sábado, 17 de abril de 2021

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Cloroquina e truculência: Militares assumem saúde indígena e são acusados de agravarem crise sanitária ESTARRECEDOR!

 

Cloroquina e truculência: Militares assumem saúde indígena e são acusados de agravarem crise sanitária

da Repórter Brasil

Coordenador armado, cloroquina e desvio de verba para covid: militares e indicados políticos ocupam saúde indígena e agravam crise sanitária

Por Tatiana Merlino

A vida de Amado Menezes, liderança indígena da etnia Sateré-Mawé, do Amazonas, foi marcada por lutas. A penúltima foi contra autoridades da saúde indígena que interromperam o apoio à barreira sanitária montada na entrada da aldeia para proteger os indígenas da covid-19. Já a última batalha de Amado foi contra o vírus: durou 23 dias. Ele morreu em outubro de 2020 aos 69 anos. “Perdemos nossa maior liderança”, lamenta o advogado Tito Menezes ao falar da morte de seu tio.

A ordem para a retirada do apoio à barreira sanitária partiu do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Parintins, órgão responsável pela saúde das aldeias e que deveria, em meio à pandemia, proteger as comunidades. 

Repórter Brasil investigou a troca de comando, feita pelo governo Bolsonaro, nos 34 Dseis existentes no país e os impactos negativos que algumas delas vêm causando na saúde dos povos originários. Em pelo menos quatro deles houve indicações de militares ou de aliados políticos que acumulam denúncias de inexperiência, acusações de truculência na interação com as comunidades e má gestão em meio à pandemia. Dos quatro, três foram indicados durante o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Entre os casos mais graves, estão a de um coordenador trabalhando armado e intimidando indígenas, barreiras sanitárias removidas, desvio de verbas para o combate à pandemia e suspeita de distribuição, para as aldeias, de cloroquina – medicamento comprovadamente sem eficácia para combater o vírus.

Ilustração: Auá Mendes

“Muitos cargos têm sido ocupados por profissionais sem qualquer especialização, seja na saúde em geral, na saúde indígena ou em povos indígenas. Isso gera um resultado que não pode ser diferente: uma piora no atendimento a esses povos”, afirma Maria Augusta Assirati, ex-presidente da Funai entre 2013 e 2014, sobre a deterioração do atendimento à saúde indígena na gestão de Jair Bolsonaro. 

Assirati também condena o fato de os indígenas não terem participado da escolha dos coordenadores dos Dseis, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante o direito à consulta prévia aos povos originários. “São pessoas que vão entrar em seus territórios, então, os indígenas precisariam ser ouvidos”, explica a ex-presidente da Funai.

O aparelhamento político desses distritos vem acompanhado do maior corte orçamentário para a saúde indígena nos últimos oito anos, mesmo diante da maior pandemia do século. Os gastos executados em 2020 representam queda de 13% em relação ao de 2019 para a saúde indígena, segundo um levantamento feito pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

Confira, abaixo, a “dança das cadeiras” e as denúncias de má gestão em cada um dos quatro Dseis:

Capitão que coordenou Dsei Leste (RR) é investigado pela distribuição de cloroquina às aldeias

Um dos exemplos mais explícitos do aparelhamento por militares e indicados políticos, o distrito teve cinco coordenadores num período de apenas um ano e oito meses – em meio à pandemia do novo coronavírus. Um desses indicados, o capitão do Exército Tárcio Alexandre Pimentel, que assumiu a coordenação do Dsei em maio de 2020, está sendo investigado pelo Ministério Público Federal de Roraima por ter distribuído cloroquina às comunidades indígenas. Além disso, a investigação mira o fato de Pimentel ter autorizado a entrada de pessoas na aldeia sem autorização prévia da comunidade.    

“A gestão de Pimentel foi conturbada, ele não conseguiu dialogar nem com comunidades e nem com o Ministério Público Federal”,  relata Luís Ventura Fernandes, coordenador do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) Norte.  

Dos cinco coordenadores que assumiram o comando do Dsei neste curto período de tempo, Pimentel é o único investigado. No entanto, o “padrinho político” do Dsei, ou seja, quem mais indicou coordenadores para este distrito, foi o senador Chico Rodrigues (DEM-RR).

