quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Juíza mandou invadir apartamento só porque polícia pediu

Juíza mandou invadir apartamento só porque polícia pediu

O secretário de Segurança de São Paulo afastou o delegado responsável pela invasão da casa do filho de Lula, Marcos.  Carlos Renato de Melo Ribeiro vai ter de explicar, à Secretaria de Segurança, a razão que o fez pedir, sem maiores explicações, a entrada no imóvel por uma alegada “denúncia anônima”.
É evidente que o delegado  não ia tomar uma medida destas na base de um simples telefonema anônimo e muito menos sem uma investigação preliminar.
A juíza Marta Brandão Pistelli saiu pela tangente, dizendo que os policiais chegaram observaram que  havia uma “grande movimentação de pessoas”. E que, por isso, concluíram que o endereço que estava sendo utilizado “para armazenamento de grande quantidade de drogas e armas”.
Conversa, francamente, inacreditável.
A Justiça determinou a devolução dos bens apreendidos pela polícia por que, claro, não havia nada relacionado a supostos crimes na residência.
E vai ficar por isso mesmo, porque abuso de autoridade no Brasil, embora aconteça a toda hora, “não vem ao caso”.

A reforma tributária e o último suspiro da proteção social

Política

Artigo

A reforma tributária e o último suspiro da proteção social

por Eduardo Fagnani* — publicado 11/10/2017 00h23, última modificação 10/10/2017 17h09
A reforma tributária em discussão na Câmara aprofunda as desigualdades
Davi Ribeiro
situaçao de rua
O Brasil não voltará a crescer de forma sustentável sem desconcentrar renda


