quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Coalizão de esquerda convoca manifestação contra Trump nos EUA

Coalizão de esquerda convoca manifestação contra Trump nos EUA


Congresso Popular de Resistência é formado por intelectuais de esquerda e movimentos sociais para se posicionar contra medidas do governo Trump
A coalizão de esquerda norte-americana chamada Congresso Popular de Resistência (tradução de People’s Congress of Resistence) convocou uma manifestação para os dias 16 e 17 de setembro, na Universidade de Howard em Washington D.C.
Os organizadores da frente e da manifestação esperam contar com a presença de movimentos de esquerda de 50 estados para protestarem contra o governo de Donald Trump e o Congresso Nacional dos EUA.
Segundo Brian Becker, cofundador do Partido para o Socialismo e Libertação e um dos organizadores do evento, “nós dedicamos muito tempo organizando, mobilizando e divulgando para áreas onde movimentos da esquerda progressista não são fortes, mas onde existem muitos ativistas progressistas de esquerda lutando”.
Becker ainda destaca a importância do momento de uma união entre as forças progressistas “por que a opressão e o sofrimento das pessoas são tão grandes, mas as políticas organizadas de esquerda tem sido fracas”, disse o ativista.
Reprodução/Facebook

Congresso Popular de Resistência se posiciona contra medidas do governo de Donald Trump

Rússia denuncia decisão dos EUA sobre suas propriedades diplomáticas

Coreia do Norte diz ter testado com sucesso 'bomba de hidrogênio'

Trump suspende programa de assistência a jovens imigrantes criado por Obama

 
O conceito do Congresso Popular de Resistencia nasce “como resposta aos ataques que a administração Trump faz contras as classes trabalhadoras, contra as comunidades pobres e contra o meio ambiente”, segundo o texto no site do Congresso.
Becker afirma que “nós achamos que o ativismo por si só não levaria necessariamente a mudança radical profunda, a revolução política que milhões pediram durante a campanha de Bernie Sanders”. “Portanto, o Congresso Popular de Resistência surgiu por convocadores que são ativistas, organizadores e líderes que disseram que Trump é um problema, mas não é o único problema”, disse Becker.
O Congresso Popular de Resistência é formado por intelectuais de esquerda, líderes de movimentos sociais e representantes de organizações da sociedade civil norte-americana que se reuniram para convocar uma frente de coalização que se opõe ao governo de Donald Trump e ao atual Congresso Nacional dos EUA.

Deputados e senadores lançam carta aberta a investidores e embaixadores no Brasil contra privatizações de Temer

Deputados e senadores lançam carta aberta a investidores e embaixadores no Brasil contra privatizações de Temer


Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional elaborou também manifesto alertando a população sobre o assunto
Presidida pelo senador do Paraná Roberto Requião (PMDB), a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional publicou nesta terça-feira (29/08) carta aberta aos embaixadores e investidores contra as privatizações do governo Temer.
O documento se dirige aos “embaixadores e investidores no Brasil” e alerta para “os riscos de participar das privatizações promovidas pelo atual Governo Federal”. De acordo com a carta, essas privatizações serão revertidas pelo próximo chefe de Estado eleito e que ainda serão “duramente investigadas”.
“A privatização ilegítima do Patrimônio Público Brasileiro será um péssimo negócio para os compradores. Mesmo que o preço de nosso patrimônio seja oferecido a preços muito baratos, será um péssimo negócio, porque esses preços vis serão eles mesmos mais uma prova do crime. E esse crime será implacavelmente punido”, diz o documento.


Em vídeo presidente da Frente Parlamentar explica documentos publicados por deputados e senadores
Alertando sobre a ilegitimidade do governo e das negociações, a carta destaca que “o povo brasileiro não deu procuração ao atual governo para realizar qualquer privatização. Não reconhece a validade política e jurídica da venda de patrimônio público realizada no governo Temer. Pior, o povo brasileiro, com toda a razão, suspeita que essas privatizações foram e são feitas com subornos, corrupção, trapaças e ilegalidades”.

