sábado, 4 de outubro de 2014

A candidatura da placenta

Ademir Alves de Melo*
Os homens que inventaram Deus devem ter a finura de desinventar o princípio da sua infalibilidade, justificada, recorrentemente, nos acertos e nos erros humanos com a sentença reducionista que dá por encerrada a questão: “Por que Deus quer”.
Se a Natureza por acaso fez de uma placenta hospedeira de dois óvulos sertanejos que se desenvolveram e tornaram em frutos do mesmo ramo - tão parecidos que, às vezes, um não sabe se é ele mesmo ou se é o outro – não se pode atribuir à vontade divina nem à Natureza responsabilidade por uma candidatura geminada, tão legítima e verdadeira quanto a propriedade de Jesus sobre um veículo adesivado com essa invencionice, como usualmente se vê em circulação essa manifestação de fé enganosa.
Os placentários juram pelo sangue de Cristo e a hóstia consagrada apoio à candidata de Dilma Rousseff à presidência da República. Não escondem do material de propaganda em divulgação esta opção concertada, mesmo a contragosto de Lula e Dilma, que rejeitam esse apoio, nos termos propostos, por seus fundamentos. Paradoxalmente e de encontro a essa declaração talhada de fidelidade, a turma do PT de estrela vermelha alaranjada chancela a candidatura  à reeleição do governador, que se esmera na campanha oposicionista de Eduardo Campos. Este presidenciável não poupa críticas ao governo Dilma e ao PT, somando voz às forças tenebrosas da reação e do golpismo latejante. Assim, a candidatura da placenta oxigena, via Ricardo Coutinho, os esforços de Campos e da oposição ranzinza, para impedir a vitória de Dilma no primeiro turno, e regatear, depois, vantagens e prebendas no eventual segundo turno. Até porque, vai ficar desempregado.
O candidato girassol faz a derrubada de votos com a força devastadora das derrubadas das florestas pelas lâminas e marinadas das serras e dos Serras, esperando compensação no novo governo social-desenvolvimentista, verbi gratia  a remissão da maquiavélica engenharia política que ora conduz. Nem Augusto dos Anjos foi tão enfático na exaltação do EU.
Ricardo arrasta na ciranda subalterna lideranças que repetem as lições mal aprendidas de FHC, ao dispensar a opinião pública no ocaso de seu desgoverno: “Esqueçam o que falei”. Lições mal assimiladas porque FHC sabia que se despedia da vida pública para entrar na história como o vendilhão da pátria, enquanto que os seus aprendizes, na esquerda descarrilhada do PT, pretendem entrar na política e fazer história como querem, alheios às circunstâncias com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado, como nos ensinam os mestres da socioeconomia.
E se Dilma ganhar no primeiro turno, como fica a situação da turma da placenta e entourage?
* Professor doutor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB


Antes de votar em Marina, você precisa conhecer Neca - e fazer a pergunta de R$ 18 bilhões

Antes de votar em Marina, você precisa conhecer Neca – e fazer a pergunta de R$ 18 bilhões