No “debate nacional” protagonizado pelos donos do poder é necessário insistir no óbvio. Foi o que fez o economista francês Thomas Piketty em sua recente passagem por aqui: “O Brasil não voltará a crescer de forma sustentável enquanto não reduzir a desigualdade e a extrema concentração da renda no topo da pirâmide social”.
Destacou que somos “um dos países mais desiguais do mundo”, só superados pela África do Sul e por alguns países do Oriente Médio, segundo as medições do instituto de pesquisa que dirige, o World Wealth and Income Database.
Para o autor de O Capital no Século XXI, a saída passa pela correção da crônica injustiça do sistema tributário e pelo aprofundamento das “políticas sociais adotadas nos últimos anos”. A mediocridade da agenda de reformas no Brasil caminha, porém, na contramão dos truísmos reafirmados por Piketty. Um dos objetivos da radicalização do projeto neoliberal em curso é a destruição do Estado Social inaugurado em 1988. No último país das Américas a abolir a escravidão, argumenta-se que as demandas sociais da democracia “não cabem no orçamento”.
Este processo de destruição pela asfixia financeira está sendo encenado pelo “teto” dos gastos públicos até 2036, pela ampliação da desvinculação constitucional de recursos para o gasto social (de 20% para 30%); e pela reforma da Previdência, que deve extinguir o direito básico à proteção na velhice.
O último suspiro da proteção social provavelmente virá da reforma tributária em tramitação no Congresso. Em primeiro lugar, ela não enfrenta as injustiças do sistema de impostos. Nenhuma atenção é dada ao essencial, contrariando a experiência de muitos países desenvolvidos há mais de um século: alíquotas mais altas do Imposto de Renda, combate às isenções para rendas de capital (como os dividendos pagos pelas empresas a seus acionistas) e taxação sobre transações financeiras, herança, patrimônio e grandes fortunas.
Piketty
Não adianta ignorar os alertas de Piketty (Foto: Pilar Velloso)
Em segundo lugar, a reforma extingue diversos tributos (IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação, CIDE-Combustíveis, ICMS e ISS), a serem substituídos por um imposto sobre o valor agregado de competência estadual (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços, IBS) e outro sobre bens e serviços específicos, de alçada federal (Imposto Seletivo, IS).
A simplificação do sistema de impostos é necessária. O problema é que os tributos constitucionalmente vinculados para a proteção social estão sendo extintos e substituídos por novos tributos sem vinculação. Caminha-se no sentido de desmontar as bases de financiamento das políticas sociais asseguradas pela Constituição de 1988 (CSLL, PIS, Pasep, Cofins) e por legislações anteriores (Salário-Educação).
A concretização dessas mudanças fragilizará o financiamento da Educação e o orçamento da Seguridade Social, afetando a sustentação dos gastos em setores como Previdência Social, Assistência Social, Saúde e Seguro-Desemprego.
Na prática, o “Teto de Gastos”, a ampliação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) e a reforma tributária acabam com as vinculações constitucionais de recursos para as políticas sociais. Esse fato acentuará a assimetria entre a captura de recursos públicos pelo poder econômico e pela sociedade.
A história aponta vários exemplos nesse sentido. Observe-se que desde a Constituição de 1934 tem prevalecido a obrigatoriedade constitucional de se aplicarem no setor educacional porcentuais mínimos das receitas de impostos da União, dos estados e dos municípios.
A ditadura desobrigou os governos federal e estaduais dessa vinculação. Em consequência, declinaram os gastos com educação dessas instâncias.
Esse fato contribuiu para a aglutinação de grupos políticos e ideológicos de diferentes correntes em torno de um movimento reivindicando “mais verbas para a educação”. Diante desse cenário, ocorre, em 1976, a primeira tentativa de aprovar sua emenda nesse sentido, de autoria do senador João Calmon. Em 1983, a Emenda Calmon foi reapresentada e aprovada pelo Congresso. Posteriormente, a Constituição de 1988 restabeleceu de vez a prática, inaugurada em 1934.
Outro exemplo emblemático é a experiência do Sistema Único de Saúde no início dos anos 1990, quando o Ministério da Previdência decidiu utilizar integralmente as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de salários para cobrir os benefícios previdenciários.
O buraco na saúde pública permaneceu até 1996, quando o Congresso aprovou a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). A área econômica do governo Fernando Henrique Cardoso passou, no entanto, a utilizar os recursos conforme as conveniências da gestão das contas públicas. Nesse cenário, parlamentares defensores do SUS conseguiram aprovar, em 2002, a Emenda Constitucional 29, a estabelecer vinculação dos orçamentos nos três entes federativos.
 E o que dizer da Seguridade Social, cujos recursos constitucionalmente vinculados (basta ler com atenção o artigo 195) são desviados para outras finalidades desde 1989? Como se vê, para os donos do poder, vale tudo para capturar recursos públicos. O que acontecerá com o financiamento da proteção social num contexto em que a Constituição não o ampare?
A resposta é igualmente óbvia, sobretudo após o País enveredar pela agenda de reformas “do mercado”, recusando-se a ouvir o que diz Piketty e outros críticos. Pobres “capitalistas” autofágicos, incapazes de “precificar” os custos econômicos, políticos e sociais de não enfrentarem a abissal concentração de renda no Brasil, com um sistema tributário mais justo e progressivo, e com o fortalecimento da rede de proteção social. 
* Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit) e coordenador da rede Plataforma Política Social.
Fonte: Carta Capital

