terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Mangabeira Unger attacks again

Mangabeira Unger attacks again. Por Valter Pomar

 
Magabeira Unger (Foto: Agência Brasil)
Publicado originalmente no blog do autor
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POR VALTER POMAR, historiador
No dia 15 de dezembro de 2018, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma interessante entrevista com o professor Mangabeira Unger.
Mangabeira é professor em Harvard. Sua trajetória política inclui uma passagem pelo governo Lula e o apoio à candidatura de Ciro Gomes a presidente em 2018.
Logo no início da entrevista, Mangabeira afirma que a eleição de 2018 foi “um plebiscito sobre a volta do PT”, no qual uma “maioria decisiva dos brasileiros estava disposta a pagar quase qualquer preço para evitar o retorno do PT”.
Por quais motivos teria surgido esta suposta disposição, veremos adiante.
De toda forma, é a partir desta premissa que Mangabeira afirma que o PT e o Lula “deveriam ter tido a grandeza de reconhecer que a maioria dos brasileiros não aceitaria a volta do PT”.
Não captei a lógica matemática de Mangabeira, pois os 57 milhões que votaram em Bolsonaro não são a maioria dos eleitores, muito menos a “maioria dos brasileiros”.
Mas entendi a lógica política de Mangabeira: ao afirmar que a eleição estava perdida desde o início, ele se dá ao direito de não falar do golpe, da interdição da candidatura Lula, dos crimes eleitorais cometidos pela campanha de Bolsonaro, da atitude dos que lavaram as mãos no segundo turno.
Nada disto importa, pois segundo Mangabeira “não havia qualquer chance de vitória do candidato do PT, mesmo que Lula pudesse ter sido candidato”.
Esta afirmação de Mangabeira contradiz todas as pesquisas que foram publicadas ao longo de 2018, antes da interdição de Lula.
Mas é muito útil para os que defendem a performance do juiz Moro, da maioria do TRF4, do STF e do TSE.
Afinal, se não havia “qualquer chance” de Lula vencer, então a condenação, a prisão e a interdição não teriam influído no resultado da campanha.
E que conclusão Mangabeira tira dessa “narrativa”?
Bidu: a de que o “natural” é que o PT “desde o início tivesse apoiado Ciro”.
A palavra “natural” faz sentido, pois o que Mangabeira está efetivamente sugerindo é que o PT deveria ter “naturalizado” o golpe, “naturalizado” a interdição de Lula, “naturalizado” a retirada da disputa política de um Partido que recebeu 31 milhões de votos no primeiro turno, demonstrando ter várias vezes mais votos que Ciro.
A falta de lógica no raciocínio de Mangabeira é tão evidente, que a Folha pergunta: “E por que Ciro não venceu?”.
A resposta de Mangabeira é reconhecer que Ciro e seus aliados cometeram um erro.
Registro que acho admirável esta capacidade de síntese: um erro, um único erro.
E qual erro teria sido?
O de ter ficado no “meio termo” entre “dois caminhos”.
Um caminho teria sido aceitar ser vice de Lula, para depois virar cabeça de chapa.
Outro caminho teria sido romper desde o início com o PT.
Se Ciro não tivesse ficado no “meio termo”, ele teria conseguido vencer?
Mangabeira dá a entender que sim. Ou seja: se Ciro tivesse se aliado ao PT, poderia ter vencido. E se tivesse rompido totalmente com o PT, poderia ter vencido.
Que Ciro acreditava nisso, todos sabemos. Ele chegou até mesmo a se apresentar, durante uma entrevista, como o “futuro presidente do Brasil”.
Qual a base racional dessa certeza, Mangabeira não deixa claro.
Não devem ser algumas pesquisas publicadas ao longo do primeiro turno, pois afinal se as pesquisas forem aceitas para estimar as chances de Ciro, deveriam ser aceitas, também, para estimar as chances de Lula, aquele que segundo Mangabeira não teria “qualquer chance”.
Ciro teria vencido, segundo Mangabeira, se tivesse adotado uma de duas posições antagônicas.
Noutros termos: se fosse o candidato do PT contra a direita, ou se fosse o candidato da direita contra o PT.
Deixemos de lado os sentimentos que nos causam quem admite ser água ou ser azeite, desde que isso lhe permita vencer as eleições.
O que importa é que Mangabeira reconhece que a eleição estava polarizada entre petismo e antipetismo, logo Ciro só poderia vencer se ocupasse um dos polos.
Neste momento, fica claro como a “narrativa” de Mangabeira é generosa com Ciro Gomes.
Afinal, não é exato dizer que Ciro tenha ficado no “meio termo”.
Pois quem estivesse neste lugar não teria atacado o PT e Lula como Ciro atacou. Nem teria se ausentado de todos os atos contrários à condenação e à prisão de Lula.
O fato é que Ciro tentou ser o candidato da centro-direita contra o PT.
Como esta operação não teve êxito, ele tentou ser o candidato da centro-esquerda sem o PT.
E depois de tanto ziguezague, terminou sozinho, abandonado pelos que ele queria como aliados de centro-direita e como aliados de centro-esquerda.
Mais exato, portanto, seria dizer que o ziguezague de Ciro durante a campanha passou, para alguns setores, a impressão de que ele estaria no “meio termo”.
Seja como for, a questão é: segundo Mangabeira, Ciro poderia ganhar a eleição, desde que tivesse o apoio de Lula. Ou seja, o PT poderia ganhar a eleição, desde que tivesse Ciro como candidato a presidente.
Convenhamos que isto enfraquece “um pouco” a tese segundo a  qual o PT perderia a eleição com qualquer um.