Depois de ter ficado famoso por ter sido pego com R$ 33 mil na cueca em outubro do ano passado, Rodrigues está sendo investigado pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União por fornecer equipamentos de combate à covid-19 superfaturados ao Dsei, favorecendo empresas comandadas por familiares e aliados. Um avião que já foi de sua propriedade foi flagrado em um garimpo ilegal dentro de um território  indígena, conforme revelou a Repórter Brasil

Em abril de 2019, no início da pandemia, Rodrigues nomeou Vitor Paracat – “uma indicação política clara”, afirma Fernandes, coordenador do Cimi Norte. Se o episódio da cueca e a denúncia de ilegalidades arranharam a imagem do senador, não foram suficientes para tirar seu poder em seu estado de origem. Tanto que, apesar dos escândalos, ele teria escolhido outro coordenador para o Dsei: Charles Barbosa Mendes. 

“Entre 2019 e 2020, as indicações eram de políticos ligados a parlamentares e senadores. Depois passaram a ser de militares e depois, novamente indicações feitas por políticos”, explica Fernandes, do Cimi.

Para ele, esse tipo de indicações e a quantidade de coordenadores num espaço tão curto de tempo tiveram consequências dramáticas pros povos atendidos pelo Dsei. “É um absurdo ter tantas mudanças num momento tão difícil”, diz, destacando haver problemas de planejamento na prevenção e no atendimento dos casos de covid, além da falta de transparência sobre a aplicação dos recursos. “Resumindo, não sabemos o que o distrito faz”.   

Senador Chico Rodrigues, que ficou conhecido por ter sido flagrado com dinheiro na cueca, é considerado uma espécie de ‘padrinho político’ do Dsei Leste (Foto: Agência Senado)

Fernandes explica que tais escolhas para a coordenação do Dsei não se pautam por critérios técnicos: “São pessoas sem atuação na área que, quando chegam, precisam de tempo para entender a lógica da saúde indígena. É todo um tempo que se perde e então, vem uma nova nomeação.” 

Procurada pela reportagem, o capitão Pimentel não se pronunciou. Já a assessoria de Rodrigues afirmou que não tem “conhecimento de que algum parente do senador tenha qualquer empresa ligada à área de fornecimentos de material hospitalar.” 

Mendes disse à Repórter Brasil que foi nomeado para o cargo pelo então Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, e que no período em que esteve à frente do Dsei “não chegou nenhum apontamento na Ouvidoria do Ministério da Saúde quanto a minha gestão.” Paracat também foi procurado, mas não se pronunciou.

Dsei Parintins (AM) retira apoio à barreira anti-covid e casos explodem; líder indígena é contaminado e morre

Assim que foram chegando notícias da pandemia, as lideranças da terra indígena Andirá Marau – que abrange os municípios de Barreirinha, Maués e Parintins, no Amazonas – decidiram montar uma barreira sanitária no rio Andirá. Ao controlar o fluxo de quem entrava no território, diminuiria o risco de o vírus também entrar. Tudo ia bem até que a chefia do Dsei Parintins decidiu tirar a barreira, segundo Tito Menezes, o advogado Sateré-Mawé que contou sobre a morte do tio no início desta reportagem. 

“Essa barreira foi montada em março e ficou com o apoio do Dsei até maio, quando foi ordenado que os funcionários deixassem o local. O Dsei retirou todo o apoio logístico de sua competência como barcos, lanchas, combustível, alimentação, EPIs, funcionários”, afirma Menezes, que também é assessor jurídico da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). “A alegação foi a de que o tráfico de drogas na região estaria ameaçando a equipe na barreira de Mawés”, relata. 

Amado Menezes, liderança Sateré-Mawé, lutou para que fosse mantida a barreira sanitária para proteger seu povo na pandemia; acabou sendo contaminado pelo vírus e morrendo, aos 69 anos (Foto: Danilo Mello/Foto Amazonas/Amazônia Real)

Em reportagem da Amazônia Real, o Dsei justificou a retirada do apoio à barreira alegando que esse não seria o papel do órgão. Ainda segundo o veículo, membros do conselho da etnia criticaram “a motivação política, orientada por Brasília, para a retirada da barreira.” Então, lideranças da etnia divulgaram uma nota de repúdio denunciando a decisão do Dsei.

Mas foi em vão. Sem a barreira, os casos de covid nas aldeias da etnia começaram a explodir. Entre setembro e outubro, o número de casos nas áreas englobadas pelo Dsei Parintins aumentou 107%, de acordo com a Amazônia Real.