O golpe chegou à Embrapa

Tecnologia

Sob nova direção

O golpe chegou à Embrapa

por Ana Guerra* — publicado 05/10/2017 14h39, última modificação 05/10/2017 15h25
Um dos nossos maiores patrimônios, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária pode ter de abrir seu banco genético a multinacionais do setor
Wilson Dias/Agência Brasil
O golpe chegou na Embrapa
Com a criação da EmbrapaTec, banco genético avaliado em US$ 1 bilhão pode estar em risco
[Este é o blog do Brasil Debate em CartaCapital. Aqui você acessa o site]
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), um dos maiores patrimônios públicos do Brasil e reconhecida internacionalmente por sua excelência em ciência e tecnologia, está sob riscos após o golpe contra a democracia ocorrido em 2016.
Empresa idônea em um país com quadro social, político e institucional permanentemente corroído pela corrupção, a instituição agoniza com a burocratização excessiva da atividade científica. Cada vez mais, seus pesquisadores doutores são obrigados a assumir responsabilidades não científicas na gestão de projetos, como o uso obrigatório de inúmeros sistemas eletrônicos inoperantes e não integrados, que os fazem gastar mais tempo em atividades “meio” pouco relevantes, em vez de se concentrarem em atividades “fins” para a construção de conhecimento que envolva pesquisa, desenvolvimento, inovação e transferência de tecnologia em benefício da sociedade brasileira.
Sem perspectivas de novos concursos desde o golpe institucional, a Embrapa detém 9.680 funcionários, sendo 15,24% aposentados pelo INSS que se mantêm na ativa e mais da metade com faixa etária acima de 50 anos de idade, um cenário que coloca em risco sua sobrevivência no curto e médio prazo. Ademais, a instituição vem se submetendo a sucessivos cortes orçamentários que comprometem os resultados de pesquisa, com maior gravidade que em outras áreas de conhecimento, pois as ciências agrárias estão envoltas em processos de investigação com seres vivos (animais, plantas, microrganismos e outros) que não podem ser submetidos a interrupções. 
Entre seus funcionários, divididos em pesquisadores, analistas e assistentes de pesquisa, há a desconfiança de que o quadro acima não ocorre por acaso, mas para justificar intervenções privadas que colocam em risco seu papel institucional e sua própria existência estratégica como geradora de conhecimentos desde sua criação, em 1973. A suspeita não é em vão, a partir da proposição do projeto de lei 5234/2016, que autoriza a Embrapa a criar uma subsidiária integral, denominada Embrapa Tecnologias Sociedade Anônima, a EmbrapaTec.
De acordo com o projeto, essa subsidiária integral, sob a forma de sociedade por ações de capital fechado, terá por objetivo social a negociação e a comercialização das tecnologias, dos produtos e dos serviços desenvolvidos pela Embrapa e outras instituições científicas, tecnológicas e de inovação, e a exploração dos direitos de uso das marcas e dos direitos de propriedade intelectual deles decorrentes, de modo a promover a disseminação do conhecimento gerado em prol da sociedade.
A proposta está assentada em um projeto de lei sucinto, que abre a possibilidade de relações imprevisíveis com as grandes corporações internacionais do setor agropecuário e florestal. Ademais, a existência da proposta passou a ser de conhecimento de seus funcionários somente após sua formalização na Câmara dos Deputados, com ausência absoluta de discussão interna, além da primeira audiência pública sobre a criação da EmbrapaTec, ocorrida na mesma casa em setembro de 2017, não ter sido divulgada dentro da empresa.
Um dos argumentos utilizados pela nova diretoria da Embrapa, empossada recentemente pelo Governo Temer, para a criação da subsidiária é de que o Estado não mais apresenta condições de financiar a pesquisa devido aos seus altos custos, ou seja, admite-se covardemente o Estado Mínimo, em vez de se lutar pela valorização da ciência e tecnologia, além de se admitir que a pesquisa agropecuária e florestal representa custos, e não investimentos estratégicos para a sociedade brasileira.
