sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O que restará do Brasil após a Lava Jato?

O que restará do Brasil após a Lava Jato?

Explicar a política brasileira para o publico estrangeiro é tão difícil quanto traduzir Guimarães Rosa. É difícil explicar mesmo aos brasileiros, porque as verdades factuais mais singelas são diariamente soterradas sob toneladas de mentiras. Em geral, o público, doméstico ou estrangeiro, atêm-se às generalidades. Mas a verdade, assim como o diabo, mora nos detalhes, nas entrelinhas.
O Partido dos Trabalhadores (PT), que foi apeado do poder pelo impeachment, divulgou um comunicado, assinado por Carlos Zarattini, sua liderança na Câmara, que revela a esquizofrenia e caos que acometeu o sistema político brasileiro. O texto denuncia o governo Temer, acusando-o de “patrocinar um conjunto de manobras para literalmente bloquear Operação Lava-Jato, preservando assim o PMDB e o PSDB das investigações da força-tarefa”.
O título do artigo é: “Governo Temer quer acabar com Lava-Jato e entregar riquezas nacionais aos estrangeiros”
Acontece que a Lava Jato, que o lider do PT na Câmara agora defende com tanta garra das “manobras” do governo, é a mesma que acusa Lula de ser o “comandante máximo” dos esquemas de corrupção investigados pela operação.
O próprio PT, através de seus principais dirigentes, quadros e militantes, vários de seus parlamentares, além de seu presidente de honra, fundador, e candidato definido para as próximas eleições presidenciais, o ex-presidente Lula, vem denunciando a Lava Jato como uma operação desonesta, de natureza político-partidária, que tem agora como objetivo principal tirar Lula do páreo em 2018.
Como explicar, portanto, que o mesmo partido que acusa o governo Temer de querer “acabar” com a Lava Jato é também o partido mais prejudicado e mais perseguido pela Lava Jato. Pesquisas de opinião recentes demonstram que, apesar da operação ter atingido vários partidos, a grande maioria da população associa à Lava Jato ao PT. E foi justamente a Lava Jato que produziu a atmosfera de terror político e econômico, ao paralisar e destruir setores inteiros da economia, que levou ao impeachment.
A explicação é dura, mas simples: o PT se tornou como uma daquelas galinhas das quais se corta a cabeça. Elas continuam correndo para cá e para lá, desgovernadas, agitadas, sem saber, porém, para onde correr. E não é de hoje.
O público estrangeiro precisa entender o seguinte. O problema do Brasil não é a corrupção. A era petista foi um dos momentos com menos corrupção da nossa história. O governo federal inaugurou instrumentos de transparência que nunca existiram antes. Foram criadas agências de controle de gastos e combate a desvios que também não existiam. E, sobretudo, as instituições encarregadas de investigar a corrupção nunca tiveram tanta autonomia, recursos e apoio político, como a Polícia Federal e o Ministério Público. Foi o PT que criou toda a legislação anticorrupção que, em seguida, seria usada pelas instituições para destruir o próprio PT.
As estimativas de desvios feitas pela Lava Jato são inteiramente exageradas, com objetivo de produzir factoides de grande impacto na mídia. Era preciso criar uma narrativa, o de que a Lava Jato havia desbaratado a “maior corrupção da história”. Mentira. Não foi maior nada. Esse ranking de “maior da história” é absurdo, porque seria necessário que houvesse uma investigação similar em outro momento, e não houve, e que os valores fossem atualizados pela inflação, pelo tamanho do PIB, etc.
Em palestra recente na universidade de Columbia, patrocinada pela fundação Lemann, pertencente ao homem mais rico do Brasil, o juiz Sergio Moro admitiu que a Lava Jato provocou instabilidade, mas que, no futuro, isso se reverteria para o bem do Brasil, que se tornaria “mais competitivo”.
No encontro de Davos, que reúne grandes empresários e chefes de Estado do mundo inteiro, o presidente Michel Temer não estava lá. O principal representante do Brasil foi o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que foi abraçado pelo presidente do Paraguai (cujo governo nasceu também de um golpe), e deu uma entrevista afirmando que a Lava Jato é “pró-mercado”.
O desastroso efeito sistêmico provocado pela destruição das grandes empresas brasileiras de construção civil era óbvio, mas a loucura política instalada pelo impeachment cegou a todos. Os representantes da Lava Jato hoje procuram justificar a sua irresponsabilidade com argumentos ideológicos: a Lava Jato é pró-mercado e levará o Brasil a ser mais “competitivo”.
Além da destruição da economia, o efeito mais curioso da Lava Jato foi ter levado ao poder a nata da escória da política brasileira, incluindo aí um monte de investigados pela própria operação.
Aliás, isso explicaria a esquizofrenia da liderança do PT na Câmara. Setores do partido acreditam – com uma ingenuidade inacreditável – que a operação agora poderia atingir o PSDB e o núcleo duro do governo. O governo Temer, aproveitando o oportuníssimo acidente que vitimou o ministro Teori Zavascki, nomeou para o seu lugar o seu ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. A nomeação deverá ser facilmente confirmada por um Senado repleto de investigados pela própria Lava Jato. O próprio novo ministro do STF também é investigado pela Lava Jato.
A nomeação de Moraes, é importante ressaltar, foi acertada com a Globo, que está dando total apoio, como demonstra as posições de Merval Pereira, que representa a voz do patrão. A Globo sabe que não se trata de “acabar com a Lava Jato” e sim de mantê-la focada no PT – e prender Lula.
Outra confusão provocada pela transformação do debate político nacional num boletim da Lava Jato é que as pessoas falam em “delatados”, “investigados”, como se isso fosse uma figura penal associada à condenação. Não são. Ser “delatado”, ou “investigado”, não significa nada, porque é preciso provas.
As “delações” da Lava Jato são um capítulo à parte da política brasileira. Desde 2014, estabeleceu-se uma cumplicidade criminosa entre a Lava Jato e a grande imprensa, e pedaços de delações, antes mesmo de serem homologadas, em alguns casos antes mesmo de existirem (surgiam notícias sobre delações que ainda iriam acontecer), eram divulgados seletivamente à mídia. E tudo isso cumpria uma agenda estritamente política, voltada a fortalecer o discurso pró-impeachment e adensar as manifestações de protesto.
