sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Inaugurada 1ª etapa do Porto de Mariel

O porto de Mariel, Brasil, Cuba e o socialismo
 
 
Com Mariel, Brasil rompe concretamente o bloqueio imperialista contra Cuba, disse o marinheiro aposentado Jorge Luis, que já esteve em portos brasileiros
 
 
Beto Almeida (*) Carta Maior 28/01/2014
 
 
Havana - Tem sido extremamente educativo registrar, aqui em Havana, a reação do povo cubano diante da inauguração do Porto de Mariel. Expressando um elevado nível cultural, uma mirada política aprofundada sobre os fenômenos destes tempos, especialmente sobre a Reunião de Cúpula da Celac que se realiza por estes dias aqui na Ilha, tendo como meta central, a redução da pobreza, os cubanos revelam, nestas análises feitas com desembaraço e naturalidade, todo o esforço de 55 anos da Revolução Cubana feita na educação e na cultura deste povo.


Mariel, uma bofetada no bloqueio

Poderia citar muitas frases que colhi ao acaso, conversando com os mais diversos segmentos sociais, faixas etárias distintas, etc, mas, uma delas, merece ser difundida amplamente. O marinheiro aposentado Jorge Luis, que já esteve nos portos de Santos e Rio de Janeiro, que vibra com o samba carioca, foi agudo na sua avaliação sobre o significado da parceria do Brasil com Cuba para  construir o Complexo Portuário de Mariel. “ Com Mariel,  Brasil rompe concretamente o bloqueio imperialista contra Cuba”, disse. E adverte: “ Jamais os imperialistas vão perdoar Lula e Dilma”. Ele não disse, mas, no contexto do diálogo com este marinheiro negro, atento ao noticiário de televisão, leitor diário de jornal, informado sobre o que ocorre no Brasil e no mundo,  estava subentendido, por sua expressão facial, que ficava muito claro porque Dilma é alvo de espionagem dos EUA.


O tom da cobertura do oposicionismo impresso brasileiro, pré-pago, à inauguração do Porto de Mariel, não surpreende pela escassa informação que apresenta, muito menos pela abundante insinuação de que tratar-se-ia apenas  de um gasto sem   sentido,  indefensável, indevido.  Ademais, sobram  os  rançosos preconceitos de sempre, afirmando que o Brasil estaria financiando a “ditadura comunista”,  tal como este oposicionismo chegou a mencionar que seria esta a única razão para empreender um programa como o Mais Médicos, que salva vidas e que tem ampla  aprovação  da sociedade brasileira.


É necessário um jornalismo de integração


Informações objetivas sobre o significado e a transcendência do Complexo Portuário de Mariel certamente faltarão ao povo brasileiro. Primeiramente, porque o oposicionismo midiático não permitirá sua difusão, numa evidente prática de censura. E, por outro lado,  nem o PT ou as forças que sustentam politicamente   o governo Dilma e estas iniciativas robustas da política externa brasileira,  com tangíveis repercussões sobre a economia brasileira, possuem uma mídia própria para esclarecer o significado de Mariel, ante um provável dilúvio de   desinformações sobre a sociedade brasileira.
 

Primeiramente, deve-se informar que o financiamento feito pelo BNDES, algo em torno de um bilhão reais na primeira fase,  não se trata de uma doação a Cuba. É um empréstimo, que será pago. As relações bilaterais Brasil-Cuba registram crescimento contínuo nos últimos anos.


Além disso, está condicionado à contratação de bens e serviços na economia brasileira, além de envolver cerca de 400 empresas,  sendo, portanto, um dos fatores a mais que explicam porque há contínua expansão no mercado de trabalho brasileiro, com uma taxa de desemprego das mais baixas de sua história. Ao contrário do que ocorre, por exemplo,  na Europa, onde aumenta o desemprego e há eliminação de direitos trabalhistas e sociais conquistados décadas atrás.


Dinamização das forças produtivas


Além disso, Mariel vai ser  - por enquanto , Dilma inaugurou apenas a primeira fase  -  o maior porto do Caribe, com capacidade para atracar navios  de calado superior a 18 metros, e  também , podendo movimentar mais de 1 milhão de conteiners por ano. Terá um impacto especial para o comércio marítimo também direcionado ao Pacífico, via Canal de Panamá. Para isto, vale lembrar da importância da participação da China, crescente, na economia latino-americana, em especial  com o Brasil. Tanto o gigante asiático como empresas brasileiras, já manifestaram interesse em instalarem-se na Zona Econômica Especial a ser  implantada em Mariel, onde também já foi construída uma rodovia moderna, estando em construção, uma ferrovia.

 
De alguma maneira , Havana retoma uma posição de destaque no comércio marítimo internacional,  pois já foi o maior porto da América Latina,  ponto de conexão de várias rotas, tendo sido, por isso mesmo, uma cidade com mais de 70 por cento de habitantes portugueses,  quando Portugal era um grande protagonista na marinha mercante internacional. Havana já teve, também,  uma das maiores indústrias navais do mundo.


Cuba  sempre impulsionou a integração


O tirocínio do marinheiro negro Jorge Luis é perfeito. Depois de suportar décadas de um bloqueio que impediu os cubanos a compra de uma simples aspirina no maior e mais próximo mercado do mundo, os EUA, a Revolução Cubana, tendo resistido a ventos e tempestades, sobretudo às agressões  imperialistas, soube preparar-se para esta nova etapa da história, simbolizada pela existência de uma Celac que vai se consolidando, pouco a pouco. Não sem enfrentar ações desestabilizadoras, lançadas contra os países mais empenhados na integração regional latino-americana, como Venezuela, Bolívia, Equador, e, também, pelas evidentes ações hostis contra Brasil e Argentina. Cuba investiu parte de seus modestos recursos na solidariedade internacional. Seja no envio de 400 mil homens e mulheres para derrotar  o exército racista da África do Sul que havia invadido Angola, como também para promover , em vários quadrantes, com o envio de professores, métodos pedagógicos, médicos e vacinas, a eliminação do analfabetismo e o salvamento generalizado de vidas. É o caso, por exemplo,  do programa Mais Médicos, não por acaso tão injustamente desprezado pela oligarquia midiática, que vocaliza os laboratórios farmacêuticos multinacionais. 

 
Como defender que salvar vidas merece desprezo?


É certo que todas as economias caribenhas e latino-americanas  serão dinamizadas com a entrada em funcionamento do Porto de Mariel, gerando mais empregos, possibilitando novas opções comerciais. É emblemático que China esteja firmando um acordo estratégico de cooperação com a Celac. Para uma economia cercada de restrições, sem  capacidade de investimentos,  sem engenharia nacional para fazer esta obra por conta própria,  o Porto de Mariel, é um imenso  descortinar de possibilidades para Cuba. Os gigantescos navios chineses, de uma China que consolida sua posição como a segunda potência comercial mundial, não podiam mais aportar no velho Porto de Havana, o que resultava numa limitação operacional e logística, com impactos econômicos negativos de grande monta. O Porto de Havana será readaptado para o turismo e a economia cubana, no seu conjunto, recebe, com Mariel um enorme impulso para a dinamização de suas forças produtivas. A atendente do hotel onde estou instalado me confessava hoje o interesse de ir trabalhar em Mariel, porque, segundo disse, o futuro está por ali e são empregos mais promissores.


Mariel e seus impactos internacionais


Realmente,  para um economia que perdeu a parceria que tinha com a União Soviética, que resistiu durante o período especial com as adaptações inevitáveis  para salvar o essencial das conquistas da Revolução,  o que Mariel significará é de extraordinária relevância. E é exatamente na dinamização das forças produtivas da Revolução Cubana que se localizam  as chaves para muitas portas que podem ser abertas para uma maior dedicação de meios , recursos e iniciativas visando a integração latino-americana. E,  neste quebra-cabeças, a política estratégica implantada por Lula, continuada por Dilma,  é ,inequivocamente, muito decisiva. Que outro país poderia fazer um financiamento deste porte para a construção de Mariel?


