terça-feira, 5 de abril de 2016

O irmão Obama Leitura imperdível!



O irmão Obama

Não precisamos que o império nos entregue nada de presente. Nossos esforços serão legais e pacíficos, porque é nosso compromisso com a paz e a fraternidade de todos os seres humanos que vivemos neste planeta
Fidel Castro Ruz

Os reis da Espanha trouxeram-nos os conquistadores e donos, cujas pegadas ficaram gravadas nos terrenos circulares atribuídos aos buscadores de ouro na areia dos rios, uma forma abusiva e vergonhosa de exploração cujos sinais ainda hoje podem ser advertidos, do ar, em muitos lugares do país.

O turismo hoje, em boa parte, consiste em mostrar as delícias das paisagens e degustar os alimentos requintados de nossos mares, e sempre que sejam compartilhados com o capital privado das megacorporações estrangeiras, cujos ganhos se não atingem os bilhões de dólares não são dignos de atenção alguma.

Já que fui obrigado a mencionar o tema devo acrescentar, principalmente para os jovens, que poucas pessoas percebem a importância de tal condição neste momento singular da história humana. Não direi que o tempo tenha sido perdido, mas não vacilo em afirmar que não estamos suficientemente informados, nem vocês nem nós, dos conhecimentos e da consciência que deveríamos ter para enfrentar as realidades que nos desafiam. O primeiro a ser levado em conta é que nossas vidas são uma fração histórica de segundos, a qual é preciso compartilhar, ainda, com as necessidades vitais de todo ser humano. Uma das características deste é a tendência à sobrevalorização do seu papel, questão que contrasta, por outro lado, com o número extraordinário de pessoas que encarnam os sonhos mais elevados.

Ninguém, contudo, é bom ou é mau por si próprio. Nenhum de nós está desenhado para o papel que deve assumir na sociedade revolucionária. Em parte, nós os cubanos, tivemos o privilégio de contar com o exemplo de José Martí. Pergunto, inclusive, se ele devia ter morrido ou não em Dos Rios, quando disse “para mim está na hora”, e avançou contra as forças espanholas entrincheiradas em uma sólida linha de defesa. Não queria retornar para os Estados Unidos e não haveria quem o fizesse retornar. Alguém tirou algumas folhas do seu diário. Quem arcou com essa pérfida culpa, que foi, sem dúvida, obra de algum intrigante inescrupuloso? Soube-se que existiam diferenças entre os chefes, porém jamais houve indisciplinas. “Quem tente apropriar-se de Cuba colherá o pó do seu solo alagado em sangue, se antes não perece na luta”, declarou o glorioso líder negro AntonioMaceo. Reconhece-se, igualmente, que Máximo Gómez foi o chefe militar mais disciplinado e discreto de nossa história.

Olhando de outro ângulo, como a gente não vai ficar admirada da indignação de Bonifacio Byrne quando, da distante embarcação que o trazia de retorno a Cuba, ao divisar outra bandeira junto da estrela solitária, declarou: “Minha bandeira é aquela que jamais tem sido mercenária...” para acrescentar imediatamente uma das frases mais belas que jamais escutei: “Se desfeita em miúdos pedaços chega a estar minha bandeira algum dia... nosso mortos, erguendo os braços, ainda saberão defendê-la...” Tampouco esquecerei as palavras ardentes de Camilo Cienfuegos naquela noite, quando a várias dezenas de metros de nós, bazucas e metralhadoras de origem norte-americana nas mãos de agentes contrarrevolucionários apontavam para nós.

Obama tinha nascido em 1961, como ele próprio explicou. Mais de meio século decorreria desde aquele momento.

Contudo, vejamos como pensa nosso ilustre visitante:

“Vim aqui para deixar atrás os últimos sinais da guerra fria nas Américas. Vim aqui estendendo a mão de amizade ao povo cubano”. E imediatamente um dilúvio de conceitos, inteiramente novos para a maioria de nós:

“Ambos vivemos em um novo mundo que foi colonizado pelos europeus”. Prosseguiu o presidente norte-americano. “Cuba, tal como os Estados Unidos, foi constituída por escravos trazidos da África; tal como os Estados Unidos, o povo cubano tem herança de escravos e de donos de escravos”.

