quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Losurdo: Revolução de Outubro e democracia no mundo

Losurdo: Revolução de Outubro e democracia no mundo


Pelo menos no que respeita às relações internacionais, estamos bem longe da democracia. O processo de democratização iniciado com a Revolução de Outubro está ainda bem longe da sua conclusão
Introdução
A ideologia e a historiografia ocidental parecem querer resumir o balanço de um século dramático em uma historieta edificante, que pode ser assim sintetizada: no início do século XX, uma moça fascinante e virtuosa (a senhorita Democracia) é agredida, primeiro por um bruto (o senhor Comunismo) e depois por outro (o senhor Nazi-fascismo); aproveitando também os contrastes entre os dois e através de complexos eventos, a moça consegue enfim libertar-se da terrível ameaça; tornando-se nesse meio tempo mais madura, mas sem perder o seu fascínio, a senhorita Democracia pode agora coroar o seu sonho de amor mediante o casamento com o senhor Capitalismo; cercada pelo respeito e admiração geral, o feliz e inseparável casal adora levar a sua vida entre Washington e Nova Iorque, entre a Casa Branca e Wall Street. Estando assim as coisas, não é mais permitido ter qualquer dúvida: o comunismo é o inimigo implacável da democracia, a qual pôde consolidar-se e desenvolver-se apenas depois de tê-lo derrotado.
1. A democracia como superação de três grandes discriminações
Todavia, esta historieta edificante nada tem a ver com a história real. A democracia, assim como hoje a entendemos, pressupõe o sufrágio universal: independentemente do sexo (ou gênero), da riqueza e da raça, cada indivíduo deve ser reconhecido como titular de direitos políticos, do direito eleitoral ativo e passivo, do direito de votar nos seus próprios representantes e de ser eventualmente eleito nos organismos representativos. Isto é, nos nossos dias a democracia, até em seu significado mais elementar e imediato, implica a superação de três grandes discriminações (sexual ou de gênero, censitária e racial) que eram ainda vivas e vitais às vésperas do Outubro de 1917, e que foram superadas apenas com a contribuição, por vezes decisiva, do movimento político saído da revolução bolchevique.
Comecemos com a cláusula da exclusão, macroscópica, que negava o gozo dos direitos políticos à metade do gênero humano, isto é, às mulheres. Na Inglaterra, as senhoras Pankhurst (mãe e filha), que promoviam a luta contra tais discriminações e dirigiam o movimento feminista das sufragistas, eram obrigadas a visitar periodicamente as prisões do país. A situação não era muito diferente nos outros grandes países do Ocidente. Ao contrário, foi Lênin, em O Estado e a Revolução, quem denunciou a “exclusão das mulheres” dos direitos políticos como uma confirmação clamorosa do caráter discriminatório da “democracia capitalista”. Tal discriminação fora cancelada na Rússia já após a revolução de fevereiro, por Gramsci saudada como “revolução proletária” pelo seu papel de protagonista desenvolvido no seio das massas operárias, como o confirmava o fato de que a revolução havia introduzido “o sufrágio universal, estendendo-o também às mulheres”. O mesmíssimo caminho fora depois percorrido pela república de Weimar, saída da “revolução de novembro” que eclodiu na Alemanha a um ano de distância da Revolução de Outubro, e sob a influência e como imitação desta última. Sucessivamente, na mesma direção se moviam também os Estados Unidos. Na Itália e na França, ao contrário, as mulheres conquistaram os direitos políticos somente após a Segunda Guerra Mundial, na onda da Resistência antifascista, e para a qual os comunistas contribuíram de modo essencial ou decisivo.
Considerações análogas podem ser feitas a propósito da segunda grande discriminação, ela que também há tanto tempo tem caracterizado a tradição liberal: refiro-me à discriminação censitária, que excluía dos direitos políticos ativos e passivos os não proprietários, os destituídos de riqueza, as massas populares. Já eficazmente combatida pelo movimento socialista e operário, mesmo se profundamente enfraquecida, esta continuava a resistir teimosamente às vésperas da Revolução de Outubro. No ensaio sobre o imperialismo e em O Estado e a Revolução, Lênin chamava a atenção para as persistentes discriminações censitárias, camufladas mediante os requisitos de residência e outros “‘pequenos’ (os pretensos pequenos) detalhes da legislação eleitoral”, que em países como a Grã-Bretanha comportavam a exclusão dos direitos políticos do “estrato inferior propriamente proletário”. É possível acrescentar que mesmo o país clássico da tradição liberal tardou de modo particular a afirmar plenamente o princípio “uma cabeça, um voto”. Só no ano de 1948 desapareceram os últimos traços do “voto plural”, a seu tempo teorizado e celebrado por John Stuart Mill: os membros das classes superiores considerados mais inteligentes e mais dignos gozavam do direito de exprimir mais de um voto. Retornava, assim, pela janela a discriminação censitária expulsa pela porta.
