terça-feira, 12 de abril de 2016

Discurso da Presidenta Dilma Rousseff



Vivemos momentos decisivos para a democracia brasileira. Os próximos dias vão mostrar, com clareza, quem honra e respeita a democracia conquistada com grandes lutas, e quem não se importa em destruir o regime democrático por meio da ilegítima destituição de uma presidenta eleita com 54 milhões de votos pelo povo brasileiro.
Por isso, muito me alegra estar hoje com vocês para, juntos, tomarmos posição clara em defesa da democracia, da legalidade e do Estado Democrático de Direito.
 Estamos aqui para denunciar um golpe. Estamos juntos, aqui, para barrar, com nossa posição enérgica, uma tentativa de golpe contra a República, contra a democracia e contra o voto popular.
Uma tentativa de golpe contra as universidades públicas, contra a educação pública gratuita.
Vou repetir o que disse aqui mesmo, em momentos anteriores: o golpe não é contra mim, embora tentem construí-lo por meio do impeachment.
O golpe é contra o projeto de Brasil que represento.
É contra tudo aquilo que, nos últimos 13 anos, temos feito com apoio do povo e com o trabalho incansável dos movimentos sociais e de brasileiras e brasileiros como vocês.
O golpe é contra as conquistas da população e contra o protagonismo assumido pelo povo brasileiro nestes 13 anos. Protagonismo exercido no acesso à renda e a empregos, na inclusão social e na redução das desigualdades e, sem dúvida, na democratização do acesso à educação.
Vocês sabem, por viverem isto em seu cotidiano, que a educação é transformadora. Educação para todos – mulheres e homens, negros e brancos, pobres e ricos, cidadãos de todas as regiões. Educação que é parte intrínseca da construção de uma nação democrática.
O efetivo direito à educação transforma as pessoas, reorganiza a sociedade, muda o País. Para alguns, isto é ameaçador. Para nós, é a necessária semente de um Brasil de oportunidades para todos.
Por isso, nos últimos 13 anos, demos prioridade aos investimentos em educação. Lembro alguns resultados dessa escolha, até porque nunca os vemos na imprensa.
Criamos 18 universidades e 173 campus universitários. Implantamos 422 novas escolas técnicas federais.
 Contratamos 49 mil professores, por concurso, para fazer frente à expansão e interiorização dessa rede federal,
Quatro milhões de jovens entraram nas universidades privadas graças ao ProUni e ao FIES. Com o Pronatec, 9 milhões e 500 mil jovens e trabalhadores fizeram cursos de formação profissional – e serão mais 2 milhões este ano.
Aprovamos o FUNDEB e o Plano Nacional de Educação. Apoiamos Estados e municípios na expansão da rede de creches e pré-escolas, na garantia de transporte escolar e na implantação do ensino em tempo integral.
Estes são alguns exemplos de nossos investimentos em educação, que cito para mostrar que estamos dando consistência ao conceito de Pátria Educadora.
Pátria Educadora é educação para todos. É acesso democrático à educação. Não só nas capitais, não só nos estados mais ricos, não só para os que têm mais renda.
Pátria Educadora é dar à universidade e à escola brasileira a cara e as cores do nosso povo. Pela primeira vez em nossa história, jovens pobres estão entrando nas universidades públicas e nas particulares, e estão ganhando bolsas no exterior – e é bom que se diga que estão aproveitando bem este direito. As crianças e os jovens de famílias beneficiárias do Bolsa Família estão estudando mais e com desempenho escolar cada vez melhor.
Hoje, 35% daqueles que concluem os cursos universitários são os primeiros em suas famílias a chegar a um curso superior e se formar.
Repito: para nós, educação é uma maneira de transformar vidas, promover igualdade de oportunidades, aumentar salários e renda e ampliar a competitividade da economia. Fizemos muito, e também no caso da educação vale nosso lema: é só um começo. Há ainda muito a fazer, e a continuação desse projeto depende do respeito à soberania do povo e à democracia.
Minhas amigas e meus amigos,
Vivemos tempos estranhos e preocupantes. Tempos de golpe, de farsa e de traição.
 Ontem, utilizaram a farsa do vazamento para difundir a ordem unida da conspiração.
Agora, conspiram abertamente, à luz do dia, para desestabilizar uma presidenta legitimamente eleita. Acusam-me de usar expedientes escusos para recompor a base de apoio do governo, me julgando pelo seu espelho, pois são eles que usam tais métodos. Caluniam enquanto leiloam posições no gabinete do golpe,no governo dos sem voto.
Ontem, ficou claro que existem, sim, dois chefes do golpe, que agem em conjunto e de forma premeditada.
