terça-feira, 22 de maio de 2018

Lula convoca atos por pré-candidatura no próximo domingo

'SOMATÓRIO'

Lula convoca atos por pré-candidatura no próximo domingo

Após visita, deputado Wadih Damous (PT-RJ) afirmou que o ex-presidente está bem, mas segue indignado "com essa perseguição que se abate contra ele, todos os dias, por parte do Judiciário"
por Redação RBA publicado 21/05/2018 13h43, última modificação 21/05/2018 15h44
JOKA MADRUGA
Lula Livre
Wadih também afirmou que ex-presidente continua ouvindo as saudações que partem do acampamento Lula Livre
São Paulo – O deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) afirmou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou a militância do seu partido para que realizem atos no próximo domingo (27), "em cada cidade brasileira onde o PT está organizado", para reforçar o lançamento da sua pré-candidatura à Presidência da República.
Esta nota foi atualizada para corrigir informação de que esses atos seriam na segunda-feira; a data correta é domingo 27.
"Pouco importa se em cada ato tenha 10 ou 500 pessoas. O importante é o somatório em todo o Brasil, para deixar claro que o presidente Lula é o nosso candidato", afirmou o parlamentar.
O recado foi dado pelo deputado após visita ao ex-presidente na sede da Polícia Federal, em Curitiba, na condição de seu advogado. A juíza Carolina Lebbos havia impedido sua entrada no dia 24 de abril, alegando que não poderia exercer suas funções de advogado, enquanto parlamentar. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com mandado de segurança, e foi concedida liminar permitindo a sua entrada.
O deputado, ex-presidente da seccional da OAB no Rio de Janeiro, afirmou que Lula pode ser candidato, mesmo preso.
"Quem define a inelegibilidade de qualquer candidato é a Justiça Eleitoral. São vários casos parecidos em que a Justiça concedeu liminares, cautelares, permitindo que candidatos condenados em segunda instância possam concorrer", explicou. Ele afirmou, ainda, que houver decisão em contrário, significará que o Judiciário, mais uma vez, está criando regras que só valem para Lula.
Damous afirma que o ex-presidente está bem, mas segue indignado "com essa perseguição que se abate contra ele, todos os dias, por parte do Judiciário". Segundo o deputado, Lula reclamou que a Justiça, tão célere em condená-lo, agora demora em julgar recursos protocolados pela defesa no Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ).