Agora, alguém acredita que o “sistema” trataria Ciro Gomes com luva de pelicas, caso ele fosse o candidato apoiado pelo PT?
Voltemos à entrevista: a Folha pergunta se ao não declarar voto em Haddad no segundo turno, Ciro teria buscado consolidar o afastamento do PT.
A resposta de Mangabeira é extremamente reveladora: “Tarde demais para superar os males gerados por essa ambiguidade”.
Ou seja, a resposta é… sim, ao não declarar voto em Haddad, Ciro teria buscado consolidar o afastamento do PT.
Portanto, segundo Mangabeira, a postura de Ciro Gomes no segundo turno era uma versão tardia da postura de “romper com o PT”.
Ajustando as palavras ditas por Mangabeira sobre o povo, no segundo turno Ciro demonstrou estar disposto a “pagar quase qualquer preço para evitar o retorno do PT”.
Na mesma resposta, Mangabeira diz outra coisa muito interessante: “Ciro passou muito tempo explicando-se para as classes ilustradas e endinheiradas, que na maioria jamais votariam nele, em vez de buscar o povão”.
Repito: Ciro não buscou o povão, Ciro gastou tempo com os endinheirados, que “na maioria jamais votariam nele”. Mas para buscar o povão, Ciro precisaria estar com o PT. O que ele não quis.
Aqui vai surgindo a terrível conclusão, que Mangabeira não expressa desta forma, mas que fica implícita em seu raciocínio: para que esta situação vivida por Ciro em 2018 não se repita futuramente, é preciso que antes das próximas eleições o PT seja destruído, ou a partir de dentro, ou a partir de fora.
Esta hipótese parece contraditória com o fato de Mangabeira, segundo ele próprio, ter defendido que Ciro se compusesse com o PT em 2018.
Mas leiamos com atenção a afirmação de Mangabeira: se Ciro escolhesse o acerto com o PT, não havia nenhum risco de que, no poder, Ciro se conduziria como “instrumento do lulismo”, pois Ciro não seria um “poste”.
Se eu entendi direito, o ilustre professor de Harvard está deixando claro que defendia o acordo, como um expediente tático, para ganhar a eleição.
Mas se Ciro ganhasse, Mangabeira defende que Ciro desse uma “rasteira” no PT, atitude embelezada pela afirmação de que haveria uma diferença “substantiva” entre os projetos defendidos pelo PT e por Ciro.
Uma pausa para a reflexão daqueles que defenderam que o PT deveria apoiar Ciro em nome de tentar impedir a direita de chegar ao governo, e que agora são informados sobre o que Mangabeira acha que Ciro faria em seguida contra o PT, e que logo adiante serão informados que o programa de Ciro teria pontos de afinidade com o de Bolsonaro.
Outra pausa para reflexão: de um lado temos um partido com várias lideranças, de outro lado temos uma pessoa. Não surpreende, portanto, a facilidade com que Ciro pode se mover de uma posição a outra. Mas surpreende como se acha possível, com este nível de organicidade, governar um país.
Fim da pausa.
É só neste momento da entrevista que a Folha pergunta como Mangabeira explica “a ascensão de Bolsonaro”.
A resposta de Mangabeira ficaria melhor se dita em inglês: “PSDB e PT juntos, duas cabeças da mesma serpente, conduziram o Brasil por uma lógica de cooptação”. A corrupção teria sido um dos “corolários” disto. “E por trás dessa rejeição ao PT havia o repúdio à lógica da cooptação”.
Aqui está, portanto, a resposta à questão posta no início da entrevista: uma “maioria decisiva dos brasileiros estava disposta a pagar quase qualquer preço para evitar o retorno do PT”, porque repudiava a “lógica da cooptação”.
Portanto, esqueçamos esta ideia de que houve um golpe, articulado por uma coalizão de forças que, em última instância, expressava os interesses dos grandes capitalistas brasileiros e de seus aliados estrangeiros.
Nãnãnãnãninha.
A verdade, segundo Mangabeira, é outra totalmente diferente.
O PT teria sido rejeitado pelos “emergentes”, pela “pequena burguesia empreendedora mestiça morena, que vem de baixo”, por uma multidão de “trabalhadores pobres que vê nos emergentes a vanguarda”, pelo “Brasil profundo”.
Esqueçamos a nomenclatura e vamos ao miolo: é óbvio que parcela das classes trabalhadoras, assalariadas ou pequeno proprietárias, apoiou o golpe e votou contra o PT.
Mas será realista, não digo uma análise, mas uma descrição do ocorrido no Brasil desde o final do segundo turno de 2014, sem falar dos grandes capitalistas e do governo dos EUA??
Mangabeira aponta o dedo para outro lugar, para um setor que estaria “órfão de projeto político”. E a Folha pergunta se “a esquerda abandonou essa população”. E Mangabeira responde: “Chamar de esquerda o PT é muito esquisito”.
Esquisito, segundo Mangabeira, porque o PT defenderia um projeto “nacional consumista”, que “democratizou a economia do lado da demanda e do consumo, não do lado da produção”, não tendo “qualquer projeto de mudança estrutural”.
Mangabeira não diz que o PT não era suficientemente de esquerda, radicalmente de esquerda, coerentemente de esquerda. Não discute qual setor social foi beneficiado pelo projeto que ele imputa ao PT. Diz apenas que era “esquisito” chamar o PT de esquerda, porque o projeto do PT não envolvia “mudança estrutural”.
Lendo isto, fica mais claro o caminho mental percorrido por gente que começou criticando o PT pela esquerda e terminou votando no Ciro.