 Como muitos brasileiros, tomei conhecimento – e confesso que fiquei chocada – com a desfaçatez da farsa do vazamento, que foideliberado, premeditado. Vazando para eles mesmos, tentaram disfarçar o que era um anúncio de posse antecipada,subestimando a inteligência dos brasileiros.
Até nisso são golpistas, sem ética e sem respeito pela democracia porque estou no pleno exercício de minha função de Presidenta da República.
Vejam só, antes sequer da votação do inconsistente pedido de impeachment, foi distribuído um pronunciamento em que um dos chefes da conspiração assume a condição de Presidente da República. De que base legal retirou a legitimidade e a legalidade de seu gesto? Na verdade, explicitou, com esta atitude, o desapreço que tem pelo Estado Democrático de Direito e por nossa Constituição. Atropelou os ritos em curso no Congresso Nacional, em clara demonstração de desrespeito pelo Legislativo.
O gesto que revela a traição a mim e à democracia ainda explicita que esse chefe conspirador também não têmcompromissos com o povo.
É capaz de anunciar que está pensando em manter as conquistas sociais dos últimos anos. Pensando! E avisa que será obrigado a impor sacrifícios à população.
Pergunto eu com que legitimidade?
É uma atitude de arrogância e desprezo pelo povo – do qual certamente tentará retirar direitos que, sem o golpe, seriam inalienáveis.
Se ainda havia alguma dúvida sobre a traição em curso, não há mais. Se havia alguma dúvida sobre a minha denúncia de que há um golpe de estado em andamento, não pode haver mais.
Os golpistastêm chefe e vice chefe assumidos. Um é a mão, não tão invisível assim, que conduz com desvio de poder e abusos inimagináveis o processo de impeachment. O outro, esfrega as mãos e ensaia a farsa do vazamento de um pretenso discurso de posse.
Cai a máscara dos conspiradores. O Brasil e a democracia nãomerecem tamanha farsa.
O fato é que os golpistas que se arrogam a condição de chefe e vice chefe do gabinete do golpe  estão tentando montar uma fraude para interromper, no Congresso, o mandato que me foi conferido pelos brasileiros.
Na verdade, trata-se da maior fraude jurídica e política de nossa história. Sem ela, o impeachment sequer seria votado.
O relatório da Comissão do Impeachment é o instrumento dessa fraude. O relatório é tão frágil, tão sem fundamento, que chega a confessar que não há indícios ou provas suficientes das irregularidades que tentam me atribuir.
Pretendem derrubar, sem provas e sem justificativa jurídica, uma Presidenta eleita por mais de 54 milhões de eleitores.
Pretendem rasgar os votos de milhões de eleitores, não apenas dos que votaram em mim, mas de todos os que, ao participar da eleição, respeitaram a democracia representativa.
O impeachment sem crime de responsabilidade e sem provas, cometido contra uma presidenta legítimamente eleita na jovem democracia brasileira, abrirá caminho para governos sem voto, formados à revelia da manifestação do eleitor.
O impeachment sem crime será um golpe de estado no exato e lamentável sentido da expressão.
A quem interessa usurpar do povo brasileiro o sagrado direito de escolher quem o governa?
Como acreditar num pacto de salvação ou de unidade nacional, sem sequer uma gota de legitimidade democratica?
 Como acreditar que haverá sustentação para tal aventura?
Com farsas, fraudes e sem legitimidade ninguém pacifica, ninguém concilia, ninguém constrói unidade para superação de crises. Só as agrava e aprofunda.
Amigas e amigos,
Agradeço muito a solidariedade de vocês. Agradeço ainda mais o apoio à democracia e à legalidade. Peço que vocês, que todos nós e o povo brasileiro estejamos atentos e vigilantes nos próximos dias.
Os golpistas tentarão de tudo. Tentarão nos intimidar. Tentarão nos tirar das ruas. Usarão todos os artifícios possíveis.
Novos vazamentos ilegais e facciosos podem acontecer. Novas acusações sem provas serão feitas e amplificadas por manchetes escandalosas. Sofrerei novas calúnias e novos ataques desesperados.
Fiquem atentos. Mantenham-se unidos. Não aceitem provocações. Não se deixem enganar por manobras mentirosas de última hora. Atuem com calma e em paz.
A verdade haverá de prevalecer. O impeachment não vai passar. O golpe será derrotado.
Em defesa da democracia, milhões de brasileiras e brasileiros estão se mobilizando por todo o País, movidos por uma multiplicidade extraordinária de sons e lideranças.
Como cantou Beth Carvalho, no ato dos artistas, no RJ, afirmando que “#não vai ter golpe de novo#
“Sem dividir o coração, vamos honrar nossa raiz
Democracia é o que a gente sempre quis”
Muito obrigado pela presença de todos.
Viva a democracia.
Viva o Brasil que faz da educação o caminho para a igualdade entre os cidadãos.