DAMOUS VAI DENUNCIAR MORO POR CONFLITO DE INTERESSES DA PETROBRAS

O titereiro

Política

Editorial

O titereiro

por Mino Carta — publicado 21/05/2018 00h15, última modificação 18/05/2018 12h31
Geisel foi o títere de Golbery, mas o ditador conseguiu escapar das mãos do chefe da Casa Civil quando avalizou o assassínio de resistentes à ditadura
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‘Nunca imaginei que nosso regime fosse levar a tanta injustiça’
Dia 3 de agosto de 1975, o general Golbery me ligou. “Estou de volta – disse –, venha amanhã.” Naquele dia, o ditador fardado Ernesto Geisel pronunciara o discurso chamado “da pá de cal” para anunciar a interrupção abrupta do processo de distensão “lenta, gradual, porém segura e o doutor Ulysses a comparava a Idi Amin.
Depois de sofrer o descolamento da retina, Golbery, chefe da Casa Civil, se afastara do governo por vários meses para ser operado na Espanha. Retornara no final de junho ao Rio e ali, fechado em um quarto escuro, passara a convalescença por todo o mês de julho. E lá fui eu encontrá-lo em Brasília.
Já contei essa história várias vezes, mas, impávido, estou à vontade para contá-la mais uma: as repetições ajudam, como diziam os antigos romanos, e nem todos os que me honram com sua leitura têm a obrigação da boa memória.
Entendo, enfim, que é dever do jornalista oferecer subsídios aos historiadores de amanhã, sem deixar de sublinhar que a história do País se baseia, sobretudo, em equívocos e mentiras.
O general, detestado, aliás, pela maioria dos companheiros de farda, ao me receber tinha sob os olhos uma cópia veementemente rabiscada do discurso de Geisel. Atirou-a sobre uma mesinha central da saleta em que nos achávamos com um gesto entre o desprezo e a ira, e sentenciou: “Isto vai provocar a escalada do terror de Estado”.
Revelou-me que o texto do discurso fora encomendado por Geisel ao ministro João Paulo dos Reis Velloso e insistiu na gravidade da situação criada, a incitar os janízaros do regime, sustentados por uma fatia conspícua do empresariado nacional.
Golbery não se enganava, a ofensiva do terror de Estado levou aos assassínios de Vlado Herzog e, três meses depois, em janeiro de 1976, do operário Manuel Fiel Filho, e à prisão de inúmeros cidadãos, muitos deles torturados.
Nesta moldura trágica caberia a chacina da cúpula do PCB, contrário, diga-se, à luta armada, e o acordo com as demais ditaduras do Cone Sul na Operação Condor, para a repressão feroz de quaisquer formas de resistência. Vale lembrar as misteriosas e quase concomitantes mortes dos três aliados da Frente Ampla, Goulart, Juscelino e Lacerda.
Fala-se hoje de documentos liberados pela CIA em 2015, entre os quais aquele localizado pelo colunista da Folha de S.Paulo, Matias Spektor, a revelar o aval dado por Geisel ao assassínio de adversários da ditadura.
Não fiquei surpreso: em uma fluvial entrevista ao CPDOC da FGV-RJ, publicada faz anos (leia a coluna de Mauricio Dias) em um volume capaz de derrubar criados-mudos, Geisel, já de pijama, declara recomendável a tortura “quando necessário”.
Há quem apresente o ditador como o sacerdote da missão de levar a bom termo a abertura política, o que vai na contramão da reação de Golbery naquele 4 de agosto de 1975. Em tudo o que o chefe da Casa Civil dizia pareceu-me colher um subtexto: veja só como o homem se aproveita da minha ausência.
A bem da verdade, a relação entre o ditador e o chefe da Casa Civil não era de intimidade, e sim bastante formal. Dons de feiticeiro Golbery realmente possuía, a ponto de desenrolar de fio a pavio o enredo da ditadura, começo e fim. As próprias indiretas de 1985 deram por encerrado o regime obediente ao script golberiano e aconteceram entre os candidatos por ele escolhidos de antemão, Tancredo e Maluf.
Em uma entrevista que Dom Paulo Evaristo Arns me deu na primeira metade de 1995, publicada em CartaCapital, extraio esta passagem sobre Golbery: “Ele tinha me prometido, no começo do governo Geisel, acabar com a tortura e um ano depois eu levei as famílias de torturados, 40, para Brasília e ele passou a tarde inteirinha conosco.
No fim, diante de todos eles, ele chorou. Ele disse: ‘Nunca imaginei que nosso regime fosse levar a tanta injustiça’. Ao entrar no carro, ele me chamou e me disse ao ouvido: ‘E essas coisas ainda estão acontecendo, não é possível’.
Ele estava mesmo contra a tortura e muitas coisas mais. (...) Falamos muitas vezes, almoçamos sozinhos e ele me dizia uma porção de coisas. No final, eu tinha uma profunda simpatia por ele. Vi que tinha a mesma ideia que nós em relação à tortura, à censura e à própria ditadura”.
Geisel odiava Dom Paulo, e também eu merecia esta regalia do ditador tonitruante. Sei desta antipatia por causa do depoimento de Karlos Rischbieter em seu livro de memórias, na passagem em que relata minha saída da Veja, e de uma singular fala do general Figueiredo, pronunciada durante um churrasco em 1988, quando sustenta que eu reescreveria o Evangelho, que Geisel me detestava, mas que não tenho rabo preso.
De minha parte, logo percebi em Geisel o bestalhão escolhido a dedo por Golbery para ser o títere na mão do titereiro. Nem sempre deu certo. 