A quantidade de ilegalidades cometidas pela Lava Jato é inesgotável. Para começar, as prisões preventivas foram transformadas em instrumentos de tortura. O sujeito apenas poderia ter esperança de responder o processo em casa se aceitasse delatar, e a delação tinha de ser aquela desejada pela Lava Jato. Alguns importantes empresários da indústria da construção civil, responsáveis pelas principais obras de infra-estrutura do país, foram mantidos presos por mais de um ano, porque se recusaram a entregar no jogo de delação imposto pela Lava Jato. No caso da Odebrecht, a ira da Lava Jato pelo fato de seu presidente, Marcelo Odebrecht, ter se recusado a delatar Lula, foi tão grande, que a maior empresa de engenharia da América Latina foi literalmente pulverizada. Os operadores da Lava Jato, não satisfeitos em destruir os negócios da Odebrecht no Brasil, viajaram aos Estados Unidos para entregar informações sensíveis da empresa (fizeram o mesmo com a Petrobrás) às autoridades do Departamento de Justiça daquele país. O resultado é que a Odebrecht está sendo expulsa de todos os países em que possuía negócios.
A resposta da Odebrecht à violência de que foi vítima foi divulgar uma mega-delação, na qual derruba a narrativa central da operação, que punha Lula no centro decisório do esquema. A Odebrecht acusa os principais dirigentes do partido agora no governo, incluindo Michel Temer, além de próceres do PSDB, de receberem propina.
A resposta do destino à intenção da Odebrecht foi a morte de Teori Zavascki, e a entrada de Alexandre de Moraes, no STF, como revisor da Lava Jato…
Eike Batista, magnata falido, e Sergio Cabral, ex-governador do estado do Rio, também foram presos pela Lava Jato, num grande espetáculo midiático, e agora estão à espera de poderem fazer delação premiada. Não será nenhuma surpresa se corroborarem a tese preferida dos procuradores, ou seja, se apontarem o dedo para Lula.
O problema é que a Lava Jato não encontrou nenhuma prova contra Lula, que sempre manteve uma vida muito simples, morando no mesmo apartamento, numa cidade operária, há mais de trinta anos. Sem provas, a Lava Jato tentou, durante todo esse tempo, com ajuda de uma mídia histérica, acusar Lula de ser dono de um apartamento no Guarujá. Mas não tem provas disso. Lula explicou que cogitou, sim, em adquirir o apartamento, mas que decidiu não fazê-lo. É um apartamento simples, num prédio de classe média, numa área desvalorizada de uma cidade considerada fora de moda pela elite paulista. A imprensa explorou o fato de ser um “triplex”, sem jamais especificar que se trata do menor triplex de todos, com menos de cem metros quadrados, como se fossem três apartamentos minúsculos empilhados. A outra acusação a Lula é de que seria dono de um sítio em Atibaia, que ele frequentava. Também não há provas. O sítio pertence a um antigo amigo de Lula.
A Lava Jato acusa Lula de receber esse apartamento (que não é dele) e o sítio (que também não é dele) como propina pelos esquemas de corrupção na Petrobrás. Lula seria, neste caso, o corrupto mais modesto do mundo, ao pedir tão pouco por um esquema que, segundo a Lava Jato, movimentou bilhões de reais.
Enquanto a imprensa brasileira só fala de Lava Jato, e os partidos, à esquerda e a direita, tentam empurrar, um para o outro, a pecha de querer “acabar com a Lava Jato”, o regime político instalado pelo governo Temer deu uma guinada fortíssima à direita, congelou gastos em saúde e educação por vinte anos, destruindo ou reduzindo drasticamente qualquer tipo de política pública voltada para o desenvolvimento, tecnologia, moradia popular, programas sociais. Está cancelando projetos voltados para a indústria nacional. Afastou-se dos Brics. Praticamente cortou relações com países mais pobres, em especial na África, com os quais o Brasil tinha iniciado relações comerciais extremamente vantajosas para os exportadores brasileiros, em especial de produtos manufaturados. Os bancos públicos nacionais, principais responsáveis pelo Brasil ter resistido incólume à crise financeira que arrastou o mundo a partir de 2008, estão sendo reduzidos ou mesmo desmontados. A TV pública foi reduzida a escombros, e o pouco que resta dela perdeu qualquer resquício de autonomia e se tornou mera repetidora de notícias de interesse do governo.
O Brasil que surge da Lava Jato e do impeachment não é, definitivamente, um país mais “competitivo”, como quer Sergio Moro, nem “pró-mercado”, como pretende Rodrigo Janot. É uma economia arruinada, sem perspectivas, com instituições caóticas, agindo por contra própria. O judiciário passou a cassar resultados eleitorais sem nenhum pudor. Vereadores, deputados e senadores são presos sem que saibam de que são acusados, muito antes que possam se defender. Hoje eu fico sabendo, por exemplo, que o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, teve seu mandato cassado. O Rio de Janeiro, que já estava sem liderança desde que Pezão licenciou-se para tratar de um câncer, agora fica ainda mais desamparado, à mercê das artimanhas do governo federal, que tenta chantagear o estado para impor por aqui a privatização da Cedae (estatal de água).
Também hoje, um juiz baixou uma liminar que derruba a nomeação de Moreira Franco para um novo ministério criado só para ele pelo governo, com objetivo de lhe dar foro privilegiado e fazê-lo escapar das garras de Sergio Moro.
Ora, independente do caráter de Temer ou de Moreira Franco, o judiciário brasileiro está fora de controle. Fizeram a mesma coisa com Lula, impedindo-o de ser ministro. O judiciário avocou para si a responsabilidade de autorizar quem pode ou não ser ministro, e qual eleição pode ou não ser válida. Tudo isso antes de qualquer julgamento ou condenação, claro, porque senão não teria graça. Julgamentos demoram muito!, reclamam juízes e procuradores.
Talvez Sergio Moro esteja certo: o Brasil ficará mais competitivo no futuro, mas será porque terá de impor freios democráticos a juízes, procuradores e delegados. O Brasil precisa de autoridade, mas de uma autoridade chancelada democraticamente, através de eleições livres, justas, periódicas e competitivas. Este país de delatores, procuradores e juízes justiceiros não permitirá que a economia respire e está, de antemão, condenado ao fracasso.
O Rio foi uma das principais vítimas da Lava Jato. Antes dela, tínhamos uma próspera indústria de navegação, uma pujante indústria de petróleo e gás. Os portos foram renovados, com instalação de novas indústrias do setor químico e siderúrgico em áreas próximas aos terminais de embarque, e construía-se, em Itaboraí, a Comperj, a maior refinaria da América Latina. Tudo isso foi bruscamente paralisado, abandonado ou destruído. A receita fiscal, naturalmente, desabou, e o estado hoje está literalmente quebrado.
A Petrobrás, sob a gestão de Pedro Parente, indicado pelo governo Temer, iniciou uma campanha brutal de desnacionalização, inclusive discriminando empresas brasileiras, o que imagino será bem difícil para um estrangeiro acreditar, porque, de fato, não parece racional. Para a retomada das obras da Comperj, por exemplo, a Petrobrás não permitiu a inclusão de nenhuma empresa nacional.
Arpeggio – coluna política (quase) diária, por Miguel do Rosário