André Forastieri

marina Antes de votar em Marina, você precisa conhecer Neca   e fazer a pergunta de R$ 18 bilhões
Você precisa conhecer Neca. Ela é a coordenadora do programa de governo de Marina Silva, pela Rede Sustentabilidade, ao lado de Mauricio Rands, do PSB. O documento será divulgado na semana que vem, 250 páginas consensadas por Marina e Eduardo Campos. Educadora, com longo histórico de obras sociais, Neca conheceu Marina em 2007. É uma das idealizadoras e principais captadoras de recursos da Rede Sustentabilidade.
Sua importância na campanha e no partido de Marina Silva já seria boa razão para o eleitor conhecê-la melhor. Ainda mais após a morte de Eduardo Campos. Mas há uma razão bem maior. Neca é o apelido que Maria Alice Setúbal carrega da infância. Ela é acionista da holding Itausa. Você pode conferir a participação dela neste documento do Bovespa. Ela tem 1,29% do capital total. Parece pouco, mas o valor de mercado da Itausa no dia de ontem era R$ 61,4 bilhões. A participação de Maria Alice vale algo perto de R$ 792 milhões.
A Itausa controla o banco Itaú Unibanco, o banco de investimentos Itaú BBA, e as empresas Duratex (de painéis de madeira e também metais sanitários, da marca Deca), a Itautec (hardware e software) e a Elekeiroz (gás). Neca herdou sua participação do pai, Olavo Setúbal, empresário e político. Foi prefeito de São Paulo, indicado por Paulo Maluf, e ministro das relações exteriores do governo Sarney. Olavo morreu em 2008. O Itaú doou um milhão de reais para a campanha de Marina Silva em 2010 (leia mais aqui).
Em agosto de 2013 - portanto, no governo Dilma Rousseff - a Receita Federal autuou o Itaú Unibanco. Segundo a Receita, o Itaú deve uma fortuna em impostos. Seriam R$ 18,7 bilhões, relativos à fusão do Itaú com o Unibanco, em 2008. O Itaú deveria ter recolhido R$ 11,8 bilhões em Imposto de Renda e R$ 6,8 bilhões em Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. A Receita somou multa e juros.
R$ 18 bilhões é muito dinheiro. É difícil imaginar que a Receita tirou um valor desse tamanho do nada. É difícil imaginar uma empresa pagando uma multa que seja um terço disso. Mas embora o economista-chefe do Itaú esteja hoje no jornal dizendo que o Brasil viveu um primeiro semestre de "estagnação", o Itaú Unibanco lucrou R$ 4,9 bilhões no segundo trimestre de 2014, uma alta de 36,7%. No primeiro semestre, o lucro líquido atingiu R$ 9,318 bilhões, um aumento de 32,1% em relação ao primeiro semestre de 2013. O Unibanco vai muitíssimo bem. E gera, sim, lucro para pagar os impostos e multa devidos - ainda que em prestações.
A autuação da Receita foi confirmada em 30 de janeiro de 2014 pela Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento. O Itaú informou que iria recorrer desta decisão junto ao Conselho Administrativo de Recursos fiscais. Na época da autuação, e novamente em janeiro, o Itaú informou que considerava  "remota" a hipótese de ter de pagar os impostos devidos e a multa. Mandei um email hoje para a área de comunicação do Itaú Unibanco perguntando se o banco está questionando legalmente a autuação, e pedindo detalhes da situação. A resposta foi: "Não vamos comentar."
O programa de governo de Marina Silva, que leva a assinatura de Maria Alice Setúbal, merece uma leitura muito atenta, à luz de sua participação acionária no Itaú. Um ano atrás, em entrevista ao Valor, Neca Setúbal foi perguntada se participaria de um eventual governo de Marina. Sua resposta: "Supondo que Marina ganhe, eu estarei junto, mas não sei como. Talvez eu preferisse não estar em um cargo formal, mas em algo que eu tivesse um pouco mais de flexibilidade."
Formal ou informal, é muito forte a relação entre Neca e Marina. Uma presidenta não tem poder para simplesmente anular uma autuação da Receita. Mas tem influência. E quem tem influência sobre a presidenta, tem muito poder também. Neca Setúbal já nasceu com muito poder econômico, que continua exercendo. Agora, pode ter muito poder político. É um caso de conflito de interesses? Essa é a pergunta que vale R$ 18,7 bilhões de reais.