Por último, pode ser muito útil uma reflexão sobre os diversos pensadores, formuladores e também executores de políticas de integração. Desde Marti,  aquele analisou a importância da “nossa Grécia”, numa referência ao significado da civilização Inca, mas que também  formulou o conceito de Nuestra América,  até chegando ao pensamento de Getúlio Vargas, criador do BNDES, o banco estatal de fomento que está financiando a construção do Porto de Mariel, uma estupenda ferramenta integradora. Tudo converge para a abertura de uma nova avenida para dar trânsito à integração. Seja pela sabedoria dos povos da região que estão sabendo apoiar, com o seu voto,  os governos que mais impulsionam estas políticas, seja pelos avanços concretos que estas políticas integradoras têm registrados, apesar da insistência nada profissional do jornalismo de desintegração em reduzir tudo a zero.


Futuro socialista

A força e a necessidade histórica das ideias se vêm comprovadas nesta inauguração da primeira etapa do Porto de Mariel, em plena reunião da Celac, sem a presença de Estados Unidos e Canadá, patrocinadores históricos da desintegração entre os povos. A simbologia da justeza histórica do pensamento martiniano, nos permite, agora,  afirmar, também, que José Marti é um dos autores intelectuais de Mariel. E,  retomando o otimismo realista do marinheiro Jorge Luis, constatamos que  a dinamização das forças produtivas da Revolução Cubana que a parceria entre Cuba e Brasil possibilita, foi estampada na frase final do discurso do presidente cubano, General  Raul Castro: “Mariel e a poderosa infraestrutura que o acompanha são uma mostra concreta do otimismo e  da confiança  com que os cubamos  olham o futuro socialista e próspero da Pátria”. O marinheiro negro captou o significado essencial  destes dias. Não por acaso, a Marcha das Tochas, que celebra com chamas que não se apagam, as ideias de Marti, em seu aniversário, ontem - com mais de 500 mil manifestantes, maioria esmagadora de jovens - teve, na  primeira fila, além de Raul, os presidentes Evo Morales, Nicolás Maduro, Pepe Mujica,  Daniel Ortega. As ideias de Marti, materializadas nestes avanços produtivos e integradores, como Mariel, vão iluminando o futuro socialista de Cuba e, com isto, da integração latino-americana.


(*) Beto Almeida, de Havana, Membro da Diretoria  da TELESUR
 
 

 
Porto Mariel em Cuba gera mais de 156 mil empregos no Brasil e US$ 800 mi gastos
 
 
 
 
 
 
 
 
 


 

 

sábado, 25 de janeiro de 2014

Reforma tributária e Taxa Tobin


Não nos esqueçamos da Taxa Tobin!

24/1/2014 13:37
Por Jaciara Itaim - de São Paulo

Apesar de sua formação conservadora, Tobin compreendia a necessidade de impor algum grau de regulação na desordem perversa dos negócios internacionais
Apesar de sua formação conservadora, Tobin compreendia a necessidade de impor algum grau de regulação na desordem perversa dos negócios internacionais
Um tema recorrente no debate sobre mudanças estratégicas em nosso País refere-se à necessidade de uma reforma tributária. Assim como a reforma política ou a reforma previdenciária, trata-se apenas de um mote para promoção de alterações em algum sistema jurídico-institucional existente. Podem ser encontradas diferentes alternativas e modelos para atender a todos os gostos. O “xis” da questão reside no verdadeiro sentido da transformação que se pretende operar, uma vez que não existe neutralidade na adoção de determinado tipo de política pública. Haverá sempre algum tipo de interesse por trás das diferentes propostas colocadas sobre a mesa, sempre que assuntos desse tipo venham à baila.
No caso da reforma tributária, o quadro de conflitos existentes é bastante explícito.
Os representantes do capital normalmente se escondem por trás dessa reivindicação genérica para pleitear a redução de impostos. E ponto final. Sob o discurso da carga tributária excessiva ou da cantilena do elevado custo Brasil, os representantes do empresariado pretendem diminuir o volume de tributos incidentes sobre suas atividades. Pouco importa se tal “reforma” vai implicar uma carência de receitas do Estado para dar conta das despesas envolvidas com a manutenção das políticas públicas tão sabidamente emergenciais e necessárias.
Afinal, o que importa mesmo é a busca tresloucada pela rentabilidade do empreendimento privado.
Sistema tributário regressivo e a necessidade de mudança.
Outro enfoque bem distinto para dar conta da questão tributária implica em reavaliar a natureza do nosso sistema de impostos. E qualquer análise minimamente isenta vai confirmar que se trata de um modelo bastante regressivo.
Isso significa que ele foi concebido de forma a penalizar os setores de renda mais baixa da população. São várias as razões para a sobrevivência de tal quadro. Ainda não foi implementada a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), tal como previsto no art. 153, inciso VII, da Constituição Federal. A sistemática de alíquotas do Imposto de Renda suaviza os segmentos de renda muito elevada. Os impostos sobre consumo de bens e serviços não são capazes de diferenciar o comprador de acordo com sua remuneração. Assim, o milionário paga o mesmo tributo incidente sobre o litro de leite ou sobre o kwh da conta de eletricidade do que um assalariado que ganha um salário mínimo.
Portanto, quando se fala em reforma tributária, a estratégia dos trabalhadores e demais setores populares deve ser a de implementação de um modelo progressivo, de maneira a que passem a contribuir com mais impostos as camadas sociais que sejam mais bem aquinhoadas na repartição do bolo do patrimônio e da renda. Paga mais tributo quem possui mais riqueza ou quem recebe mais dinheiro.
Simples assim, uma mera questão de equidade e de restabelecimento de padrões mínimos de justiça social. E as possibilidades de utilização de instrumentos de tributação com esse fim são bastante amplas, podendo ser também de incidência internacional.
Taxa Tobin: inovação tributária global
Um exemplo bem característico dessa modalidade é a chamada Taxa Tobin. Trata-se de uma proposta que foi apresentada pelo economista norte-americano James Tobin (prêmio Nobel de economia em 1981), ainda na década de 1970. Há quase meio século atrás, ele propôs a criação de um imposto a ser aplicado sobre as operações envolvendo transações financeiras internacionais. Apesar de sua formação conservadora, Tobin compreendia a necessidade de impor algum grau de regulação na desordem perversa dos negócios internacionais. Ocorre que a idéia sofreu ataques pesados por mais de trinta anos, em particular pelas forças ligadas ao sistema financeiro, em especial a partir do momento em ela se transformou em bandeira dos movimentos progressistas pelo mundo afora. A criação de uma taxa sobre as transações financeiras internacionais cumpriria com duas funções. Por um lado, o papel de regular esse tipo de operação, até hoje fora de qualquer tipo de supervisão ou controle. De outro lado, a possibilidade de constituir um fundo internacional, a partir do recolhimento da taxa, com objetivo de redução das desigualdades sociais e econômicas existentes entre as nações.
Ainda que o autor da proposta tenha tentado voltar atrás em sua proposição inicial, ela adquiriu vida própria e se converteu em uma das bases da constituição de movimentos e organizações que pleiteiam uma nova ordem econômica mundial. É o caso da ATTAC, sigla da “Associação para a Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos”, criada na França em 1998. Em pouco tempo a iniciativa ganhou escala internacional, aproveitando a toada do movimento altermundista e das articulações do Fórum Social Mundial. Durante a época de hegemonia absoluta do pensamento neoliberal, havia muito pouco ou quase nenhum espaço para esse tipo de proposição nos foros institucionais oficiais. Afinal, a criação de um tributo sobre qualquer tipo de transação econômica era vista como uma ingerência indevida no reino intocável das livres forças de mercado. Heresia pura!
Tanto mais se a intervenção que se imaginava viesse para o espaço do financismo e das relações econômicas internacionais. Vale lembrar que um dos pressupostos essenciais do Consenso de Washington era a livre circulação de capitais entre os países, sem nenhuma interferência nas entradas e saídas dos fluxos financeiros. A instituição de uma taxa impositiva nessa seara era vista como algo inconcebível.
No entanto, nada como um dia após o outro – e uma crise financeira internacional no meio – para colocar alguns dogmas do liberalismo em questionamento. Após a catástrofe provocada pela quebradeira generalizada dos bancos norte-americanos em 2008, o próprio “establishment” da economia mundial começou a flexibilizar seus graus de ortodoxia. Nada que cheirasse a alguma transformação mais profunda, de natureza político-ideológica. Apenas uma acomodação racional e oportunista, com o intuito de chamar o Estado de volta à cena e ajudar o capital a reduzir as suas perdas. “Business as usual”. A velha estória de promover a apropriação privada de lucros e a socialização de prejuízos.
A crise internacional e oportunidade de mudança
Assim, dentre as diversas propostas de inspiração keynesiana que passaram a frequentar a agenda dos organismos multilaterais desde então, voltou a ser mencionada a taxação das transações financeiras internacionais. O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a própria União Européia (UE) resolveram incorporar o debate a respeito do assunto. Afinal, algumas projeções levavam a resultados bem interessantes, do ponto de vista das finanças internacionais. Um exercício com a alíquota irrisória de 0,01%, por exemplo, a incidir sobre alguns tipos de operações financeiras no mercado globalizado levariam a uma arrecadação superior a US$ 400 bilhões anuais. Uma quantia razoável para se iniciar um programa global contra a fome e a miséria, por exemplo. Ou seja, uma taxa praticamente invisível propiciaria a arrecadação de somas e fundos expressivos. Nesse caso, fica evidente que o discurso de que a ação do Estado sempre distorce a dinâmica do mercado não se sustenta. Uma alíquota como essa passa praticamente desapercebida pelos preços transacionados, mas resulta em volume de recursos nada desprezível, em razão da escala das operações.
Os momentos mais adequados para a introdução desse tipo de inovação são, em geral, aqueles marcados por algum tipo de crise. No entanto, é fundamental assegurar que os recursos sejam destinados a mecanismos de redução das desigualdades entre os países no mundo e não simplesmente a socorrer os caixas das instituições financeiras em dificuldades. Aliás, caso o governo brasileiro esteja mesmo interessado em manter seu protagonismo na esfera da diplomacia internacional, nada mais interessante do que patrocinar esse tipo de sugestão. Os países do Terceiro Mundo só terão a agradecer a iniciativas como essa, bem como a maioria da população do planeta.
Se o espaço de aceitação da Taxa Tobin continuar se ampliando, como indicam as pressões recentes de países europeus e da própria China, faz-se necessário avançar também na definição do arcabouço institucional. No plano das uniões econômicas ou da soberania de cada país, é mais fácil criar e gerir um tributo dessa característica. Porém, inexiste até o momento, um espaço internacional com legitimidade diplomática e capacidade tributária global. O caminho passa pela construção de um amplo consenso transcontinental em torno da medida e a constituição de um fundo mundial comunitário a partir da coleta dos recursos oriundos das transações tributadas.
Esta seria uma importante demonstração – concreta e objetiva – de que um outro mundo é mesmo possível.
Jaciara Itaim, é economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.