'Vemos situações típicas de um Estado de exceção' no Brasil, diz presidente da Corte IDH



'Vemos situações típicas de um Estado de exceção' no Brasil, diz presidente da Corte IDH

Roberto Caldas, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, critica métodos da Operação Lava Jato e alerta para 'ameaças à estabilidade institucional' no país
Atualizada às 17h46
Para Roberto Caldas, juiz brasileiro e presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), no Brasil hoje há “situações típicas de um Estado de exceção”, com “situações anormais aceitas como naturais por parte da população”.
Em entrevista publicada nesta segunda-feira (11/04) pelo jornal argentino Pagina/12, Caldas foi instado a comentar o processo de impeachment por que passa a presidente brasileira, Dilma Rousseff, e os métodos da Operação Lava Jato, que investiga esquemas de corrupção e pagamento de propinas a políticos brasileiros por parte de empreiteiras que prestam serviços para empresas estatais.
O jurista diz ver “com preocupação o avanço de elementos próprios de um Estado de exceção no Brasil”. “Recordemos que já tivemos a experiência de golpes na Venezuela em 2002 e em Honduras em 2009 e esperamos que isso não aconteça novamente em nosso continente”. Segundo ele, nos dois casos a Corte IDH considerou que houve um golpe de Estado.
IDH / Arquivo

O jurista Roberto Caldas, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos

“Não podemos olhar para o lado quando surgem ameaças à estabilidade institucional através de situações anômalas que podem terminar com a legalidade. Hoje não se põe fim à democracia com a intervenção de forças armadas, agora isso acontece por meio de outros mecanismos. A situação do Brasil preocupa muitos povos latino-americanos”, afirmou.
 “O mais grave, no entanto, é que haja uma parte da sociedade que defende a quebra dos princípios elementares, que apoia a violação de garantias fundamentais e da privacidade de pessoas que sequer estão sendo processadas”, disse o presidente da Corte IDH.
Questionado se a afirmação se tratava de uma referência à gravação e à divulgação do áudio de chamadas telefônicas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive de conversas entre o ex-presidente e a presidente Dilma, Caldas diz não querer “mencionar diretamente nenhum caso”, mas se referir a “situações anormais, perigosas para o Estado de Direito”.
Segundo o jurista, o Brasil conta com uma lei “que permite a gravação telefônica e seu uso como meio de provas em um processo penal”, mas a divulgação das gravações não está prevista na lei, “que só permite que se transcreva o que foi dito, mas jamais se pode divulgar o áudio da gravação”.

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“O vazamento à imprensa de um processo que está sob segredo judicial é uma violação séria e se isto se repete com frequência configura uma excepcionalidade ao regime constitucional”, afirmou. De acordo com o presidente da Corte IDH, a divulgação na imprensa de um processo que transcorre em segredo judicial é vetada “em primeiro lugar para não violar a autoridade do Poder Judicial, em segundo para não afetar a marcha da investigação e por último para não afetar a imparcialidade dos magistrados que julgam a causa através da pressão da opinião pública”.
“Para nós a função da imprensa é fundamental”, disse o jurista, sustentando que “a liberdade de expressão é um pilar fundamental do Estado Democrático de Direito”. No entanto, “a liberdade de expressão não é absoluta e não pode se antepor a direitos humanos fundamentais e à garantia de um processo justo. A divulgação indiscriminada de gravações não pode violar a dignidade e a privacidade dos cidadãos”, concluiu Caldas.
O juiz brasileiro Roberto Caldas tomou posse em meados de fevereiro na presidência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Eleito para o cargo em novembro de 2015, o jurista sergipano, de 53 anos – 30 dos quais de prática profissional – já respondia pela entidade desde o primeiro dia do ano, mas sua posse formal foi agendada para coincidir com a inauguração do ano judicial interamericano e o período ordinário de sessões de julgamento.
Entre as principais atribuições da Corte IDH está zelar pela correta aplicação e interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos por todos os países que ratificaram o tratado, de 1969.