As populações nativas não existem para nada na mente de Obama. Tampouco disse que a discriminação racial foi varrida pela Revolução; que a aposentadoria e o salário de todos os cubanos foram decretados por esta antes que o senhor Obama completasse dez anos. O odioso costume burguês de contratar esbirros para que os cidadãos negros fossem expulsos de centros de lazer foi varrido pela Revolução Cubana. Esta ficaria gravada na história pela batalha que travou em Angola contra o apartheid, pondo fim à presença de armas nucleares em um continente de mais de um bilhão de habitantes. Esse não era o objetivo de nossa solidariedade, mas sim o de ajudar aos povos de Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e outros da dominação colonial fascista de Portugal.

Em 1961, apenas um ano e três meses depois do triunfo da Revolução, uma força mercenária com canhões e infantaria blindada e com aviões foi treinada e acompanhada de navios de guerra e porta-aviões dos Estados Unidos e atacou de surpresa nosso país. Nada poderá justificar aquele aleivoso ataque que custou ao nosso país centenas de vidas, entre mortos e feridos. Da brigada de assalto pró-ianque, em nenhuma parte consta que tivesse podido ser evacuado nenhum mercenário. Aviões ianques de combate foram apresentados nas Nações Unidas como aparelhos cubanos revoltados.

É bem conhecida a experiência militar e o poderio desse país. Na África pensaram igualmente que Cuba Revolucionária seria igualmente posta fora de combate. O ataque pelo Sul de Angola por parte das brigadas motorizadas da África do Sul racista levou-as até as proximidades de Luanda, a capital desse país. Aí se iniciou a luta que se prolongaria não menos de 15 anos. Nem sequer falaria disto, a menos que tivesse o dever elementar de contestar o discurso de Obama no Grande Teatro de Havana Alicia Alonso.

Tampouco tentarei dar detalhes, a não ser que ali foi escrita uma página de honra na luta pela libertação do ser humano. De certa forma eu desejava que a conduta de Obama fosse correta. Sua origem humilde e sua inteligência natural eram evidentes. Mandela ficou preso a vida toda e se tinha convertido em um gigante da luta pela dignidade humana. Um dia chegou às minhas mãos uma cópia do livro no qual se conta uma parte da vida de Mandela e - surpresa! - o prólogo tinha sido escrito por Barack Obama. Folhei-o rapidamente. Era incrível o tamanho da minúscula letra de Mandela precisando dados. Vale a pena ter conhecido homens como aquele.

Acerca do episódio da África do Sul devo assinalar outra experiência. Eu estava realmente interessado em conhecer mais detalhes sobre a forma em que os sul-africanos tinham adquirido as armas nucleares. Somente tinha a informação muito precisa de que não eram mais de 10 ou 12 bombas. Uma fonte certa seria o professor e pesquisador Pero Gleijeses, quem tinha redigido o texto de “Missões em conflito: Havana, Washington e África 1959-1976”; um trabalho excelente. Eu sabia que ele era a fonte mais segura do que tinha acontecido e assim o comuniquei a ele: respondeu-me que ele não tinha falado mais do assunto, porque no texto tinha respondido as perguntas do companheiro Jorge Risquet, quem tinha sido embaixador ou colaborador cubano em Angola, muito amigo dele. Localizei Risquet que, entre outras ocupações, estava acabando um curso ao que faltavam ainda várias semanas. Essa tarefa coincidiu com uma viagem bastante recente de Piero ao nosso país; eu tinha advertido a Piero que Risquet já tinha uma idade avançada e que sua saúde não era ótima. Poucos dias depois ocorreu o que eu estava temendo: Risquet piorou e faleceu. Quando Piero chegou não havia nada a fazer exceto promessas, mas eu já tinha conseguido informação acerca do relativo a essa arma e a ajuda que a África do Sul racista tinha recebido de Reagan e de Israel.