E foi justamente em outubro que o tuxaua-geral (o líder dos líderes do povo Sateré-Mawé) da TI Andirá Marau, Amado Menezes – que assinou a nota de repúdio e estava à linha de frente do combate ao vírus – foi contaminado e acabou morrendo.

Equipe de saúde faz atendimento em aldeias do distrito Parintins, onde retirada de apoio logístico do Dsei à barreira sanitária ajudou a aumentar casos de covid-19 (Foto: Dsei Parintins/Amazônia Real)

A decisão do Dsei de tirar a barreira foi tomada durante a gestão de Jose Augusto Souza, conhecido como Nenga, no cargo desde 2017, que foi vice-prefeito de Barreirinha pelo PDT e é ligado ao deputado estadual do Amazonas Josué Neto (Patriota). Procurado pela reportagem, ele não se pronunciou. 

Major do Exército ia ao Dsei Yanomami armado; indígenas denunciam falha na vacinação

Outro militar indicado durante a gestão de Bolsonaro também vem sendo alvo de críticas por parte dos indígenas. Trata-se do major do Exército Francisco Dias Nascimento Filho, nomeado em julho de 2019, para coordenar o Dsei Yanomami. De acordo com relatos de indígenas e dos próprios empregados do Dsei, Nascimento ia armado para o distrito e intimidava funcionários e representantes do movimento indígena. 

“Ele não tinha experiência nem competência para estar no cargo, que demanda conhecimento específico não só sobre saúde, mas sobre atendimento de povos de recente contato em áreas isoladas da Amazônia”, afirma Moreno Saraiva, antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA). 

Procurado pela reportagem, Nascimento disse não ter “nada a declarar.” Um ano depois, o coordenador perdeu o cargo, por motivos não revelados. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informou apenas que ele “foi exonerado pois a Sesai prima pela boa gestão e pelo diálogo permanente com o Controle Social da Saúde Indígena”. (Leia a resposta na íntegra aqui)

Além do impacto ambiental, garimpo no território Yanomami também prejudica atendimento de postos saúde indígena, que acabam atendendo também os garimpeiros (Foto: Greenpeace)

Quem assumiu então, em julho de 2020, foi Rômulo Pinheiro Freitas. Sua gestão também vem sendo alvo de críticas, por falta de transparência e falhas na aplicação de vacinas. De acordo com a Hutukara Associação Yanomami, além de problemas no planejamento e execução da vacinação pelo Dsei, não foi feita a licitação da hora-voo de helicópteros para transportar equipes de saúde e pacientes graves. Os voos estão funcionando por meio de contratos emergenciais, e por isso não dão conta da demanda.

O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Federal. “Estamos apurando se houve falhas e em que medida isso impactou no serviço de saúde, especialmente diante de notícias de óbitos de crianças por covid-19”, afirma o procurador Alisson Marugal.

A associação também denuncia tentativas de desvio de doses de vacina. Em março, a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de Roraima solicitou a redistribuição de vacinas destinadas aos indígenas para a imunização da população do estado. “Repudiamos esse tipo de iniciativa que arrisca abandonar os Yanomami descobertos de vacinação em razão de falhas estruturais no atendimento à saúde indígena”, afirma a associação.

Procurado pela reportagem, Freitas, o atual coordenador, solicitou que as perguntas fossem enviadas à Sesai, que não retornou a esta solicitação. O Exército afirmou que “trata-se, em ambos os casos [nos Dseis Leste e Yanomami], de militares da reserva”. E que “a Força não realizou qualquer indicação ou proposta institucional de militares da ativa ou da reserva para ocupar os cargos constantes da demanda apresentada”. 

No Dsei Manaus, sobram indicações políticas mas falta atendimento adequado 

“Há recursos, mas os gestores que chegam não têm experiência e não conseguem levar a sério a legislação nem os contratos”, reclama Germilson Dias Chaves, da etnia Mura, que trabalhou no Dsei Manaus de 2010 a outubro de 2020, quando foi demitido. O atual coordenador do distrito é Januário Neto, que assumiu em outubro de 2020, por indicação política. Ele já foi secretário de Saúde de algumas prefeituras do MDB, sendo a última delas do município de Tapauá. Neto é próximo do senador Eduardo Braga (MDB/AM). 