Fonte: Opera Mundi

Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o momento brasileiro


05/04/2016 - 19h30

Presidente da Corte Interamericana diz que 'povos olham com medo' para o Brasil


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O presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto Caldas, sugeriu em fala nesta terça-feira, 5, que a divulgação de áudios obtidos no curso de investigações é uma "fuga" ao processo legal e não pode ser admitido. O magistrado não fez referência direta aos grampos divulgados pelo juiz Sérgio Moro, mas usou caso semelhante com condenação por parte da Corte para fazer as críticas. Caldas também saiu em defesa da "pacificação" do Brasil, em meio ao processo de impeachment, e revelou preocupação com o "efeito dominó" em outros países da América Latina em caso de afastamento da presidente Dilma Rousseff.
"Está na carta democrática americana dispositivo que fala da democracia representativa. O seu afastamento há de ser feito, claro, dentro da legalidade e da estrita letra da lei. Não se pode conceber, e esta é uma preocupação, creiam, de todos os povos. Os povos estão olhando para o Brasil, com toda a atenção, alguns com medo. Porque o estado de direito há de imperar para todos os cidadãos e para todas as autoridades", afirmou Caldas, ao deixar evento na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) no qual foi liberado acesso à jurisprudência da Corte Interamericana em português por meio do site do Conselho Nacional de Justiça.
Após citar "golpes de Estado" na Venezuela e em Honduras, disse que "no mundo inteiro se tem percebido uma linha de confronto". "Os povos latino-americanos especialmente estão com receio de que uma sequência se iniciou. Dois casos já chegaram à Corte Interamericana, de períodos de exceção, períodos autoritários. Que foi em 2002, um golpe de Estado na Venezuela, e em 2009, um golpe de Estado em Honduras. E isso começa com exceções", afirmou. "Não são mais Forças Armadas, nesse Continente, nesse século, que realizam golpes de Estado. É por dentro das instituições e por isso há preocupação", destacou.
Ao ressaltar preocupação com as "exceções à lei", mencionou a ilegalidade condenada em 2009 pela Corte na divulgação de grampos telefônicos. "No caso de escuta telefônica, o Brasil tem um caso similar com o que vem ocorrendo periodicamente, em dias seguidos, por obra e graça não se sabe de quê, são violados elementos da investigação Isso não é cabível em um estado democrático de direito", disse ele, em referência à condenação da Corte em 2009.
Na ocasião, o órgão analisou o caso de uma juíza do Paraná que autorizou grampos em linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligados ao movimento sem terra de forma considerada ilegal e, posteriormente, a Secretaria de Segurança do Estado divulgou à imprensa trechos das gravações. De acordo com Caldas, é um caso de "fuga" do devido processo legal.
Questionado se a fala era um recado aos investigadores da Lava Jato, negou. "Eu diria que não é um recado, é um pronunciamento trazendo uma preocupação que me chega todos os dias porque de fato dizem: se acontece com o Brasil, quem será o próximo?".
"O fato é que este caso era uma investigação no Estado do Paraná, na Justiça estadual, em que por requerimento policial, uma juíza determinou o monitoramento sem ater aos prazos legais. A corte viu nisso uma violação à comissão americana e potencializada pelo fato de que contra a lei (a juíza) determinou a divulgação das respectivas escutas por voz - o que a lei não prevê", afirmou Caldas.
Segundo ele, a lei prevê que a divulgação de grampos deve ser feita por transcrição dos áudios, sem acesso à voz das pessoas. Além disso, segundo Caldas, gravações que não são de interesse da investigação deveriam ter os áudios destruídos. O presidente da Corte Interamericana destacou que as decisões do órgão são de aplicação imediata como precedente a ser seguido.
"Esse é um caso muito importante de ser revisitado porque a comunidade internacional, de fato, quer ver o devido processo legal e o estado de direito realmente aplicado, sem exceção, no Brasil", afirmou o juiz. Ele destacou a possibilidade de anular material de investigação tornado público de forma ilegal. "Em alguns países, quando se divulga elementos da investigação, esses elementos se tornam nulos. Veja que grave isso pode ser. Nulos. Por quê? Porque ao levar ao escrutínio público, antecipa a majestade do julgamento do juiz natural e originário da causa", disse.