Não sei o que terá de dizer Obama sobre esta história. Desconheço o que ele sabia ou não, embora seja muito duvidoso que não soubesse absolutamente nada. Minha modesta sugestão é que reflita e não tente agora elaborar teorias sobre a política cubana.

Há uma questão importante:

Obama proferiu um discurso no qual lança mão das palavras mais adocicadas para expressar: “Já é hora de esquecer-nos do passado, deixemos o passado, olhemos para o futuro, olhemos juntos o futuro, um futuro de esperança. E não vai ser fácil, vai haver desafios e a esses vamos dar tempo; mas minha estadia aqui me dá mais esperanças acerca do que podemos fazer juntos como amigos, como família, como vizinhos, juntos”.

Supõe-se que cada um de nós corria o perigo de sofrer um infarto após escutar essas palavras do presidente dos Estados Unidos. Após um bloqueio desapiedado que já durou quase 60 anos, e aqueles que morreram nos ataques mercenários a navios e portos cubanos, um avião regular cheio de passageiros feito explodir em pleno voo, invasões mercenárias, múltiplos atos e violência e de força?

Ninguém acalente a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória e aos direitos à riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura.

Advirto, ademais, que somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas espirituais de que precisamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. Não necessitamos que o império nos entregue de presente nada. Nossos esforços serão legais e pacíficos, porque é nosso compromisso com a paz e a fraternidade de todos os seres humanos que vivemos neste planeta.

Fidel Castro Ruz

www.cubaweb.granma.cu27 de março de 2016

Novo governo: nova política




Estão criadas agora as condições para que ela promova um rearranjo ministerial de profundidade e uma reorientação das diretrizes do programa de trabalho.

Paulo Kliass *


Existe uma lenda que circula pelos nossos tempos de que a língua chinesa apresentaria um mesmo ideograma para as palavras “crise” e “oportunidade”. Não interessa aqui entrar nessa polêmica informação e muito menos aprofundar na pesquisa etimológica a esse respeito. O fato é que tal curiosidade serve muito adequadamente para ilustrar a situação atual do Brasil. Como dizem os italianos, “se non è vero, è bentrovato”. Pode não ser verdade, mas cabe bem no caso.

A estratégia oportunista da maioria da direção do PMDB de se afastar do governo Dilma confirmou-se na reunião do Diretório Nacional em 29 de março. Ao aderir de corpo e alma à opção do golpismo, o principal partido da base aliada retorna ao seu verdadeiro leito original. Quando abraça a tese do impeachment da Presidenta sem a apresentação de uma única prova capaz de justificar tal medida extrema, os atuais dirigentes da agremiação - que por muito tempo foi dirigida pelo saudoso Ulysses Guimarães - expõem a sua verdadeira face.

O inusitado da circunstância se manifesta de diversas maneiras. Talvez a mais absurda delas seja o fato de se exigir a demissão imediata dos sete ministros e demais cargos de segundo e terceiro escalões, sem que haja qualquer menção ou referência ao posto de Vice Presidente da República ocupado por Michel Temer, justamente o dirigente máximo do peemedebismo. A histórica tradição de estar com vários pés em todas as canoas possíveis agora chega a um novo patamar: desembarcar de um governo com baixa de popularidade e realizar o antigo sonho de presidir o Brasil.

PMDB entre oportunismo e golpismo.

 No entanto, ao escancarar a crise de forma aberta e impiedosa, a conduta patrocinada pelo PMDB abre uma oportunidade excelente para que Dilma dê início, finalmente, ao seu mandato de forma mais autêntica. Apesar de todas as dificuldades que a demora em promover mudanças tem provocado, estão criadas agora as condições para que ela promova um rearranjo ministerial de profundidade e uma reorientação das diretrizes de seu programa de trabalho. Afinal, para um novo governo há que se identificar uma nova política.

A bem da verdade é preciso reconhecer que tais proposições não são nem tão novas assim. Basta recuperar os alfarrábios do programa apresentado pela candidata às eleições em outubro de 2014. Ali estão traçadas as linhas mestras de um projeto de desenvolvimento do País, combinando a busca do crescimento das atividades econômicas e a manutenção da diretriz de redução das desigualdades sociais.