Mas a pergunta óbvia é: se o PT não seria de esquerda porque o projeto de país proposto pelo PT não envolveria qualquer “mudança estrutural”, que tipo de “mudança estrutural” Ciro defendia?
Na entrevista não é dito.
O dito é que, segundo Mangabeira, Bolsonaro teria sido o “beneficiário acidental” do desejo frustrado de uma parte da população brasileira que não se contentava com o “açúcar” oferecido pelo PT.
Mangabeira elogia o “esforço” que Bolsonaro fez “durante anos de construir um discurso e canais para esse Brasil desconhecido, que é agente decisivo hoje”.
E acrescenta: Bolsonaro “oferece soluções simplistas, mas que no imaginário apelavam para uma ideia de libertação e merecimento. Era a forma simplista e até distorcida e mentirosa de uma aspiração legítima”.
Se a Folha não errou na tradução, nem na transcrição do gravado, o que Mangabeira está dizendo é que Bolsonaro está no caminho certo.
Portanto, a “mudança estrutural” que Bolsonaro e Mangabeira defendem possuem pontos de afinidade.
Até que ponto Mangabeira expressa, nesta questão, o ponto de vista de Ciro? Não sei.
Até porque um candidato que deu destaque ao tema do SPC não pode falar tão grosso contra um modelo “nacional consumista”.
Mas quem conhece as posições defendidas por Mangabeira, em outras ocasiões, sabe que seu elogio a Bolsonaro é coerente com a visão de país defendida pelo professor de Harvard.
Neste sentido, pode parecer “esquisito” que Mangabeira escolha, para desqualificar o PT, a acusação de que não seríamos de esquerda.
Mas a acusação ganha todo sentido, quando Mangabeira afirma o seguinte: “PT não é esquerda. Precisamos de inovação estrutural. Andar demais com o PT é um perigo sob o ponto de vista desta tarefa”.
Ao mesmo tempo, Mangabeira diz que “a esquerda, para chegar ao governo, precisará de eleitores que votaram em Lula, não precisará necessariamente do PT e do Lula. Gostaria que Lula tivesse a grandeza de compreender tudo isso”.
O que entendi foi o seguinte: para ganhar numa próxima eleição, Ciro tem que apresentar-se como alternativa para os eleitores do PT e de Lula. Mas não vale a pena aliar-se com o PT, porque o PT é um obstáculo ao programa que Mangabeira defende, que por sua vez tem semelhanças com o programa que Bolsonaro defende. Neste sentido, o governo Bolsonaro pode abrir terreno para um futuro governo Ciro, seja pelo programa que Bolsonaro implementará, seja porque Bolsonaro contribuiria para destruir o PT, “libertando” seus eleitores para votar em Ciro.
E o cidadão ainda espera que Lula tenha a grandeza de compreender tudo isto!!!
Exagero da minha parte?
Não é não.
Perguntado se Bolsonaro fará um bom governo, Mangabeira responder que “me parece promissor, e falo como opositor, a ideia de impor o capitalismo aos capitalistas”.
Ou seja, o programa ultraliberal de Paulo Guedes virou “impor o capitalismo aos capitalistas”.
Mangabeira faz uma ressalva: isto “nem de longe é condição suficiente para o modelo de desenvolvimento que precisamos, mas é condição preliminar. A radicalização da concorrência, quebra dos carteis, a destruição dos favores dados aos graúdos pelos bancos públicos”.
Como se pode ler, Mangabeira elogia o programa ultraliberal de Paulo Guedes, apresentando-o como condição preliminar para o programa de desenvolvimento que ele, Mangabeira, defende. E que ele diz que Ciro defende, também.
Mas não para por aí.
Mangabeira elogia Bolsonaro por oferecer “aos emergentes um projeto político que responde às aspirações deles”. Ressalva considerar que “a resposta é tosca e irá frustrar parte da população. Mas é melhor do que nada”.
Para Mangabeira, a proposta de Bolsonaro não seria um caminho inaceitável e bárbaro, seria apenas uma forma “tosca e insuficiente” de constituir a “lógica do empoderamento”.
Vou pular as afirmações de Mangabeira sobre a “economia do conhecimento”, sobre o “experimentalismo radical”, sobre a “inovação institucional político e econômica”, assim como a proposta de “burilar nossa vitalidade”, pois fazem parte do blábláblá de 9 em cada 10 tudologos que tentam mascarar com palavreado bonito e vazio sua capitulação frente aos ataques que o grande capital está fazendo contra os direitos das classes trabalhadoras.
Passo direto a conclusão política: Mangabeira acha que o “atalho” defendido por Bolsonaro é uma “primeira onda” que ele julga “útil” ao país e “talvez, retrospectivamente, venhamos a pensar que ela foi necessária”.
Portanto, a postura de Ciro no segundo turno pode envolver muito mais do que parece. E a atitude de Ciro diante do PT pode ser muito mais destruidora do que parece.
Pois quem acredita não existir “qualquer indício concreto de ameaça direta à democracia”, não vê e nem verá nenhuma “ameaça” na continuidade da ofensiva contra o PT, contra o MST, contra o MTST, contra a CUT, contra as ideias da esquerda.
Nem verá qualquer problema no fato de Lula estar preso. Aliás, diz Mangabeira, “Moro pode ser muito bom para o país”, porque contribuiria “para a desorganização dos acertos entra a oligarquia do poder e a oligarquia do dinheiro”.
Um último comentário: Mangabeira foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil. Não me lembro de, naquela época, ele ter dito algo tão tosco quanto afirmar que a política externa dos governos petistas era uma “sucursal da UNE”.
Mas, vai saber, talvez ele ache que uma crítica tosca seja melhor do que nada.

POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA. FPA

POLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA Julgamento e prisão política de Lula Um dos principais fatos da conjuntura nacional que marcaram o ano de 2018 foi a condenação em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no caso do apartamento triplex do Guarujá. O recurso foi a julgamento em 24 de janeiro no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, que, mesmo sem provas, decidiu manter a condenação do ex-presidente, aumentando a pena de nove para doze anos. O julgamento foi mais um capítulo do processo que teve por objetivo impedir Lula de disputar as eleições e devolver ao povo brasileiro os direitos perdidos a partir do golpe de 2016. A partir daí inúmeros recursos foram colocados pela defesa, sempre negados, até que, em abril, Sergio Moro executou o mandato de prisão do ex-presidente Lula. Depois de mais de 48 horas de resistência, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, cercado por amigos, companheiros do partido, lideranças políticas nacionais e internacionais e milhares de pessoas que o acompanharam nesses dois dias, Lula cumpriu a ordem de prisão em 7 de abril, reafirmando sua inocência, de cabeça erguida e nos braços do povo. Desde então Lula permanece preso na sede da superintendência da Polícia Federal, em Curitiba. A juíza Carolina Moura Lebbos ficou responsável pela execução penal da sentença do ex-presidente Lula e negou a ele uma série de direitos, entre eles a visita de governadores e senadores que pediram inspeção para verificar as condições de execução penal, permitindo acesso apenas a um grupo da Comissão dos Direitos Humanos do Senado; a visita de Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz de 1980, que invocou as Regras de Mandela mas também foi impedido de ter acesso a Lula em um primeiro momento, assim como o teólogo Leonardo Boff que ficou de plantão na porta da Polícia Federal em abril mas só conseguiu visitá-lo um mês depois. Até mesmo visitas para avaliação médica foram negadas e só permitidas um mês após sua prisão, colocando em risco a saúde do ex-presidente. Em junho, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin retirou da Segunda Turma do Supremo e arquivou o recurso especial e extraorEsta seção traz uma retrospectiva dos principais fatos que marcaram o ano de 2018, com destaque para a prisão arbitrária de Lula e as manobras de Sérgio Moro para mantê-lo como preso político. Analisa a percepção da opinião pública sobre a farsa da Operação Lava Jato, bem como as principais medidas para consolidação do golpe. Faz também uma retrospectiva das eleições presidenciais de outubro de 2018, denunciando as manipulações que a marcaram. BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2018 11 dinário contra o acórdão que condenou Lula e que pedia sua liberdade. A suspensão do recurso surpreendeu a todos pela velocidade da decisão de Fachin – quarrenta minutos após a homologação do STF, às vésperas do julgamento marcado pela presidência da Segunda Turma do STF para analisar o pedido de liberdade do ex-presidente, em que a defesa havia apresentado à vice-presidência da Corte memorial demonstrando a presença de todos os requisitos para a admissibilidade dos recursos especial e extraordinário. Em junho, o ministro do STF Marco Aurélio Mello criticou o entendimento da Corte de autorizar a prisão após condenação em segunda instância e admitiu que a prisão de Lula “fere um dos artigos da Constituição”, é “ilegal” e “viola a Constituição brasileira”. Em julho, durante seu plantão, o desembargador Rogério Favreto, do TRF-4, concedeu habeas corpus impetrado pelos deputados Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, do PT, para Lula ter direito a participar das campanhas eleitorais, para que a população tivesse direito a eleições livres e democráticas. A ordem de Favreto foi desacatada pelo juiz Sérgio Moro, que interrompeu suas férias e afirmou que o desembargador, seu superior hierárquico, não tinha competência para soltar o ex- -presidente Lula. Favreto expediu outro despacho determinando à Polícia Federal que cumprisse imediatamente a ordem de soltura, que foi negada pelo presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, em mais uma manobra da Justiça para manter Lula preso e impedido de disputar as eleições. No dia de registro da candidatura de Lula, em 15 de agosto, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou pedindo que a sua candidatura fosse negada pelo Tribunal Superior Eleitoral e registrou pedido de impugnação. Todos os pedidos de impugnação da candidatura (mais de quinze) foram analisados pelo ministro Luís Roberto Barroso, até o prazo final de 17 de setembro. Essas e outras inúmeras irregularidades, mostraram o quanto a “Justiça da Lava Jato” tem sido assimétrica, arbitrária e autoritária, capaz de atropelar qualquer direito democrático, e tornou claro o caráter político da prisão de Lula. O Comitê de Direitos Humanos da ONU assinou a liminar favorável aos direitos políticos de Lula e impôs obrigação legal internacional para que o Brasil os cumpra, já que é membro signatário do Comitê ONU. A luta segue com novas frentes pela libertação de Lula. Percepção sobre a Lava Jato Mesmo após a prisão do ex-presidente Lula, pesquisas de opinião pública indicaram o fortalecimento de sua imagem e o fracasso das teses vendidas pela grande imprensa. Mesmo como preso político, Lula se manteve na liderança, com os mais altos índices de intenção de voto, vencendo em todos os cenários para primeiro turno na primeira pesquisa realizada pelo Datafolha após sua prisão, com mais que o dobro das intenções de voto do segundo colocado, o deputado Jair Bolsonaro (PSL). Em junho, pesquisa do Instituto Análise, comandado por Alberto Carlos Almeida, revelou que 65% dos brasileiros avaliavam o governo que Lula fez entre 2003 e 2010 como “bom” e “ótimo”, um número semelhante àquele de quando ele estava no poder (66%, em 2004). Em abril, a Ipsos apurou que 52% discordavam que a Lava Jato investiga todos os políticos e 47% achavam que ela não investiga todos os partidos; pela pesquisa Vox Populi, 52% acreditavam que Lula era tratado com mais rigor pelos juízes e de acordo com os dois institutos, respectivamente, 47% e 41% afirmaram que a Operação nada provou contra Lula. Em julho, após a intervenção de Moro para o descumprimento da concessão