Fonte: R7

Quem é quem no núcleo duro de Marina Silva

Quem é quem no núcleo duro de Marina Silva


Por Renato Rovai agosto 21, 2014 19:23

Veja também

Marina Silva foi vereadora em Rio Branco e deputada estadual pelo Acre, antes de chegar ao Senado, de forma surpreendente, numa eleição que contrariou todas as pesquisas, em 1994. Sua trajetória no Senado foi de militante ecológica e isso a levou não somente a se reeleger senadora em 2002, como também a ser uma das primeiras ministras anunciadas por Lula para a pasta de Meio Ambiente, em 2002.
Marina, mesmo sendo política há mais de 25 anos, costuma ser considerada como uma outsider. Talvez por conta de seu comportamento discreto e ao mesmo tempo bastante autocentrado. São poucas as pessoas que compartilham da intimidade da nova candidata à presidência da República pelo PSB e um número ainda menor aos quais ela oferece os ouvidos. Quem diz isso são seus amigos e aliados, como o deputado federal Alfredo Sirkis.
A crise de hoje com o secretário-geral do PSB e ex-coordenador da campanha de Eduardo Campos, o pernambucano Carlos Siqueira, é um pouco resultado desse comportamento difícil da candidata. Mas Marina tem um núcleo duro. E é com as pessoas desse grupo que ela tem decidido boa parte dos seus passos políticos desde que saiu do PT mirando uma candidatura presidencial.
Conheça um pouco daqueles que fazem a cabeça da candidata.
Walter Feldman – Atualmente deputado federal, é médico de formação e foi uma das principais lideranças do PSDB em São Paulo por muitos anos. É cristão novo na relação política com Marina Silva, mas muito rapidamente ganhou a sua confiança. É o atual porta-voz da Rede e foi guindado ontem a coordenador geral da campanha no lugar do socialista Carlos Siqueira, o que abriu a primeira crise na campanha da candidata.
Feldman é tudo menos alguém exatamente da “nova política”. Já teve sete cargos legislativos e cinco executivos. Sempre foi próximo de José Serra e foi seu coordenar de subprefeituras em São Paulo, entre 2004-2005. Em 2006 foi um dos principais articuladores da campanha do então ex-prefeito para o governo do estado de São Paulo. Antes já havia sido chefe da Casa Civil durante o governo de Mario Covas. Também foi um dos principais articuladores do PSDB no governo Kassab, tendo sido secretário de Esporte e Lazer no governo do pesedista.
Feldman tentou ser candidato a prefeito pelo PSDB por algumas vezes, mas não conseguiu. Na última eleição municipal, atribuiu-se a ele articulação do apoio do pastor Silas Malafaia à José Serra.
Depois que Marina Silva deixou o PV, ele se desfilou do PSDB e ajudou na fundação da Rede, como esta não conseguiu autorização da justiça para se tornar partido, desistiu de disputar novo mandato parlamentar. Até por conta dessa atitude teria se tornado a voz da Rede e ganhado muito espaço junto à candidata.
Eduardo Gianetti da Fonseca – responsável pelo programa econômico da candidatura de Marina Silva. É formado em Economia (FEA) e Ciências Sociais (FFLCH), ambas na USP. Tem uma postura mais neoliberal e defende que o Banco Central seja independente. Ou seja, não tem nenhuma relação com as políticas econômicas do governo. Apenas com os interesses do mercado. Em declarações à imprensa já disse que um eventual governo Marina Silva será “menos estatizante do que o de Dilma Rousseff” e também tem defendido a tese do corte de ministérios. Ou seja, considera que o Brasil precisa ter um Estado menor.
Durante a gestão de Lula (2002-2010) classificou como “irresponsável e inaceitável” os aumentos dados às aposentadorias e aos funcionários públicos. O que sinaliza para uma separação entre o salário mínimo do trabalhador na ativa e do aposentado. Algo defendido por economistas neoliberais.
Pedro Ivo Batista – É amigo e assessor político de Marina Silva há muito tempo. Foi militante do PT desde quase sua fundação, tendo participado da mesma tendência interna da candidata, o Partido Revolucionário Comunista (PRC), que no movimento estudantil se organizava na corrente Caminhando. A principal liderança do PRC era o ex-deputado José Genoino. Naquela época, Marina era bastante ligada a Ozeas Duarte, que era um dos principais dirigentes da tendência. Quando Marina sai do partido e vai para o PV, Pedro Ivo sai junto. Depois deixa o PV junto com Marina para construir a Rede. E agora está junto com ela no PSB.
Considerado um dos braços direitos de Marina Silva no ministério do Meio Ambiente (2003-2008), Pedro Ivo foi o responsável pela coordenação da Agenda 21 Brasil. Cearense e ex-bancário, foi dirigente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e coordenador nacional de Meio Ambiente. Tem bom trânsito no PT e é considerado uma pessoa equilibrada e bom articulador.
Neca Setúbal e Marina (Foto: Reprodução)