Ocorre que a implementação da política de austericídio desde o início de 2015 até os dias de hoje comprometeu bastante a possibilidade de obtenção de resultados positivos no curto prazo. Ao contrário, em razão da insistência da Presidenta em seguir as recomendações da turma do financismo e seu ajuste fiscal a qualquer preço, estamos mergulhados em um ambiente marcado pela recessão e pelo desemprego. A manutenção da política monetária de juros estratosféricos corrói um volume absurdo de recursos orçamentários para pagar os juros da dívida e torna qualquer intenção de empréstimo altamente custosa para famílias e empresas.

Oportunidade para mudança.

A saída do PMDB e a afirmação de uma nova fase do governo de Dilma Rousseff só terá sentido se forem tomadas todas as medidas para viabilizar um programa mínimo de retomada do crescimento e do desenvolvimento. Isso significa escapar da armadilha do superávit primário e afirmar que o Estado deve ter um papel protagonista na saída da crise. A chantagem e as ameaças que o capital financeiro certamente vai patrocinar não devem amedrontar o novo governo. Há décadas a banca vem sendo aquinhoada com todas as benesses derivadas de uma política econômica voltada para atender aos interesses do financismo.

O simbolismo de R$ 540 bilhões de recursos do orçamento destinados ao longo dos últimos 12 meses para pagamento de juros da dívida pública é implacável. Manter tal injustiça enquanto todos os outros setores são chamados a contribuir com sua cota de sacrifício é inaceitável. Esse deveria ser o mote para a mudança. Reagrupar um conjunto amplo de forças políticas em torno de um programa de redução da dependência nefasta da financeirização, que atravessa nossa sociedade de alto a baixo.

A retomada da regularidade virtuosa das atividades da economia passa, em primeiro lugar, pela sinalização firme de que a taxa oficial de juros será reduzida para níveis próximos da inflação. Ou seja, assim como fizeram os países desenvolvidos, o governo estará sinalizando uma taxa SELIC real próxima de zero. Combinada a tal diretriz, é necessário que os bancos públicos federais implementem de forma imediata uma substancial redução de seus spreads nas operações de crédito. Com isso, a tão desejada “concorrência de mercado” obrigará os bancos privados a reduzirem também seus ganhos extraordinários. Caso contrário, perderão seus clientes migrarem para o Banco do Brasil e para a Caixa Econômica Federal.

Como justificar que as instituições financeiras sejam autorizadas pelo Banco Central a cobrar juros de 447% ao ano por operações com cartão de crédito das pessoas físicas? Ou então que cobrem uma média de quase 45% ao ano das empresas em operações simples como desconto de cheques ou duplicatas? Afinal, não nos esqueçamos de que elas captam recursos à base da SELIC a 14,25% anuais. A espoliação é escabrosa.

Reduzir juros e proteger o social.

O governo deve superar de forma urgente o esmagamento ideológico a quem vem sendo submetido e afirmar a necessidade de retomar o endividamento da União para seus programas de investimento, seja nas áreas sociais, seja nos setores de infraestrutura. Apesar dos arautos do liberalismo tupiniquim bradarem aos quatro ventos a respeito de uma iminente catástrofe fiscal, a realidade é que nossa relação dívida/PIB ainda está muito abaixo dos países considerados sérios e desenvolvidos. O Estado só criará as condições de aumento de suas receitas tributárias por meio da retomada das atividades da economia em geral.

A política de arrecadação de impostos deveria se pautar por uma sinalização clara de eliminação de facilidades injustificadas ao grande capital bem como pelo fortalecimento de medidas para redução dos elevados índices de sonegação e evasão fiscais. Por outro lado, existe bastante espaço para aplicação de impostos voltados à redução das desigualdades, promovendo maior taxação sobre riqueza e patrimônio.

No que se refere às ameaças na área social, é fundamental que seja assegurada à população a manutenção das linhas mestras como a política de valorização do salário mínimo, a política de benefícios da previdência social, a política de transferência de renda (Bolsa Família) e demais programas na área da saúde, educação e similares.