ONU investiga ataque aéreo que vitimou 41 civis no Iêmen

Enfrentamentos entre exército e grupo deixa 6 mortos na Venezuela durante exercícios militares

Dilma Rousseff: “Segunda etapa do golpe é tirar Lula da eleição de 2018"

 
Junto com a Carta, a Frente Parlamentar ainda lançou um manifesto de advertência ao povo brasileiro que enumera em nove tópicos denúncias e argumentos em defesa da soberania nacional. O documento se dirige aos “Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo do Brasil, ao Ministério Público Federal, às Nações Unidas, ao Tribunal Internacional de Justiça, à Organização dos Estados Americanos, às Nações estrangeiras com representação em nosso país, ao mercado nacional e global, aos meios de comunicação internos e externos”.

PMDB Nacional

Requião gravou vídeo falando sobre as ações da Frente Parlamentar
O Manifesto menciona a taxa de reprovação de 95% de Michel Temer, a Reserva Nacional do Cobre e Associados na Amazônia, ameaçada de ser vendida pelo governo federal nos últimos meses e a intenção dos assinantes de apelarem a um Referendo Revogatório se alguma medida que atente contra a soberania nacional for aprovada, “restabelecendo o direito dos brasileiros sobre o seu território, o espaço aéreo, o mar territorial, suas florestas, suas riquezas minerais, sobre a produção e distribuição de energia elétrica, sobre o petróleo, notadamente suas reservas da camada pré-sal”.
Assinam a carta aberta e o manifesto o senador Roberto Requião (PMDB-PR), o deputado Patrus Ananias (PT-MG), o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), o deputado Afonso Antunes (PDT-RS) e a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
A Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional é formada por 201 deputados federais e 18 senadores.
Leia a carta aberta completa:
Prezados Embaixadores e investidores no Brasil.
Por meio desta carta aberta, alertamos o corpo diplomático e os investidores com interesses no Brasil sobre os riscos de participar das privatizações promovidas pelo atual Governo Federal.
Toda as aquisições de bens e direitos públicos vendidos, concedidos, outorgados ou autorizados – enfim, privatizados – pelo governo ilegítimo que está instalado na Presidência da República do Brasil serão revertida pelo primeiro Chefe de Estado eleito pelo voto popular.
Cuidado, porque essas privatizações não serão apenas revertidas. Serão também duramente investigadas. Atenção ao que está acontecendo no Brasil. O mesmo rigor que a Operação Lava Jato introduziu no sistema investigativo-punitivo brasileiro será usado contra tudo o que o governo ilegítimo produz, ainda que sem os excessos e a parcialidade da referida Operação.
Sim, quem comprar bens e direitos do povo brasileiro vendidos por esse governo extensiva e comprovadamente corrupto, será de imediato considerado suspeito de participar da corrupção e, na sequência, investigado e punido com firmeza.
Não subestimem a indignação e a ira que o povo brasileiro tem acumulado em razão dos abusos desse governo ilegítimo.
Por quatro eleições seguidas, nos últimos 15 anos, o povo brasileiro rejeitou nas urnas qualquer privatização. Feito por um governo ilegal desprezado por 95% da população, isso significa uma contrariedade ainda mais gritante.
O povo brasileiro não deu procuração ao atual governo para realizar qualquer privatização. Não reconhece a validade política e jurídica da venda de patrimônio público realizada no governo Temer. Pior, o povo brasileiro, com toda a razão, suspeita que essas privatizações foram e são feitas com subornos, corrupção, trapaças e ilegalidades.
Este governo, produto de um golpe parlamentar e o atual Congresso não têm procuração para tomar tão graves decisões sem consultar o povo brasileiro. Logo, a aprovação pelo Congresso das leis que “formalizam” essas privatizações não reduz a ilegitimidade e a ilegalidade do processo.
Em termos mais claros: a liquidação do Patrimônio
Público promovida por Michel Temer sem a concordância do povo, será considerada por esse mesmo povo como a venda de mercadoria roubada, portanto serão considerados criminosos tanto o vendedor, quanto o receptador. Punição virá para os dois!
A Privatização ilegítima do Patrimônio Público Brasileiro será um péssimo negócio para os compradores. Mesmo que o preço de nosso patrimônio seja oferecido a preços muito baratos, será um péssimo negócio, porque esses preços vis serão eles mesmos mais uma prova do crime. E esse crime será implacavelmente punido.
Os investidores que subornarem membros do Executivo, Parlamentares ou Juízes para aprovarem ou “legalizarem” essas privatizações fraudulentas estarão jogando seu dinheiro no lixo e poderão ainda serem punidos com pena de prisão.