Odebrecht, maior empresa brasileira de engenharia, foi destruída pela Lava Jato

Odebrecht, maior empresa brasileira de engenharia, foi destruída pela Lava Jato

Escrito por , Postado em Redação
A destruição por Moro da maior empresa brasileira de construção
Por J. Carlos de Assis
Tive notícias trágicas a respeito do processo de virtual dilapidação do patrimônio empresarial da Odebrecht no Brasil e no mundo. A maior empresa brasileira de construção, vítima da incompetência de um judiciário obcecado pela idéia de vingança e simplesmente ignorada em suas dificuldades pelo Governo brasileiro, perde sucessivos contratos no exterior, enfrenta tremendas dificuldades de crédito aqui e lá fora, suporta discriminações políticas e perde as condições mais elementares para estabelecer uma estratégia de superação da crise.
O número de trabalhadores, grande parte em postos de qualidade e com bons salários, vai-se reduzindo celeremente, enquanto os executivos intermediários, com diferentes áreas de especialização, e que representavam no passado a alma da criatividade empresarial da empresa, estão totalmente desorientados e sem iniciativa. A Odebrecht aos poucos vai-se esvaindo num processo de degradação inexorável. Trata-se do maior desastre da Engenharia Nacional de todos os tempos. E um desastre sem igual para a economia brasileira.
Trata-se de uma das maiores vitórias mundiais do capital financeiro especulativo. A destruição de um parque industrial do porte da Odebrecht abre amplos espaços para o capital vadio que lucra sem passar pelo sistema produtivo. Para o especulador profissional, a produção de bens e serviços é um embaraço, inclusive porque depende do trabalho humano. Bom mesmo é ficar num teclado de computador fazendo saltar dinheiro de um ponto a outro do mundo, e invariavelmente pousando-o no Brasil para sugar os maiores juros do planeta.
O juiz Moro e seus procuradores medíocres não sabem o que é economia nacional, que estão simplesmente destruindo. Na sua luta contra a corrupção poderiam ter visado a pessoas, empresários e executivos, mas preferiram atacar empresas, como se pessoas jurídicas tivessem a qualidade humana da virtude e do pecado. Fizeram o que nenhum sistema jurídico do mundo fez, ou seja, destruir um conjunto de empresas responsáveis pela geração de centenas de milhares de empregos e pela acumulação de conhecimentos de Engenharia sem paralelo no mundo, e com alta capacidade competitiva internacional.
A Odebrecht tem 80 anos. Levaremos mais 80 para reconstruí-la ou para construir uma grande empresa de engenharia de seu porte. Infelizmente, por cima da estupidez judicial, tivemos um Executivo acovardado que ficou intimidado em criar um plano de recuperação que ajudasse a empresa a sair da crise. Na verdade, por estimativas de alguns jornais, o Governo não está omisso apenas nisso. Mesmo com a assinatura de acordos de leniência, não há retomada de obras, e o prejuízo do que ficou parado já chega a R$ 50 bilhões.
O lado mais absurdo em toda essa história é a manipulação de conceitos morais num mundo dominado por uma feroz concorrência entre empresas. Na verdade, nenhum empresa no mundo gosta de pagar propina. Só paga porque é condição para ganhar concorrência. E aí vale tudo. O patriarca Odebrecht me contou uma vez, numa rápida entrevista, que perdeu sua primeira concorrência internacional no Chile porque o presidente Reagan ligou diretamente para Pinochet e pediu a obra para uma empresa norte-americana. Simples assim.