Fonte: Correio do Brasil

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Violência contra indígenas


Pública

Violência contra os indígenas é antiga como a grilagem de terras; indígenas cobram compensação por danos e mortes causados desde a abertura da Transamazônica
[+] [-] [*]
1339
337 14
 
A história do conflito em Humaitá é também a história da BR-230, a Rodovia Transamazônica. A rodovia rasgou a cidade – e também o território ocupado pelos indígenas. Com 4.223 quilômetros, ela foi inaugurada em 1972 pelo ditador Emílio Garrastazu Médici. Agora os Tenharim querem contar com detalhes essa história, como disseram à reportagem da Pública, recebida por eles no dia 3 de janeiro.
Em Humaitá, os brancos também conhecem o enredo, mas preferem falar em off sobre a violência cometida naquele tempo. “Quem veio para cá foram homens”, conta um dos entrevistados. “Aí quem queria pegar uma mulher tinha de matar um índio e pegar uma índia”.
Em sua língua, Augustinho Tenharim conta mais do que isso, traduzido pelos irmãos Zelito e Aurélio Tenharim: “Houve matança. De 10 mil Tenharim sobraram pouco mais de 200. Alguns trabalharam como escravos, para ajudar a construir a estrada. O pagamento era em alimentos. Os servidores levavam as índias e devolviam após 15 dias, 20 dias, um mês. Para mim é a segunda vez que está acontecendo algo desse tipo”, diz, referindo-se à hostilidade enfrentada por eles desde o desaparecimento dos três brancos na região no dia 16 de dezembro. “Um momento muito crítico. Temo pelos netos, pelos parentes. Achei que nunca mais ia acontecer”, lamenta o ancião.
O histórico é importante para justificar a cobrança de compensação, decidida por eles em assembleia, e definida pelos brancos como pedágio. “A vida nunca vai ser paga, foi quase uma extinção”, diz o cacique Aurélio Tenharim. Outro ponto destacado por eles é o fato de que, ao longo da Transamazônica, a floresta amazônica só está totalmente preservada – o que é visível – na Terra Indígena. “O governo nunca teve política pública para o desenvolvimento dos povos indígenas. Nós somos os protetores da Amazônia”, sublinha Aurélio.
O antropólogo Edmundo Peggion, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, estudou os Tenharim no mestrado e doutorado. Não há exagero no relato dos Tenharim, ele diz, ao se referir ao massacre na abertura da Transamazônica. Esse massacre foi também lembrado publicamente por Aurélio Tenharim em debate no dia 7 de janeiro com o comandante militar da Amazônia, general Eduardo Villas Bôas.  O antropólogo confirma que a população original, de 10 mil pessoas, foi dizimada.  Chegou a pouco mais de cem pessoas na época da abertura da Transamazônica – onde, de fato, os Tenharim trabalharam. Nos anos 80 eram 180 membros da etnia. Quando ele fez mestrado, de 1993 a 1996, eram 300.
Foi Peggion o responsável pela delimitação do atual território indígena, em 2002, quando houve um esforço para demarcação contínua. Ele agora é uma das poucas vozes, além dos indígenas, que os defendem dos boatos e das acusações precipitadas. Para o professor, não foram os Tenharim os responsáveis pelo desaparecimento dos três homens. “Eles diriam”, afirma. “Somos guerreiros, assumimos o que fazemos e não temos nada a ver com esse desaparecimento”, escrevia Angelisson Tenharim no dia 27 de dezembro, por mensagem, do quartel onde estava confinado, em Humaitá.
O antropólogo também rebate o argumento dos que afirmam que os Tenharim seriam “aculturados”. “Eles têm uma auto-estima muito elevada”, explica. “Eles têm ritual tradicional e são quase 100% bilíngues. Conversam em português, viram e falam com os parentes na língua deles. Dado tudo o que eles sofreram, para hoje, estão numa situação estável, do ponto de vista populacional e cultural”.
Tomado de surpresa pelos acontecimentos, Peggion está apreensivo. Ele vê na reação de desdém e hostilidade das pessoas da região o velho paradoxo que marca a relação entre indígenas e brancos: “ou são selvagens, quando são acusados de vingança, ou são aculturados, nem índios são”. Neste último caso, diz o professor, fica implícita a pressão para que sejam liberadas as terras indígenas.