No que diz respeito à Itália, nos manuais escolares se pode ler que a discriminação censitária foi cancelada em 1912, mas, na realidade, continuavam a subsistir as “pequenas” cláusulas de exclusão denunciadas por Lênin. Não é este, porém, o ponto mais importante. A lei aprovada naquele ano concedia graciosamente os direitos políticos só àqueles cidadãos do sexo masculino que, mesmo se de modesta condição social, deveriam ser distinguidos ou por “títulos de cultura ou de honra” ou pelo valor militar mostrado no curso da guerra contra a Líbia terminada pouco antes. Em outras palavras, não se tratava do reconhecimento de um direito universal, mas de uma recompensa pela prova de coragem e de ardor bélico que haviam dado no decorrer de uma conquista colonial de traços brutais e, por vezes, genocidas.
Em cada caso, também lá onde o sufrágio (masculino) tornou-se universal ou virtualmente universal, isso não valia para a Câmara Alta, que continuava a ser apanágio da nobreza e das classes superiores. No Senado italiano tomavam assento, na qualidade de membros de direito, os príncipes da Casa Savoia: todos os outros eram nomeados vitaliciamente pelo rei, por recomendação do presidente do Conselho. Não era diversa a composição das Câmaras Altas nos diferentes países da Europa que, à exceção da França, não eram eletivas, mas caracterizadas por um entrelaçamento de hereditariedade e nomeação régia. Até no que diz respeito ao Senado da Terceira República francesa, que mesmo tendo atrás de si uma série ininterrupta de levantes revolucionários que culminaram na Comuna, é de se notar que isso resultava de uma eleição indireta e era constituído de modo tal a garantir uma super-representação ao campo (e à conservação político-social), em detrimento obviamente de Paris e das maiores cidades, isto é, em detrimento dos centros urbanos considerados o foco da revolução. Também na Grã-Bretanha, não obstante a secular tradição liberal às costas, a Câmara Alta (inteiramente hereditária, excetuados poucos bispos e juízes) não tinha nada de democrática, e nítido era o controle exercido pela aristocracia na esfera pública; uma situação não muito diversa daquela que caracterizava Alemanha e Áustria. É por isso que um ilustre historiador (Arno J. Mayer) falou da persistência do antigo regime na Europa até o primeiro conflito mundial (e a Revolução de Outubro e as revoluções e os levantes que se seguiram a ela).
Naqueles anos, nem sequer nos Estados Unidos estavam ausentes os resíduos da discriminação censitária. Com relação à Europa, porém, o antigo regime se apresentava em uma versão diferente: a aristocracia de classe se configurava como uma aristocracia de raça. No Sul do país, o poder estava nas mãos dos antigos proprietários de escravos, que nada haviam perdido da sua arrogância racial ou racista e que não por acaso eram tachados por seus adversários de Bourbons; não havia por certo desaparecido o regime, de um lado, celebrado pelos seus apoiadores e, de outro, criticamente analisado pelos estudiosos contemporâneos como um tipo de ordenamento de castas, por estar fundado sobre agrupamentos étnico-sociais tornados impermeáveis à miscigenação, vale dizer, fundado na proibição das relações sexuais e matrimoniais inter-raciais, severamente condenadas e punidas enquanto suscetíveis de pôr em discussão a supremacia branca.
2. A dupla dimensão da discriminação racial
E chegamos assim à terceira grande discriminação, a discriminação racial. Antes da Revolução de Outubro esta estava mais viva que nunca e manifestava a sua vitalidade de dois modos. No âmbito global o mundo se caracterizava, para dizê-lo com Lênin, pelo domínio inconteste de “poucas nações eleitas” ou por um punhado de “nações-modelo” que atribuíam a si mesmas “o privilégio exclusivo de formação do Estado”, negando-o à vasta maioria da humanidade, aos povos estranhos ao mundo ocidental e branco, e, portanto, indignos de se constituírem como Estados nacionais independentes. E assim, as “raças inferiores” eram excluídas em bloco do gozo dos direitos políticos até mesmo pelo fato de serem consideradas incapazes de autogovernar-se, incapazes de discernimento no plano político. Tal exclusão era reafirmada em um segundo nível, o nível nacional: na União Sul-Africana e nos Estados Unidos (o país ao qual faremos referência), os povos de origem colonial eram ferozmente oprimidos: estes não gozavam nem de direitos políticos nem de direitos civis.
                Pensemos por exemplo nos linchamentos que, entre o século XIX e o século XX, eram reservados em particular aos negros. Um ilustre historiador estadunidense (Vann Woodward) nos deu uma descrição seca, mas tanto mais eficaz quanto aterrorizante:

Notícias dos linchamentos eram publicadas em anúncios locais e vagões suplementares eram acrescentados aos trens para os espectadores, algumas vezes milhares, provenientes de localidades a quilômetros de distância. Para assistirem ao linchamento, as crianças podiam gozar de um dia livre nas escolas.

O espetáculo podia incluir a castração, o escalpelamento, as queimaduras, o enforcamento, os disparos de arma de fogo. Os souvenirs para os adquirentes podiam incluir os dedos das mãos e dos pés, os dentes, os ossos e até os órgãos genitais da vítima, assim como postais ilustrados do evento.
Vemos que aqui opera não a democracia fabulada pela historieta edificante da qual falei no início, mas aquela que eminentes estudiosos estadunidenses têm definido como Herrenvolk democracy, uma democracia reservada exclusivamente ao povo dos senhores, o qual exercia uma aterrorizante White supremacy não só sobre os povos de origem colonial (afro-americanos, asiáticos etc.), mas às vezes também sobre os imigrantes provenientes de países (como a Itália) considerados de duvidosa pureza racial.
Ainda nos anos 1930, os negros, que no curso da Primeira Guerra Mundial foram chamados a combater e a morrer pela “defesa” do país, continuavam a suportar um regime de terror que ao mesmo tempo funcionava como uma repugnante sociedade do espetáculo. São eloquentes os títulos e as crônicas dos jornais locais da época. Nós os reproduzimos da antologia (100 Years of Lynchings) editada por um estudioso afro-americano (Ralph Ginzburg): “Grandes preparativos para o linchamento desta noite”. Nenhum pormenor deveria ser negligenciado: “Teme-se que disparos de arma de fogo dirigidos ao negro possam errar o alvo e atingir espectadores inocentes, que incluem mulheres com os seus filhos nos braços”; mas se todos respeitarem as regras, “ninguém ficará desapontado”. A inédita sociedade do espetáculo procedia de modo implacável. Vejamos outros títulos: “Linchamento realizado quase como previsto no anúncio publicitário”; “A multidão aplaude e ri pela horrível morte de um negro”; “Coração e genitais extirpados do cadáver de um negro”.
A sofrerem o linchamento não eram apenas os negros culpados de “estupro” ou, no mais das vezes, de relações sexuais consensuais com uma mulher branca. Bastava muito menos para ser condenado à morte. O Atlanta Constitution de 11 de julho de 1934 informava a execução de um negro de 25 anos “acusado de ter escrito uma carta ‘indecente e insultante’ a uma jovem branca do condado de Hinds”; nesse caso, “a multidão de cidadãos armados” estava satisfeita de ter enchido de bala o corpo do infeliz. No mais, além dos “culpados”, a morte, infligida de modo mais ou menos sádico, assombrava até mesmo os suspeitos. Continuemos a consultar os jornais da época e a ler os seus títulos: “Absolvido pelo júri, depois linchado”; “Suspeito enforcado em um carvalho na praça pública de Bastrop”; “Linchado o homem errado”. Enfim, a violência não se limitava a pegar os responsáveis ou o suspeito do delito a ele atribuído. Acontecia que, antes de proceder ao seu linchamento, fosse incendiada e queimada a cabana em que habitava a sua família.
É de se acrescentar que a terceira grande discriminação terminava por atingir também certos membros e certos setores da mesma casta ou raça privilegiada. Ainda lendo a antologia relativa aos cem anos de linchamentos nos Estados Unidos, encontramos no título de um artigo do Galveston (Texas) Tribune de 21 de junho de 1934: “Uma jovem branca é encarcerada, seu amigo negro é linchado”. Sobre aquela jovem branca o regime de terror da white supremacy se abatia de modo dúplice: seja privando-a de sua liberdade pessoal, seja atingindo-a pesadamente em seus afetos.
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Vladimir Ilyych Lenin fala a tropas do Exército Vermelho diante do Teatro Bolshoi, em Moscou, em 1920; embaixo à direita estão Leon Trotsky e Lev Kamenev