Povo ignora extensão da crise manipulada pelos entreguistas, por J. Carlos de Assis

Povo ignora extensão da crise manipulada pelos entreguistas, por J. Carlos de Assis

Movimento Brasil Agora
Povo ignora extensão da crise manipulada pelos entreguistas
por J. Carlos de Assis
A esmagadora maioria da população brasileira não tem a mais remota idéia da profundidade da crise em que nos encontramos. A grande mídia omite a verdadeira natureza dos problemas brasileiros e a mídia alternativa, principalmente na internet, concentra-se num noticiário fragmentado, tendo em vista suas características específicas de comunicação. Nós, analistas, temos de ter a modéstia de reconhecer que, enquanto blogueiros, dificilmente formamos opinião, pois  com nossos longos artigos dificilmente fixamos a atenção do leitor.
É claro que essa limitação não nos tira do jogo. Insisto em escrever no blog da mesma forma como, no passado, escrevia em jornal impresso. Tenho certeza de que, aos poucos, vamos furar o bloqueio da grande mídia não apenas por conta de nossas virtudes mas porque, como dizia Lênin, a verdade é revolucionária. Flashes da grande crise em que nos encontramos são claramente perceptíveis em Vitória, no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e, não demora muito, em Minas Gerais. O novo normal está sendo a explosão da crise.
O grande problema é a interpretação. Como os grandes jornais e revistas nacionais não ajudam, com raríssimas exceções a crescente gravidade da situação social é interpretada apenas como um problema social deslocado do problema econômico e governamental. As pessoas não conseguem perceber, por exemplo, a vinculação entre a crise do setor público e os fundamentos da PEC-55, que pretende congelar os investimentos e gastos públicos, inclusive os essenciais, por 20 anos. A crise é interpretada como um castigo de Deus.
Existe algo mais profundamente grave. Para milhões de brasileiros, e em especial para as elites políticas, o processo de impeachment não acabou. A sociedade continua estranhamente dividida entre os que foram favoráveis ao impeachment, ditos golpistas, e os que foram contra, os constitucionalistas. Essa clivagem é uma das formas mais deletéreas de esconder a realidade brasileira presente. Funciona como um biombo encobrindo a realidade profunda que nada tem a ver com essa política que se tornou meramente transitória.
Acredito que por cima da divisão de classes e da divisão entre pobres e ricos, o que efetivamente determina uma contradição fundamental na sociedade brasileira é a divisão entre nacionalistas e entreguistas. São estes últimos os que estão realmente controlando o poder político no Brasil. Indiferentes em formular um programa econômico de emergência para superação da crise, eles se apressam em implantar no mais curto prazo possível seu projeto de entrega total à privataria estrangeira do patrimônio nacional.
Não se trata de abstração. Em questão de meses, os entreguistas doaram o pré-sal, retalharam a Petrobrás para efeito de venda ao setor privado daqui e lá de fora, conspiraram para entregar o controle da Vale do Rio Doce ao Bradesco e à Mitsui, prepararam a doação de R$ 100 bilhões de equipamentos públicos a empresas de telecomunicações (inclusive Globo), propõem a privatização da Previdência e da Educação para ampliar o espaço para o capital estrangeiro nessas áreas, buscam o fim da CLT para aumentar os lucros privados.
Acaso a população brasileira foi informada de maneira sistemática desse plano de entrega da economia nacional ao capital estrangeiro? Entretanto, a questão do entreguismo não é apenas um problema de doação patrimonial. É uma questão de liquidação da soberania nacional. Sem soberania econômica é impossível realizar um programa de recuperação. A entrega da soberania pressupõe a alienação de políticas fiscais, monetárias e cambiais  cujo controle é essencial para fazer, por exemplo, um programa keynesiano de recuperação.
Portanto, não são apenas as medidas entreguistas tópicas do Governo Temer que contam. É a sua lógica global. Por trás delas está a idéia de que o estrangeiro vai resolver nossos problemas graciosamente, como nosso parceiro e nosso associado. Esta, aliás, é a ideologia proposta por Fernando Henrique num livro ainda nos anos 70. Não há outra razão senão esta para explicar porque este Governo assiste passivamente à destruição de nossas empreiteiras, todas de capital nacional, por um judicialismo tosco. Diante disso, nossa esperança é ver a pedagogia da realidade funcionar. Aí, iremos à forra.