Em Humaitá, a origem indígena se apaga

O Censo 2010 apontou 44.227 pessoas em Humaitá – 883 na Terra Indígena Tenharim Marmelos e apenas 22 pessoas na Terra Indígena Tenharim do Igarapé Preto. A maioria da população se define como parda: 30.340 (68,6%), embora seja evidente a origem indígena. Apenas 1.588 pessoas se definem como indígenas. Nenhuma delas mora em domicílio com renda superior a dez salários mínimos.
O município nasceu e cresceu em torno do Rio Madeira, um dos mais imponentes afluentes do Amazonas. Com 3.240 quilômetros, o rio tem esse nome por ser muito rápido – levando árvores e troncos em sua passagem. A igreja matriz, ladeada pela Câmara e pela Prefeitura, está de frente para o Rio Madeira, bem como a imagem da padroeira, a Imaculada Conceição. A própria Transamazônica, que vai no sentido de Apuí, só é acessível de balsa, atravessando o rio.
A orla da cidade foi reformada e parcialmente entregue em junho de 2012. Ao lado da imagem da santa há um marco, com os nomes da presidente Dilma Rousseff e do governador Omar Aziz. A cidade funciona, em parte, em função dos pescadores e garimpeiros, em parte do funcionalismo público e de micro-empreendimentos. É impressionante a quantidade de pequenos bares e mercearias. Sem indústrias, são poucas as opções de emprego. O principal meio de transporte urbano é a moto. Diante das blitze constantes da polícia, desde o fim do ano, o movimento de carros e motos diminuiu.
Não há bairro de ricos em Humaitá. Segundo o IBGE, 616 famílias ganham até meio salário mínimo; outras 2.136, até um salário mínimo e 2.599, até dois salários mínimos. Os mais endinheirados – 283 domicílios têm renda superior a dez salários mínimos – convivem com os mais pobres, em uma cidade sem rede de esgoto. Eles gastam dinheiro em Porto Velho, a 205 quilômetros dali, e Manaus, a 675 quilômetros– ou nos sítios e fazendas. E não têm medo de andar com pulseiras ou colares de ouro pelas ruas, embora a coisa mude de figura em Porto Velho. No caminho para lá a Pública ouviu da mulher de um militar que queria vender 100 gramas de ouro, reconhecendo que se tratava de atividade clandestina. “Os guardas da Vila Militar são muito chatos”, reclamou.
A presença dos militares é importante e foi decisiva na batalha dos moradores contra os indígenas, ao protegerem os Tenharim da violência. A rodovia para Porto Velho, por exemplo, para onde se vai por ônibus ou táxi-lotação, tem o asfalto mantido pelos próprios militares. Há quem diga que, sem o 54º Batalhão de Infantaria da Selva, o 54º BIS, conflitos como o do fim de ano já teriam ocorrido há muito tempo.
Somente em 2012 a Cooperativa de Garimpeiros da Amazônia teve legalizada a venda de ouro que vem dos Andes através dos rios que desembocam no Madeira. Os indígenas não têm permissão para praticar atividades extrativistas. Mas o atual conflito em Humaitá tem mais a ver com outras faces econômicas da cidade: os pecuaristas e os madeireiros, apoiados pelos comerciantes, muitos também fazendeiros.
Não foi a primeira vez que Humaitá assistiu a uma insurreição. A cidade já teve um quebra-quebra, em 1991, sem nenhuma relação com o ódio aos índios. Um prefeito denunciara um esquema de corrupção. Deu nome aos bois. Ficou isolado. Na sua casa, queimaram um carro, recorda-se o madeireiro Nelson Vanazzi. “As pessoas perderam a cabeça, que nem desta vez”. A prefeitura foi invadida. “Queimaram um pouco, mas acho que não foram os populares. Acho que foi para esconder papel”, ri.
Leia mais: A batalha de Humaitá

Política e negócios: a receita da elite

Os negócios e a política caminham juntos em Humaitá: é comum os mais endinheirados partirem para essa atividade complementar. O prefeito reeleito de Humaitá, Dedei Lôbo (PMDB), é pecuarista e possui gado – como sabem todos na cidade. Mas não declarou nenhum bem rural à Justiça Eleitoral. Nem em 2008, quando se apresentou como professor de ensino médio, com um total de R$ 77 mil em bens, nem em 2012, quando já reunia R$ 561 mil. Um enriquecimento de 729%. A Pública tentou insistentemente entrevistá-lo, sem sucesso.
Já o prefeito de Apuí, Adimilson Nogueira (DEM), mencionado pelos Tenharim como um dos que incitaram a violência em Humaitá, declarou quatro lotes rurais em 2012, por R$ 200 mil, e 40 cabeças de gado. Total de bens: R$ 400 mil. Em 2008 ele tinha R$ 131 mil. Já possuía os lotes e 19 reses. Os indígenas também citaram o vereador Irmão Dirlan (DEM), dono de um sítio, como um dos que lideraram a violência em Humaitá. Vários políticos foram procurados em suas casas, na virada do ano, e não estavam. Alguns estavam “no sítio”.
O advogado dos parentes dos desaparecidos, Carlos Terrinha, foi candidato à reeleição para vereador em 2012, pelo PDT. Não conseguiu. Ele também é advogado de madeireiros.
Aurélio Tenharim diz que não conhece um político, na região, que defenda indígenas e conta que, desde o fim do ano, recebeu apenas dois telefonemas de deputados: o estadual Sidney Leite (Pros-AM) e o federal Padre Ton (PT-RO), coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas. O resto só se manifestou por assessorias.
Os indígenas são críticos do atual governo. “O mandato de Dilma é o que mais massacrou os indígenas desde a ditadura”, afirma Amarildo Tenharim. “O indígena não pode mais fazer manifestação que ela manda a Força Nacional. A PF mata índio. A autonomia na saúde foi retirada. Tudo foi no mandato dela. Ela não tem diálogo com as organizações indígenas. Os ruralistas foram recebidos com 20 dias de mandato. Nós, não”, acusa.
Na opinião do cacique, os políticos veem os indígenas como empecilho para o desenvolvimento do país. Amarildo cita a PEC 215, em debate no Congresso, que dá aos parlamentares, incluindo a famigerada bancada ruralista, a responsabilidade pela demarcação de novas terras indígenas. “A Constituição é para todos”, diz.
“Dizem que temos privilégios, mas praticamente só temos dois artigos na Constituição. E a bancada ruralista quer derrubar o artigo 232”. Esse artigo reconhece os índios, suas comunidades e organizações como partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses.
Em Humaitá, o ex-vereador Cição – aquele que deu entrevista ao lado do Seu Tonico, do hotel – tem uma propriedade rural “de 195 hectares”. Ele foi vereador entre 1997 e 2000. Desistiu.“Quem não compra votos não se elege”, diz. O sítio fica no distrito de Santo Antônio do Matupi, que pertence a Manicoré, mas ligado estreitamente a Humaitá. Ali, no km 180 da Transamazônica, ele cria gado, planta macaxeira, onde originalmente havia um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para lotes de até 60 hectares.
Cição defende a bancada ruralista, e diz que são os fazendeiros que alimentam o país. “O Brasil tem somente 900 mil índios. Eles estão humilhando todos os brasileiros. Não podem ficar aí, selvagens”. Os Tenharim o apontam como um dos manifestantes incendiários de Humaitá, e como um dos difusores do preconceito contra indígenas no município. Cição avisa: “Se matar um branco, vai ter revanche”.