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3. Movimento comunista e luta contra a discriminação racial
Em qual direção, para qual movimento e para qual país olhavam as vítimas de tal horror, na procura de solidariedade e inspiração para a luta de resistência e de emancipação? Não é difícil imaginar. Logo após a Revolução de Outubro, os afro-americanos que aspiravam pôr em xeque o jogo da white supremacy eram frequentemente acusados de bolchevismo, mas pronta era a réplica de um militante negro que não se deixava intimidar: “Se lutar pelos nossos direitos significa ser bolchevique, então eu sou bolchevique e os demais que se calem de uma vez por todas”.
São os anos em que os negros se faziam militantes do Partido Comunista dos Estados Unidos ou que visitavam a Rússia soviética seguindo uma experiência inédita e emocionante: se viam finalmente reconhecidos na sua dignidade humana; em igualdade com seus companheiros poderiam participar da criação de um mundo novo. Compreende-se agora por que motivo estes olhavam Stalin como um “novo Lincoln”, o Lincoln que teria posto fim desta vez de modo concreto e definitivo à escravidão dos negros, à opressão, à degradação, à humilhação, à violência e aos linchamentos que continuavam a suportar. Não há com o que se surpreender com esta visão. Tenha-se presente que por um longo tempo, no período em que a discriminação racial e o regime de supremacia branca reinavam quase imperturbáveis no interior dos Estados Unidos, mas também mundialmente nas relações entre metrópoles capitalistas e colônias, o termo “racismo” teve uma conotação positiva, como sinônimo de compreensão sóbria e científica da história e da política, uma compreensão científica que só os ingênuos (especialmente socialistas ou comunistas) se obstinavam a ignorar ou a pôr em discussão.
Quando começou o momento da virada na história dos afro-americanos? Em dezembro de 1952 o ministro estadunidense da justiça enviava à Corte Suprema, que era chamada a discutir a questão da integração na escola pública, uma carta eloquente: “A discriminação racial leva água à propaganda comunista e suscita dúvidas também entre as nações amigas sobre a intensidade da nossa devoção à fé democrática”. Até por razões de política externa era necessário estabelecer a inconstitucionalidade da segregação e da discriminação antinegra. Washington ─ observa o historiador estadunidense (Vann Woodward) que reconstrói tal evento ─ corria o perigo de distanciar-se das “raças de cor” não só no Oriente e no Terceiro Mundo, mas no coração mesmo dos Estados Unidos: também aqui a propaganda comunista obtinha um considerável sucesso na sua tentativa de ganhar os negros para a “causa revolucionária”, fazendo abalar sua “fé nas instituições americanas”. Em outras palavras, não seria possível conter a subversão comunista sem pôr fim ao regime da white supremacy. E assim: a luta engajada do movimento comunista e o medo do comunismo terminavam por desenvolver, nos Estados Unidos (e depois na África do Sul), um papel essencial na revogação da discriminação racial e na promoção da democracia.
Neste ponto se impõe uma reflexão. As opiniões políticas de qualquer um de nós podem ser as mais diversas. E, todavia, quem queira fundamentar as suas afirmações em uma reconstrução elementar que seja da história deve reconhecer um ponto essencial: a historieta edificante da qual falamos no início, e que continua a ser apregoada pela ideologia dominante, não é mais que uma historieta. Se por democracia entendemos ao menos o exercício do sufrágio universal e a superação das três grandes discriminações, é claro que essa não pode ser considerada anterior à Revolução de Outubro e não pode ser pensada sem a influência que esta última exerceu mundialmente.
4. A discriminação racial entre os Estados Unidos e o Terceiro Reich
Se, de um lado, incitava as suas vítimas a porem suas esperanças no movimento comunista e na União Soviética, de outro, o regime da white supremacy vigente nos Estados Unidos e no mundo suscitava a admiração do movimento nazista. Em 1930, Alfred Rosenberg, que depois se tornaria o teórico mais ou menos oficial do Terceiro Reich, celebrava os Estados Unidos, com o olhar voltado principalmente ao Sul, como um “esplêndido país do futuro” que havia tido o mérito de formular a feliz “nova ideia de um Estado racial”, ideia que se tratava agora de pôr em prática “com força juvenil”, sem que se ficasse a meio caminho. A república norte-americana havia corajosamente chamado a atenção para a “questão negra” e de fato a havia colocado “no vértice de todas as questões decisivas”. Assim, uma vez cancelado para os negros, o absurdo princípio da igualdade racial deveria ser liquidado por completo: se deveria tirar “as necessárias consequências também para os amarelos e os judeus”.
Não há dúvida, o regime da white supremacy inspirou profundamente o nazismo e o Terceiro Reich. É uma influência que deixou traços profundos também no plano categorial e linguístico. Tentemos nos interrogar acerca dos termos-chave suscetíveis de exprimir de modo claro e concentrado a carga de desumanização e de violência genocida inerente à ideologia nazista. Não se necessita de uma pesquisa muito difícil: Untermensch é o termo-chave que de antemão despoja de qualquer dignidade humana todos os que são destinados a se tornarem escravos a serviço da raça dos senhores ou ser aniquilados como agentes patogênicos, culpados de fomentar a revolta contra a raça dos senhores e contra a civilização enquanto tal. E eis que o termo Untermensch, que cumpre um papel tão central e nefasto na teoria e na prática do Terceiro Reich, não é senão a tradução do americano Under Man! Reconhece-o Rosenberg, o qual exprime a sua admiração pelo autor estadunidense Lothrop Stoddard: cabe a este o mérito de ter sido o primeiro a cunhar o termo em questão, que se destaca como subtítulo (The Menace of the Under Man) de um livro publicado em Nova Iorque em 1922 e da sua versão alemã (Die Drohung des Untermenschn) surgida três anos depois. No que diz respeito ao seu significado, Stoddard esclarece que ele indica a massa dos “selvagens e bárbaros”, “essencialmente incapazes de civilidade e seus inimigos incorrigíveis”, com os quais é necessário proceder a um radical acerto de contas, se se quer evitar o perigo iminente do colapso da civilização. Elogiado, antes ainda que por Rosenberg, por dois presidentes estadunidenses (Harding e Hoover), Stoddard é sucessivamente recebido com todas as honras em Berlim, onde encontra não só os expoentes mais ilustres da eugenia nazista, mas também a mais alta hierarquia do regime, incluindo Adolf Hitler, já investido em sua campanha de dizimação e escravização dos “indígenas” ou dos Untermenschn da Europa oriental, e empenhado nos preparativos para o aniquilamento dos Untermenschn judeus, considerados os insanos inspiradores da revolução bolchevique e da revolta dos escravos e dos povos coloniais.