Lava Jato começa a desestabilizar toda a América Latina

Lava Jato começa a desestabilizar toda a América Latina

Escrito por , Postado em Redação
“Lava Jato põe governos da América Latina sob suspeita”.
Realmente, é incrível. As empreiteiras americanas são responsáveis pela morte de milhões de árabes, pela destruição da infra-estrutura de países inteiros, numa guerra que elas financiaram, pagando propina e lobby para políticos norte-americanos – só para ir lá e reconstruir tudo de novo, em contratos superfaturados pagos pelo contribuinte americano, mas quem será preso não serão Obama nem Bush, nem os donos dessas empreiteiras, e sim das empreiteiras que estavam empenhadas, reparem só, em construir a rodovia que liga o Brasil ao Pacífico, em obras de metrô, na construção de infra-estrutura básica desses países. Serão presos também os governantes que assinaram esses contratos.
As obras serão paralisadas, obviamente. Muito mais dinheiro será jogado fora, às custas dessas paralisações. A Lava Jato, depois de preparar o golpe no Brasil e produzir a maior crise fiscal em décadas, agora se prepara para chegar em outros países. As provas? Delações forjadas, documentos vazados ilegalmente ou “bilhetinhos” encontrados sabe-se lá onde. Quem ganha com toda essa destruição e instabilidade?
A era de golpes militares foi substituída pela era de golpes judiciais, preparados à base de muita espionagem. Olha que o foco de tudo hoje é o Brasil, que pelo jeito agora vai exportar o golpe e a crise para o resto do continente.
Richard Concepción, o juiz que mandou prender Alejandro Toledo afirmou que “há uma alto grau de probabilidade” de corrupção do ex-presidente do Peru. Alto grau de probabilidade…
Ou seja, não há provas, nem condenação, apenas um grande espetáculo midiático, com repercussão internacional. É uma prisão, claro, “preventiva”, exatamente como faz a Lava Jato aqui no Brasil.
Toledo tem uma história incrível de superação. Nasceu numa família rural indígena, de uma cidadezinha miserável do Peru, e acabou se formando em economia, numa prestigiada universidade americana.
O ex-presidente peruano dá aulas na universidade de Stanford, nos EUA, e não tem mais nenhum poder político para, por exemplo, “destruir provas”. Poderia, perfeitamente, enfrentar um processo em liberdade, sem necessidade dessa violência.
Concepción é o juiz por trás das investigações em outros casos de repercussão nacional do Peru, como o que envolve a ex-primeira dama do Peru, Nadine Heredia, mulher de Omanta Humalla.
O modus operandi dos setores golpistas do judiciário brasileiro fez escola em nossos vizinhos: um juiz valentão, muita mídia e apoio logístico da “cooperação internacional” do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
As repúblicas de banana se preparam para se unir num grande coro de instabilidade, golpe e retrocessos sociais.
O Leviatã imperialista já aprender como fazer para obstruir qualquer tentativa de desenvolvimento da América Latina.
***
Abaixo, a matéria publicada na BBC Brasil agora há pouco.
Ex-presidente do Peru tem prisão decretada; Lava Jato avança no exterior e põe governos da América Latina sob suspeita
Prestes a completar três anos, a operação Lava Jato começa a alcançar políticos de peso em diferentes países da América Latina, investigados sob a suspeita de terem sido beneficiados pelo esquema de propinas de empreiteiras brasileiras.
Nesta quinta-feira, a Justiça peruana expediu ordem de prisão preventiva do ex-presidente do país Alejandro Toledo – sob acusação de ter recebido cerca de US$ 20 milhões para facilitar a aprovação da construção da rodovia Transoceânica, que liga o norte do Brasil à costa peruana, enquanto estava no governo de 2001 a 2006.
A ordem partiu do juiz Richard Concepción. Segundo a assessoria de Toledo, o ex-presidente está fora do país – supostamente em Paris – e nega qualquer irregularidade.
Ele também tem residência na Califórnia, Estados Unidos, onde trabalha na Universidade de Stanford.
No último sábado, o ex-presidente teve sua casa vasculhada e documentos apreendidos por uma equipe da Procuradoria e da Polícia Nacional do Peru, que fizeram o pedido de prisão.
Na Colômbia, as autoridades anunciaram nesta terça suspeitar de que a campanha do presidente atual, o Nobel da Paz Juan Manuel Santos, teria recebido, por meio de um intermediário, propina paga pela Odebrecht.
Ambos negam qualquer ilegalidade.
Ex-presidente peruano, Alejandro Toledo é investigado por suspeita de ter recebido pagamento indevido da Odebrecht; ele nega as acusações
Representantes do Ministério Público e da Polícia de diferentes países da América Latina têm trocado informações com investigadores brasileiros por meio de acordos de cooperação internacional para apurar supostos esquemas de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude em contratos e doações irregulares de campanha.
Além de Santos e Toledo, estão sendo investigados outros políticos de alto escalão e ex-representantes dos governos colombiano e peruano e suspeitos de envolvimento em esquemas em outros países da região: Argentina, Chile, República Dominicana, Venezuela, Panamá, México, Guatemala e Equador.
A Odebrecht já admitiu ao Departamento de Justiça dos EUA ter pago US$ 788 milhões em propina, entre 2001 e 2016, a funcionários de governo, representantes desses funcionários e partidos políticos do Brasil e de 11 países (os citados acima, exceto o Chile – que está ligado a delações de outra empreiteira -, mais Angola e Moçambique).
Procurada pela BBC Brasil para comentar as investigações que detalhamos abaixo, a Odebrecht informou que “não se manifesta sobre o tema, mas reafirma seu compromisso de colaborar com a Justiça, tanto no Brasil quanto no exterior”.
“A exemplo do acordo anunciado em dezembro com autoridades do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça, a Odebrecht também está disposta a contribuir com as investigações realizadas pela Justiça de outros países”, esclareceu.
A OAS, investigada no Chile, afirmou à reportagem que não comentaria o caso.
Ordem de prisão no Peru
Ministério Público do Peru anunciou o Twitter que pediu a prisão preventiva do ex-presidente Toledo por suspeita de envolvimento no que chamaram de #CasoOdebrecht
No Peru, a investigação está em estágio avançado. O pedido de prisão preventiva acatado pela Justiça nesta quinta-feira era parte da investigação que apurava o pagamento de propina feito pela Odebrecht a integrantes do governo em diferentes mandatos.
As investigações no país estão ligadas à construção da rodovia Interoceânica – que liga o Brasil ao oceano Pacífico -, obra comandada pela Odebrecht. O Ministério Público peruano suspeita que a empresa brasileira pagou US$ 29 milhões de propina no país entre 2005 e 2014.