“Há uma série de denúncias de que pessoas estão sendo demitidas porque não estão de acordo com a política do novo coordenador, que é muito centralizador”, afirma Pedro Silva Souza, do Cimi. De acordo com ele, desde que Neto assumiu, houve piora no atendimento do Dsei. “Pouca permanência das equipes nas terras indígenas. Nunca tem combustível suficiente, recurso para pagar aluguel do barco”. Marcivana Sateré-Mawé, da Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), concorda. Para ela, falta o Dsei dialogar com as comunidades.

Equipe de saúde faz atendimento em aldeias Yanomami. (Foto: Agência Saúde/Ministério da Saúde)

Procurado, Januário disse que os profissionais do distrito passam por avaliação, “sendo substituídos em caso de baixo rendimento”. Leia a nota da íntegra.

A gestão anterior, de Mário Ruy Lacerda, também foi alvo de críticas. Em maio de 2020, moradores da comunidade Três Unidos, a 60 km da capital, denunciaram a falta de apoio do Dsei Manaus quando, na região, houve casos de contaminação entre técnicos de enfermagem, falta de equipamentos de proteção individual e também de energia elétrica no principal posto de saúde (polo base) da região. 

“Foi uma situação muito complicada, os parentes ficaram desesperados”, relata Marcivana Sateré Mawe, da Copime. De acordo com ela, na aldeia vizinha à de Três Unidos, de Terra Preta do Povo Baré, também houve contaminação pela equipe de saúde, sem que houvesse o apoio do Dsei. Assim como Januário Neto, Mário Ruy Lacerda também foi indicado para o cargo pelo senador Eduardo Braga e pediu exoneração da coordenação do Dsei para concorrer às eleições para prefeitura de Manicoré em 2020.

Procurado, ele informou ter feito “tudo o que era possível, criando inclusive, o comitê de saúde do trabalhador que foi pioneiro e foi referência para a Sesai criar em todos os Dseis”. 

Edição: Mariana Della Barba

Essa reportagem foi produzida com o apoio do Pulitzer Center em parceria com o Rainforest Journalism Fund.

Breno Altman: Guerra do Paraguai foi de extermínio e forjou Exército oligárquico

 HISTÓRIA

Breno Altman: Guerra do Paraguai foi de extermínio e forjou Exército oligárquico

Para fundador de Opera Mundi, o estudo da guerra é essencial para compreender a natureza das Forças Armadas e a que interesses servem

REDAÇÃO OPERA MUNDI

São Paulo (Brasil)

No programa 20 MINUTOS HISTÓRIA, o jornalista e fundador de Opera Mundi, Breno Altman, falou sobre a Guerra do Paraguai, o maior confronto militar da história sul-americana, que opôs a chamada Tríplice Aliança – formada por Brasil, Argentina e Uruguai – contra o Paraguai. 

Iniciado em 27 de dezembro de 1864 e terminado em 8 de abril de 1870, o combate cobrou a vida de cerca de 60 mil brasileiros e eliminou 50% das tropas uruguaias e argentinas.

Já o Paraguai registrou cerca de 300 mil mortos, entre homens, mulheres e crianças. Além das vítimas da guerra, de epidemias e da fome decorrentes do conflito, o Paraguai foi ocupado militarmente por quase dez anos e perdeu cerca de 40% de seu território para o Brasil e Argentina. O país também teve de pagar uma alta indenização pelo conflito, que arruinou estruturalmente sua economia.


Para entender essas consequências, Altman afirmou ser importante estabelecer a historiografia do conflito, “para sabermos como caminhar nesse tema tão complexo e espinhoso, sem tomarmos gato por lebre”. 

Ele localiza os primórdios da Guerra do Paraguai em outros três conflitos anteriores: as guerras da Cisplatina (1825-1828), Prata (1851-1852) e Uruguai (1864-1865).

O primeiro foi resultado de uma rebelião em 1822 dos uruguaios, cujo território, então chamado de região da Cisplatina, havia sido anexado pelo Reino de Portugal, Brasil e Algarves em 1816. 

“Mesclavam-se interesses de classe – a expansão de terras para a pecuária dominada pela aristocracia rural sulista –, os objetivos da corte lusitana em enfraquecer o antigo vice-reinado da Prata e o ódio contra as forças republicanas e revolucionárias de José Artigas, o prócer da independência uruguaia”, detalhou. Após três anos de combate, o Brasil foi derrotado e surgiu a República Oriental do Uruguai.