OS CONTINUADORES DA CASA GRANDE ESTÃO VOLTANDO



OS CONTINUADORES DA CASA GRANDE ESTÃO VOLTANDO

Leonardo Boff*

Toda crise desbasta as gangas e traz à luz o que elas escondiam, pois sempre eram atuantes nas bases denossa sociedade. Aí estão as raízes últimas de nossa crise política, nunca superada historicamente; por isso, de tempos em tempos, afloram com virulência: o desprezo e a humilhação dos pobres. É o outro lado da cordialidade brasileira, como bem o explicou Sérgio Buarque de Holanda. Do coração nascem nossa bem-querença e informalidade, mas também nossos ódios. Talvez, melhor diríamos: o brasileiro, mais que cordial,é um ser sentimental. Rege-se por sentimentos contraditórios e radicais.

Há que se reconhecer: vigora ódio e profundas dilacerações em nosso país. Precisamos qualificar este ódio. Ele é ódio contra os filhos e filhas da pobreza, daqueles que vieram dos fundos da senzala ou das imensas periferias. Basta ler os historiadores que tentaram ler nossa história a partir das vítimas, como o acadêmico José Honório Rodrigues ou o mulato Capistrano de Abreu, ou então o atual diretor do IPEA, o sociólogo Jessé de Souza, para darmo-nos conta sobre que solo social estamos assentados.

As grandes maiorias empobrecidas eram para as oligarquias econômicas e as elites intelectuais tradicionais e pelo estado por elas controlado, peso morto. Não só foram marginalizadas, mas humilhadas e desprezadas. Refere José Honório Rodrigues:

“A maioria dominante foi sempre alienada, antiprogressista, antinacional e não contemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país. Chamou-o de tudo - Jeca-Tatu -, negou seus direitos, arrasou sua vida e, logo que o viu crescer, ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence”(Reforma e conciliação no Brasil p.16).
Não se trata de uma descrição do passado, mas a verificação do que está ocorrendo no atual momento. Por uma conjunção rara de forças, alguém vindo de baixo, um sobrevivente, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu furar a blindagem promovida pelos poderosos e chegar à presidência. Isso é intolerável para os grupos poderosos e intelectualizados que negam a qualquer relação com os do andar de baixo.

Mais intolerável ainda é o fato de que com políticas sociais bem direcionadas foram incluídos milhões que antes estavam fora da cidadania. Estes começarama ocupar os lugares antes reservados aos beneficiados do sistema discricionário. Começaram a consumir, entrar nos shoppings e voar de avião. Sua presença irrita os do andar de cima e começam a odiá-los.

Podemos criticar que foi uma inclusão incompleta. Criou consumidores, mas poucos cidadãos críticos. Deixaram de ser famélicos, mas o ser humano não é apenas um animal faminto. É um ser de múltiplas virtualidades; como todos, um projeto infinito. Ocorre que não houve um desenvolvimento do capital social consistente em termos de educação, saúde, transporte, cultura e lazer. Essa seria outra etapa e mais fundamental que já estava sendo implementada com escolas profissionais ecom o acesso de milhares de empobrecidos  à universidade.

O fato é que quando esses deserdados começaram a se organizar e erguer a cabeça, foram logo desqualificados e demonizados. Atacaram seu principal representante e líder, Lula. O fato de ter sido levado sob vara para um interrogatório, ato desproporcionado e humilhante, visava exatamente isso: humilhar e destruir sua figura carismática. Junto com ele, liquidar, se for possível, o seu partido e torná-lo inapto para disputar futuras eleições.

Em outras palavras, os descendentes da Casa Grande estão de volta. A onda direitista que assola o país possui esse transfundo. Buscar o impedimento da presidenta Dilma é o último capítulo desta batalha para chegar ao estado anterior, onde eles, os dominantes, (71 mil super-ricos com seus aliados, especialmente do sistema financeiro, que representam 0,05 da população) voltariam a ocupar o estado e fazê-lo funcionar em benefício próprio, excluídas as maiorias populares.

A aliança deles com a grande mídia, formando um bloco histórico bem articulado, conseguiu conquistar para a sua causa a muitos dos estratos médios; progressistas nas profissões, mas conservadores na política. Esses mal sabem da manipulação e da exploração econômica a que estão submetidos pelos ricos, como notou recentemente Jessé de Souza.

Mas a consciência dos pobres uma vez despertada, não há mais como freá-la. Transformações virão, dando outro rumo ao país.

 * Leonardo Boff é articulista do JB online e escritor.