De Paris, Toledo, que foi presidente do Peru entre 2001 e 2006, deu uma entrevista por Skype nesta semana ao programa de TV peruano Cuarto Poder e negou a acusação.
Antes das suspeitas levantadas com a Lava Jato, o ex-presidente já vinha sendo investigado por suspeita de lavagem de dinheiro.
Diante do escândalo, o atual presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, quer que a Odebrecht deixe de atuar no país.
Em entrevista à emissora local RPP, ele afirmou que o grupo está “manchado pela corrupção”. “Eles têm que ir embora. Acabou.”
Em comunicado, a Odebrecht pediu desculpas à sociedade peruana e seus trabalhadores por “erros graves” cometidos por executivos da empresa.
“A empresa está fazendo todo o possível para expor e esclarecer em detalhes todos os fatos para que a Justiça chegue a todos os envolvidos, permitindo também o pagamento de uma compensação justa para o Estado”, diz a nota, na qual a empresa se disse determinada a manter os projetos em curso.
Busca e apreensão no Chile
A Polícia de Investigações do Chile esteve nesta terça em três escritórios da construtora OAS em Santiago para cumprir mandados de busca e apreensão, segundo a agência de notícias Efe.
Alvo da Lava Jato, a empresa, cujos principais representantes assinaram acordos de delação nos quais detalharam o esquema de corrupção, também é investigada por supostas contribuições irregulares para campanhas políticas no Chile.
Os policiais, ainda conforme noticiou Efe, procuraram por registros contábeis da empresa de 2012 a 2015, e a operação faz parte da investigação que apura suspeitas na campanha presidencial de Marco Enríquez-Ominami em 2013, derrotado por Michelle Bachelet e que teria usado um avião da empresa brasileira.
Os escritórios alvos da operação estão localizados nas comunas de Santiago, Huechuraba e Lampa.
Autoridades chilenas já solicitaram ao Brasil acesso a depoimentos e mensagens de WhatsApp do ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, e do publicitário Duda Mendonça, que mencionam contato pessoas ligadas a políticos chilenos, de acordo com reportagem do jornal El Mercurio.
Acredita-se que esses documentos podem ajudar a esclarecer colaborações suspeitas feitas pela empresa brasileira às campanhas de Enríquez-Ominami e Bachelet – ambos negam qualquer irregularidade.
Doação na Colômbia: Campanha de 2014 do presidente colombiano, Juan Manuel Santos, é suspeita de ter recebido dinheiro da Odebrecht
Autoridades da Colômbia investigam se a campanha presidencial de Juan Manuel Santos foi abastecida em 2014 com aproximadamente US$ 1 milhão de recursos oriundos de propina paga pela Odebrecht.
As suspeitas envolvem uma complicada transação financeira na qual o repasse à campanha teria sido feito por meio de uma empresa do ex-senador colombiano Otto Nicolás Bula.
“Do US$ 1 milhão, teria sido descontada uma comissão de 10% a favor de terceiros já identificados”, assinala comunicado do Ministério Público colombiano.
Investiga-se se essa cifra faz parte dos US$ 4,6 milhões em propinas que teriam sido pagas pela empresa brasileira para construir a Rota do Sol, uma estrada que liga as cidades colombianas de Ocaña e Gamarra, por meio de um contrato assinado o ex-senador Bula em 2013.
Ele está preso por causa desse caso desde janeiro. O ex-gerente da campanha presidencial de Santos, Roberto Prieto, negou conhecer o ex-senador. Santos rechaça as acusações.
Nome de argentinos
Nesta semana, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, pediu que a mais alta corte brasileira revele os nomes dos argentinos envolvidos no esquema da Lava Jato.
O pedido foi feito diretamente à presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, durante encontro nesta terça, segundo o jornal argentino Clarín.
Ainda de acordo com a publicação, o Ministério da Economia da Argentina está elaborando uma lista de todas as reuniões que assessores da área econômica e de planejamento tiveram com representantes da construtora brasileira Odebrecht nos últimos 10 anos.
O pedido foi feito por uma deputada e devem incluir políticos do governo de Cristina Kirchner e de Macri.
A própria Odebrecht admitiu que pagou na Argentina pelo menos US$ 35 milhões em propinas durante a gestão da ex-presidente.
E o jornal La Nacion revelou que foram identificados cinco repasses que ultrapassam a cifra de meio milhão de dólares feitos em 2013 por um ex-sócio do doleiro brasileiro Alberto Youssef a Gustavo Arribas, indicado por Macri para comandar o serviço de inteligência da Argentina.
À época, Arribas vivia no Brasil e se dedicava a negociar jogadores de futebol. Ele nega se tratar de dinheiro fruto de propina.
Republica Dominicana e Venezuela
Ministério Público da Venezuela também abriu investigação para apurar negócios da Odebrecht
No final de janeiro, a Venezuela anunciou que abriria uma investigação sobre a atuação da Odebrecht no país.
A apuração foi motivada pelo documento divulgado pelo Departamento de Justiça dos EUA no qual a empresa brasileira afirmou ter pago US$ 98 milhões a funcionários venezuelanos e intermediários para obter contratos.
Na República Dominicana, por sua vez, já houve execução de mandado de busca e apreensão em escritório da Odebrecht no país e as autoridades locais se preparam para interrogar o ex-ministro de obras públicas sobre a propina milionária paga pela empresa brasileira naquele país.
As investigações também foram motivadas pelo acordo firmado pela Odebrecht nos EUA.
Cooperações internacionais
Em setembro de 2015, o secretário de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal, Vladimir Aras, disse à BBC Brasil que investigação da Lava Jato no exterior ainda estava no início, mas que avançaria contra políticos.
Pouco mais de um ano depois da declaração de Aras, em dezembro do ano passado, o Ministério Público Federal já acumulava 120 pedidos de cooperação com autoridades estrangeiras para obter documentos, rastrear contas e transferências bancárias e trocar informações e evidências.
A lista de acordos incluiu mais de 30 países, entre eles Peru, Colômbia, Argentina, República Dominicana e Angola, onde há negócios sob suspeita, e ainda paraísos fiscais como Antígua, Ilhas Virgens Britânicas e Cayman, usados pelos suspeitos para manter o dinheiro no exterior pagando menos tarifas.
Ao todo, 18 países pediram ajuda do Ministério Público Federal brasileiro para conduzir investigações relacionadas à Lava Jato.
As investigações no exterior devem ser impulsionadas pelo acordo de delação premiada da Odebrecht, já homologado pelo Supremo Tribunal Federal e que conta com depoimentos de 77 funcionários da empresa brasileira detalhando como operacionalizavam fraudes em licitações e pagamentos de propina.
Até o momento, contudo, sabe-se o conteúdo do depoimento de apenas um dos executivos – o ex-vice-presidente de Relações Institucionais Cláudio Melo Filho