Outro ponto que apequena a nova diretoria é defender a subsidiária com a justificativa de que os novos desafios de pesquisa, que resultem em comercialização de tecnologias, produtos e serviços desenvolvidos pela casa, requerem profissionais de excelência em outras áreas, como economia e direito, como se a Embrapa não tivesse legitimidade para demandar novos perfis profissionais por meio de concursos públicos. Afinal, a EmbrapaTec é solução inovadora ou consequência de problemas estruturais que deveriam ser solucionados pela nova diretoria da Embrapa?
Falta clareza também sobre o retorno dos recursos financeiros que a Embrapa irá investir na sua subsidiária durante os três primeiros anos de criação da última. Se o lucro da nova instituição não se consumar, quem irá arcar com o rombo orçamentário, o Tesouro Nacional, a Embrapa ou as empresas privadas parceiras? Um dos argumentos explícitos do representante da CNA, na primeira audiência pública da Câmara dos Deputados, foi de que o retorno do investimento em ciência e tecnologia é alto e moroso, logo, não se justifica a criação de uma estrutura que envolve campos experimentais, laboratórios e recursos humanos de excelência pelas empresas privadas se a Embrapa já os possui, sem mencionar como ficam as repartições de lucros e prejuízos. 
É fundamental que a sociedade brasileira esteja ciente de que o que está por trás de todo esse jogo oculto de intenções é o acesso de grandes corporações multinacionais do setor agropecuário e florestal ao banco genético brasileiro formado por introduções, doações e coletas de material realizadas, prioritariamente, junto aos agricultores.
Este banco genético, sob a responsabilidade da Embrapa e avaliado em mais de US$ 1 bilhão, conta como mais de 200 mil acessos e conserva material estratégico para a soberania nacional na pesquisa agropecuária e florestal (com não menos importância para a pesquisa médica e farmacêutica), para a mitigação e a adaptação de cultivares agrícolas em um cenário crítico de mudanças climáticas, e para a segurança alimentar e nutricional da população brasileira. O banco genético é tão importante para o país que pode ser considerado o “banco central” da agricultura brasileira.
A criação da EmbrapaTec, ao abrir a perigosa possibilidade de acesso ao acervo contido no banco genético da Embrapa, fere os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na assinatura (2002), ratificação (Decreto Legislativo 70/2006) e promulgação (Decreto Presidencial 6.476/2008) do Tratado Internacional sobre os Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura (TIRFFA-FAO), aprovado em Roma (2001), que inclui os direitos dos agricultores de participar dos processos de decisão relativos aos acessos de germoplasma (sementes e mudas) coletados junto a eles. É mais um exemplo de descaso do Governo Temer com a relação internacional.
Os riscos são intangíveis, uma vez que atualmente apenas três empresas multinacionais dominam o mercado de sementes no Brasil, que representa cerca de  um terço do mercado mundial, de cerca US$ 30 milhões ao ano. Com a EmbrapaTec, os bancos de germoplasma da Embrapa, contido em seu banco genético, já não representarão um lugar seguro e soberano para conservar tão importante patrimônio brasileiro.
E pelo viés assumido pelos gestores da Embrapa, não fica clara também a relação e os interesses da nova subsidiária junto à pluralidade de categorias produtivas e perfis socioculturais contidos no meio rural, como setor agroexportador, agricultura familiar, populações tradicionais e povos indígenas. Enfim, o que está por trás da EmbrapaTec? A nova diretoria da Embrapa, empossada recentemente pelo Governo Temer, ainda não conseguiu responder aos seus funcionários e ao povo brasileiro, resta saber se há o interesse em fazê-lo.