Efeito do golpe, mortalidade na infância cresce, depois de 15 anos de redução


VERGONHA

Efeito do golpe, mortalidade na infância cresce, depois de 15 anos de redução

Em 2016, "óbitos evitáveis" de crianças de um a cinco anos de idade aumentou em 11%. "A retirada de programas específicos impacta no aumento da mortalidade", afirma gerente-executiva da Fundação Abrinq
por Luciano Velleda, da RBA publicado 19/05/2018 11h06, última modificação 21/05/2018 12h06
OPAS/OMS
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Médico cubano em atendimento a comunidade do litoral do RN. Cortes nos programas Rede Cegonha, alimentação escolar, Mais Médicos e Bolsa Família são causas do aumento das mortes de crianças brasileiras
São Paulo – Um enorme esforço do governo federal e da sociedade civil durante 15 anos para diminuir as taxas de mortalidade de bebês e crianças começa agora a ser desfeito, às custas do argumento do ajuste fiscal promovido pelo governo de Michel Temer. Depois de mais de uma década com quedas consecutivas, a taxa de mortalidade na infância (proporção de óbitos de menores de cinco anos para cada mil nascidos vivos) subiu 11% em 2016, em comparação com o ano anterior.
Os dados foram tabulados pela Fundação Abrinq, a partir de informações do Ministério da Saúde/DataSUS, IBGE e outras fontes oficiais. Seguindo as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), a mortalidade na infância caiu de 30,1/para cada mil nascidos vivos, no ano 2000, para 14,3, em 2015.
"O enfrentamento foi significativo e o Brasil se tornou referência. As taxas vinham decrescendo, com exceção à mortalidade materna, com taxas ainda distantes (em relação aos ODS). A partir de 2015 há um declínio nas taxas de redução e, em 2016, uma tendência de crescimento, uma sinalização concreta de que estamos quebrando esse padrão de declínio com a perspectiva de aumento", diz a gerente-executiva da Fundação Abrinq, Denise Cesário.
Ela explica que o Brasil tem uma série de programas específicos para enfrentar a mortalidade na infância, e que o aumento agora constatado está relacionado aos cortes nos programas sociais feitos pelo governo Temer, aliado ao não prosseguimento de outras ações que se relacionam com o bem-estar da criança. Entre os programas que sofreram cortes, Denise Cesário destaca o Rede Cegonha, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) – que garante acesso à alimentação saudável de crianças pobres na pré-escola –, o Mais Médicos, o Bolsa Família, e a situação de quase extinção do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
"A gente percebe que a redução do investimento e a retirada de programas específicos, acaba impactando no aumento da mortalidade infantil e da mortalidade na infância", afirma a gerente-executiva da Fundação Abrinq. "Isso indica que as famílias mais pobres são aquelas mais impactadas com a falta de investimentos em políticas sociais. Percebemos rapidamente o impacto destes indicadores em quem precisa do serviço básico de saúde, em quem precisa de uma série de programas e suporte para alimentação."
Denise Cesário explica que tais mortes estão relacionadas com cuidados no pré-natal, com a gestante e o bebê após o nascimento, destacando que os primeiros mil dias de vida (cerca de três anos) são considerados vitais para o desenvolvimento da criança. Entre os cuidados fundamentais está o próprio momento do parto, que deve ser de preferência normal, o período do aleitamento materno de no mínimo seis meses, o início da alimentação e a atenção ao calendário de vacinas.
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Mortalidade de crianças entre 1 e 5 anos pode aumentar ainda mais com o congelamento, por 20 anos, do orçamento do governo federal
"Precisamos estar atentos até os cinco anos (de idade) para que não ocorra a mortalidade na infância. Se tivermos toda essa atenção, vamos garantir o desenvolvimento", afirma. A gerente-executiva da Fundação Abrinq pondera que os dados de 2016 mostram um pequeno declínio na taxa de óbito até um mês de vida. O aumento dos "óbitos evitáveis" (aqueles que poderiam mais facilmente não acontecer) acontece em bebês de um mês até um ano de vida (mortalidade infantil), e entre um e cinco anos de idade (mortalidade na infância).
Entre os óbitos evitáveis, Denise Cesário cita o retorno de problemas que já haviam sido bem enfrentados pelo governo federal, como as mortes causadas por questões gastrointestinais, como diarreia, algo muitas vezes ligado ao saneamento básico e a qualidade da água usada para consumo humano.
A gerente-executiva da Fundação Abrinq ainda enfatiza os efeitos nocivos da Emenda Constitucional 95, que congela por 20 anos o orçamento do governo federal. "Tem impacto considerável, são questões bastante preocupantes. Sabemos que na crise o primeiro corte é na área social e quem mais sofre é a população mais vulnerável", afirma.