Bem longe de poderem ser assimiladas uma e outra como inimigas mortais da democracia, União Soviética e Alemanha hitleriana estão colocadas historicamente em posições contrapostas: a primeira teve um papel de vanguarda na luta contra a terceira discriminação (a discriminação racial), enquanto a segunda se distinguiu na luta para radicalizar e eternizar a terceira grande discriminação e, ao fazer isto, invocou o exemplo constituído pelos Estados Unidos. Na sua complexidade, a análise histórica obriga a reconhecer a contribuição essencial ou decisiva fornecida pelo movimento surgido da Revolução de Outubro para a superação das três grandes discriminações e, portanto, para a realização de um pressuposto iniludível da democracia.
5. Um incompleto processo de democratização
Convém agora colocar-nos uma última pergunta: as três discriminações estão hoje completamente desaparecidas? Já há muitos anos um eminente historiador estadunidense, Arthur Schlesinger Jr., que foi também conselheiro do presidente John Kennedy, traçava um quadro bem pouco lisonjeiro da democracia no seu país: “A ação política, uma vez fundada no ativismo, funda-se agora na disponibilidade financeira”. Dados os “custos assustadoramente altos das recentes campanhas eleitorais”, se delineava claramente a tendência a “limitar o acesso à política àqueles candidatos que têm fortunas pessoais ou que recebem dinheiro de comitês de ação política”, ou dos “grupos de interesses” e lobbies vários.  Em outras palavras, era como se a discriminação censitária, expulsa pela porta, retornasse pela janela. Tomemos nota: a campanha neoliberal contra os “direitos sociais e econômicos”, solenemente proclamados e sancionados pela ONU em 1948, mas denunciados por Friedrich August Von Hayek como expressão da influência (por ele considerada ruinosa) da “revolução marxista russa”, terminou por atingir também os direitos políticos.
No ato de acusação contra a Revolução de Outubro formulado pelo patriarca do neoliberalismo (e Prêmio Nobel de Economia em 1974) se pode e se deve ler um grande reconhecimento. Aquela revolução contribuiu para a realização dos direitos econômicos e sociais e sua edificação também no Ocidente; não por acaso, nos nossos dias, à ausência do desafio do movimento comunista corresponde o desmantelamento do Estado Social na própria Europa, com o resultado de que a discriminação censitária termina por reaparecer ao abrigo de novas formas.
E o que dizer das outras duas grandes discriminações? Certamente, a história não é o eterno retorno do idêntico, como pretendia Nietzsche. Seria errado e enganoso ignorar as mudanças de contexto e os resultados conseguidos pela luta de emancipação. Nos nossos dias ninguém ousaria defender o racismo e proclamar em voz alta a necessidade de defender ou restabelecer a white supremacy. Porém, não devemos esquecer que historicamente um aspecto essencial da terceira grande discriminação foi a hierarquização dos povos e das nações. Isto foi bem compreendido por Lênin, que vimos definir o imperialismo como a pretensão de “poucas nações eleitas”, ou de poucas “nações-modelo”, de reservarem exclusivamente para si o direito de constituírem-se em Estado nacional independente. Foi abandonada de uma vez por todas tal pretensão? Por ocasião dos graves conflitos políticos e diplomáticos, o Ocidente e em particular o seu país-guia se dirigem ao Conselho de Segurança da ONU para que autorize a intervenção militar por eles preconizada ou programada, mas ao mesmo tempo declaram que, também na ausência desta autorização, estes se reservam o direito de desencadear soberanamente a guerra contra este ou aquele país. É evidente que, arrogando-se o direito de declarar superada a soberania de outros Estados, os países ocidentais se atribuem uma soberania dilatada e imperial, a ser exercida bem além do próprio território nacional, enquanto para os países por eles tomados como alvo, o princípio da soberania estatal é declarado superado ou destituído de valor. Sob uma nova forma reproduz-se a dicotomia (nações eleitas e realmente providas de soberania/povos indignos de se constituírem em Estado nacional autônomo) que é própria do imperialismo e do colonialismo. Com a força das armas continua sendo invocado o princípio da hierarquização dos povos e das nações.
No caso dos Estados Unidos, esta pretendida hierarquia é proclamada em alta voz e é mesmo religiosamente transfigurada. Em setembro de 2000, ao conduzir a campanha eleitoral que o havia levado à presidência, George W. Bush enunciava um conveniente dogma: “A nossa nação foi eleita por Deus e tem o mandato da história para ser o modelo para o mundo”. É um dogma bem radicado na tradição política estadunidense. Bill Clinton havia inaugurado o seu primeiro mandato presidencial com uma proclamação ainda mais enfática do primado dos Estados Unidos e do direito-dever de dirigir o mundo: “A nossa missão é eterna”!
Dir-se-ia que a white supremacy é substituída pela western supremacy ou a American supremacy. O que resta é que o princípio da hierarquia dos povos e das nações segue inalterado, uma hierarquização natural, eterna e até consagrada pela vontade divina, como na monarquia absoluta do Antigo regime! Ao menos no que diz respeito à sua dimensão internacional, a terceira grande discriminação não desapareceu. Dito de outro modo, pelo menos no que respeita às relações internacionais, estamos bem longe da democracia. O processo de democratização iniciado com a Revolução de Outubro está ainda bem longe da sua conclusão.