Um terço do território grilado

O relatório da CPI da Ocupação das Terras Públicas na Amazônia, em 2001, conhecida como CPI da Grilagem, informou que, de 157 milhões de hectares do território do Estado, 55 milhões estavam sendo grilados. Os cartórios de Humaitá, Manicoré e Canutama foram identificados como “contumazes na prática de ilícitos registrais”. Em Manicoré foram cancelados 682 mil hectares, ou 12% da área. Em Canutama, vizinha de Porto Velho, por onde se chega de carro a Humaitá, foram cancelados 8,8 milhões de hectares, ou 368% da área do município. É que as grilagens formam um território paralelo, virtual, onde as terras se sobrepõem umas às outras.
A chefe da unidade avançada do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Humaitá, Maria Terezinha Leite, conta que o distrito de Santo Antônio do Matupi, um dos pivôs da crise em Humaitá (embora pertença a Manicoré), surgiu de um assentamento, no lado esquerdo da Transamazônica, rumo a Apuí. Essa área de 34.534 hectares está hoje totalmente irregular.
Os assentados foram deixando os imóveis. Quantos? Não se sabe exatamente. Das 527 parcelas, de até 60 hectares, ela estima que apenas 50 – menos de 10% – ainda estejam com os beneficiários originais. Ocorre que as áreas de assentamento não podem ser vendidas. “Tem lote que já passou por cinco donos”, conta ela. E o Incra precisa notificar todos os atuais “proprietários”.
Mas ela notificou só 20 deles. Porque, por algum motivo, eles foram à sede do Incra e Terezinha aproveitou a deixa. E por que ela não notifica os demais? Porque não há infraestrutura.
Mais especificamente, não há segurança. As notificações em Matupi precisariam do apoio da Polícia Federal, pois os servidores têm medo. “Não dá para entregar uma notificação de que a pessoa tem de sair em 15 ou 30 dias sem a presença da polícia”, explica Terezinha. Os 20 que receberam a notificação simplesmente não se manifestaram. E ficou por isso mesmo. “Nesse caso a responsabilidade é da Divisão de Assentamentos, em Manaus”, diz ela.
Chefe da unidade há dez anos, a servidora exibiu um mapa que mostra o assentamento rodeado por terras da União. Mas o distrito cresce e pretende se tornar um município. Somente desde 2010 a área está sendo georreferenciada, diz. Ela também conta que, em 2005, houve um problema grande com invasões de terra, acima de mil hectares cada, na vizinha Canutama. A Polícia Federal conseguiu coibir. A maioria das pessoas era de Rondônia.
Em doutorado defendido na Universidade de São Paulo, em 2012, a pesquisadora Viviane Vidal da Silva concluiu que o assentamento do Incra era o principal responsável pelo desmatamento na região. Ela observou que cada lote tinha desmatado mais de 20% da floresta, o limite na região. Motivo principal, a substituição da agricultura pela pecuária. Os Tenharim dizem que o “180” tem até pista de pouso clandestina, e ninguém faz nada. O mesmo aconteceria no km 160 da Transamazônica.
Dias antes da entrevista com Terezinha, na esquina do Incra, na Avenida Transamazônica, um lobista identificara-se para o repórter como jornalista. Ele contou ter trabalhado na área durante três décadas. Hoje, mexe com regularização de terras. Contou muitas histórias, reproduziu muitos boatos. Dois dias depois, foi sincero em relação ao seu trabalho:“Vou de terno, tudo bonitinho. O cara diz que não pode resolver. Pergunto que horas ele sai e chamo para uma cervejinha, no fim do expediente. Coloco dinheiro na mão dele. Ele libera. Aqui não tem Estado!”
Ou tem: em Santo Antônio do Matupi, uma placa anuncia a melhoria das vias da comunidade, por R$ 13,7 milhões. Com a assinatura do governo do Amazonas e financiamento do Banco do Brasil.

A revolta dos madeireiros

Santo Antônio do Matupi também foi cenário de uma revolta de madeireiros em 2011. A apreensão de dois tratores, duas pick-ups, uma moto e 160 metros cúbicos de madeira extraída ilegalmente uma aldeia dos Tenharim, a Sepoti, motivou confronto entre os madeireiros, os fiscais do Ibama e os policiais militares do Batalhão de Policiamento Ambiental. Também foram apreendidas armas e munição.
O grupo de madeireiros cercou os agentes do Ibama e entrou em confronto com a PM para evitar que os tratores ficassem com os indígenas. Após negociação, eles foram levados para Apuí. Na Transamazônica, porém, 200 pessoas bloquearam a estrada e exigiram que os tratores ficassem em Matupi. Eles acabaram ficando na sede da Associação dos Produtores Rurais de Santo Antônio do Matupi.
Em 2009, em reunião na Câmara Municipal de Humaitá, Nelson Vanazzi falou em nome dos madeireiros impedidos de extrair madeira por bloqueio eletrônico do Documento de Origem Florestal. Os políticos debateram alternativas. Entre elas, o bloqueio de rodovias e hidrovias, como forma de “chamar a atenção”.
Nelson Vanazzi diz que ele mesmo nunca extraiu madeira de terra indígena. Isso começou a acontecer, conta o madeireiro, “após o 180”, o distrito de Santo Antônio do Matupi, em Manicoré. Ivanildo Tenharim confirma que antes não havia esse problema. O motivo: “Fora da reserva não tem mais madeira, por isso começam a roubar”.
Palavra de madeireiro
O madeireiro Nelson Vanazzi é um personagem controvertido – chegou a ser preso pela Polícia Federal no auge da extração da madeira. Recebeu a Pública em seu escritório – sentado na mesa ao lado de uma Bíblia do Papai e um bloquinho de uma madeireira de Manaus, a Madecunha. Ele conta, com um sorriso nervoso, que assistiu a toda a confusão no Natal do 2o andar de sua casa na avenida Transamazônica – depois a Pública saberia pelo chefe do 1o Cartório, Hildeberto Ferreira de Macedo, que todos os imóveis com segundo pavimento em Humaitá estão irregulares, embora também o atual vice-prefeito, Hedivânio Freitas, tenha declarado à Justiça Eleitoral, em 2008, um imóvel de dois andares; o imóvel de Vanazzi, de 600m2 de área e 256m2 de área construída foi declarado por R$ 665 mil à Justiça Eleitoral, em 2012, quando ele foi candidato a vereador pelo PT (ficou como suplente).
O madeireiro, que já foi vereador (1989-1992), pelo PL, e vice-prefeito da cidade (1997-2000), pelo PRP, fala de uma “ditadura ambiental mundial”, que atrapalharia o manejo da floresta e a criação de gado. Conta que se formou técnico em contabilidade no Paraná, onde tinha 16 alqueires de terra, e que foi para o Amazonas em 1978. Ali plantou soja, teve uma concessionária de tratores e chegou a movimentar 300 toneladas de madeira por dia. Disse que chegou a ter 220 funcionários, mas em outro momento afirmou que já teve 804 salários para pagar.
Um dia, conta, recebeu uma equipe de 27 fiscais, com 13 metralhadoras em uma operação da Polícia Federal. Ficou preso por crime ambiental durante alguns dias “por azar”, segundo ele: era final de ano e não aceitaram os recursos movidos por seus advogados. “A maior parte dessas áreas é da União”, reconhece. “Como vai conseguir licença ambiental em terra sem documento? Aquela terra não é tua”, diz.
Ele conta que, quando chegou à Transamazônica, comprou uma terra de seis por oito quilômetros onde cortava a madeira com serra-fita. Ele e o irmão tinham 6 mil hectares quando o sertanista Apoenã Rodrigues, hoje falecido, lutava para ampliar a área da Terra Indígena. “Nós, 18 a 20 famílias, saímos de lá”.
Vanazzi pegou malária 14 vezes. E comprou outras áreas. Hoje se orgulha de ter 370 mil árvores, em 1.007 hectares. “Somos o segundo maior projeto de reflorestamento da Amazônia”, diz. Ele dedica boa parte da entrevista à enumeração das possibilidades das árvores, frutos e sementes da região: jenipapo, “um espetáculo”, jaca, castanha, dendê. Licenciamento ambiental? “Não tenho, porque os órgãos não sabem legalizar”. E emenda: “O cara que compra açaí é pior que o madeireiro porque não tem fiscalização”.
Sobre os Tenharim, Vanazzi tem opiniões fortes: “Vão ter de morar o resto da vida nas aldeias? Não sei se é revolução ou retardamento separá-los na aldeia. Não podiam legalizar umas vacas para os índios, em vez deles correrem atrás de anta, de veado?”
Em seu escritório, diante de uma parede azul com infiltrações, Vanazzi aponta para um mapa antigo do Incra, que mostra as glebas em terras da União. O mapa traz as Florestas Nacionais, as Flonas, e as glebas – com centenas de milhares de hectares. No caso da Flona Humaitá, ele exclama, entusiasmado: “Isso aqui pode ser um pólo madeireiro!”
Mas Nelson Vanazzi tem outros negócios, entre eles à frente do único loteamento legal em Humaitá: o Boa Vista, de uma incorporadora de Curitiba da qual é o procurador na cidade. Também comprou um espólio de 6.590 hectares, dos herdeiros de um seringal, na beira do Rio Madeira. Ele exibe um documento emitido pelo governo do Estado do Amazonas, em 1908. O madeireiro reclama de uma Terra Indígena vizinha, que teria ocupado parte de sua área. E conta que autoriza 130 famílias a ocupar outra parte dessa área, sob um contrato de arrendamento onde os moradores não precisam pagar nada. Ele apenas exige que preservem a floresta. Vanazzi tem esperança de ficar com as terras, embora o Incra de Humaitá avise que esses documentos emitidos pelo governo amazonense são irregulares.
Sul do Amazonas: a bola da vez?
O conflito na região se dá também com garimpeiros. Em junho de 2012, 20 pessoas foram presas no “180”, por fiscais (Ibama) e policiais militares do Batalhão de Policiamento Ambiental. A Operação Soberania flagrou-as tentando extrair ouro do local, conhecido como Garimpo de Ouro do 180.
Dois meses antes, em Boca do Acre (AM), também na nova fronteira agropecuária, 40 policiais e 40 jagunços expulsaram 105 famílias do Seringal Macapá, reivindicando uma posse de terra. Total da área: 5.202 hectares. A denúncia foi feita pela deputada Janete Capiberibe (PSB-AP). O presidente da associação de extrativistas contou que as famílias saíram de lá só com a roupa do corpo: “Durante sete meses, as crianças choravam de fome e dormíamos no chão, com os cachorros”.
Somente em Lábrea (AM), desde 2007, sete pessoas foram mortas por denunciarem os crimes ambientais e de propriedade da terra. Segundo a deputada, houve crimes idênticos em Manicoré e Humaitá, onde servidores da Secretaria de Patrimônio da União foram ameaçados e impedidos de cadastrar lotes de lavradores e ribeirinhos. “Uma demonstração de quanto o Estado precisa ser fortalecido na região”, concluiu ela.
Um ano e meio antes dos recentes episódios em Humaitá, ela tentou convocar uma audiência para discutir os conflitos no sul do Amazonas. Seriam chamados os seguintes ministros: Gilberto Carvalho, Maria do Rosário e José Eduardo Cardozo. Mais o presidente do Incra, o presidente do Ibama, o secretário de Segurança Pública do Estado do Amazonas. A tensão, porém, persiste na região – e não só em Humaitá.
No dia 2 de janeiro, a sede do Ibama estava aberta, após o feriado. Mas por ali só estava o segurança. Onde estava o gerente-executivo? De férias. E o substituto? Em Porto Velho. Não somente ele: todos tinham viajado para Porto Velho.
No pátio, um trator e madeiras apreendidos.