Austeridade fiscal

As escolhas políticas de Temer para enfrentar a crise econômica do país são duramente criticadas por Tereza Campello, economista e ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo de Dilma Rousseff.
Sem meias palavras, ela define como "burra" a opção de cortar o investimento social no curto prazo e não levar em conta, a médio e longo prazo, o aumento do gasto na rede pública de saúde. "Custa menos você prevenir a desnutrição e a diarreia, do que tratar uma criança hospitalizada num leito de UTI. Então não é uma opção fiscal inteligente, racional, é ineficaz do ponto de vista da austeridade fiscal", afirma Tereza Campello.
Enquanto cortava nos programas sociais, a ex-ministra lembra que o governo Temer privilegiou o parcelamento e descontos de até 90% para micro e pequenos empresários em dívida com a União, por meio do Programa Especial de Regularização Tributária das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Refis). Escolha semelhante também foi feita com relação às dívidas de fazendeiros, atendendo demanda da bancada ruralista em detrimento do investimento em programas sociais. "Além de uma grande injustiça, é uma burrice fiscal", critica a ex-ministra.
Tereza diz que o país hoje assiste a volta de doenças que estavam controladas, como sarampo, sífilis, tuberculose e hanseníase. "O Brasil era pioneiro na redução de doenças como tuberculose e hanseníase, que agora voltam a crescer junto com a mortalidade infantil." Ela vincula o retorno da diarreia e da desnutrição à renda da população, além de relacionar o aumento de doenças respiratórias com o fim da Farmácia Popular.
"É um escândalo. Fecharam a Farmácia Popular, que distribuía de graça remédio pra asma! Isto vai ter impacto nas doenças respiratórias, como pneumonia e infectorespiratórias. Então essa família pobre, precarizada com o desemprego, precarizada com a reforma trabalhista, fica sem o remédio da asma. Você acaba com a Farmácia Popular e agora vai aumentar a hospitalização de criança com pneumonia. O impacto a médio e longo prazo é muito alto. Mesmo do ponto de vista fiscal, essa escolha é burra", critica a economista.
RBAtabela mortalidade infantil
Os óbitos evitáveis também aumentaram nos bebês de até um ano de vida

Conhecer os acertos

A ex-ministra de Desenvolvimento Social e Combate à Fome propõe que, neste momento de crescimento da mortalidade na infância, se reflita sobre os motivos pelos quais tais mortes vinham diminuindo na última década, de forma permanente e sistemática. Neste sentido, avalia que a principal razão não havia sido apenas a expansão da rede de cuidados médicos, mas sim o aumento da renda da população, com impacto direto na redução da mortalidade causada por doenças evitáveis, como desnutrição, e outras decorrentes da diminuição da imunidade, como diarreia.
"O aumento da crise e do desemprego tinha que ser acompanhado do aumento da rede de proteção, e isto não aconteceu. Este é o problema", analisa. Segundo Tereza Campello, não basta justificar os cortes sociais como efeitos da crise. Para ela, o governo de Michel Temer abandonou a rede de proteção que daria apoio durante a dificuldade econômica. "É justamente no momento de crise que o Estado deve dar suporte, deve garantir a alimentação escolar melhor, já que ela não vai comer em casa", avalia, fazendo referência aos cortes no Pnae) e o "fim" do PAA.
"O que ficou do PAA são coisas que tinham obrigações geradas e ficaram sendo pagas. O programa chegou a ter um bilhão de reais e hoje tem alguns poucos milhões, foi completamente desconstituído, e era um programa que distribuía alimentos para populações vulneráveis. Há um conjunto de políticas que deixou de garantir o suporte para o aumento do desemprego e o aumento da vulnerabilidade da população", afirma a ex-ministra, em sintonia com o diagnóstico da gerente-executiva da Fundação Abrinq.
 "O estancamento do processo de suporte da população mais vulnerável, mais a precarização do trabalho, mais o aumento do desemprego, isto impacta diretamente no público mais frágil, que são as crianças. A gente já sabia que a pobreza no Brasil era mais severa entre as crianças, por isso tínhamos todo um conjunto de políticas protegendo as crianças, e que deixou de existir", lamenta Tereza Campello.
Apesar da revolta com o aumento das taxas de mortalidade infantil e na infância, a ex-ministra pondera que o país hoje conhece os caminhos para enfrentar o problema, uma experiência acumulada na gestão pública, em parceria com a sociedade civil, ao longo de muitos anos. Com otimismo, ela acredita que, quando houver um ambiente político mais favorável, o Brasil poderá retomar o caminho das políticas para crianças que vinham sendo desenvolvidas até o impeachment de Dilma Rousseff.