**Domenico Losurdo é professor emérito de História da Filosofia na Universidade de Urbino, Itália. Presidente da Internationale Gesellschaft Hegel-Marx für dialektisches Denken (Sociedade Internacional Hegel-Marx para o pensamento dialético).
* Opúsculo publicado na Itália sob o título Rivoluzione d’Ottobre e democrazia nel mondo. Napoli: La Scuola di Pitagora, 2015, 25 p. No Brasil apareceu também na revista INTERtesis, vol. 12, no 1, 2015. Tradução portuguesa de Marcos Aurélio da Silva, professor do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.
Este texto foi publicado no livro “100 Anos da Revolução Russa: Legados e Lições”, da editora Anita Garibaldi, que pode ser adquirido no site da editora.

Reforma trabalhista: reconcentração de renda e empobrecimento dos trabalhadores

Reforma trabalhista: reconcentração de renda e empobrecimento dos trabalhadores

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A economista Patrícia Pelatieri comenta a atual situação de desemprego do Brasil desde 2014 e informa que os jovens das regiões metropolitanas do País estão entre os mais afetados pela crise
Por Patrícia Fachin
Do Ihu-Online
A única forma de enfrentar o desemprego que atinge mais de 13 milhões de brasileiros é garantir o retorno do “crescimento econômico, com desenvolvimento político e social. Não há milagre, é preciso implementar um projeto de desenvolvimento nacional que leve em conta as necessidades da população”, afirma a economista Patrícia Pelatieri à IHU On-Line. Entretanto, pontua, a aprovação da PEC95, que institui o teto dos gastos públicos, conduzirá o País para outra direção. “Infelizmente, a Reforma do Estado imposta pela PEC 95 vai significar empobrecimento da população, em decorrência da contenção das políticas públicas, e diminuição da capacidade do Estado em alavancar o crescimento e promover o desenvolvimento. E sabemos que a retomada de um ciclo de crescimento exige uma longa e penosa travessia”, adverte.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Patrícia Pelatieri comenta a atual situação de desemprego que atinge o País desde 2014 e informa que os jovens das regiões metropolitanas do País estão entre os mais afetados pela crise. “A taxa de desemprego entre os jovens aumentou em quase todas as regiões pesquisadas, na comparação de 12 meses, atingindo 48,7% na região de Salvador e 42,9% no Distrito Federal”.
Na avaliação dela, a reforma trabalhista que entra em vigor a partir do próximo mês não ajudará a enfrentar esse fenômeno. Ao contrário, diz, “essa reforma permitirá e facilitará um imenso processo de reconcentração de renda e empobrecimento dos trabalhadores, uma vez que cria diversas formas de flexibilizar contratos de trabalho e salários. Possivelmente, desestruturará o ‘pedaço’ do mercado de trabalho brasileiro, hoje estruturado (correspondente a 50%), dificultando ainda mais o acesso dos trabalhadores à previdência social”.
Patrícia Pelatieri é economista e coordenadora de Pesquisas do DIEESE.
Confira a entrevista.
Como avalia a reforma trabalhista que entrará em vigor nos próximos dias? Quais diria que são seus pontos positivos e negativos?
Patrícia Pelatieri - Essa reforma é ruim para os trabalhadores e para os futuros trabalhadores e ruim para o País. Essa reforma inverte a lógica do nosso sistema de relações do trabalho à medida que reduz a proteção institucional aos trabalhadores por parte do Estado e do Sindicato, e aumenta as garantias e a autonomia das empresas nas relações de trabalho.
Essa reforma permitirá e facilitará um imenso processo de reconcentração de renda e empobrecimento dos trabalhadores, uma vez que cria diversas formas de flexibilizar contratos de trabalho e salários. Possivelmente, desestruturará o “pedaço” do mercado de trabalho brasileiro, hoje estruturado (correspondente a 50%), dificultando ainda mais o acesso dos trabalhadores à previdência social.
Nos últimos anos o Brasil comemorou o ingresso de muitos brasileiros no mercado formal de trabalho e o aumento do salário mínimo. Considerando a atual crise de desemprego, como avalia, em retrospectiva, as medidas que foram adotadas para garantir a sustentabilidade do mercado de trabalho no País?
 É verdade que, superando um longo período de altas taxas de desemprego (principalmente nos anos de 1990 e início dos anos 2000), no período 2004-2014, a) o Brasil apresentou contínua redução do desemprego e da desocupação; b) o crescimento da população economicamente ativa, ou seja, a ampliação do contingente populacional à procura de emprego, foi acompanhado de um aumento mais expressivo de criação de postos de trabalho. Segundo o registro da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego - RAIS-MTE, o País atingiu cerca de 50 milhões de vínculos formais de trabalho em 2014, um crescimento de mais de 20 milhões de novos vínculos formais sobre o estoque de 2003; c) o salário mínimo cresceu, fruto da política de valorização oriunda do acordo firmado entre o Governo Federal e as Centrais Sindicais. O aumento real superou 74% no período. O crescimento do salário mínimo acima da inflação fez aumentar o poder de compra dos trabalhadores da base da pirâmide laboral e repercutiu positivamente no incremento da massa salarial. Os efeitos do crescimento do salário mínimo repercutiram positivamente, também, nos benefícios pagos aos aposentados, bem como nas demais políticas sociais como o seguro-desemprego e o abono salarial.
Em uma economia que crescia com um mercado de trabalho dinâmico e contratante, os trabalhadores, por meio dos sindicatos, passaram a ter negociações coletivas que além de recuperar o poder de compra, repondo a variação da inflação no período entre datas-bases, logravam celebrar acordos com aumentos dos salários e avanços nos itens sociais e sindicais da pauta negocial.
Entretanto, desde 2014, e especialmente no primeiro semestre de 2015, o mercado de trabalho sofre uma mudança radical. Os indicadores apontavam que ao longo de 2014 ocorria uma diminuição significativa na dinâmica positiva de geração de emprego. O enfrentamento da crise exigia medidas que melhorassem a capacidade das políticas públicas e das negociações coletivas de: a) proteger os empregos; b) de criar condições para a manutenção da renda diante do infortúnio do desemprego; e ainda c) melhorar a oferta de políticas voltadas para as oportunidades de ocupação autônoma, do trabalho cooperado ou iniciativas de economia solidária, entre outras medidas. Lamentavelmente o caminho escolhido foi no sentido oposto, aprofundando a crise, a perda da arrecadação e o desemprego.
Quais têm sido os principais retrocessos no mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos? A que atribui essa situação?
O processo de terceirização tem sido a principal forma de precarização do trabalho, tanto em relação às condições diferenciadas de trabalho, salário e benefícios, quanto em relação à segurança e saúde dos trabalhadores. Até a reforma trabalhista, esse processo ainda era balizado pela intervenção da Justiça do Trabalho e ao fato de não ser possível terceirizar a atividade-fim.
Outro elemento a ser considerado é a intensificação do trabalho, através dos avanços tecnológicos, que afetam enormemente a saúde dos trabalhadores, principalmente as doenças mentais. Esses ajustes no custo do trabalho são formas de o capital se ajustar à globalização, sem mexer na sua margem de lucro e sem arriscar nos investimentos.
Em que regiões do Brasil as taxas de desemprego são mais altas?
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 No geral, nas regiões pesquisadas pela PED-DIEESE, a taxa de desemprego praticamente dobrou em relação a janeiro de 2015 e impactou todos os segmentos populacionais, conforme demonstra o gráfico abaixo.
Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED-DIEESE), taxa de desemprego - Em %
Qual é a situação dos jovens brasileiros desempregados? Por que o desemprego entre os jovens tem aumentado no País?

