partidos e políticos de extrema direita em todo o planeta (Hungria, Polônia, Itália, Filipinas, Turquia, Bulgária, e agora, infelizmente, também o Brasil – que já estava nesse caminho, deve-se notar, desde o injustificável impeachment da presidenta Dilma em 2016 e o início do governo Temer). O cenário é distópico.

Cabe no entanto perguntar: por que o sentimento antissistema vem resultando majoritariamente numa aposta que parece antes contribuir para o aprofundamento do modelo que é o responsável pela geração dessa situação ruim e desguarnecida de perspectivas, do que no sentido contrário? É verdade que o voto antissistema também flui para esse último lado: Bernie Sanders quase se tornou candidato nas últimas eleições presidenciais americanas, Obrador venceu no México, temos a primavera socializante e alvissareira de Portugal e a surpreendente vitória de Jeremy Corbin no tradicional e ainda poderosíssimo Labour Party inglês. O predomínio, contudo, parece estar no primeiro movimento. Por que?

A resposta a essa pergunta passa por caminhos que vão além das variáveis e análises puramente econômicas e/ou políticas. É preciso aqui mobilizar os filosófos, os pesquisadores de costumes, os antropólogos urbanos, os sociólogos. Lendo Pierre Dardot e Christian Lavall, Nancy Fraser, Dany-Robert Dufour, Wolfgang Streeck, Naomy Klein, André Gorz dentre outros, vai sendo possível perceber que, na quadra histórica que se inicia ao final dos anos 1970, não foram apenas as máximas e as políticas neoliberais que ganharam proeminência: a vitória ideológica foi também retumbante.

A insistente pregação neoliberal, quase nunca desacompanhada do mote there is no alternative, foi transformando corações e mentes e instituindo, no ideário de boa parte da população, sobretudo daqueles mais negativamente afetados pela ascensão das políticas neoliberais, os valores da concorrência, do cada um por si, do self made man, do mérito próprio, do empresário de si mesmo, do cidadão como “cliente” do Estado. A cooperação, a solidariedade, a importância do coletivo, do comum, da comunidade, foram atirados nos desvãos da história junto com o muro de Berlim e os “velhos” e empoeirados expedientes do Estado-Nação, da sociedade de classes, das políticas universais, dos controles sociais/estatais impostos à sanha acumulativa. Como lembra Nancy Fraser, mesmo as chamadas pautas identitárias (mulheres, LGBTQs, minorias raciais) foram inteiramente capturadas pelo espírito the winner takes all. Não é de espantar que a reação às mazelas do mundo neoliberal, aprofundadas pela crise de 2008-2009, se virem “contra” o sistema na direção errada e acabem por fortalecê-lo, arrastando para os mesmos desvãos da história a própria democracia.

No caso da vitória de Bolsonaro somaram-se a esse espírito de época decorrente das quase quatro décadas de neoliberalismo, alguns elementos domésticos não menos importantes para o resultado funesto produzido em 28 de outubro. Entre 2003 e meados de 2016 (até o impeachment de Dilma Roussef) o Brasil foi governado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Sob esses governos, a economia brasileira, apesar de continuar submetida, em boa parte do tempo, a uma política econômica de corte neoliberal, que beneficiava continuamente a riqueza financeira, floresceu e conseguiu resultados positivos impulsionados pela boa fase da economia mundial pré-crise e pelo efeito multiplicador dos massivos programas de renda compensatória (Bolsa Família), associados à substantiva elevação do valor real do salário mínimo. Contra o sentido neoliberal, esses governos também brecaram as privatizações e, a partir de 2006, deram forte impulso aos investimentos públicos. No mesmo sentido, a política externa “ativa e altiva” do país ao longo desse período recusou a ALCA, fortaleceu os BRICS e o Mercosul e retirou o país do costumeiro alinhamento direto com os interesses dos países centrais, EUA em destaque.

Apesar do sucesso em termos de crescimento, nível de emprego e redução da desigualdade, sem que os interesses dos muito ricos tivessem sido afetados, as elites do país, de feição ainda extremamente senhorial, nunca aceitaram o PT e sua maior liderança, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O sentimento de “perda” de poder se instalou e, no caso das classes médias altas, esse sentimento foi magnificado por conta das políticas públicas dos governos do PT, que colocaram os mais pobres em espaços antes exclusivos das elites: os aeroportos, as universidades, os shoppings mais chiques.