do habeas corpus pelo desembargador Favreto, a aprovação do juiz havia baixado para 37% e sua rejeição chegou a 55%. O governo Temer abriu o ano de 2018 registrando 85% de avaliação negativa. Para encobrir o total fracasso na aprovação da Reforma da Previdência, em fevereiro, em meio a um suposto caos noticiado durante o carnaval no Rio de Janeiro, resolveu fazer uma intervenção militar na área de segurança e tentar recuperar parte de sua popularidade. Em um primeiro momento, a maioria da população (69%) se disse favorável à intervenção federal e considerou uma decisão correta, mas apenas 13%, confiavam que a medida resolveria totalmente o 12 problema da violência e a percepção negativa sobre o governo Michel Temer permaneceu, sendo avaliado como ruim ou péssimo por 73,3%. No carnaval, a escola de samba Império do Tuiuti foi quem melhor conseguiu retratar a insatisfação generalizada como governo, em um brilhante desfile na Marques de Sapucaí, que jamais será esquecido, com forte crítica social, denunciando o golpe. Com elevada falta de credibilidade, o governo Temer, em seu final de mandato, ainda conseguiu aprovar alguns projetos importantes para a consolidação do golpe, entre eles, o Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 886/18, de Michel Temer, que pediu intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro, o Projeto de Lei 3734/12, que cria o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, o PL 8939/17, que permite à Petrobras transferir até 70% de seus direitos de exploração do pré-sal a outras petroleiras nas áreas de cessão onerosa e o PL 10332/18, que permite privatização de seis distribuidoras de energia controladas pela Eletrobras. Em maio, uma greve dos caminhoneiros paralisou e estremeceu o país, mostrando toda a sua fragilidade, o que fez com que a Câmara aprovasse a Medida Provisória 832/18, que permite à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) fixar valor mínimo para o frete no transporte rodoviário de cargas e o PL 4860/16. Outra reivindicação dos caminhoneiros foi a isenção da cobrança de pedágio para caminhões com eixos suspensos, vazios ou com carga parcial, aprovada por meio da MP 833/18. Eleições Por fim, as eleições dominam o noticiário político na segunda metade do ano. O ano de 2018 foi marcado pela impugnação da candidatura do ex- -presidente Lula, contrariando recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU, além de fake news compartilhadas massivamente nas redes sociais e de modo ilegal, denúncias de uso de disparos de whatsapp via bases de dados ilegais e de financiamento por meio de caixa 2 na campanha do candidato eleito, Jair Bolsonaro. Em junho o TSE divulgou a divisão do fundo eleitoral: o partido que teve o maior montante foi o MDB ( 234 milhões de reais), seguido do PT (212 milhões de reais) e PSDB (186 milhões de reais). O PDT, de Ciro Gomes, teve 61 milhões de reais, enquanto a Rede, de Marina, 10,6 milhões. Já o PSL de Bolsonaro possuía cerca de nove milhões. O centrão, composto por DEM. PP, PR, PRB, SD, PSD, PTB e PPS fechou apoio a Geraldo Alckmin, do PSDB, o que lhe garantiu o maior tempo de TV, mais de cinco minutos. Em 15 de agosto, foi feito o registro da candidatura de Lula à presidência da República. No mesmo dia, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou pedindo que a candidatura de Lula fosse negada pelo TSE. No momento de registro, as pesquisas o apontavam com 39% das intenções de voto, seguido por Bolsonaro, com 18%, Marina Silva, na terceira posição, com 6%, Alckmin e Ciro tecnicamente empatados, ambos com 5% a 6%. Jair Bolsonaro liderava o ranking de rejeição, com 39%, enquanto Lula aparecia com 34%. Em 6 de setembro, Bolsonaro foi vítima de uma facada durante um comício na cidade de Juiz de Fora (MG). O fato manteve o candidato hospitalizado e afastado da campanha eleitoral, porém fortemente presente na mídia, sobretudo nos dias que se seguiram ao atentado. Poucos dias depois, em 11 de setembro, Fernando Haddad foi oficializado como candidato do PT, tendo Manuela D’Ávila, do PCdoB, como vice. Na ocasião, Lula escreveu uma carta pedindo “de coração, a todos que votariam em mim, que votem no companheiro Fernando Haddad para presidente da República”. Bolsonaro disparou e terminou o primeiro turno com 46,03% dos votos válidos. Já Haddad, tão logo foi anunciada sua candidatura, saiu do patamar de 8% e terminou o primeiro turno com 29,28% dos votos válidos. Alckmin passou a campanha estacionado com menos de 10%, e terminou o primeiro turno amargando 4,76% dos votos válidos, contrariando as previsões sobre o papel do tempo de TV do candidato, enquanto Marina viu suas intenções de voto desidratarem de cerca de 15% para 1% dos votos válidos. Jair Bolsonaro venceu as eleições no segundo turno com 57,8 milhões de votos, 55,13% dos votos váliPOLÍTICA E OPINIÃO PÚBLICA BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2018 13 dos. Fernando Haddad recebeu a votação de mais de 47 milhões de eleitores, o que corresponde a 44,87% dos votos válidos. O Nordeste mais uma vez garantiu altíssimos níveis de votação para um candidato do PT, em quantidade maior do que a soma dos votos obtidos no Sudeste e do Sul. No Nordeste houve também o melhor desempenho do PT nas disputas para governador. O partido conquistou quatro governos estaduais: Bahia (Rui Costa), Ceará (Camilo Santana), Piauí (Wellington Dias) e Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra). Foi a primeira vez que o PT venceu em todos os estados da região Nordeste, seja com candidaturas próprias ou com aliados. As eleições de 2018 trouxeram grande renovação no Congresso Nacional. Mais da metade (52%) dos deputados eleitos para a legislatura de 2019 a 2022 será composta por deputados estreantes no mandato (269 deputados). Essa também será a legislatura mais fragmentada, com representação de trinta partidos, dois a mais do que na última eleição, na qual 28 partidos tiveram assento. O PSDB foi o partido que sofreu maior perda, vinte a menos do que os 49 que possuía. Apesar de o PT ter obtido o maior número de deputados, o novo Congresso pode ser considerado o mais conservador das últimas décadas. O crescimento da bancada evangélica, somado aos católicos, militares, ruralistas e grupos de direita, faz com que o número de deputados simpatizantes a Bolsonaro possa chegar a dois terços dos eleitos para a próxima legislatura

BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA INTERNACIONAL

BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2018 7 INTERNACIONAL A parte Internacional faz um rastreamento dos principais acontecimentos no mundo, mês a mês ao longo de 2018, ano em que houve muitos sintomas de grande instabilidade internacional e de uma ofensiva de forças conservadoras em várias regiões do mundo. Principais acontecimentos no mundo Desde a posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 2017, ele vem adotando medidas para dificultar o ingresso de imigrantes no país e tentar anular o direito de permanência dos que já vivem nos Estados Unidos. Foi assim que começou o ano, quando ele revogou o status de imigrantes legais de aproximadamente duzentos mil salvadorenhos que foram recebidos por razões humanitárias dezoito anos atrás, quando houve uma série de desastres naturais em El Salvador. Esta obsessão de Trump prossegue e, em novembro, adotou medidas violentas que contaram com o uso de gás lacrimogêneo para conter a Marcha dos Imigrantes composta por cerca de três mil hondurenhos que querem viver nos Estados Unidos, na fronteira com o México. No mês de janeiro, o Partido Social Democrata alemão (SPD) aprovou iniciar negociações com o Partido Democrata Cristão (CDU), de Angela Merkel, com vistas a compor um novo governo liderado por ela. Estas negociações resultaram na formação de um governo CDU-CSU e SPD, pela terceira vez, no meio do ano. O rompimento político entre o novo presidente do Equador, Lenin Moreno, e seu antecessor, Rafael Correa, explicitou-se quando o primeiro convocou um plebiscito em fevereiro para revogar uma série de medidas adotadas no governo anterior e assediar Correa, como a limitação de mandatos em caso de reeleição, perda permanente de direitos políticos e de bens para condenados por corrupção. As propostas foram aprovadas e Rafael Correa é atualmente mais um ex-presidente progressista latino-americano que sofre perseguições da Justiça. Neste mesmo mês houve o primeiro turno das eleições presidenciais na Costa Rica, onde o candidato da direita, Fabricio Alvarado, do Partido da Restauração Nacional (PRN), foi o mais votado gra- 8 ças a um programa conservador e ao apoio da comunidade evangélica do país. Conseguiu também eleger treze dos 57 integrantes do Parlamento. No entanto, no mês de abril ele perdeu no segundo turno para Carlos Alvarado, do partido governista, Partido da Ação Cidadã (PAC). Fevereiro marcou também a renúncia do presidente da África do Sul, Jacob Zuma, e sua substituição pelo novo presidente do Conselho Nacional Africano (CNA), Cyril Ramaphosa, em preparação para as eleições de 2019. O mês marcou também um gesto importante de aproximação entre as duas Coreias, quando uma delegação da Coreia do Norte participou da Olimpíada de Inverno realizada na Coreia do Sul. Foi o primeiro passo para uma série de outras iniciativas ao longo do ano, como a realização de uma Cúpula Bilateral de Chefes de Estado em Pyongyang, com a presença do presidente sul-coreano, Moon Jae-in, e posteriormente uma reunião realizada em Cingapura entre o presidente da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e Donald Trump. No mês de março ocorreram as eleições parlamentares na Itália, onde o Força Itália, liderado por Silvio Berlusconi, em composição com a Liga Norte e dois partidos menores de direita, obteve 37% dos votos, seguido pelo Movimento Cinco Estrelas (M5S), com 32,7%, e o Partido Democrático, com 22,9%. Este agora é oposição ao governo formado pela Liga Norte e o M5S, cuja principal marca é a xenofobia e o questionamento à União Europeia. Ao mesmo tempo, houve eleições parlamentares na Colômbia, com ligeiro avanço da esquerda, além das prévias para definir as oito candidaturas presidenciais que se apresentaram no mês de maio. Passaram para o segundo turno, em junho, os candidatos Gustavo Petro, da esquerda, e o “uribista” Ivan Duque, que venceu o pleito. Além de dar continuidade às políticas neoliberais, ele questiona os acordos de paz assinados com as Farc. A extrema direita confirmou seu favoritismo nas eleições húngaras em abril, com o Partido Fidesz, de Victor Orbán, obtendo 48,5% dos votos, além de 19,5% para seus aliados fascistas do Jobbik, dando-lhe amplos poderes inclusive para promover mudanças na Constituição. O mês de abril também marcou a posse do novo presidente de Cuba, Miguel Diaz Canel, e a realização de protestos de sindicatos e estudantes na França contra as reformas neoliberais do presidente Emmanuel Macron. Estas foram aprovadas no Parlamento, mas atualmente ele enfrenta novos protestos violentos de um setor menos organizado da população, guardadas as proporções, parecido com os caminhoneiros do Brasil, que se tornou conhecido como os “Jalecos Amarelos”, vestimenta que os manifestantes utilizam ao protestar contra o aumento dos combustíveis e da eletricidade. Duas medidas que Macron acabou de revogar. Na América Latina, o mês de abril terminou com os governos de direita na América do Sul suspendendo sua participação na Unasul, com o início de grandes protestos contra o governo na Nicarágua e a eleição de Mario Abdo, do Partido Colorado, como presidente do Paraguai. O presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, se reelegeu no mês de maio e, em agosto, implementou um plano econômico para tentar conter a alta inflação e o desabastecimento no país. No mesmo mês, Trump mudou a embaixada dos Estados Unidos de Israel para Jerusalém, ação que o futuro governo brasileiro propôs imitar. Com o ato de mudar de Tel Aviv a maior representação política dos americanos em solo israelense para uma cidade sagrada também para os palestinos houve tensões na região e protestos. Mais de 55 manifestantes palestinos morreram e mais de dois mil ficaram feridos devido às ações do exército sionista. No mesmo sentido desse ato de claro apoio a Israel que, na região do Oriente Médio, possui divergências com o Irã, Trump tirou os Estados Unidos do acordo nuclear assinado em 2015 com os iranianos dias antes da mudança da embaixada. Com isso, o Irã vem sofrendo desde então a escalada das sanções econômicas contra o país, o que o debilita tanto interna, quanto externamente. Em junho, caiu o governo do Partido Popular (PP) de direita na Espanha, e o Psoe assumiu a condução do país, com seu presidente, Pedro Sanches, à frente. Neste mesmo momento, a reforma trabalhista de Michel Temer foi avaliada na Conferência InterINTERNACIONAL BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2018 9 nacional do Trabalho da OIT e considerou-se que houve violação de uma série de Convenções ratificadas pelo Brasil. Houve também eleições parlamentares na Turquia, e o Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, sagrou-se vencedor. Ele assumiu a presidência do país com poderes redobrados graças a uma reforma política implementada anteriormente. Em julho, o fato marcante foi a eleição para presidente do México de Andrés Manuel Lopez Obrador, do partido Morena, que também obteve a maioria no Senado e na Câmara de Deputados. Foi a primeira vez que um partido de esquerda venceu as eleições mexicanas. Ele assumiu o cargo em 1º de dezembro. O Lawfare contra ex-presidentes progressistas na América Latina teve novos desdobramentos em agosto com a apresentação de cópias de cadernos onde um ex-funcionário de governo teria anotado supostos pagamentos de propinas de integrantes dos governos de Nestor e Christina Kirchner. Estes foram rotulados pela imprensa de “Cadernos K” e adicionados às acusações que pesam sobre a ex- -presidenta e hoje senadora. Este país começou a enfrentar forte desvalorização cambial fruto de ataques especulativos que prosseguiram no período seguinte e levaram o governo a recorrer ao FMI. No mês de agosto saiu uma decisão liminar do Comitê de Direitos Humanos da ONU para assegurar os direitos políticos do ex-presidente Lula, autorizando-o a concorrer às eleições presidenciais. Decisão esta de cumprimento obrigatório pelo Brasil, mas que foi solenemente ignorada. Agosto terminou com os Estados Unidos e o México renegociando o Nafta em condições ainda mais favoráveis aos americanos por meio de novo acordo ao qual posteriormente o Canadá também aderiu, apesar dos atritos ocorridos entre o premiê, Justin Trudeau, e Donald Trump em discussões anteriores. Os republicanos de Trump perderam a maioria na Câmara de Deputados nas eleições de meio de mandato, em novembro, para os democratas, mas mantiveram a maioria no Senado. O Partido Democrata também avançou com a conquista de alguns governos e assembleias legislativas estaduais, mas ainda está abaixo de 50% neste quesito. A possibilidade de um impeachment do presidente Trump devido ao suposto envolvimento de hackers russos a seu favor na campanha eleitoral de 2016 continua distante, pois requer o voto de dois terços da Câmara e do Senado, embora alguns de seus assessores tenham sido diretamente acusados e até presos, principalmente por mentirem sobre detalhes do caso. Em novembro aconteceu também o anúncio pela primeira-ministra britânica, Theresa May, de uma proposta final do Brexit. Esta foi aprovada no final do mês pela Cúpula da União Europeia e agora precisa ser ratificada pelo Parlamento inglês, o que não será uma tarefa fácil já que, em torno da proposta, há vários rachas dentro do próprio partido de May, o conservador. A briga acontece, basicamente, entre uma ala que apoia a proposta e uma saída menos radical, e outra que argumenta a favor de um Brexit que corte todas relações entre as partes e acha que a atual proposta irá transformar o Reino Unido numa região tutelada da União Europeia. O último evento internacional do ano foi a Cúpula do G-20, realizada ao final de novembro, em Buenos Aires, com modesta participação do governo brasileiro, ao contrário do que houve no auge da crise econômica, em 2008 e 2009, quando o governo Lula ajudava a dar o tom das decisões. Destacou-se, durante o evento, o encontro entre o presidente da China, Xi Jinping e o dos Estados Unidos, Donald Trump que aparentemente levou a uma trégua de noventa dias na guerra comercial entre os dois países.