Neca Setubal e Marina (Foto: Reprodução)
Maria Alice Setubal (Neca Setubal) – Conheceu Marina em 2007 e se aproximou muito dela na eleição de 2010. Por isso foi a escolhida para representá-la na coordenação do programa de governo de Eduardo Campos.
Acionista da holding Itaúsa, possui 1,29% do capital total, o que lhe conferiria uma fortuna de R$ 792 milhões. Em 2010, o Itaú doou R$ 1 milhão para a campanha de Marina.
Questionada se participaria de um eventual governo de Marina, Maria Alice Setubal  disse: “Supondo que Marina ganhe, eu estarei junto, mas não sei como. Talvez eu preferisse não estar em um cargo formal, mas em algo que eu tivesse um pouco mais de flexibilidade.”
Bazileu Margarido – É economista e do círculo mais próximo da candidata. Por este motivo, foi indicado por Marina para ser o tesoureiro de sua campanha na tarde de ontem. Na gestão de Marina à frente do Ministério do Meio Ambiente, foi o presidente do Ibama. Membro da executiva nacional da Rede é defensor do PAC e da construção das hidrelétricas. Bazileu foi um dos interlocutores da parceria entre Rede e PSB e defendeu a tese de que membros da Rede não deveriam aceitar cargos na executiva do PSB. É considerado um dos melhores amigos da candidata.
Alfredo Sirkis – É jornalista e deputado federal (PSB-RJ). Foi o principal articulador da ida de Marina Silva do PT para o Partido Verde. Tem militância ecológica antiga, foi fundador do PV, e na ditadura participou da luta armada no grupo Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Era muito ligado à candidata, mas a relação entre eles estremeceu quando a Rede não conseguiu ser formalizada enquanto partido. Na ocasião, escreveu o seguinte texto em seu blogue:
“Marina é uma extraordinária líder popular, profundamente dedicada a uma causa da qual compartilhamos (…). Possui, no entanto, limitações, como todos nós. Às vezes falha como operadora política, comete equívocos de avaliação estratégica e tática, cultiva um processo decisório ad hoc e caótico e acaba só conseguindo trabalhar direito com seus incondicionais. Reage mal a críticas e opiniões fortes discordantes e não estabelece alianças estratégicas com seus pares. Tem certas características dos líderes populistas embora deles se distinga por uma generosidade e uma pureza d’alma que em geral eles não têm.”
Esse texto de Sirkis, que teve forte relação com a candidata, acabou reforçando uma série de críticas que Marina enfrenta. E sua imagem sai ainda mais colada neste tipo de comportamento com a recente declaração de Carlos Siqueira, dizendo que foi rechaçado de forma grosseira por ela da coordenação da campanha. Siqueira gozava de grande confiança de Eduardo Campos.
Marina e Guilherme Leal, vice na chapa de 2010 (Foto: Valter Campanato / ABr)
Marina e Guilherme Leal, vice na chapa de 2010 (Foto: Valter Campanato / ABr)
Guilherme Leal – Co-presidente do Conselho da Natura e dono de 25% das ações da empresa. Está no ranking da Forbes entre as pessoas mais ricas do mundo. Posição de 461 (2010). Foi candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva em 2010 e doou R$ 11 milhões de reais para a campanha. Tinha se distanciado da candidata quando ela foi para a aliança de Campos, mas já deu sinais de que agora voltará a atuar de forma mais próxima.
A Natura é uma empresa que tem forte discurso de responsabilidade socioambiental, mas responde por processo de trabalho escravo e é acusada de biopirataria pelo Ministério Público Federal.
João Paulo Capobianco – Biólogo, fotógrafo e ambientalista. Durante a gestão da candidata à frente ao ministério do Meio Ambiente, foi secretário nacional de Biodiversidade e Florestas e secretário-executivo do ministério. Em 2010, foi o coordenador da campanha de Marina Silva e mais recentemente um dos principais articuladores da fundação da Rede.
Capobianco teve o nome cogitado para disputar o governo do Estado de São Paulo. Porém, em função da negociação do PSB com Geraldo Alckmin (PSDB), essa hipótese nem ganhou muito espaço.
Capobianco é um crítico ferrenho do governo Dilma e o classifica como um atraso para a questão ambiental no Brasil.
Além desse grupo, Marina leva muito em consideração a opinião de seu marido, Fábio Vaz de Lima, que até esta semana ocupava um cargo de comissão no governo do Acre, e de pessoas com quem tem relação muito mais pessoal do que política. Esse é um hábito que a candidata cultiva. Ela não leva em consideração apenas a opinião do seu grupo mais político. E muitas vezes surpreende a todos com decisões inesperadas, como a filiação ao PSB para ser vice de Eduardo Campos.
De qualquer maneira, muito do que Marina vier a fazer nos próximos dias que podem levá-la ou não ao segundo turno e até a presidência da República terá muito a ver com esse grupo apresentado nas linhas acima.
Colaborou: Marcelo Hailer