O segundo conflito veio quase 25 anos depois. De forma resumida, o Brasil havia se reunificado, após o esmagamento da Guerra dos Farrapos (1835 - 1845), e decidiu voltar a enfrentar interesses argentinos: o ditador Juan Manuel de Rosas tinha a intenção de reconstruir o antigo vice-reinado, anexando Uruguai e Paraguai, sob sua hegemonia. 

O Brasil aliou-se aos independentistas desses dois países e a províncias rebeldes da própria Argentina, derrubando Rosas e batendo seu aliado uruguaio, Manuel Oribe. 

“A sequência de vitórias deixou o Império do Brasil em posição hegemônica no sul do continente, permitindo a reinserção dos pecuaristas sulistas ao bloco aristocrático que comandava o Estado. A compensação oferecida aos estancieros, pela alta carga tributária, era a ampliação de suas áreas de pastagem, exatamente no Uruguai, para aumentar a produção em um período de forte prosperidade econômica e aquecimento do mercado interno”, explicou Altman.

Guerra do Paraguai

Nesse contexto, emergiu a Guerra do Uruguai, após o governo de Bernardo Berro, do Partido Nacional, representante dos estancieiros locais, tomar medidas contra o expansionismo brasileiro e também o argentino, em 1863. 

“As medidas afetavam os interesses dos ruralistas gaúchos e encareciam os custos de produção da florescente agricultura cafeeira, ainda fortemente baseada em trabalho escravo, pois sobre taxavam a exportação de carne dos pecuaristas e proibiam o uso de trabalho escravo”, relembrou o jornalista.

O Brasil reagiu imediatamente aliando-se ao Partido Colorado e seu líder, Venâncio Flores, exilado na Argentina, sob a proteção do governo Bartolomeu Mitre. 

O governo uruguaio, presidido por aquele então por Atanasio Aguirre, não cedia às pressões, sendo finalmente invadido em 10 de agosto pelas tropas de D. Pedro II, aliadas a combatentes colorados, com apoio material da Argentina, embora essa nação se declarasse neutra no conflito. 

Por outro lado, os blancos tinham como principal aliado o Paraguai de Solano Lopez, que se engajaria na disputa no final de 1864. No dia 12 de novembro, o líder paraguaio ordena a apreensão do navio brasileiro Marquês de Olinda, o que foi considerado um ato de guerra pelo governo brasileiro.

Além disso, o governo paraguaio toma a iniciativa e invade, em 14 de dezembro, o Mato Grosso, seguida por outra invasão na província do Rio Grande do Sul, no início de 1865, através da província argentina de Corrientes. 

Já no Uruguai, o governo blanco cairia em 20 de fevereiro de 1865, com a imposição do comando de Venâncio Flores sobre o país, que imediatamente atendeu às exigências brasileiras. Mas, segundo Altman, “a guerra regional estava desatada”. 

O Brasil de Dom Pedro II, a Argentina de Mitre e o Uruguai de Flores formariam a Tríplice Aliança, através de tratado assinado em 1º de maio de 1865, para combater a expansão paraguaia promovida por Solano Lopez.

Independente desde 1811, o Paraguai havia constituído uma formação econômica bem distinta de seus vizinhos: possuía autossuficiência agrícola, a partir de pequenas propriedades camponesas, de colonos e índios guaranis. “O país era fechado e autóctone, não mantendo relações com nenhum país e proibindo tanto a emigração, quanto a imigração. Embora ainda existisse trabalho escravo, esse era decadente: a Lei do Ventre Livre fora assinada pelo pai de Solano Lopez, Carlos Lopez, em 1842, quase trinta anos antes que medida semelhante fosse tomada no Brasil”, narrou Altman.

Solano Lopez construiu um forte exército, com armas modernas e bem treinado, para defender essa autonomia. Diferentemente do Brasil, cujo exército se constituiria de fato durante a Guerra do Paraguai, arregimentando guardas regionais e policiais, abrindo campanhas e ofertando aos negros escravos sua liberdade em troca de alistamento. 

No entanto, “a elite do exército era formada por escravocratas e integrantes da aristocracia rural, em sua maioria, incluindo o Conde D’Eu, mas a soldadesca que serviria como carne de canhão era de origem humilde”, ponderou o jornalista.

A guerra teria uma fase de ofensiva paraguaia fora de seu território, detida pela Tríplice Aliança após dois anos de combates; e outra de defensiva, iniciada em 16 de abril de 1866, quando o exército brasileiro finalmente entra no território vizinho, acompanhado por seus aliados.  