Fonte: O Cafezinho

Risco Trump e a necessária integração latino-americana

09/02/2017 14:46 - Copyleft

Risco Trump e a necessária integração latino-americana

Celso Amorim analisa conjuntura internacional e alerta: sem lideranças latino-americanas, a integração 'não cairá do céu'.


Tatiana Carlotti
Agência Brasil
Um dos principais responsáveis pela política externa “altiva e ativa” do Brasil durante a Era Lula, o diplomata Celso Amorim participou na última quarta-feira (01.02.2016) de um bate-papo sobre o mal-estar da globalização, organizado pela Fundação Rosa Luxemburgo, na capital paulista. 
 
Entre os sintomas desse mal-estar, além da saída do Reino Unido da União Europeia, o chamado Brexit, o diplomata analisou a conjuntura internacional após a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, alertando sobre a necessidade de um estudo sobre o “trumpismo”, para além do indivíduo Donald Trump.
 
“O mau exemplo de Trump é muito ruim não apenas para os Estados Unidos, mas para outros países do mundo. Se alguém como ele “consegue se eleger presidente na (com aspas ou sem aspas) maior democracia do mundo, não é de se estranhar que, com pouco menos de pudor, isso vigore em outros países”, avaliou.
 
Trump já manifestou hostilidade em relação à China, quando telefonou para a chefe de Estado de Taiwan, algo que não acontecia desde os tempos de Nixon. Sobre o México, propôs a construção de um muro para conter a imigração, “uma ideia duplamente espantosa, enquanto ideia e mais ainda quando Trump diz que os mexicanos vão pagar pelo muro”. 





 
Em relação à Europa, Amorim citou o Brexist: “Ele (Trump) pode estar servindo e vai servir, espero que isso não se reproduza na Europa em maior escala, a uma espécie de aliança não santa com Theresa May (primeira-ministra do Reino Unido)”. Em termos de Nações Unidas, UNESCO e outras entidades, Trump já manifestou a intenção de diminuir os recursos encaminhados a essas organizações.
 
Ressaltando a existência de forças de contenção no âmbito internacional, Amorim expressou preocupação em relação à política de Trump: “não sei até que ponto, um dia, movido por alguma outra coisa ela pode agir, motivada por um interesse empresarial qualquer. Você fica com temor, com medo que volte aquela história do porrete, do big stick (grande porrete), se você não tem pudor de dizer certas coisas”.
 
“Utopia liberal democrática nunca existiu”
 
Amorim também destacou as críticas contra o trumpismo que vêm surgindo. Algumas delas, porém, merecem atenção, por exemplo, a ideia disseminada por alguns críticos norte-americanos de que antes de Trump havia “uma espécie de utopia liberal democrática que nunca existiu”, uma “ordem mundial, democrática e liberal”. 
 
Algo que pode, facilmente, ser desmentido pelos fatos. O diplomata citou dois exemplos: o forte protecionismo em torno dos subsídios agrícolas durante o governo Obama; e o desmonte das estruturas estatais em países como a Líbia e o próprio Iraque (desde Bush). 
 
“Se você quiser isolar uma causa do terrorismo ou do nível que o terrorismo adquiriu recentemente, a destruição do Estado é certamente a mais importante. Essas tendências não teriam prosperado se não encontrassem um vazio institucional”, destacou.
 
Ele também destacou o discurso empunhado pelos que apontam a OTAN enquanto um organismo multilateral. “A OTAN defende os países capitalistas ocidentais das ameaças que ela considera que existem. Em muitos casos, inclusive, transgredindo a carta da ONU e a dela própria (OTAN) para utilizar a força, sem autorização do Conselho de Segurança”.
 
Outro exemplo citado foi a Parceria Transpacífico (TTP, Trans-Pacific Partnership), acordo de livre-comércio entre os países banhados pelo Oceano Pacífico, assinado em 2015 durante o governo Obama. Contribuindo com a fragmentação do sistema multilateral do comércio, o TTP tinha como objetivo geopolítico o isolamento da China como objetivo geopolítico.
 