Especialistas questionam versão dos EUA sobre ataque químico na Síria


Especialistas questionam versão dos EUA sobre ataque químico na Síria

22/1/2014 12:50
Por Redação, com DW - de Berlim

Para especialistas, ataque com gás sarin em agosto de 2013 na capital Damasco não pode ter acontecido conforme relatou o governo dos EUA
Para especialistas, ataque com gás sarin em agosto de 2013 na capital Damasco não pode ter acontecido conforme relatou o governo dos EUA
Para especialistas, ataque com gás sarin em agosto de 2013 na capital Damasco não pode ter acontecido conforme relatou o governo dos EUA. Enquanto isso, o processo de destruição das armas sofre atraso. Nas primeiras horas da manhã do dia 21 de agosto de 2013, bairros controlados pelos rebeldes no leste da capital síria, Damasco, sofreram ataques com armas químicas. Pouco depois, vídeos, fotos e relatos de testemunhas eram divulgados na internet.
Especialistas examinaram os sintomas dos mortos e feridos e rapidamente constataram que se tratava do gás neurotóxico Sarin, que matou e feriu centenas de pessoas. De acordo com o governo em Washington, 1.429 pessoas morreram no ataque entre elas, 426 crianças.
Nove dias depois, em coletiva de imprensa, o secretário de Estado americano, John Kerry, culpou tropas do governo sírio de ter cometido o crime de guerra. Entre outros, ele apresentou um mapa de Damasco mostrando as regiões controladas pelos rebeldes e pelas tropas do governo.
Em 3 de setembro, Kerry se apresentou na Comissão de Relações Exteriores do Senado americano e disse: “Estamos seguros de que ninguém da oposição Síria possui estas armas ou tem a capacidade de executar um ataque desta magnitude – especialmente a partir da área controlada pelo regime.”
Nenhum ataque da área governamental
Kerry está agora sendo criticado principalmente por essa declaração. Num parecer de 23 páginas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), dois cientistas americanos afirmam que um ataque “a partir do coração” do território controlado pelo regime seria impossível.
Detalhadamente, o ex-inspetor de armas da ONU Richard Lloyd e o especialista de Segurança Nacional Theodore A. Postol explicam que os foguetes empregados tinham um alcance muito curto, não podendo ter sido lançados da área governamental. Segundo o parecer, o “coração” de Damasco se localiza entre cinco e dez quilômetros do local de impacto. Os especialistas afirmam que os projéteis empregados só poderiam voar cerca de dois quilômetros.
Lançadores modificados
A razão para esse curto alcance estaria no fato de os agressores terem instalado um recipiente com o gás Sarin em cada um dos foguetes, o que teria atrapalhado a capacidade de voo dos artefatos. Assim, em vez dos habituais 20 quilômetros, as armas teriam percorrido somente dois quilômetros.
Tal constatação não é novidade. Há um mês, o inspetor da ONU Åke Sellström havia lançado dúvidas sobre a explicação de Washington em coletiva de imprensa. Quando, sob a orientação de Sellström, os inspetores da ONU examinaram os restos dos foguetes, ficou claro que o alcance seria muito menor do que o esperado. “Embora não conheçamos o peso ou qualquer outra coisa, dois quilômetros é uma boa estimativa”, avaliou o inspetor.
Em entrevista à DW, também o general da reserva das Forças Armadas alemãs Egon Ramms disse estar seguro, após ter lido o estudo do MIT, de que os foguetes não poderiam ter voado tão longe. “Acredito que, devido às alterações, o alcance ficou bem menor do que se poderia alcançar inicialmente com esse lançador de foguetes”, afirmou.
Uso negligente de fontes
Nem os autores do estudo do MIT nem Ramms deduzem, a partir do alcance reduzido dos foguetes, que o ataque não foi realizado por tropas do governo. Em vez disso, paira a pergunta por que o governo americano, mais uma vez, vai a público com informações de inteligência questionáveis, depois de ter sido foco de críticas internacionais após a polêmica envolvendo o seu serviço secreto quanto às supostas armas de destruição em massa no Iraque em 2003.
- Independente de qual tenha sido o motivo deste erro flagrante no material noticioso, as fontes devem ser explicadas”, resumiram Lloyd e Postol em seu estudo. “Quando se lida com os serviços de informação, então se deve sempre confiar na teoria das duas fontes. Caso não haja duas fontes, então é preciso ter cuidado com tais informações – explicou, por sua vez, o general da reserva Ramms.
Ele salientou, porém, que após o ataque em agosto a comunidade internacional intensificou a pressão sobre a Síria de tal forma que o regime teve de aprovar a destruição de suas armas químicas.
Até o final de junho, cerca de mil toneladas de produtos químicos deverão ser destruídas pelo navio especializado Cape Ray em algum lugar em alto-mar. Também o Reino Unido e a Alemanhaparticipam da destruição das armas químicas da Síria. Além disso, a Noruega, Dinamarca, Rússia e China estão enviando navios de guerra para escoltar o transporte das armas.
Cronograma precário
O cronograma da operação, no entanto, está atrasado. Até agora, somente algumas poucas toneladas de componentes de armas químicas foram levadas para a cidade portuária de Latakia, de onde são transportadas para os navios. De acordo com a Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq), as lutas, o mau tempo e a burocracia atrasaram o processo.
Um político local italiano também parece estar criando problemas adicionais com o cronograma. Como o navio Cape Ray não se dirige para a Síria para recolher as armas, mas em vez disso recebe os artefatos de outros dois cargueiros da Dinamarca e da Noruega, a carga tem de ser transferida em algum lugar – o que deverá acontecer a partir de fevereiro. Para tal, o governo italiano quer colocar o porto de Gioia Tauro, na Calábria, à disposição. Mas há resistência na cidade do sul da Itália.
O prefeito Renato Bellofiore reclamou que o governo em Roma não o havia informado anteriormente. “O pânico se espalha entre as pessoas”, disse Bellofiore. Já o prefeito da vizinha San Ferdinando, que abriga a maioria das instalações portuárias, está considerando a possibilidade de fechar a área por decreto e impedir a transferência das armas químicas.