Enfim, a gravidade da situação não apresenta alternativa ao governo que não seja a de seguir lutando, como sugeria o slogan do “coração valente”. Lutando contra o golpismo e suas manifestações no recrudescimento do quadro social. Lutando para fazer valer o desejo das urnas nas eleições presidenciais e mudando a orientação da economia. O novo governo é a última chance para reconquistar o apoio popular e derrotar o golpe em seu próprio campo.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris

10 lições para subverter a Democracia



10 lições para subverter a Democracia

O "Método Sérgio Moro" coloca em xeque as conquistas democráticas em um país ainda assombrado pela memória do regime de exceção da Ditadura

Najla Passos

Deflagrada há dois anos, a Operação Lava Jato tem desrespeitado, sistematicamente, a Constituição de 88. Apenas os militares, na Ditadura, com o AI nº 5, tiveram poder para desrespeitar, de forma tão escancarada, o texto da Carta Magna.

Para os defensores do juiz Sérgio Moro, a justificativa obedece ao clássico raciocínio autoritário de que “os fins justificam os meios”, um jargão atribuído pelo PIG (Partido da Imprensa Golpista) como sendo uma prática utilizada pela esquerda mundial. No entanto, ela vem sendo praticada pela Justiça Federal do Paraná, com apoio incondicional do condomínio golpista.

Para os defensores da legalidade, os métodos do juiz Sérgio Moro colocam em xeque as conquistas democráticas em um país ainda assombrado pela memória do regime de exceção da Ditadura, e contribuem de forma decisiva para o golpe em curso contra o governo da presidenta Dilma Rousseff. 

Confira aqui a lista das principais subversões do Juiz Sérgio Moro:

1 - Delações premiadas no atacado

A delação premiada é um instrumento novo no arcabouço jurídico brasileiro, jamais usado com a intensidade vista na Lava Jato. Juristas das mais diversas áreas e tendências ideológicas são praticamente unânimes em afirmar que o instrumento não pode ser usado no atacado, sob pena de subverter as garantias constitucionais, suprimindo-as.

A delação premiada não tem finalidade de punição simplesmente, mas de buscar a correção de atos ilegais. Mas, a forma como ela vem sendo utilizada demonstra a única intenção de punir. Em outubro do ano passado, durante seminário da OAB, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Sebastião Reis, resumiu o problema:

“A delação está sendo banalizada. Tem mais colaborador do que réus na Lava Jato”, afirmou. Para o magistrado, da forma com que vem sendo utilizado, o instrumento gera seletividade nas condenações. “O Estado está abrindo mão do direito de punir em troca da condenação de três, quatro pessoas”, denunciou.


Pesquisa da Consultor Jurídico mostrou que todas as 23 delações firmadas por Moro até aquela data violavam a Constituição e/ou as leis penais. Em vários depoimentos forçados, chamados de acordos de delação, os "delatores" ficam impedidos de recorrer das sentenças condenatórias, que lhes forem impostas.

Essa verdadeira subversão constitucional ocorre pela exigência de renúncia de direitos indisponíveis, como o amplo direito de defesa.

É preciso esclarecer que mesmo um delator, posteriormente condenado, poderá entender que o que lhe foi concedido como "benefício" viola o princípio da proporcionalidade: ou se delata e se prova de imediato os atos e agentes ilegais, ou o delator aponta os atos como indícios, mas a prova precisará ser buscada em investigação.

Neste caso, quem demonstrou cabalmente as provas deveria receber um benefício maior do que quem apenas apontou os indícios. Caberia, portanto, discutir a sentença a partir do princípio da proporcionalidade. O Tribunal, por exemplo, poderia ampliar os benefícios.

As delações, tal como os depoimentos colhidos no período da ditadura, vedam completamente aos réus a possibilidade de impetração de habeas corpus, além de todo e qualquer recurso contra a senteça. %u228Há, inclusive, denúncias de que as delações estejam sendo utilizadas como instrumento para que réus mantidos encarcerados, algumas vezes em situações precárias, possam ter acesso à liberdade, por prazos até aqui indefinidos.