BOLETIM DE ANÁLISE DA CONJUNTURA - DEZEMBRO 2018 FPA

GOLPE CONTRA O ESTADO Um breve balanço das privatizações no governo Temer Em dois anos o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo Temer foi responsável por um dos maiores desmontes da estrutura do Estado e das empresas estatais de que se tem notícias na trajetória do país. O programa de privatizações iniciado em setembro de 2016 se propôs a transferir para a iniciativa privada 175 ativos públicos em dez setores estratégicos, totalizando 287,5 bilhões de reais. Em dezembro de 2018, os resultados mostram que foram conduzidos 91 processos de privatizações de bens públicos nos dez segmentos prioritários, mobilizando cerca de 144,3 bilhões, o que significa que 52% dos projetos foram levados a cabo e 50,1% do valor estimado foi o efetivamente auferido. A combinação de muitos ativos e setores envolvidos, mas com poucos projetos concluídos, é sintoma do descompasso entre a voracidade política e a ineficiência de gestão que acompanham o programa. Os efeitos colaterais, portanto, poderiam ser ainda mais contundentes do que foram. O PPI envolveu diversos modelos contratuais e regulatórios, tais como Parcerias Público-Privadas (PPP), arrendamentos, cessões, concessões, desestatizações e privatizações. Tais modalidades podem ser divididas em projetos concluídos, em andamento e em prorrogação, abrangendo os seguintes setores: rodoviário, ferroviário, aeroportuário, portuário, distribuição de energia, transmissão de energia, geração hidrelétrica, óleo e gás, minérios e venda de outras empresas estatais e participações públicas. Do ponto de vista dos projetos concluídos, o processo de desestatizações se concentrou fundamentalmente no setor de petróleo e energia e se configurou não apenas como um processo de privatização, mas de desnacionalização, com destaque para a intensificação da entrada de players globais como Estados Unidos, China, Inglaterra, Alemanha, Noruega e Índia. No que se refere aos projetos prorrogados, tratavam-se fundamentalmente de concessões ordinárias de ferrovias e portos. No primeiro caso, o atraso se deveu à morosidade do governo em levar adiante suas próprias propostas e, no segundo, os 6 GOLPE CONTRA O ESTADO obstáculos passaram pelos cuidados provocados pelo escândalo dos portos, envolvendo a figura de Michel Temer. Os projetos que permaneceram em andamento, nos quais se concentra o núcleo duro do PPI, foram objeto de tentativa de transferência do público para o privado: cinco empresas públicas por desestatização; treze aeroportos, nove rodovias e cinco ferrovias por concessão; dezesseis atividades portuárias por arrendamento; cinco distribuidoras de energia por privatização; além da realização de cinco rodadas de cessões de direito exploratório sobre minérios e duas rodadas de leilões de áreas do pré-sal e a sinalização de privatização do Sistema Eletrobras e outras empresas como Casa da Moeda, Loteria Instantânea Lotex e a Gestão de Rede de Comunicações do Comando da Aeronáutica (Comaer). A justificativa oficial do governo para o desmonte das estruturas estatais foi de que a crise fiscal e a corrupção criaram um cenário que impôs como necessidade o encolhimento do Estado. Tais justificativas são contestáveis por si mesmas, na medida em que desfazer um arranjo institucional de desenvolvimento é uma orientação que caminha na contramão das possibilidades de recuperação econômica do país. No caso do governo Temer há ainda evidentes agravantes: o desmonte do Estado não veio acompanhado de melhora na situação fiscal tampouco de melhora no enfrentamento contra a corrupção. Ao contrário, os indicadores e escândalos dão notícia da piora nesses dois quesitos. Além disso, o descompasso entre as diretrizes políticas norteadas pela celeridade do desmonte e a operacionalização técnica marcada pela morosidade na transferência de bens públicos, acrescidas dos problemas oriundos da desnacionalização de recursos naturais estratégicos, feriram de maneira muito intensa o poder de atuação do Estado e diminuíram sobremaneira os instrumentos necessários para a retomada do bom desempenho econômico do país