O primeiro governo legítimo eleito no país promoverá um Referendo Revogatório de todas as privatizações. Elas serão revertidas, porque sabemos o que nosso povo pensa sobre isso. O dinheiro gasto com elas será devolvido somente depois das investigações que analisarão cada caso e apenas se não houver ocorrido nenhum tipo de corrupção.
A partir desta Carta Aberta, ninguém poderá alegar desconhecimento sobre a ilegalidade, ilegitimidade e as consequências por ter comprado os bens do povo brasileiro. A justiça ainda não chegou, mas ela chegará. A paciência do povo já está no fim! Não cometam essa temeridade!
Roberto Requião, Senador da República e Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional
Patrus Ananias, Deputado Federal e Secretário-Geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional
Deputado Glauber Braga, Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional
Deputado Afonso Motta, Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional
Senadora Vanessa Grazziotin, Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional
Leia também o manifesto completo:
Manifesto de Advertência da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional aos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo do Brasil, ao Ministério Público Federal, às Nações Unidas, ao Tribunal Internacional de Justiça, à Organização dos Estados Americanos, às Nações estrangeiras com representação em nosso país, ao mercado nacional e global, aos meios de comunicação internos e externos.
         Que todos saibam e, cientes, arquem com as consequências:
1.  O atual Governo Brasileiro é rejeitado por 95 por cento da população, um índice de desaprovação jamais registrado em nossa história. Mais ainda: 97 por cento dos brasileiros querem que o presidente da República seja julgado por corrupção ativa. Da mesma forma, os principais operadores da administração da União, assim como os seus líderes no Congresso Nacional, são alvos da Operação Lava Jato e outras investigações.
2.  Face ao que a legitimidade das decisões da administração pública federal é contestável juridicamente, moralmente, eticamente.
3.  A extinção da Reserva Nacional do Cobre e Associados na Amazônia, colocando à disposição do mercado global fabulosas reservas minerais; a venda de terras, sem limite de extensão a estrangeiros; a venda do patrimônio público nacional, nas áreas de energia elétrica, petróleo e infraestrutura aeroportuária, medidas há pouco anunciadas, agridem fortemente os objetivos nacionais permanentes definidos pela nossa Constituição, põem em risco a segurança nacional e impedem a consecuç&ati lde;o do projeto de construção do Estado-Nação brasileiro.
4.  Assim, que todas as empresas e todos os países que participarem desse processo de esbulho do patrimônio brasileiro considerem-se advertidas: o atual governo não tem legitimidade para violar a riquíssima biodiversidade da Amazônia e doar as riquezas de seu solo.
5.  Logo, se algumas dessas medidas efetivarem-se, recorremos a um Referendo Revogatório para anular decretos, portarias, legislações, restabelecendo o direito dos brasileiros sobre o seu território, o espaço aéreo, o mar territorial, suas florestas, suas riquezas minerais, sobre a produção e distribuição de energia elétrica, sobre o petróleo, notadamente suas reservas da camada pré-sal.
6.  O Direito Brasileiro e a jurisprudência firmada a partir das decisões de nossos Tribunais Superiores são muito claros quanto à prevalência do interesse público sobre direitos adquiridos.
7.   Não há, portanto, qualquer segurança jurídica, qualquer garantia àqueles que decidirem se aproveitar de um governo ilegítimo para se apropriarem do sagrado patrimônio dos brasileiros.
8.  O fato das mineradoras internacionais, especialmente as canadenses, terem tomado conhecimento antecipado do assalto à Reserva Nacional do Cobre é da mais extrema gravidade e vamos investigar quais foram os responsáveis pela inconfidência, para as providências legais cabíveis.
9.  Paralelamente, a Frente Parlamentar em Defesa da Soberania, que reúne 201 deputados federais e 18 senadores, vai se unir a outras organizações da sociedade brasileira para impedir, através de mobilizações populares e jurídicas, que se arranhe um centímetro sequer da Amazônia, assim como para evitar a venda de terras, do sistema elétrico, a alienação do pré-sal, do espaço aéreo e marítimo, da infraestrutura aeroportuária.

É a advertência que fazemos.
Respeitem o Brasil!
Tirem suas mãos da Amazônia, de nossos minérios, da nossa energia e de nosso petróleo!
Sendo assim, os signatários desta advertência se comprometem a trabalhar pela efetivação do Referendo Revogatório de todas as arbitrariedades citadas, tão logo a legitimidade dos mandatos populares seja restabelecida no Brasil.