No entendimento de um membro do MP, que bem ilustra a subversão da garantia constitucional da dignidade humana e presunção da inocência que assola a Lava Jato, “passarinho para cantar precisa estar preso”. Estranhamente, são postos em liberdade "condicional" colaboradores que fazem a delação premiada. É evidente que a prisão preventiva não é preventiva, mas uma prisão para delação.

Prender para delatar

O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600 mil encarcerados, dos quais cerca de 25% ainda não foram sequer a julgamento. Entre eles, estão as vítimas da prisão preventiva, que a midiática Lava Jato teima em banalizar para dar aos “midiotas” a falsa sensação de que "algo muito profundo está mudando no país da corrupção”. Os juristas alegam que a prisão preventiva deveria ser a exceção. Não a regra.  "Ninguém será preso antes do trânsito em julgado". E que seu uso indiscriminado cobrará um alto preço da democracia.

No dia 11/3, um grupo de mais de 200 promotores e procuradores publicaram um manifesto criticando o excesso de prisões preventivas, requisitadas pelo Ministério Público e concedidas pelo judiciário. No documento, eles afirmam que “a banalização da prisão preventiva – aplicada, no mais das vezes, sem qualquer natureza cautelar – e de outras medidas de restrição da liberdade vai de encontro a princípios caros ao Estado Democrático de Direito”. As manifestações contra a prática têm sido recorrentes entre juristas e operadores do Direito ainda não contaminados pela “Doutrina Moro”.

No artigo “Prende e solta”, publicado na Folha em 9/3/2015, o ministro do STF Marco Aurélio de Mello já alertava para o problema. “A prisão preventiva talvez amenize consciências ante a morosidade da Justiça, dando-se uma esperança vã aos cidadãos, como se fosse panaceia perante esse mal maior que é a impunidade. A exceção virou regra, implementando-se, com automaticidade e, portanto, à margem da regência legal, esse ato de constrição maior que é a prisão. (…) Justiça não é sinônimo de justiçamento. A sociedade não convive com o atropelo a normas reinantes”, alertou o ministro.

As críticas também se devem ao fato de que a ânsia de Moro por prender e punir só atinge um lado do espectro ideológico. Enquanto a cunhada do ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, foi presa por engano ao ser confundida com outra pessoa em uma imagem de câmera de uma agência bancária, a mulher e a filha do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, continuam livres, leves e soltas, apesar de existirem provas eloquentes de que possuem contas clandestinas no exterior.

3 - Conduções coercitivas?

No dia 4/3, o país quase entrou em convulsão social depois que Moro determinou a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor na Lava Jato, no episódio que chegou a ser classificado por juristas como “sequestro”.

Não foi a primeira vez que o juiz se valeu do expediente, tão pouco a última. A cada nova fase da operação, os mandatos de condução coercitiva saem em dezenas da caneta de Moro, mesmo sem a intimação prévia do investigado, em clara violação da lei. Cento e tantas pessoas já foram submetidas à condução coercitiva, apesar de terem colaborado com as investigações.

O sequestro do ex-presidente Lula tem um peso simbólico especial. Maior líder político do Brasil, admirado e respeitado internacionalmente, ele jamais se negou a colaborar com a Lava Jato. Pelo contrário. Por três vezes, se apresentou voluntariamente à PF para prestar os esclarecimentos demandados por Moro.

Certamente, trata-se do único caso em que a condução coercitiva não foi determinada, pelo menos, com clareza. O juiz Moro não determinou expressamente que o ex-presidente fosse conduzido coercitivamente em direção a algum lugar.

Além disso, aeroporto é um lugar para se embarcar em um avião, não para prestar depoimento. Ainda mais em um espaço não atribuído à Polícia Federal, mas sob jurisdição da Força Aérea Brasileira, o que, aliás, provocou a intervenção do oficial comandante daquele posto, impedindo que o ex-presidente fosse embarcado num avião da PF que o aguardava ali para este fim, conforme denunciou, com exclusividade, a Carta Maior

O desrespeito ao ex-presidente e à legislação foi tão flagrante que até mesmo o ministro Marco Aurélio de Mello, que não mantém nenhum relacionamento ou simpatia por Lula, contestou Moro publicamente. "Condução coercitiva? O que é isso? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado?", questionou.