Os EUA que não passam na tevê

 

Os EUA que não passam na tevê

Grande parte deles é de louros e louras, a grande maioria de brancos. São “nortistas”. Dos Estados Unidos da América do Norte. Não vêm dos “países de merda” a que Donald Trump se referiu outro dia, falando de nações africanas e latinoamericanas

  
Não têm casa, não têm emprego, vivem nas condições em que você vê aí, no vídeo abaixo. E vê, sem barracas de nylon, com papelões velhos, nos quatro cantos do Brasil.

Lá estão nossos “gringos”, tão carentes quanto nós, em todos os 50 Estados da The Stars and Stripes , a bandeira norte-americana, para a qual, outro dia, Jair Bolsonaro bateu continência. Em ordem alfabética, para que não reste dúvida.

Impérios ricos não querem dizer que seu povo seja rico e feliz. Ao contrário, a pobreza e a dominação se reproduzem internamente.

Quem duvidar, leia a autobiografia de Charlie Chaplin, contando sua infância nas “Funabem” do Império Britânico na virada do século 19 para o 20. Se quiser saber da França sem o glamour de Paris, poucos anos antes, leiam o Germinal de Émile Zola, escrito após a vivência de meses do escritor como mineiro de carvão.

A pobreza não é um determinismo racial ou geográfico, é um mal social. Nós é que nos acostumamos a vê-la negra, mulata, nordestina.

Em 89, acompanhando Leonel Brizola numa carreata em Uruguaiana, numa vila – como chamam por lá as favelas – lembro do meu choque cultural ao ver o velho jipe ser seguido por dúzias de crianças pobres e de rostos sujos, quase todas lourinhas e de olhos claros, como quase nenhum carioca já viu.

A humanidade é uma bandeira universal. É mesmo o nome de nossa espécie: humanos.

Amar o seu país e defendê-lo não é xenofobia, é apenas amar a sua casa e entendê-la como parte de uma rua, de uma cidade, de um mundo.

 

Fonte: Tijolaço 
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"O futuro não ia ser assim": Pobreza extrema volta a crescer no Brasil

 

"O futuro não ia ser assim": Pobreza extrema volta a crescer no Brasil

Mais de um milhão e meio de brasileiros despencam para nível social mais baixo em 2017, o segundo ano consecutivo que o número de pobres aumenta.

TOM C. AVENDAÑO
Maria Siilva Nunes, no refeitório de uma escola de Heliópolis.Maria Siilva Nunes, no refeitório de uma escola de Heliópolis.
Em 14 de maio de 2017, Maria Silva Nunes, sexagenária, negra e com uma expressão de cansaço permanente no rosto, passou da classe social mais baixa do Brasil para a pobreza extrema. Era o Dia das Mães e sua família, com a qual levava uma vida precária em Heliópolis, a favela mais populosa de São Paulo, ia se reunir para comemorar. Ali estavam suas três filhas: a doente que ainda mora com ela, a que teve o primeiro de três filhos aos 16 anos e até a que está na prisão, beneficiada pelo indulto do Dia das Mães. O dia começou bem e terminou no extremo oposto. “Fabiana, a do meio, parecia que estava dormindo na cadeira, cansada de tanta criança e tanta festa, mas não estava dormindo, estava morta”, lembra Maria Silva, retorcendo os punhos encostados na mesa do refeitório de uma escola. Não revela a causa da morte: aperta os lábios como se reprimisse um gesto, aguardando a próxima pergunta. “Ela estava morta, o queixo estava no peito. Morta.”

Tudo o que aconteceu depois, que arruinou a frágil existência de Maria Silva Nunes aos 63 anos, aconteceu de forma precipitada, uma reação atrás da outra. O marido da falecida e pai de seus três filhos pegou um deles e desapareceu. “Ele é catador, o que vai fazer?” Maria Silva herdou a responsabilidade de cuidar dos outros dois, de 16 e 12 anos, em uma idade em que outras mulheres estão se aposentando. Com Fabiana se foi também o dinheiro que ela lhe dava todo mês. Nem conseguiu manter o Bolsa Família: “Isso é para pais e filhos, não te dão se você é avó”, intui. Em casa também está a outra filha em liberdade, que não tem trabalho e seu filho. Há meses em que entram apenas 60 reais e nada mais: são os meses em que, se a cesta básica acaba, Maria Silva sai em busca de comida no lixo. Mais dia menos dia, supõe, vão cortar a luz. “Devo 583 reais em contas e ainda não sei como vou repor o pacote de arroz que está acabando.” E, depois, teme que sua família ficará sem casa. Naquele Dia das Mães, Maria Silva perdeu uma filha e tudo que a impedia de afundar ainda mais. “Tudo ficou difícil. E continua difícil”, suspira. “Não tenho ninguém. Aqui é só eu e Deus.”