Brasília, agosto de 2017
Senador Roberto Requião
Deputado Patrus Ananias
Deputado Glauber Braga
Deputado Afonso Motta
Senadora Vanessa Grazziotin

A vida dos norte-coreanos que os meios de comunicação não mostram

A vida dos norte-coreanos que os meios de comunicação não mostram


Consultor Internacional visitou recentemente o país e desconstrói imagem produzida pela mídia; paz e reunificação 'foi sempre um sonho coreano', disse Rodrigo Ferreira
Muito se ouve falar e pouco se conhece sobre a Coreia do Norte. O país é constantemente apresentado pela maior parte dos meios de comunicação no Brasil enquanto uma ditadura belicista sob o comando de Kim Jong-Un, a quem costumam caçoar por conta de seus penteados e vestimentas, e supostamente responsável por manter um povo faminto e oprimido. 
No entanto, o relato realizado ao Brasil de Fato pelo consultor em Relações Internacionais, Rodrigo Ferreira, retrata uma outra realidade pouco conhecida pelos brasileiros do povo norte-coreano. Ferreira esteve no país no final de julho junto a uma delegação da Via Campesina (organização que aglutina um conjunto de movimentos populares do campo) e apresenta suas impressões sobre um país extremamente estigmatizado pelos meios de comunicação. Confira: 
Você esteve numa delegação em recente visita à República Democrática Popular da Coreia. Qual foi o objetivo de sua visita?
Fomos a convite da Embaixada da Coreia em Brasília, em articulação com o Ministério do Comércio da Coreia e com a Associação Coreana de Ciências Sociais. O objetivo era a promoção dos laços comerciais (o Brasil é o oitavo parceiro comercial da Coreia), sobretudo em tempos de ampliação das sanções impostas ao país, pelas Nações Unidas, em decorrência do programa de desenvolvimento e testes dos mísseis balísticos intercontinentais.
Em paralelo, buscamos também uma melhor compreensão da realidade coreana, independente da visão filtrada pelos grandes meios de comunicação, com o objetivo de trazer esta realidade à militância brasileira e latino-americana, por relatos como este e pelas lentes do fotógrafo Rafael Almeida, que acompanhou a viagem.
No ocidente, todos os dias saem noticias de uma provável guerra entre a Coreia e os Estados Unidos. Como vocês viram o clima no país, nas cidades, entre a população em geral? Eles querem guerrear mesmo?
A visão que se tem no ocidente, de um estado beligerante, principalmente a partir da adoção explícita da política de Songun (priorização do setor militar) é bastante parcial. Não se comenta, ao menos suficientemente, que se trata de um território estratégico cobiçado pelos Estados Unidos desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sobretudo pela sua capacidade de fechar o cerco à China, somando-se a bases já estabelecidas no Japão, Coreia do Sul, Guam, Taiwan, Singapura, para citar apenas algumas.
Não tivesse a liderança coreana tomado este rumo, é muito possível que encontrassem a mesma sorte de Hussein e Gadaffi, mencionando somente exemplos mais recentes de governos que não se submeteram à hegemonia americana. Em geral, a população vê o Songun e o programa nuclear como única forma de defesa possível, e não de ataque. Pudessem, prefeririam investir os escassos recursos do país em setores produtivos, mas não lhes é dada esta opção quando há dezenas de ogivas estacionadas ao outro lado da fronteira, pronto a serem disparadas.
Em uma conversa bastante aberta, em um momento de descontração em um jantar, nos foi dito que o povo coreano deseja a paz e a reunificação do país, tanto é que abominam a expressão "Coreia do Norte", pois se consideram uma só Coreia, e que tentou por muitas vezes construí-la, mas que a revolução surgiu exatamente em razão da liberação do país, e que todo coreano está disposto a dar a vida para não cair novamente em subjugação estrangeira, seja do Japão como no passado, ou agora dos Estados unidos.
Agência Efe

Fazendeiro passa pela fronteira entre as duas Coreias. Ao fundo, a antiga sede do Partido dos Trabalhadores Coreano

Governo chinês pede diálogo para solucionar crise na península coreana

México lamenta decisão dos EUA de encerrar programa para mais de 800 mil jovens imigrantes