O Brasil além do PIB



O Brasil além do PIB

Entrevista a Ladislau Dowbor

ladislau_dowbor
Ladislau Dowbor ironiza mídia e “especialistas” que dizem analisar situação do país apoiando-se em dado parcial, distorcido e socialmente enviezado
Entrevista a Catia Santana, no Jus Economico | Outras Mídias
A tímida previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil tem tomando conta do noticiário econômico deste ano. O indicador que mede a soma anual dos bens e serviços produzidos, não mede, no entanto, resultados ou progressos obtidos pelo País. Para Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração, formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suiça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976), consultor para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios , “o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a medir a velocidade que a máquina gira, mas não diz o que ela produz, com que custos ambientais e nem para quem. É ridículo tentar reduzir a avaliação de um País a um número, isso não faz nenhum sentido”. Em entrevista para o Jus Econômico o professor, fala dos avanços econômicos e sociais alcançados pelo Brasil nas últimas décadas, a importância de se investir nas pessoas e que apesar dos avanços que transformaram o “andar de baixo da economia” ainda há um longo caminho a ser percorrido para a redução das desigualdades do país.


·         Jus Econômico – Tem sido divulgado amplamente o fraco crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, em 2014. Crescimento fraco de PIB no Brasil é preocupante? Por quê?

Seria bom crescer mais, ponto. Agora o objetivo fundamental é as pessoas viverem melhor, o PIB não mede os resultados, mede a intensidade de uso dos recursos. Enquanto o PIB atingiu o recorde em 2010 [quando fechou o ano com 7,5%], a Amazônia teve cinco mil quilômetros quadrados derrubados [de floresta], isso gera atividade econômica, isso aumenta o PIB só que é nocivo para o País porque está reduzindo os estoques. Quando são jogados pneus, carcaças de fogão no rio Tietê e isso obriga o estado a contratar desassoreamento dos rios, isso aumenta o PIB. Quando aumenta a criminalidade, mais gente compra grades, cadeados e contrata gente que apita na rua, isso está aumentando o PIB. Quando se melhora o nível de saúde da população e crianças adoecem menos, compram-se menos medicamentos e há menos hospitalização, ocorre redução no PIB e não aumento. Então é importante entender que o PIB não mede resultado, mede a intensidade de uso dos recursos e as pessoas pensam que o PIB é bom porque o associam ao emprego. O que está acontecendo é uma coisa curiosa porque as pessoas ficam confusas sobre como é que o PIB, que no ano passado teve crescimento razoável 2,2%, 2,3%, que está na média mundial, este ano, talvez seja um pouco mais fraco e mesmo assim ainda temos situação de pleno emprego. Na realidade, a composição do Produto Interno Bruto está mudando. Nós tivemos, por exemplo, mais de três milhões de pessoas a mais que entraram nas universidades, o PRONATEC está com seis milhões e meio de pessoas que passaram a estudar, tivemos uma grande expansão do ingresso na educação em geral, houve um conjunto de investimentos no nível de conhecimento da população. Quando se faz esse investimento de formar as pessoas, vai haver uma nova geração que em dez ou quinze anos será muito mais produtiva, mas o aumento da produtividade das pessoas não é hoje ele vai se dar. Enquanto essas pessoas não entrarem no mercado produtivo, nós continuaremos com uma mão de obra em que o analfabetismo funcional atinge mais de um terço da mão obra que temos o que mantém a produtividade relativamente baixa. Então, fazendo a política certa, é natural e compreensível que não reflita imediatamente no PIB porque se está investindo nas pessoas e na futura capacidade produtiva delas.

·         A conclusão de que um país é rico ou não, para muitos, passa muito também pela avaliação do seu PIB. O PIB é um bom indicador de riqueza de um país?