*Ana Guerra é o pseudônimo de uma pessoa que escolheu esconder sua identidade para não sofrer represálias por conta de suas opiniões sobre a Embrapa
Fonte: Carta Capital

Soberania ameaçada

Geopolítica

Soberania ameaçada

por Celso Amorim* — publicado 15/06/2017 08h40, última modificação 15/06/2017 08h50
Os nebulosos exercícios militares ao lado dos EUA e a adesão apressada à OCDE, o clube dos países ricos, apequenam o Brasil no cenário global
Jorge Cardoso
Exército brasileiro
O Brasil abrirá mão da autonomia?
Não é só no terreno das medidas internas (como Previdência Social, relações trabalhistas e investimentos sociais) que a desmontagem do que resta de um projeto de desenvolvimento autônomo e inclusivo do Brasil está sendo levada a cabo por um governo que carece da legitimidade que só o voto do povo pode conferir.
Dois fatos recentemente noticiados, sem muita análise, têm o potencial de afetar de maneira significativa a visão que até hoje prevaleceu sobre a inserção do Brasil no contexto global e regional. Comecemos pelo mais simples. Segundo relatos, sempre esparsos e desprovidos de detalhes, estariam programados (ou já em curso) exercícios militares envolvendo alguns de nossos vizinhos, além de Panamá e Estados Unidos.
O objetivo dessas manobras estaria definido por seu caráter humanitário, mas, segundo comentários não desmentidos, elas poderiam também servir a questões ligadas à segurança, como o combate ao narcotráfico. O parceiro norte-americano do Brasil, nessas operações, seria o Comando Sul do Pentágono, uma espécie de quartel-general avançado para questões latino-americanas e caribenhas, por meio do qual Washington procura garantir sua hegemonia na região.
Cabem, a propósito, duas ou três observações, que faço com certa cautela, até porque as informações a respeito desses exercícios não são facilmente disponíveis. Um primeiro comentário refere-se justamente à relativa falta de transparência que cerca o tema, diferentemente, por exemplo, da ampla divulgação dada à chamada Operação Ágata, realizada em nossas fronteiras durante o governo Dilma Rousseff.
Na época, o esforço de transparência visava também, mas não exclusivamente, tranquilizar os países fronteiriços sobre os objetivos da operação e dar-lhes garantia de que sua soberania não seria violada. Outro ponto refere-se ao objetivo dos exercícios e o que eles implicarão na prática. A presença de forças extrarregionais, entendidas como não sul-americanas, em exercícios militares sempre foi vista com bem fundamentada cautela, se não mesmo desconfiança, por nossas Forças Armadas. A presença de observadores, mesmo em uma operação definida como humanitária, dá acesso a dados e informações fundamentais à nossa segurança (e à dos nossos vizinhos).
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Não está clara a intenção dos exercícios militares com os EUA (Foto: Angel Valentin/Getty Images/AFP)
O Brasil, em diversos governos, sempre foi muito prudente nesse particular. Recordo-me, a propósito, de um episódio ocorrido no governo Itamar Franco, quando um cônsul dos Estados Unidos pretendeu acompanhar a vistoria do terreno em que se deu a matança de índios ianomâmis. Na ocasião, o diplomata foi retirado do helicóptero em que embarcou juntamente com autoridades brasileiras, por orientação expressa do Itamaraty.