“A resistência paraguaia, nessa etapa, foi antológica, envolvendo todo o povo. As tropas inimigas eram cada vez mais numerosas e impiedosas. Talvez a batalha mais emblemática dessa segunda fase tenha sido a Batalha de Acosta Ñu, quando soldados chefiados pelo Conde D’Eu massacraram fardados paraguaios, cuja média de idade não passaria dos catorze anos”, refletiu Altman.

Quando a correlação de forças vira em favor da Tríplice Aliança, após a segunda batalha de Tuiuti, em 1867, a guerra “se transformaria em uma guerra de extermínio, como demonstram os números”. 

A vitória final seria alcançada depois da queda de Assunção, em 1º de janeiro de 1869, mas consolidada apenas em 8 de abril de 1870, com o esmagamento do último acampamento guerrilheiro paraguaio, em Cerro Corá, e o assassinato de Solano Lopez.

Wikimedia Commons
Tela de Pedro Américo retrata a Batalha do Avaí, travada durante a Guerra do Paraguai

Guerra justa ou injusta?

Para além da história do conflito, a Guerra do Paraguai divide especialistas sobre seus motivos reais: “Foi justa ou injusta? Em defesa dos interesses nacionais ou da aristocracia rural?”.

Altman afirmou que, para fazer essa reflexão, é necessário, primeiro, registrar que a historiografia sobre a guerra se divide em quatro correntes.

A primeira delas é nacional-patriótica, dominante até os anos 1970, que se baseava na “adulação dos heróis militares e na reivindicação da Guerra do Paraguai como um processo positivo, heroico, de constituição da nacionalidade, contra um país supostamente dominado por criminosos e malfeitores, com ambições expansionistas, frente aos quais o Império do Brasil teria travado uma guerra defensiva – portanto, justa”, explicou.

A segunda corrente historiográfica foi denominada revisionista, pois se contrapunha à interpretação tradicional, e emergiu nos anos 1970. Integrada por autores marxistas, classificava a Guerra do Paraguai como uma consequência da formação social escravista no Brasil, contraposta à ditadura estatal-monopolista instalada no Paraguai, baseada em uma economia de pequenos criadores, plantadores e no campesinato de origem guarani.  “Essa interpretação também levava em conta supostos interesses do Império Britânico em derrotar o Paraguai, cujo desenvolvimento autônomo confrontaria os objetivos geopolíticos e imperialistas da Inglaterra”, ressaltou o jornalista.

A terceira corrente surgiu em meados dos anos 1990, “e poderíamos chamá-la de restauracionista, embora alguns prefiram denominá-la neorrevisionista”. 

A teoria tratou de impugnar toda a interpretação marxista sobre o episódio e retornar à narrativa nacional-patriótica sob um certo manto pós-moderno, revalorizando o papel brasileiro a partir de uma crítica supostamente democrática ao regime de Solano Lopez, mesclando-a novamente com atos de heroísmo dos militares brasileiros, para afirmar que a Guerra do Paraguai teria sido decisiva para criar um Exército profissional, avançar na abolição da escravidão e construir as bases da república. 

“A análise dos modos de produção e das classes é substituída, nessa corrente, pela geopolítica, equalizando todos os interesses em disputa sob uma lógica nacional própria a cada um dos envolvidos”, ponderou.

Uma quarta corrente, que se reivindica neorrevisionista, se inspira em autores marxistas, brasileiros e estrangeiros, “mas busca expurgar os exageros e preencher lacunas, à luz da análise de novos e velhos documentos históricos”. 

Para seus defensores, a Guerra do Paraguai teve caráter imperialista, foi movida por interesses da aristocracia rural brasileira e consagrou o caráter oligárquico das forças armadas brasileiras. 

Altman se colocou de acordo com a quarta corrente, afirmando que os interesses da aristocracia rural e os objetivos geopolíticos da corte de Dom Pedro, de hegemonia sobre a região, predominaram na declaração da guerra. “Um conflito de natureza imperialista, por assim dizer”, reforçou.

Para o jornalista, o combate ainda forjaria o moderno exército brasileiro “e seu papel tutelar sobre o Estado, que perdura até os dias de hoje. Não é à toa que os principais patronos das Forças Armadas sejam todos comandantes da Guerra do Paraguai”.

“Mudanças profundas dessa tradição deveriam começar por um solene pedido de desculpas ao Uruguai e ao Paraguai pela guerra imperialista”, concluiu Altman.