O PIB não é indicador de riqueza, inclusive ele não mede sequer a riqueza. Porque para medir riqueza, se mede patrimônio. Nosso PIB não mede os US$ 520 bilhões de fortunas brasileiras em paraísos fiscais e não mede inclusive, a concentração do patrimônio, de quem controla a terra, de quem é dono de qual parte do país, por exemplo. O PIB mede apenas a intensidade de uso de recurso durante um ano, mede apenas o fluxo. Quando se aumenta o estoque de riquezas do país, ele se torna mais rico. Colocando mais carros nas ruas de São Paulo, onde fica todo mundo paralisado, gastando mais gasolina aumenta o PIB, mas não está melhorando a situação das pessoas. Quando apenas se mede quantos carros foram vendidos e quanto dinheiro circulou durante o ano e não o estoque, tem-se o Produto Interno Bruto que é uma medida anual, não mede a riqueza que é o patrimônio. Inclusive, trabalhamos com o Marcio Pochmann [economista] tempos atrás o conceito de qualidade do PIB, quando, por exemplo, se faz investimento em saúde preventiva que é muito mais produtivo e ajuda com que as pessoas não fiquem doentes, não se aumenta PIB, ao contrário. A Pastoral da Criança, por exemplo, nos quatro mil municípios onde trabalha é responsável por 50% da queda da mortalidade infantil. Isso não aumenta PIB, o que aumenta o PIB é a compra de remédios, contratar ambulância e serviços hospitalares. Na realidade, o PIB é uma cifra que, tecnicamente, ajuda a medir a velocidade que a máquina gira, mas não diz o que ela produz, com que custos ambientais e nem para quem. Os economistas que trabalham hoje de maneira séria como Joseph Stiglitz, Amartya Sen e mais um monte de gente, está revoltada com esse tipo de medida, é ridículo tentar reduzir a avaliação de um país a um número, isso não faz nenhum sentido.

·         Quais elementos devem ser considerados para medir se as condições econômicas de um país são boas ou ruins?

O PIB que mede apenas a intensidade do uso da máquina, mas como avaliação universal de um país, simplesmente, não serve. Quando há investimento em saúde e há menos hospitalizações, menos consumo de remédios, por exemplo, isso não aumenta o PIB. Temos o IDH, medido por municípios, como no Atlas Brasil 2013, que mede não só a renda, mas a saúde e acesso a conhecimento já é uma cifra mais equilibrada, isso que nos dá a evolução constatada entre 1991 e 2010, em que o brasileiro ganhou nove anos em esperança de vida, passou de 65 para 74 anos, o que é uma imensa transformação. E temos indicadores não só de quantidade mas de expansão de diversos níveis na educação e da generalização do acesso à internet em 3200 municípios, que faz parte do processo de transformação que está em curso. O IDH já ajuda muito. Há indicadores mais detalhados, que saíram há dois meses e pegando o ano de 2013 , em que o Brasil aparece bem na foto, que se chama Indicadores de Progresso Social (IPS), são 54 indicadores que pegam os resultados, não quanto se gasta e sim quanto se tem de resultado no que se refere ao acesso ao conhecimento, de mobilidade social, de redução das situações críticas como as de insalubridade. O Brasil aí está bem na foto, mas está mal em termos de segurança, o indicador que mais puxa o Brasil para baixo. Temos indicadores de área ambiental não suficientemente difundidos no Brasil, como a pegada ecológica, mas temos sim fragmentos indicativos que são indicadores pontuais como a redução do desmatamento da Amazônia que passou de vinte e oito mil metros quadrados em 2002 para atualmente de quatro mil e quinhentos quilômetros quadrados. Em geral, continuamos com os dois maiores desafios do Brasil, o primeiro a desigualdade, ainda somos um dos países mais desiguais do mundo, e o segundo é a destruição ambiental.

·         Ainda nessa linha de indicadores, qual a contribuição do Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil 2013 com relação aos indicadores utilizados. Comente o que eles mostram sobre os municípios brasileiros.