Talvez ainda mais grave, o fato de essas manobras ocorrerem em um momento especialmente delicado que vivem vários países da América do Sul alimenta suspeitas e desconfianças que procuramos, ao longo dos anos, superar. A criação do Conselho de Defesa Sul-Americano, no âmbito da Unasul, contribuiu decisivamente para melhorar a atmosfera das relações entre países da região de diferentes matizes ideológicos, afastando a ameaça de conflitos que pareciam iminentes.
Uma fissura entre países descritos como “bolivarianos” e os que se perfilam (em tese) a um suposto padrão democrático liberal não interessa ao Brasil, que deve justamente zelar pela concórdia e a unidade na América do Sul, respeitando o princípio essencial do pluralismo. Ao que tudo indica, o esforço em acentuar essa personalidade sul-americana (consubstanciado, entre outras iniciativas, na criação da Escola Sul-americana de Defesa – Esude) está cedendo lugar a cediças concepções de “Segurança Hemisférica”, gestadas durante a Guerra Fria.
O outro tema que gera preocupação é o da apressada adesão à OCDE, o clube de países ricos. O Brasil, como outros emergentes, há anos tem acordos de parceria com aquela organização, mas sempre evitou tornar-se membro pleno. Há razões econômicas e de natureza geopolítica nessa postura. No mesmo dia em que escrevo este artigo, um jornal especializado salienta que o Brasil terá de assumir novas obrigações em matéria de liberalização econômica, mesmo antes de ser admitido como integrante pleno.
Entre os que defendem, por boa-fé ou dever de ofício, esse curso de ação, argumenta-se que o Brasil pratica muitas das normas preconizadas pela OCDE. A diferença é que, hoje, elas podem ser revistas e modificadas por um governo que venha a ser legitimamente eleito. No caso de adesão à organização, tais normas se transformam em obrigação internacional, cujo descumprimento implicaria censura ou, no limite, algum tipo de sanção.
Mas o prejuízo maior será de natureza geopolítica. Nos últimos anos, de forma explicita e, há mais tempo, de modo intuitivo, o Brasil tem se pautado pela visão de que um mundo multipolar, sem hegemonias ou consensos fabricados nas capitais dos países desenvolvidos, era o que mais nos convinha.
A tendência à multipolaridade, no campo econômico, foi consideravelmente fortalecida pelo surgimento dos BRICS. Foi a ação concertada dessas grandes economias emergentes, no fórum do G-20, na esteira da crise financeira do fim da primeira década deste século, que se possibilitou uma reforma, ainda que modesta, do sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial, reforma que só foi implementada quando as cinco economias emergentes decidiram criar suas próprias instituições financeiras.
A soberania é o que define uma nação como tal, do ponto de vista jurídico e político. Se abrirmos mão de parcelas importantes desse atributo essencial dos povos independentes, estaremos nos condenando a um papel de ator secundário e subordinado na cena internacional, com repercussões no bem-estar da nossa população e na segurança do Brasil como Nação.
* Foi chanceler nos governos Lula e ministro da Defesa no primeiro mandato de Dilma Rousseff