Maria Silva Nunes tropeçou em uma das frestas mais nocivas do Brasil recente: o aumento de 11% na pobreza extrema desde o final de 2016, um buraco negro pelo qual passaram, como ela, um milhão e meio de habitantes. Em um país em que o Governo celebra a recuperação econômica após anos de recessão, havia, no início de 2017, 13,34 milhões de pessoas vivendo em pobreza extrema; no final do mesmo ano, já eram 14,83 milhões, o 7,2% da população, segundo relatório da LCA Consultores divulgado pelo IBGE. Apesar de não serem números astronômicos, esse é o segundo ano consecutivo em que a tendência se mantém após o progresso espetacular do país entre 2001 e 2012, quando se erradicou 75% da pobreza extrema no Brasil, de acordo com cálculos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

“A queda da pobreza naqueles anos é explicada pela melhora do mercado de trabalho, que vem se deteriorando nos últimos anos. Há menos formalidade, ou seja, há pessoas trabalhando sem carteira assinada, enquanto os salários, em geral, não estão crescendo”, pondera o economista Fernando Gaiger, que pesquisa a pobreza e a desigualdade para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. “Isso tem mais a ver com a recessão do que com a reforma trabalhista de Temer, cujos resultados só começaremos a ver no final do ano que vem. Mas é inegável que pioramos. Alguém sem carteira assinada perde o emprego e depois a casa e logo logo está na rua. De uma hora para outra, tudo muda.”

20 anos trabalhados, 0 reais

Priscila Mourilo, vizinha de Maria Silva em Heliópolis, nunca imaginou que seria vítima dessa questão trabalhista. Quando era pequena, essa jovem na casa dos vinte anos, de costas largas e cabelos castanhos se sentia mais ou menos segura porque seu pai trabalhava em uma copiadora. Podiam viver sem grandes dificuldades com outros vizinhos da classe média baixa em Diadema, na periferia de São Paulo. “Entrava, saía... Era uma mulher livre”, lembra hoje. Se apaixonou, foi morar em Heliópolis, de onde era seu namorado, e lá teve três filhos. O namorado desapareceu depois de algum tempo, mas deixou-a ficar no apartamento de sua mãe. E aí os problemas começaram. À medida que cresciam, as crianças foram mostrando problemas de desenvolvimento: “O mais velho, Maurício [oito anos], tem uma ligeira deficiência. O menor, Murilo, está com sete anos e acho que também tem. Não para quieto, é impulsivo, não se concentra, não fala bem, não sabe abotoar um botão, não se limpa quando vai ao banheiro...”, diz ela no sofá de sua diminuta casa na favela. Está sob uma enorme mancha de umidade de onde pinga água. No seu colo está Mia, a gata que têm para pegar os ratos que se aproximam da casa.

Forçada a olhar as crianças a cada segundo que passam acordadas, Priscila descarta procurar trabalho. Seu único recurso seria pedir dinheiro ao seu pai, mas ele perdeu o emprego na copiadora depois de 20 anos e não recebeu nenhuma indenização. Também não tem direito a aposentadoria: não tinha carteira assinada. Priscila engravidou outra vez, do mesmo namorado. Sua mãe, sexagenária, teve que deixar a aposentadoria e começar a fazer faxina para sustentar a família. “Eu gostaria de sustentá-los, mas não tenho como”, repete, com olhar envergonhado. Quando cresceu, sabia que não era rica, mas nunca suspeitou que acabaria sendo extremamente pobre.

Em janeiro de 2017, perdeu o Bolsa Família. Nem ela sabe dizer o motivo. “E eu comecei a sentir medo. Medo e fome. Não tinha dinheiro para comprar biscoitos para os meninos, nem fraldas para a menina. Acordava sem saber o que ia comer, se conseguiria arranjar alguma coisa para alimentar meus filhos. Sobrevivo com o dinheiro que minha mãe me manda.” Cerca de 200 reais por mês. O pai das crianças não trabalha? “Ai moço, boa pergunta. Ele cata papelão, não tem dinheiro.” Você sabe como vai passar o próximo mês? “Pelejando. Pelejando como sempre. Mais do que isso não dá para saber. O futuro não ia ser assim.”

Por Tom Avedaño