Assim, desde pelo menos 2005, iniciou-se, com a inestimável colaboração da grande mídia, uma implacável campanha de difamação e demonização do Partido dos Trabalhadores e de suas principais lideranças. Sempre ao abrigo da justa demanda social pelo combate à corrupção, o sistema judiciário do país, com o beneplácito das elites econômicas e dos partidos mais à direita, foi empreendendo uma “operação de limpeza” seletiva, que passou a “julgar” e punir apenas os políticos e partidos de esquerda, sobretudo do PT, enquanto os demais políticos e partidos continuavam a ser tratados com a habitual camaradagem. É nesse sentido que se deve entender a ação penal 470 (no processo conhecido como “mensalão”), o infundado impeachment da presidenta Dilma, a operação Lava-Jato, a juridicamente insustentável prisão de Lula no bojo da citada operação, e seu impedimento de concorrer às eleições – sendo o candidato de longe favorito e aparecendo com quase o dobro das intenções de voto de Bolsonaro no início do processo eleitoral (e isto mesmo com a determinação, duas vezes enviada ao governo brasileiro pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, de que se garantisse a Lula o exercício de todos os seus direitos políticos).

No corpo a corpo com os eleitores que as forças democráticas do país empreenderam nas últimas semanas do segundo turno para tentar virar as intenções de voto em Bolsonaro, um dos argumentos que mais se ouvia era que o PT era sim o partido mais corrupto do país, porque afinal a maior parte dos políticos condenados era ou havia sido ligada ao partido. Mesmo argumentando que o PT, por qualquer critério que se escolha (políticos cassados, processados etc.) está sempre em 9º ou 10º lugar, aparecendo na frente dele a maior parte dos partidos de direita e aqueles que estão hoje no comando do país, sob o governo Temer, os eleitores continuavam desconfiados, preferindo continuar a crer na imagem do partido em que foram sendo doutrinados a acreditar por mais de uma década.

A crise econômica internacional, que atinge o Brasil a partir de 2011, ajudou a engrossar as críticas ao PT e a seus governos. Os movimentos de maio de 2013, iniciados por uma juventude de esquerda horizontalista e apartidária, tendo como foco reivindicações ligadas ao transporte público, foram rapidamente capturados pela direita, com o auxílio sempre determinante da grande mídia. A quarta vitória consecutiva do PT nas eleições presidenciais de 2014, que ainda assim acontece, detonou a operação conjugada do judiciário, grande mídia, empresariado e partidos de direita para usurpar o poder delegado a Dilma Rousseff pelo voto de mais de 54 milhões de brasileiros e pôr em marcha uma agenda fortemente neoliberal, que havia sido rechaçada nas urnas (privatizações, entrega do patrimônio natural do país, cortes nos direitos dos trabalhadores).

Os interesses do grande capital internacional, com destaque para o petróleo das camadas do pré-sal, também tiveram papel determinante. É hoje de conhecimento público o fato de magistrados brasileiros como Sérgio Moro, o todo poderoso juiz de primeira instância, comandante da operação Lava Jato, que quase destruiu a Petrobrás e a respeitada indústria de construção pesada do país, terem sido treinados nos Estados Unidos e apetrechados com os instrumentos e as ferramentas da chamada lawfare. Tampouco é por acaso que uma das primeiras medidas do governo de Temer foi a alteração de algumas regras do regime de exploração do pré-sal, buscando dar maior espaço para as grandes petroleiras mundiais.

Finalmente não se pode deixar de mencionar a relação despolitizada da população beneficiada pelas políticas implantadas pelos governos do PT com essas mesmas políticas e programas, por culpa, é preciso que se diga, do próprio partido. Combinada com a irrefreável ascensão das igrejas pentecostais e sua teologia da prosperidade (não estranha, muito ao contrário, ao referido ideário do neoliberalismo), essa despolitização foi decisiva para a aceitação totalmente acrítica do tsunami de fake news advindo da campanha de Bolsonaro contra o candidato do PT no segundo turno, Fernando Haddad – que ele incentivaria o incesto, que teria estuprado uma menina de 11 anos, para mencionar apenas duas das incontáveis mentiras sobre ele que foram sendo persistentemente propagadas por milhares de robôs, cujos links apresentavam como local de origem os EUA.

A dez dias da realização do segundo turno, a divulgação pela imprensa do financiamento desse ataque digital nas fechadas redes de whatsapp por dinheiro de caixa 2 proveniente de empresas, o que é proibido pela atual legislação brasileira e considerado crime eleitoral, deu alguma esperança de que o fascismo da campanha de Bolsonaro seria afinal derrotado, mas esse desfecho feliz não aconteceu. O juiz Sergio Moro, que disse que a corrupção destinada a caixa 2 de campanha eleitoral é ainda mais perniciosa do que a corrupção destinada ao enriquecimento pessoal porque constitui um ataque direto à democracia, acaba de aceitar o convite de Bolsonaro para ser o seu ministro da justiça. Não é preciso dizer mais.

*Publicado originalmente no Outras Palavras