PSOL quer acompanhar exercício militar com EUA na Amazônia

Defesa

PSOL quer acompanhar exercício militar com EUA na Amazônia

por André Barrocal — publicado 11/10/2017 09h38
Pedido foi a ministro da Defesa e a chefe do Exército. Na Câmara, cobrança de informações sobre a nebulosa operação
Divulgação
Exército
Infantaria aeromóvel do Exército em treinamento
No início de novembro, o Exército fará um treinamento militar na Amazônia, numa área de fronteira com Peru e Colômbia, países cujas tropas estarão na atividade. As Forças Armadas dos Estados Unidos também vão participar, inédita presença do Tio Sam na Amazônia brasileira. Se os EUA terão portas abertas, por que não abri-las para um deputado? 
É o que quer o líder do PSOL na Câmara, Glauber Braga (RJ). O parlamentar protocolou o pedido no ministério da Defesa na segunda-feira 9. O documento destinava-se ao ministro Raul Jungmann e ao comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas. 
“A observação do exercício in loco poderá contribuir para o acompanhamento da operação com o máximo de transparência”, diz o deputado no ofício. 
No mesmo dia, Braga apresentou na Câmara um requerimento de informações dirigido a Jungmann. Quer detalhes sobre a presença, no treinamento, de militares que não sejam os dos países da tríplice fronteira. São cinco perguntas: 
1) No entendimento do Ministério da Defesa, o que justificaria o convite a militares de países de fora da América do Sul, e particularmente dos Estados Unidos, para participação em exercício militar na Amazônia brasileira? 
2) Quantos militares de outros países participarão do exercício Amazonlog17? Quais os seus nomes, nacionalidades e patentes, e quais funções desempenharão no exercício?
3) De quais outras formas os Estados Unidos participarão do exercício militar na Amazônia? Quais os nomes e funções do conjunto de estadunidenses (inclusive da equipe de saúde e de apoio logístico) que participarão da operação? 
4) O que justificaria o convite aos Estados Unidos para participar da instalação de uma base militar na Amazônia brasileira, ainda que temporária?
5) Segundo o sítio do Ministério da Defesa, empresas do setor de Segurança e Defesa, do Brasil e do exterior, apresentarão, em exposição ou durante o exercício, produtos que possam ser pertinentes à defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia. Quais empresas, brasileiras e estrangeiras, foram convidadas para essa exposição e participação no exercício, com base em quais critérios e segundo quais procedimentos? 
Para o governo ser obrigado a responder as questões, a Câmara precisa aprovar o requerimento. “A defesa da Amazônia é tema da maior relevância para a garantia da soberania e do desenvolvimento sustentável do Brasil, bem como dos direitos dos povos da região”, diz Braga no requerimento.
O deputado tem desconfianças adicionais, além daquelas apresentadas tanto no pedido para participar do treinamento (transparência) quanto para o requerimento de informações (defesa da Amazônia). “As riquezas da Amazônia e a maior reserva de petróleo do mundo estão muito próximas de onde será feito o treinamento”, afirma.
A maior reserva petrolífera do planeta fica na Venezuela, nação distante 600 quilômetros do centro da operação marcada para acontecer entre os dias 6 e 13 de novembro, Tabatinga, cidade de 60 mil habitantes no Amazonas, separada da colombiana Letícia por uma avenida e a uma corrida de barco da ilha peruana de Santa Rosa.
A Venezuela tornou-se um barril de pólvora nos últimos meses, graças a desavenças aparentemente insolúveis entre o governo chavista de Nicolás Maduro e a raivosa oposição direitista. Uma guerra civil não pode ser descartada.
Nesse clima, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse publicamente que considera usar uma ação militar no vizinho do Brasil, o que alimentou fantasmas de uma conflito armado. 
Em reportagem na edição que chegou às bancas em 25 de agosto, CartaCapital tratou desses “fantasmas”. 
Na Venezuela, por exemplo, há chavista crente de que o treinamento é o prelúdio de uma invasão do país por mercenários que os EUA contactariam em novembro e depois incentivariam e abasteceriam. 
A precariedade de informações brasileiras sobre o treinamento é uma das causas dos fantasmas. Jungmann não é lá muito eloquente a respeito. Tocou pela primeira vez no tema em 15 de maio. Bravo, como lhe é peculiar. “Não tem tropa americana aqui, não tem exército americano aqui, nem vai ter.” 
Repetiu o tom em um debate no Senado em 29 de junho, única menção em três horas. “Esse é um caso escandaloso de fake news”, afirmou. “Serão quatro observadores, senhores, quatro observadores num exercício sobretudo voltado para a logística humanitária.” 
Seria um propagador de fake news site oficial do Amazonlog, nome de batismo do evento que se compõe do exercício militar de novembro e de um simpósio e uma feira de negócios em setembro? “Em toda a região serão desenvolvidas ações conjuntas, multinacionais e interagências por tropas e agências brasileiras, colombianas, norte-americanas e peruanas”, diz o site. 
Ao listar os participantes do exercício militar por países, por órgãos brasileiros e por Forças Armadas, inclui entre estas últimas o “Comando Sul dos Estados Unidos”, ao lado de Brasil, Colômbia e Peru. Trata-se de uma instituição sediada em Miami, a olhar em nome do Tio Sam para tudo o que está para baixo dali, encarregada de operações no Caribe e na América do Sul.
Seu comandante, general Clarence Chinn, passou por Brasília em março, para conversar sobre os preparativos dos exercícios. De lá, viajou à Amazônia, a fim de conhecer o principal QG brasileiro na região.
Quatro dias depois da reportagem de agosto de CartaCapital, o comando do Exército publicou em seu site um relato um pouco mais informativo. Dizia que os EUA participarão cedendo uma aeronave de transporte C130, uma cozinha móvel, uma estação de purificação de água e uma equipe de saúde. 
O teor do comunicado foi replicado parcialmente pelo Ministério da Defesa em 26 de setembro, no meio de um texto que abordava o início do simpósio que faz parte do Amazonlog17.