Patrícia Pelatieri - No desemprego medido, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (DIEESE/Seade/parceiros regionais) realizada nas regiões metropolitanas, as taxas continuam altas, com diferenças entre os segmentos e as regiões. A taxa de desemprego entre os jovens aumentou em quase todas as regiões pesquisadas, na comparação de 12 meses, atingindo 48,7% na região de Salvador e 42,9% no Distrito Federal. Na região de Porto Alegre, houve redução de 23,7% para 22,8%, equivalente a 0,9%. Ainda que em menor proporção, a taxa de desemprego para a faixa dos 25 a 39 anos de idade elevou-se nas quatro regiões.

Os jovens trabalhadores enfrentam grandes dificuldades na transição escola-trabalho, em especial os provenientes de famílias com renda familiar baixa que os impelem ao trabalho mais cedo. Dificuldade para adentrar o mercado de trabalho, postos de trabalho com alta rotatividade, baixos salários e distante de seus domicílios são características comuns nas ocupações destes jovens.

O que seria uma medida para reverter o desemprego entre os jovens?

A juventude brasileira é trabalhadora e em sua absoluta maioria se esforça para combinar trabalho e estudo. As condições de inserção no mercado de trabalho para os/as jovens apresentam condições desiguais às dos adultos, tanto em termos de salários e horas trabalhadas, quanto nas taxas de informalidade, apontando para a necessidade não apenas de aumentar as oportunidades, mas também a qualidade das opções de emprego e trabalho para a juventude brasileira.
 Um elemento a ser revisto é que os serviços públicos de suporte e acesso ao empregoainda atingem muito pouco a população jovem. Outro ponto a ser considerado é que a permanência das desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho são significativas para o segmento jovem – mesmo apresentando níveis educacionais um pouco mais elevados que os dos homens, as mulheres jovens ainda recebem, em média, rendimentos menores. Além de ainda possuírem, em média, níveis de escolaridade um pouco mais baixos que dos brancos, os jovens pretos e pardos também possuem uma remuneração média do trabalho inferior à dos demais.
Por fim, estima-se que há um potencial de contratação de 1,5 milhão de jovens como aprendizes em médias e grandes empresas. Esta contratação pode ser articulada com o sistema de intermediação pública de mão de obra (SINE), priorizando as ocupações que contribuam para a formação profissional do jovem.
Hoje muitos sociólogos criticam o chamado fenômeno da uberização, mas, de outro lado, essa tem sido uma via alternativa para trabalhadores que estão desempregados. Como analisa esse fenômeno no contexto brasileiro?
É confortável para o capital e para o governo responsabilizar individualmente o trabalhador pela sua “empregabilidade”, e se eximir de qualquer culpa. A grande mídia enaltece uma imagem de liberdade nessa “modernização” e parte da opinião pública fica convencida de que só existe esse caminho. O discurso segundo o qual o “ajuste” é um sacrifício necessário para o restabelecimento das condições que permitem a retomada do crescimento visa legitimar e viabilizar as perdas de direitos sociais e de perspectiva de desenvolvimento com equidade.
Como é possível enfrentar o desemprego sem aumentar a precarização do trabalho?
A forma de enfrentar o desemprego é a promoção do crescimento econômico, com desenvolvimento político e social. Não há milagre, é preciso implementar um projeto de desenvolvimento nacional que leve em conta as necessidades da população. Infelizmente, a Reforma do Estado imposta pela PEC 95 vai significar empobrecimento da população, em decorrência da contenção das políticas públicas, e diminuição da capacidade do Estado em alavancar o crescimento e promover o desenvolvimento. E sabemos que a retomada de um ciclo de crescimento exige uma longa e penosa travessia.