Sociólogo francês: A esquerda precisa afirmar a sua diferença ideológica em relação à direita

Sociólogo francês: A esquerda precisa afirmar a sua diferença ideológica em relação à direita; veja vídeo
O sociólogo Eric Fassin, apoiador do Comitê Lula Livre na França, esteve na quinta passada com os deputados federais petistas Paulo Pimenta e Wadih Damous. Foto: Rogério Tomaz Jr./PT na Câmara
POLÍTICA

Sociólogo francês: A esquerda precisa afirmar a sua diferença ideológica em relação à direita; veja vídeo


18/12/2018 - 18h29

PT na Câmara
Entrevista exclusiva do sociólogo Eric Fassin, professor da Universidade de Paris VIII e apoiador do Comitê Lula Livre na França, a Rogério Tomaz Jr.
Fassin falou sobre os “coletes amarelos” na França e a conjuntura política na Europa, no Brasil e no mundo, além dos desafios para a esquerda derrotar a onda de extrema-direita.
Na quinta-feira passada, 13/12, Fassin esteve com o líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), e com o deputado Wadih Damous (PT-RJ), que faz parte da equipe de advogados do ex-presidente Lula.
Assista:
https://youtu.be/e7hZHKPxuCA?t=12

O voo sem volta da Embraer

O voo sem volta da Embraer. Por Gilberto Maringoni

 
Embraer
Os principais feitos do governo Temer em política externa não estão no esvaziamento da Unasul, na mitigação do Mercosul ou no papel acentuadamente irrelevante que o Brasil assume nos BRICS. Os pontos de destaque estão na desnacionalização da produção energética, através do desmonte da área de refino da Petrobrás e do fim do regime de partilha, e na desnacionalização da Embraer.
O impacto desses dois eventos se dará não apenas na indústria e na economia (a Petrobrás chegou a representar 14% do PIB e a Embraer é nossa principal exportadora de tecnologia). O baque maior está na sinalização de que desenvolvimento e projeto nacional saem de cena e que nosso destino é a periferia do mundo.
A VENDA DA EMBRAER à Boeing representa um passo decisivo no desmonte produtivo/tecnológico do país. O negócio coloca em tela a sequência do processo de privatizações iniciado nos anos 1990, durante os governos tucanos. Assim como a Vale privatizada deixou de ser uma empresa de ponta em 27 áreas diferentes para se tornar uma mineradora, a Embraer pode virar apenas uma montadora de projetos vindos de fora.
A empresa apresenta pelo menos três jóias que a tornam atraente ao capital externo: a expertise na fabricação de jatos regionais, de caças turbohélices e – agora – de cargueiros aéreos.
A BOEING SE INTERESSA especialmente pelo primeiro filão, visando exibir um portfólio completo de aviões de passageiros. Absorvendo a empresa brasileira, ela disputará de igual para igual com a Airbus (consórcio alemão, britânico e francês) os mercados de jatos de longo e curto alcance, podendo obter ganhos de escala em todas as modalidades da aviação comercial.
O mercado mundial dessa modalidade é extremamente competitivo e concentrado em poucas empresas. Ele é dominado por quatro corporações, Boeing, Airbus, Bombardier (Canadá) e Embraer. As duas primeiras dividem cerca de 60% do mercado planetário, a Embraer é líder mundial em jatos de até 150 lugares, seguida pela Bombardier. O restante é disputado pelo consórcio entre as russas Irkut e Yakovlev (United Aircraft Corporation), pela Mitsubishi japonesa, pela Comac (Commercial Aircraft Corporation of China).
Embora a Irkut (1932) e a Yakovlev (1934) tenham longa tradição no setor, a fusão entre as duas data de 2004 e seu nicho de mercado ainda é restrito à Rússia e a alguns países do leste europeu. A chinesa foi fundada em 2008 e somente agora passa a disputar espaços além fronteiras. A Mitsubishi fabricou um dos caças-ícones da II Guerra Mundial (o A6M5 Zero), mas seu avião comercial, o Mitsubishi Regional Jet (MRJ) fez seu primeiro voo apenas em 2015.
ASSIM, A ÚNICA POSSIBILIDADE para a Boeing enfrentar a concorrência da Airbus é algum tipo de associação com a Embraer. Isso faz com que o poder de barganha dos acionistas da brasileira seja altíssimo.
É bem possível que a Embraer não seja viável no médio prazo, caso se mantenha como está, ou seja, disputando apenas os nichos de aviação comercial e militar (que fica fora da negociação), sem oferecer em sua carteira aeronaves maiores.
Há infinitas possibilidades de associação com a gigante estadunidense, além de sua venda pura e simples. Essa opção aliena um conhecimento acumulado ao longo de meio século, implica que dentro de alguns anos suas linhas de produção sejam transferidas para os EUA. Além disso, torna-se questão de tempo a quebra de dezenas de empresas nacionais de componentes aeronáuticos e o desaparecimento de milhares de postos de trabalho. As carreiras de engenharia aeronáutica e aeroespacial perderão muito de seu sentido , passando a atender empresas de aeronaves de pequeno porte. Ou seja, o abalo interno será pesado.
POR FIM, UM COMENTÁRIO LATERAL. A Boeing irá adquirir 80% da divisão de aviação comercial da Embraer por US$ 4,2 bilhões.
Para efeito de comparação, o desenvolvimento e fabricação do Embraer KC-390, o maior e melhor cargueiro militar aéreo do mundo, é resultado de uma soma de investimentos públicos (BNDES, PAC e FAB) que atingem US$ 3,9 bilhões. Seu mercado potencial alcança US$ 60 bilhões para a próxima década. Este setor faz também parte da negociação e mostra a magnitude das cifras do setor. Em 2016, a receita líquida da empresa foi de US$ 6,1 bilhões.
A venda da Embraer representa a alienação de um patrimônio e de investimentos públicos de décadas, a quebra de um setor industrial de ponta e a conformação de um projeto que implica empurrar cada vez mais o Brasil para a periferia. Não é à toa que conta com o apoio entusiasmado de Jair Bolsonaro e de alguns militares marcados por um patriotismo de fachada e um entreguismo de alma.