Em sua avaliação, a saída recente dos Estados Unidos do TTP livrou o Brasil de um “pesadelo”. “A mídia não falava de outra coisa”, lembrou ao salientar que entre várias medidas, o tratado incluía cláusulas na área de patentes. “Seria um desastre para o Brasil ter que abandonar a política de genéricos na área de Saúde”. Várias propostas deste acordo lembravam os motivos pelos quais o Brasil não aceitou a participar da ALCA.
 
Porém, as elites brasileiras incensaram o TTP como uma forma de alterar os rumos da política externa brasileira vigente. A política adotada “pelos governos ´lulista e dilmista´ que privilegiaram o acordo Sul-Sul e a OMC. Falando da OMC como se ela fosse uma coisa marxista, uma invenção do Lenin para debilitar o capitalismo. Para eles, a opção pela OMC é ideológica”, explicou Amorim.
 
Soft power
 
Como bom diplomata, Amorim também abordou a vitória de Trump pela ótica da “oportunidade”, destacando que o crescimento do soft power (poder de convencimento de um Estado ou liderança por meios culturais ou ideológicos) do governo Obama acabou dificultando o poder de ação da coalisão Sul-Sul.
 
“É um poder enorme, de uma economia fortíssima e também do ponto de vista das ideias. Agora (com Trump) isso decaiu, abrindo uma capacidade na região para se trabalhar a integração sul-americana”. Uma boa oportunidade em termos de condições objetivas, mas que esbarra na ausência das condições subjetivas: a inexistência de lideranças sul-americanas.
 
Um contexto muito diferente daquele que permitiu a criação da UNASUL, da CELAC e, até mesmo, de um Conselho de Defesa Sul-americano, capaz de reunir todos os ministros de Defesa dos países sul-americanos. Algo “impensável” antes, destacou Amorim, ministro da Defesa durante o governo Dilma. 
 
Ele também ressaltou o papel do Brasil na instrumentalização da Escola de Defesa Sul-americana. Até então, só havia o Colégio Interamericano de Defesa, sediado em Washington. Em sua avaliação, “todas essas coisas podem estar por trás, também, de outros fatos que redundaram em situações dramáticas aqui no Brasil de uma maneira mais disfarçada”. 
 
Negligência benigna
 
Ao refletir sobre a melhor política que os Estados Unidos podem ter para a América Latina, Amorim foi categórico: a da “negligência benigna”, por exemplo, a situação que vivemos durante os anos Bush, quando os “Estados Unidos estavam tão engolfados no Iraque que não queriam”. Agora, porém, a política tende a ser outra: “a negligência do Trump não está sendo muito benigna. A política norte-americana está agindo e fazendo muros”. 
 
“Eu imagino que se fosse o presidente Lula - não conversei, nem discuti isso com ele – mas penso que ele já teria ido ao México conversar e prestar sua solidariedade. Convidar o México para entrar no Mercosul, mesmo que não acontecesse nada, mas isso mexeria um pouco. Parece que não, mas essas coisas têm um grande valor”, exemplificou.
 
Prova disso foi a criação do Banco dos BRICS. Desde 2010, os países do BRICS exigiam do G-20 uma mudança no sistema de cotas do FMI e do Banco Mundial. Durante cinco anos, a medida permaneceu engessada no congresso dos Estados Unidos e só foi aprovada após a criação do Banco. “O temor que pudesse ser uma alternativa acelerou a efetivação dessa mudança no congresso norte-americano”.
 
Teorias conspiratórias?
 
Questionado sobre a influência internacional no golpe de 31 de Agosto, Amorim adaptou Millor Fernandes: “o fato de eu não crer em teorias conspiratórias não quer dizer que algumas não sejam verdadeiras”. Em sua avaliação, as políticas adotadas pelo Brasil incomodaram e muito. 
 
“Pela primeira vez, em duzentos anos de vida independente, a América do Sul teve uma organização política própria que nunca havia tido. Quando não eram os do Norte confundindo o conceito de América Latina com América do Sul -  incluindo o México e tudo - a realidade sul-americana só existia para futebol”, destacou.
 
Quando foi criada a CELAC, os jornais diziam que o Brasil queria criar a “OEA do B. “Para eles, era impensável a criação de uma organização que excluiria os Estados Unidos”, lembrou o diplomata. “Uma coisa espantosa, você não poder ter uma organização da América Latina e Caribe que é um grupo na ONU, inclusive”.
 
Destacando a atuação dos governos petistas no contexto internacional, o diplomata ponderou: “talvez, se tivéssemos avançado mais, o que vimos em 2015 teria ocorrido em 2011 ou 2010, seguindo um pouco as teorias conspiratórias, vamos dizer assim”.
 
Sobre as limitações encontradas, Amorim lembrou que os governos petistas foram governos de grande coalisão. “O presidente do Banco Central em todo o governo Lula é o atual ministro da Fazenda que, talvez não pareça, mas é o homem mais forte do atual governo. O único que tem uma relação orgânica com o capital financeiro internacional. Não se pergunta ‘como vai o Serra’ ou ‘como vai o Temer’, mas ‘como vai o Meirelles’. É um fato real”, complementou.
 
O futuro? 
 
“Vejo oportunidades, mas imensos riscos. Estamos nesta fase, mas desprovidos de liderança e sem isso a integração sul-americana não vai cair do céu. Se tivéssemos, era este o momento de atuar. Claro que 2018, vai ter eleição e pode ser que mude, mas talvez as condições já não sejam mais as mesmas”.
 
Confira a íntegra do debate clicando aqui.
 


Créditos da foto: Agência Brasil