STF revoga prisões preventivas decretadas por Moro na Lava Jato

STF revoga prisões preventivas decretadas por Moro na Lava Jato

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Em revisão à decisão do juiz de Curitiba, ministro Lewandowski afirmou que prisão preventiva não pode ser usada como antecipação de pena
Do Jornal GGN
O Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus a dois presos da Lava Jato, revertendo o decreto de prisão preventiva imposta a eles pelo juiz Sergio Moro. Segundo a assessoria da Corte, o ministro Ricardo Lewandowski liderou o entendimento de que a aplicação da pena só poderia ser possível após o julgamento em segunda instância. Além disso, Moro errou ao usar o argumento de que a prisão era necessária à manutenção da ordem pública. 
De acordo com o informe, os empresários beneficiados pela decisão são Eduardo Aparecido de Meira e Flávio Henrique de Oliveira Macedo, ambos presos preventivamente em processo associado a José Dirceu. 
Sócios da Credencial Construtora, Miera e Macedo foram acusados pelo Ministério Público Federal de utilizar a empresa para repassar propina ao ex-ministro petista. Moro manteve a preventiva na sentença condenatória. 
Leia mais:
"Ao divergir do relator e votar pelo deferimento do HC, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou que o princípio constitucional da presunção da inocência significa que, enquanto perdurar esse estado, mesmo no curso de persecução penal e após sentença de primeiro grau, recorrível, o réu não pode ser tratado como culpado. Segundo ele, descabe a aplicação de prisão como antecipação de pena, sem que a sentença condenatória tenha sequer sido confirmada em segunda instância, pois tal fato configuraria uma execução provisória da pena em primeiro grau", diz a nota do STF. 
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"Além disso, o ministro salientou que, no caso do empresário Eduardo Meira, a prisão preventiva encontra-se fundamentada exclusivamente na garantia da ordem pública, com base na possiblidade de reiteração delitiva. Contudo, frisou o ministro, os últimos fatos tidos como delituosos não são contemporâneos do decreto prisional, uma vez que aconteceram há mais de três anos antes da prisão cautelar, de tal modo que não sustentam a manutenção da custódia preventiva", acrescentou. 
Leia a nota oficial STF na íntegra:
2ª Turma concede HC a empresários ligados ao ex-ministro José Dirceu 
Após empate na votação, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu Habeas Corpus (HC 138850 e 141431), na sessão desta terça-feira (3), para os empresários Eduardo Aparecido de Meira e Flávio Henrique de Oliveira Macedo, presos preventivamente em decorrência da Operação Lava-Jato. Sócios da Credencial Construtora e acusados pelo Ministério Público Federal de utilizar a empresa para repassar propina para o ex-ministro José Dirceu, os empresários foram condenados pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa pelo juízo da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba (PR), ocasião em que foram mantidas as prisões preventivas. 
Os ministros julgaram inicialmente o HC impetrado em favor de Eduardo Meira. Relator do caso, o ministro Edson Fachin votou pelo indeferimento do pleito. Segundo o ministro, as condutas narradas na sentença revelam a periculosidade do réu e demonstram um fundado receito de reiteração criminosa. O ministro mencionou trechos da decisão que falam da característica da Credencial, empresa sem quadro de funcionários que teria recebido valores milionários de outras empresas investigadas, apontando que se trata de uma empresa de fachada para dissimulação e ocultação de propinas. O relator foi acompanhado pelo ministro Celso de Mello.
Ao divergir do relator e votar pelo deferimento do HC, o ministro Ricardo Lewandowski lembrou que o princípio constitucional da presunção da inocência significa que, enquanto perdurar esse estado, mesmo no curso de persecução penal e após sentença de primeiro grau, recorrível, o réu não pode ser tratado como culpado. Segundo ele, descabe a aplicação de prisão como antecipação de pena, sem que a sentença condenatória tenha sequer sido confirmada em segunda instância, pois tal fato configuraria uma execução provisória da pena em primeiro grau. 
Além disso, o ministro salientou que, no caso do empresário Eduardo Meira, a prisão preventiva encontra-se fundamentada exclusivamente na garantia da ordem pública, com base na possiblidade de reiteração delitiva. Contudo, frisou o ministro, os últimos fatos tidos como delituosos não são contemporâneos do decreto prisional, uma vez que aconteceram há mais de três anos antes da prisão cautelar, de tal modo que não sustentam a manutenção da custódia preventiva. 
Ao votar pela concessão do HC para determinar que o réu seja posto em liberdade, o ministro Lewandowski afirmou que as medidas cautelares diversas da prisão, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, a serem aplicadas a critério do juízo de primeira instância, são suficientes para a garantia da ordem pública. Acompanhou esse entendimento o ministro Gilmar Mendes. Assim, com o empate na votação, foi proferido resultado mais favorável ao réu, conforme determina o artigo 146 (parágrafo único) do Regimento Interno do STF. 
Na sessão de hoje, o colegiado apreciou o mérito do HC 138850, julgando prejudicado agravo regimental interposto pela defesa de Eduardo Aparecido de Meira contra decisão do relator que havia negado seguimento ao habeas. 
Extensão 
Ao final e com o mesmo placar, o colegiado decidiu estender a mesma decisão para o HC 141431, impetrado em favor de Flávio Henrique de Oliveira Macedo, sócio de Eduardo, que se encontra em situação idêntica, “se não mais favorável”, conforme revelou o ministro Edson Fachin.

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