Professor da PUC-SP, o constitucionalista Pedro Serrano classificou a ação contra Lula como a maior ilegalidade já cometida em relação a um ex-presidente da República desde João Goulart.  "Não conheço na nossa legislação a figura da condução coercitiva sem que tenha havido antes a convocação”, disse.

4 - Autorização e divulgação de grampo ilegal

No dia 16/3, o Brasil que assistiu ao Jornal Nacional ficou chocado com o teor da conversa telefônica mantida entre Lula e Dilma, na qual, segundo o maior telejornal da mídia golpista, os dois tramavam para manter o ex-presidente fora das grades da Lava Jato. A conversa, como quase tudo na vida, admitia várias outras interpretações possíveis, como deixou claro a presidenta Dilma Rousseff. Mas isso não interessava à narrativa criada por Moro e a mídia que o serve.

O mais preocupante, porém, é que era uma conversa privada envolvendo a principal mandatária da República que, por previsão constitucional e legal, não pode ter suas comunicações privadas violadas e divulgadas sem autorização do STF, até mesmo por razões de segurança nacional. Para agravar o quadro, tratava-se de grampo inconstitucional e ilegal: o próprio Moro havia mandado a PF suspendê-lo às 11h12 e a gravação fora feita às 13h32. Mas o juiz se fez de morto e com clara intenção de subverter a Constituição e a lei, divulgou a conversa para a mídia três horas depois, naquela já considerada a operação de escuta telefônica mais ágil e ilegal da história do país.

Os áudios que inundaram a mídia dali para frente deixaram claro que Lula não era o único alvo das escutas. Foram vazadas conversas pessoais e sem peso para as investigações de sua mulher, Marisa, com seu filho, Lulinha. Também foram grampeados celulares de pessoas que sequer são investigadas pela Lava Jato, como o presidente do PT, Rui Falcão, e o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, no maior Big Brother jurídico de que se tem notícia no país.



5 - Violação do direito de defesa

São várias as formas com que a condução da Lava Jato viola o direito de defesa dos réus. A primeira a ser apontada pelos juristas, ainda no início da operação, está prevista em vários dos acordos de delação premiada já selados: por determinação do juiz Moro, os advogados de defesa ficam proibidos de ter acesso às transcrições dos depoimentos do delator, o que viola o princípio do contraditório e o direito à ampla defesa.

A mais recente e a que mais perplexidade causou foi a autorização do juiz para que a PF operasse escutas nos telefones do escritório de advogados que atendem o ex-presidente Lula. Todos os 25 advogados da equipe tiveram suas ligações grampeadas durante 30 dias, o que violou não apenas o direito ao sigilo do ex-presidente, como também dos demais 300 clientes do escritório. Em nota, o advogados denunciaram que a prática configura “um grave atentado às garantias constitucionais da inviolabilidade das comunicações telefônicas e da ampla defesa”.

6 - Carimbo de sigilo partidarizado

O mesmo Moro que divulgou a conversa privada da presidenta da república sem sequer pedir autorização ao STF, sob a alegação de que o conteúdo era de interesse público, colocou sob sigilo a chamada “Lista da Odebrechet”, o documento encontrado na última fase da operação que lista a relação de políticos que supostamente recebiam propina da empreiteira. A lista contém 200 nomes de políticos de 18 partidos. Lá estão os tucanos Aécio Neves e José Serra, assim como o peemedebista Eduardo Cunha. Não constam, porém, nem Lula e nem Dilma. Mas isso, claro, o juiz justiceiro cuidou de deixar sob sigilo. E o Jornal Nacional não mencionou.

7 - Vazamentos seletivos

Não se pode acusar Moro de responsabilidade pelos vazamentos seletivos de documentos da Lava Jato que, há dois anos, abastecem o noticiário com informações desfavoráveis a um campo político em detrimento do outro. Não há provas suficientes para isso. A não ser que se lance mão da Teoria do Domínio do Fato, que tanto sucesso tem feito nas acusações contra petistas.