O principal é o que se observou em 1991, quando 85% dos municípios tinha um IDH muito baixo, abaixo do 0,50, e em 2010, sobraram nessa situação catastrófica, apenas 32 municípios. Como o IDH abrange tanto áreas de saúde, como educação e de renda, então trabalhamos esses elementos. A educação foi a área que mais evoluiu no Brasil, mas continua sendo a mais baixa porque era de longe o elemento mais atrasado. Isso felizmente está ocorrendo uma unanimidade no Brasil de que temos que centrar muitos esforços na educação. Nesse período, em termos de capacidade de compra real houve aumento e a cifra que se chegou foi de R$ 346, deflacionados, em termos de capacidade de compra atual, o que como renda domiciliar per capita pode parecer pouco, mas se tivermos uma família com quatro pessoas, quatro vezes R$ 346, significa que se a família está lá em baixo – quando a família é rica não faz diferença- faz uma imensa diferença na situação da população. Isso se deve apenas em parte ao Bolsa Família, em grande parte ao aumento do salário mínimo e, com isso, indiretamente, por indexação também melhoraram as aposentadorias e se deve, digamos, ao aumento do nível de emprego. O emprego aumentou globalmente, temos o menor desemprego da história do País e, em particular, houve o aumento muito significativo de quase 20 milhões de empregos formais. A formalização do emprego ajuda muito a racionalizar toda a economia. No Atlas [do Desenvolvimento Humano do Brasil 2013] são esses os eixos mais significativos, ainda há a saúde em que houve uma progressão de nove anos de vida, o que é um avanço absolutamente gigantesco num período tão curto. A metodologia também é interessante porque se para de olhar o PIB então se equilibra a renda e a saúde que não é só serviço de saúde porque isso é resultado das pessoas terem acesso à água limpa, do “Luz Para Todos” que permite que muitas casas que não tinham geladeira, agora podem armazenar alimentos. É um conjunto de melhorias de condições de vida, inclusive, o Minha Casa, em que as pessoas podem viver de maneira decente, tudo isso tem seus impactos. Na educação também, que não é apenas a construção de escolas são diversas formas de inclusão, inclusive, indiretas como o Bolsa Família que está vinculado a manter as crianças na escola. Criou-se uma política de estado de inclusão. É importante nessa pesquisa do Atlas 2013 que ela não compreendeu apenas a partir do governo Lula, ela começou em 1991. Vê-se que há progressos desde a década de 1990 e que se sistematizam a partir da última década. Basicamente, os avanços começam com a Constituição 1988, com a redemocratização, em que se cria um clima de regras do jogo de investimentos para o País começar a caminhar. Uma segunda evolução muito importante foi a ruptura da hiperinflação em 1994 que permitiu às empresas começarem a fazer as contas o que deu mais fôlego às áreas produtivas relativamente às áreas financeiras, que ganhavam muito com a inflação e esses avanços se sistematizam realmente a partir do governo Lula e do governo Dilma quando se transformam num processo muito amplo que não é só Bolsa Família, é PROUNI, Luz para todos, PRONATC, PRONAF todos eles tiveram expansão, o aumento do salário mínimo, são basicamente 150 programas articulados que estão transformando o País.

·         Os indicadores específicos por município podem resultar em resolução dos problemas? Como?

Cada município precisa desenvolver sua base de dados, é a mesma coisa de quando se quer administrar bem uma empresa necessita-se de informação gerencial bem organizada. A gente conta nos dedos os municípios que tem um sistema de indicadores adequado. Nós temos um processo articulado em que pegamos as duas décadas e ficam muito mais claras as evoluções das cifras. O Indicador de Progresso Social (IPS), essa metodologia que saiu há dois meses, trabalha não só com as três áreas do IDH (saúde, educação e renda), mas com uma bateria de 54 indicadores, isso ajuda porque amplia[os indicadores], mas não são desagregados para o nível municipal. O município é a unidade básica da federação, temos 5565, se eles não são bem administrados é o conjunto do País que não funciona. O Atlas Brasil 2013 ajuda, porque além de dar o ranking em termos de IDH dos municípios, ele disponibiliza um conjunto de indicadores mais detalhados por município. Isso é um início, uma base para identificar as coisas mais gritantes de cada município, mas na realidade, temos de ir muito além, cada município tem que criar sua base de dados sistemática. Temos o sistema ORBS desenvolvido no Paraná. Temos indicadores muito interessantes desenvolvidos aqui em São Paulo através do Instituto Ethos e do Movimento Nossa São Paulo chamado IRBEM (Indicadores de Bem Estar Municipal), temos também o Indicador de Qualidade de Vida Urbana de Belo Horizonte [MG]. Muitos municípios acordaram para a necessidade de gerar uma transferência interna de quais são os problemas, quais são os potenciais e como estão sendo utilizados os recursos. De certa maneira temos que criar um conjunto de base informativa para uma gestão racional e adequada de cada município.

·         O senhor defende que se os municípios são os blocos que constroem o país e que se os municípios não funcionam, o país não funciona. Posto isso, a quantas anda o funcionamento do País partindo dos municípios?