Fonte: Correio do Brasil

Propinoduto

STF pede parecer da PGR sobre investigação de cartel em licitações do Metrô de São Paulo - 30/12/2013 -&- Informe-se sobre as denúncias de cartel nos trens e no metrô de São Paulo -
30 dezembro 2013 -
Brasil! Brasil! -
André Richter, Agência Brasil -

 

STF pede parecer da PGR sobre investigação de cartel em licitações do Metrô de SP



"O ministro Marco Aurélio, do Supremo
"O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, pediu à Procuradoria Geral da República (PGR) parecer sobre o inquérito do suposto esquema de formação de cartel em licitações do sistema de trens e metrô de São Paulo.
Ele determinou que o nome completo dos investigados conste da lista de consulta processual do STF. Antes da decisão do ministro, o processo era identificado pelas iniciais dos envolvidos. A decisão foi assinada no dia 20 de dezembro.
Após parecer do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o ministro poderá determinar que a parte da investigação que envolve pessoas sem foro privilegiado retorne à Justiça Federal em São Paulo. Se isso ocorrer, somente parlamentares citados no processo responderão ao processo no Supremo.
No dia 12 de dezembro, a investigação foi enviada pela Justiça Federal ao STF, e a relatoria ficou com a ministra Rosa Weber. A ministra rejeitou o processo, que foi enviado a Marco Aurélio devido a um pedido de acesso à investigação encaminhado anteriormente ao ministro.
O inquérito chegou ao Supremo por causa da inclusão do nome do deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP). Como o parlamentar tem foro privilegiado, as acusações só podem ser analisadas pelo STF. Além de Jardim, pelo menos nove envolvidos são investigados, entre eles três secretários do estado de São Paulo.
No processo, são apurados os crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. As investigações indicam que as empresas que concorriam nas licitações do transporte público paulista combinavam os preços, formando um cartel para elevar os valores cobrados, com a anuência de agentes públicos."


Multinacional alemã Siemens denunciou ao Cade a existência de um cartel de empresas que teriam superfaturado contratos das linhas de trens e metrô; suposto esquema teria causado prejuízo de 577 milhões de reais
Uma das gigantes de engenharia no mundo, a multinacional Siemens procurou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça que fiscaliza e apura denúncias de abuso de poder econômico, para delatar a existência de um cartel, do qual fazia parte, para as licitações de equipamentos das linhas de trens e metrô em São Paulo e no Distrito Federal.
Ao entregar o cartel, a empresa firmou um acordo de imunidade caso as denúncias sejam comprovadas. O caso foi revelado pelo jornal Folha de S.Paulo em julho. A suspeita é que o esquema tenha supervalorizado cinco contratos em até 30%, acarretando prejuízo de 577 milhões de reais.
Nos últimos anos, suspeitas envolvendo os valores de obras e compras do metrô de São Paulo e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) são investigadas pelo Ministério Público de São Paulo. Após a divulgação das suspeitas de cartel, os promotores montaram uma força-tarefa para analisar 45 investigações sobre o transporte metroviário - 15 delas estavam arquivadas e foram reabertas.
OS ALVOS DO CARTEL
2000
SP: Fornecimento de equipamentos para a Linha-5 Lilás do Metrô
Valor: 404 milhões de reais (735 milhões em valores atualizados)
2001-2002
SP: Manutenção de trens da CPTM
Valor: 275,6 milhões de reais (483,9 milhões em valores atualizados).
2004
SP: Modernização da Linha-12 Safira da CPTM
Valor: 276 milhões de reais (400,2 milhões em valores atualizados)e
2005
SP: Fornecimento de trens e equipamentos para Linha-2 Verde do Metrô
Valor: 143,6 milhões de reais (202,7 milhões em valores atualizados)
2007
DF: Manutenção do metrô
Valor: 77 milhões de reais (103 milhões em valores atualizados)
Veterana em sucessivos escândalos envolvendo subornos em países como a Argentina e a Grécia e a formação de carteis na Europa, a Siemens havia ficado com imagem arranhada na Alemanha. Após pagar milhões de euros em multas (em 2007, um caso envolvendo a participação num cartel de fornecimento de equipamentos de alta tensão rendeu uma penalidade de 400 milhões de euros), a Siemens havia passado nos últimos anos por um processo de reorganização para livrar o conglomerado das práticas de corrupção na assinatura de contratos.
Milhares de funcionários foram treinados para práticas anticorrupção, uma espécie de posto de ombudsman foi estabelecido. Foi por meio dessa ouvidoria, uma denúncia sobre problemas com os negócios da subsidiária brasileira com o governo paulista chegou até a empresa na Alemanha. A denúncia afirmava que funcionários do governo de São Paulo receberam comissões para beneficiar as empresas que formavam o cartel.
Subornos - Além da Siemens, também são suspeitas de participação no cartel outras 19 empresas, entre elas a canadense Bombardier, da espanhola CAF, a francesa Alstom e da japonesa Mitsui – e as subsidiárias brasileiras destas.
Documentos da Justiça alemã de uma investigação mais ampla que investigaram a conduta da empresas em vários países mostram que só a empresa pagou 24 milhões de reais em subornos para representantes de agentes públicos brasileiros, entre eles diretores da CPTM, para que o esquema pudesse operar. Ao todo, a Justiça alemã afirma que a Siemens pagou 1,3 bilhão de dólares em subornos pelo mundo.
Documentos apresentados pela empresa ao Cade mostram que o esquema operou em pelo menos cinco contratos – quatro deles em São Paulo e um no Distrito Federal. O valor total dos serviços chegou a quase 1,92 bilhões de reais, em valores atualizados.
O esquema funcionava da seguinte forma: as empresas formavam consórcios e combinavam quem venceria cada licitação, quais valores apresentariam pelo serviço, e que os vencedores subcontratariam as derrotadas.
A formação do cartel, segundo documentos da Siemens, foi em 2000, durante a gestão Mário Covas (1995-2001). O contrato de 404 milhões de reais (735 milhões em valores atualizados) previa o fornecimento de trens e equipamentos para a linha-5 Lílas do Metrô. Ao todo, treze empresas participaram.
Um executivo da Siemens teria elaborado um contrato em que descreve como foi feito o esquema. “O projeto da linha 5 é o último de ganho certo. O fornecimento dos carros é organizado em um ‘político’, então, o preço foi muito alto”, diz um trecho do documento.
Nas administrações seguintes, o cartel atuou em outros três contratos que previam a manutenção de trens e o fornecimento de equipamentos para a linha-verde do Metrô. O último dos contratos foi firmado na administração de José Serra (2007-2010).
No Distrito Federal, o cartel mirou em 2007 num contrato de 77 milhões (103 milhões em valores atuais) para manutenção da rede do metrô.
Política - O secretário chefe da Casa Civil do Governo de São Paulo, Edson Aparecido, negou que as administrações tucanos tenham dado aval ao cartel e chegou a acusar o Cade de funcionar como uma “polícia política” – declaração que foi repudiada pela autarquia. O governador Geraldo Alckmin (PSDB) disse que o estado havia sido "vítima" do cartel e pediu na Justiça acesso aos documentos do Cade, mas o pedido foi negado. O PSDB negou que o funcionamento do cartel tenha beneficiado o partido, que governa São Paulo desde 1995.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo mostra que um executivo da Siemens relatou que o ex-governador José Serra sugeriu à multinacional um acordo, em 2008. para evitar que uma disputa empresarial travasse uma licitação da CPTM. Serra nega ter encontrado o executivo da Siemens.