Certo, nesta história, só mesmo o fato de que o juiz justiceiro nada fez para impedi-los, pelo menos enquanto eles desfavoreciam apenas ao governo federal e seu núcleo. A única vez em que ele falou em investigar o vazamento de informações referentes à Lava Jato foi quando suspeitou que Lula soube que a PF iria a sua casa com antecedência.

Parece que, quando os vazamentos se viraram contra o juiz justiceiro, Moro até se lembrou de que são ilegais.

8 – Atuação política escancarada

Moro tomou posição escancarada como força de oposição ao governo da presidenta Dilma quando, no dia 13/3, após as manifestações golpistas que tomaram conta do país, enviou um email à jornalista Cristiana Lobo, comentarista da Globo News, pedindo que as forças políticas do país “ouçam a voz das ruas”. "O juiz Sérgio Moro perdeu de vista os limites e responsabilidade da magistratura e se deixou influir pela publicidade", avaliou o professor emérito da USP e jurista Dalmo Dallari.

Antes disso, o juiz já havia dado provas de sua atuação partidarizada. No dia 9/3, proferiu uma palestra sobre a Lava Jato para a Lide Consultoria, cujo coordenador nacional, João Dória, é pré-candidato pelo PSDB à Prefeitura de São Paulo. Ao apresentá-lo ao público, Dória convidou os presentes a aderirem aos protestos pelo impeachment de 13/3. No dia 18/3, quando as mesmas ruas foram tomadas por brasileiros que defendem a democracia, o juiz justiceiro não trocou correspondência com jornalistas da mídia golpista e não elogiou a manifestação democrática.

Governador do Maranhão, o advogado e jurista Flávio Dino, que se demitiu do cargo de juiz federal para abraçar a carreira política, criticou a atuação política de Moro durante encontro dos Juristas pela Legalidade e pela Democracia com a presidenta Dilma, em 22/3. “O poder judiciário não pode mandar carta convocando para passeata. Não cabe ao poder judiciário fazer esse tipo de coisa. (…) Não usem a toga para fazer política, porque isso acaba por destruir o poder judiciário”, cobrou.

9 – Discurso de ódio

Muitos os intelectuais brasileiros têm acusado Moro de adotar uma estratégia discursiva autoritária para justificar a forma com que vem conduzindo Operação Lava Jato, um dos principais pilares do golpe em curso no país. Amplificado pela mídia e pela oposição golpista, o discurso de ódio seletivo contra a corrupção de apenas um espectro ideológico tem suscitado a violência.

São inúmeros os casos de pessoas agredidas por usarem roupas vermelhas, a cor identificada com a esquerda. Inclusive, cinco mães com bebês de colo. Há relatos de patrões que demitiram ou ameaçaram de demissão trabalhadores petistas e até de uma médica que se negou a atender o filho de uma ex-vereadora do partido em Porto Alegre (RS).

Segundo Flávio Dino, o discurso do combate à corrupção do qual Moro se serve é adotado pela elite golpista brasileira desde os anos 1950 para esconder os verdadeiros problemas do país e respaldar as rupturas da ordem democrática. “O que se segue a isto é o que estamos assistindo: o crescimento dramático de posições de corte fascista em nosso país, representadas pela violência, por grupos inorgânicos sem líderes, em busca de um 'duce', um 'füher', um protetor. Ontem, as Forças Armadas. Hoje, a toga supostamente imparcial e democrática”, explicou.

10 - Redução das garantias individuais

Muitos juristas avaliam que a subversão incorporada por Moro à investigação criminal, à instrução processual e aos julgamentos da Lava Jato têm reduzido drasticamente as garantias individuais no país, o que preocupa os defensores da democracia.

Ao comentar as práticas da Lava Jato em debate no Senado, o juiz Rubens Casara, especialista em direito processual penal, alertou que tanto no fascismo clássico italiano quanto no nazismo alemão e no stalinismo soviético a presunção de inocência também foi relativizada.

ElmirDuclerc Ramalho Junior, promotor na Bahia e professor de direito processual penal, reforçou: “há uma tendência autoritária perigosa que lembra, sim, períodos autoritários da história da humanidade”.