Acho extremamente desigual, mas também com muito progresso. Grande parte das iniciativas, realmente por assim dizer, não aparece na grande mídia que não tem muito o esforço de se meter nos interiores para verificar como as coisas estão mudando. Com a impulsão da formalização do trabalho, do programa Projeto Empreendedor individual, de acesso a muito mais renda no nível dos municípios e dos estados mais pobres isso tudo gerou condições para que os municípios acelerem o seu desenvolvimento, isso está funcionando, agora, no meu entender, a capacidade de gestão e não a disponibilidade de recursos é que tendiam a ser ainda o elo mais fraco. Não temos praticamente cursos de formação de gestores municipais, temos iniciativas de esforços individuais da Tania Fisher na Bahia, da Tania Zapata de Pernambuco. Temos aqui na FGV curso para administração municipal, mas são coisas muitos pontuais ainda, relativamente às necessidades. Não dá para formar só uma pessoa que aprende administração pública e outra que só aprenda administração de empresas. É necessário pensar em como se administra o território onde as empresas, a administração pública, os movimentos sociais, os recursos naturais e tudo isso será articulado no processo de desenvolvimento sustentável. Acho que estamos aqui muito atrasados.

·         Como os programas de transferência de renda contribuem para o funcionamento dos municípios?

Para muitos municípios, em particular, para o Nordeste, o Bolsa Família aumentou muito a renda desses municípios, mas isso não resolve. O que se constatou - e isso é uma das coisas mais importantes -  é que toda a visão discriminatória que dizia que se o pobre recebe dinheiro ele se encosta ela simplesmente foi negada pelos fatos. Os municípios despertaram porque se gerou mais demanda local. E uma demanda de muitas coisas simples como alimentos, pequenos serviços, acesso à saúde, poder pegar um transporte, pagar a prestação de uma geladeira. Na verdade, isso transformou profundamente o andar debaixo da economia conforme mostram as estatísticas em que quase 40 milhões que saíram do buraco. Eu volto a dizer: o buraco ainda é muito profundo, estamos muito longe de resgatar a desigualdade. E não foi só Bolsa Família, o PRONAF [Programa Nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar] passou de R$ 2,5 bilhões em 2002 para cerca de R$ 20 bilhões hoje, temos também o acesso dessa população mais pobre às universidades. Esse processo de mudança que está apenas começando a ser estruturar para acelerar o desenvolvimento e aí não é o desenvolvimento do PIB municipal e sim da qualidade de vida. São outros tipos de consumo e isso exige uma força, uma capacidade de gestão pública muito reforçada exige conhecimento, articulação intermunicipal, as diversas institucionalidades que vão se formando. Estive em Minas Gerais, onde já há 64 consórcios intermunicipais de saúde o que ajuda muito em vez de as pessoas ficarem andando de um lugar para outro procurando um serviço médico melhor, com um consórcio intermunicipal fica-se sabendo que município tem uma boa estrutura de oftalmologia, que outro tem melhor para cirurgias. Essa capacidade de gestão está sendo construída.

·         É possível o maior enfoque no desenvolvimento social e manter o desenvolvimento econômico em segundo plano? Como isso funciona?

Há uma reflexão profunda nesse sentido, herdamos uma tradição muito ruim da economia que quem produz bonecas Barbie é o produtor que gera emprego, produto e imposto que são utilizados para gasto pelo Estado. Hoje invertemos a forma até em particular nos trabalhos de Amartya Sen, nos trabalhos fundamentais da CEPAL [Comissão Econômica para América Latina], em particular, “La hora de la igualdad” um documento importante para a América Latina e a mensagem básica é a seguinte: não é aumentar o bolo para depois distribuir, a melhor forma de aumentar o bolo é investir nas pessoas. Então, na realidade, esse esforço que se está fazendo hoje na educação, saúde, cultura etc. na realidade resulta na melhora da capacidade produtiva das pessoas. As pessoas esquecem que quando uma empresa quer uma produtividade melhor ela precisa contratar engenheiros e quando ela contrata um engenheiro de 25 anos ela contrata 25 anos de investimento social naquela pessoa, isso é um esforço brutal. Ou seja, houve imenso investimento social para se ter esses engenheiros. O Japão se desenvolveu mandando milhares de pessoas para diversas partes do mundo para estudar e se formar. A Coreia fez imensos investimentos sociais, a China está fazendo também. Na realidade, se inverteu, não há mais que se esperar o país ser rico para pode financiar educação saúde, cultura se não investir nas pessoas é que nunca vai ficar rico.