Leia também: E-mails sugerem que Serra e Arruda sabiam de cartel no metrô, diz jornal
E-mails sugerem que Serra e Arruda sabiam de cartel no metrô, diz jornal
Siemens: empresa alemã denunciou a existência de um cartel para licitações de trens e metrô (Fabrizio Bensch/Reuters)
Ex-governador de São Paulo afirma que a concorrência para compra de trens, realizada em 2008, 'foi uma verdadeira ação anti-cartel'; Arruda diz que apenas assinou o contrato deixado pela gestão anterior
E-mails que fazem parte dos documentos em poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na investigação sobre o cartel de empresas de trens revelam que funcionários da Siemens disseram que tanto o ex-governador José Serra (PSDB), de São Paulo, quanto o então deputado José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal, tinham ciência da ação das empresas no setor metroferroviário. As informações foram reveladas pelos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo nas edições de ontem e hoje.
O e-mail que cita o ex-governador tucano fala de um encontrou durante uma conferência, a UIC, maior reunião mundial de empresas de transporte público, em 2008. A mensagem, enviada por Nelson Branco Marchetti, um ex-funcionário da Siemens, diz a três colegas que a licitação seria cancelada caso a empresa CAF não estivesse entre as vencedoras. "O senhor [José] Serra confirmou que, se a proposta da CAF não tiver condições de ser qualificada, a concorrência será cancelada", diz o texto.
O executivo disse também, segundo a documentação, que Serra não queria que a licitação tivesse atrasos. Por isso, ele e o então secretário dos Transportes Metropolitanos José Luiz Portella teriam mencionado que considerariam uma proposta em que a Siemens oferecesse 30% dos trens. "Outra solução a ser considerada seria a horizontal, com fornecimento de componentes" à empresa vencedora. "Ambas as afirmações acima foram confirmadas mais uma vez pelo pessoal do senhor Portella", diz ainda a mensagem.
Em nota, Serra e Portella afirmam que "a concorrência para compra de 40 trens de São Paulo, realizada em 2008, foi uma verdadeira ação anti-cartel, de defesa do Estado e dos usuários de transportes".
O ex-governador Arruda é citado em outra mensagem, datada de janeiro de 2006, quando estavam em negociação a contratação de empresas que fariam a manutenção do metrô de Brasília. A mensagem em posse do Cade é do executivo da Siemens Everton Rheinheimer. Ele relata um encontro com Arruda em que ficaria sabendo que o então governador Joaquim Roriz não queria cancelar a licitação - que estava sendo disputada. Em outra mensagem, o executivo diz que a "vontade do cliente (o Metrô do DF) é que a Siemens saia vencedora".
O texto mostra ainda que os executivos teriam ficado preocupados em conseguir cumprir os prazos legais para apresentar as planilhas de preços. Como o haveria tempo, a solução foi usar parte das planilhas de custos estabelecidas pelo Distrito Federal. "Podemos tomar os preços base do edital (que sabemos estarem ‘folgados’) e reduzi-los linearmente."

Leia mais:
PROVAS DO PROPINODUTO DO PSDB CHEGAM DA SUÍÇA EM 2014
FRAUDES DO CARTEL DA CORRUPÇÃO E DA MÁFIA DOS TRENS EM SP OCORREM HÁ MAIS DE 20 ANOS

ALGUNS DOS INVESTIGADOS, ENTRE OS QUAIS ROBSON MARINHO E JORGE FAGALI, INGRESSARAM NA JUSTIÇA SUÍÇA PARA IMPEDIR QUE AS INFORMAÇÕES CHEGASSEM AO BRASIL
IstoÉ
Arquivo Alstom
O PSDB paulista começará 2014 da mesma forma que terminou 2013: enrolado em um escândalo de corrupção. De acordo com promotores e procurados ouvidos por ISTOÉ, em fevereiro está prevista a chegada ao Brasil de uma leva de documentos até então em posse de autoridades suíças. Eles comprovam, segundo os investigadores, o pagamento de propina pela multinacional francesa Alstom para obtenção de contratos com estatais da área de energia. A papelada inclui registros bancários e movimentações financeiras feitas no país europeu por suspeitos de se beneficiarem do esquema, como Robson Marinho, chefe da Casa Civil durante o governo Covas, e Jorge Fagali Neto, ex-diretor dos Correios do governo Fernando Henrique Cardoso. Até agora, dez pessoas foram indiciadas pela Polícia Federal. Entre elas está o tucano Andrea Matarazzo, secretário estadual de José Serra e Mário Covas. O Ministério Público paulista e o Ministério Público Federal esperam a nova leva de documentos há três anos. Em agosto, quando estavam em vias de ser enviados, Robson Marinho e Fagali Neto ingressaram na Justiça suíça para impedir que as informações sobre suas contas chegassem às mãos dos responsáveis por investigar o caso no Brasil. Recentemente, no entanto, o pedido foi negado. Agora só falta a autorização do juiz do Tribunal Penal de Bellinzona, na Suíça, para que os papéis desembarquem no País

ALÉM DO ACORDO DE LENIÊNCIA DA SIEMENS, NOVAS REVELAÇÕES DE FRAUDES, VARIÁVEIS SEM CONTROLE DO PSDB, PODEM CAUSAR EMBARAÇOS AO GOVERNADOR DE SP, GERALDO ALCKMIN
Folha
Não é com ele - por Ricardo Balthazar, jornalista e editor de "Poder" da Folha
Se as investigações avançarem no ano em que ele estará em busca da reeleição, mais revelações poderão causar enorme embaraço ao PSDB e ao governador Alckmin.
Alckmin enfrentará uma eleição difícil em 2014. Ele acha que terá um trunfo se conseguir preservar a imagem de bom moço e administrador austero que os eleitores costumam associar a ele. Pode ser. Mas muito dependerá do andamento das investigações sobre o cartel, uma variável hoje completamente fora do controle do governador

CONTA SECRETA PARA PAGAMENTO DE PROPINA
O Globo
Ministério Público investiga conta de ex-presidente da Siemens
Inquérito vai apurar se dinheiro mantido no exterior foi usado para pagar propinas a funcionários públicos
SÃO PAULO - O Ministério Público de São Paulo abriu inquérito civil para investigar se parte do dinheiro da conta mantida em Luxemburgo pelo ex-presidente da Siemens, Adilson Antonio Primo, foi usado para pagar propina a funcionários públicos brasileiros. Segundo investigações da Siemens, a conta no Banco Itaú Europa Luxemburgo foi aberta em 2003 e pertencia à empresa Singel Canal Canal Services, aberta por executivos da Siemens. A Polícia Federal também investiga a conta no país europeu.
No primeiro ano, foram sócios da empresa Raul Melo de Freitas, José Antonio Lunardelli, Jurgen Brunowsky e José Mattos Junior. Em 2004, os donos da empresa mudaram: Freitas permaneceu e entraram Primo, Sérgio de Bona e José Manuel Romero Illana
Istoé aponta homens fortes do propinoduto tucano
A revista Istoé [ http://www.istoe.com.br/reportagens/319551_TODOS+OS+HOMENS+DO+PROPINODUTO+TUCANO ] volta a tratar das investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Ministério Público sobre o cartel do metrô em São Paulo na edição desta semana. Segundo a matéria, quadros importantes do PSDB levaram propinas e irrigaram campanhas eleitorais com recursos públicos.