Presidente russo diz que sanções contra Pyongyang não resolverão problemas na região

 
Quais foram tuas impressões sobre as condições de vida da população?
A primeira impressão que se tem ao chegar é a de que o lugar parou no tempo, em algum momento nos anos 70. Os carros são modernos (em geral modelos chineses) e há alguns prédios de arquitetura mais recente, mas a impressão do todo é de certo anacronismo estético. E este é um ponto central da contrapropaganda, sobretudo na Coreia do Sul, para associá-los a um atraso econômico.
Vencida esta impressão inicial, no entanto, é importante notar que há mais dignidade na vida da população, inclusive rural, que na maioria dos países, inclusive economias centrais, hoje em crise. As cidades são limpas e o coisa pública é muito bem cuidada; com todas as limitações de recursos, os serviços básicos são gratuitos e de acesso universal; e até mesmo o problema urbano mais comum, acesso a moradia, é inexistente. Ao casar, todos recebem do governo uma residência que pode não ser luxuosa, mas é sem dúvida digna.
É preciso que se diga, boa parte da visitação, e isso ficou bastante claro, foi a hospitais modelo, escolas modelo, orfanatos modelo, que certamente ilustram onde a Coreia gostaria de chegar, mas não é a realidade de todo o país. Em dado momento, no entanto, pedimos para parar o carro em uma pequena comunidade rural, à nossa escolha, a cerca de 200 km de Pyongyang, e não há dúvidas de que o que vimos estava bem além das condições de moradia em nosso meio rural não organizado e na quase totalidade da periferia de nossas cidades.
Pudemos constatar que não há, diferentemente do que se prega na contrapropaganda ocidental, um problema grave estrutural de fome e desabastecimento. Se houve logo após do desmembramento soviético ou em decorrência de grandes cheias no meado dos anos 90, hoje estes problemas parecem estar superados, ao menos nas regiões visitadas.
Quais são os principais problemas que eles enfrentam, e qual é a aspiração da maioria da população?
O maior problema é que a autorresiliência, em um mundo globalizado, é quase impossível. Gostariam muito de não ser ameaçados, de reunificar o país por meio de um processo de paz, mas todas as vezes em que se avançou nesse sentido o processo foi sabotado pelos Estados Unidos. Não apenas isso, as sanções impostas ao país, em resposta à única alternativa que lhes é dada de resguardo à soberania nacional, são sanções desumanas. Não levam em consideração a crise humanitária que causam. Não há distinção, por exemplo, se determinada limitação a importação de ferro se refere a ligas para a fabricação de mísseis ou do conteúdo de um medicamento ou equipamento hospitalar. Isso é cruel, pois atinge diretamente a população civil apenas.
Ainda, o país tem grandes desafios em passar sua opinião ao ocidente e contrapor acusações genéricas de violações a direitos humanos. Não importa quantos vídeos de tortura aparecerem ou quantas denuncias surgirem de prisões ilegais, inclusive de menores, praticadas no ocidente, a mídia ocidental sempre dará mais destaques a denúncias contra países como a Coreia do Norte, ainda quando desacompanhada de evidências. Vencer este tipo de ataque ideológico é um grande desafio ao país.
Aqui no ocidente sempre se coloca como folclore o comportamento do presidente da Coreia e também se diz que o povo tem verdadeira adoração pelos seus dirigentes. Como você explica ou viu esse fenômeno?
A relação entre o povo e seu representante é bem diferente da nossa, nas democracias ocidentais. A adoração à liderança não é nem uma particularidade de governos de esquerda, ou da Coreia,  como faz pensar a propaganda ocidental, nem do oriente. Ainda que  se encontra no Oriente vários outros exemplos de verdadeira adoração às autoridades imperiais, como no próprio Japão, na Tailândia, etc. No ocidente, o nazismo é outro exemplo disso. Mas o culto à imagem, sobretudo de líderes em vida, toma sem dúvida proporções ainda maiores em sociedades de base confucionista, onde há uma personificação do Estado, na figura de seu líder. A relação entre governantes e governados é uma das cinco relações principais do confucionismo. Enquanto a revolução burguesa representou também uma insurreição contra a figura do monarca absolutista no ocidente, o Juche não só é uma ideologia de autoria atribuída individualmente à liderança, como prega abertamente a confusão entre Estado, Partido e Líder.
A expressão mais clara, talvez, seja o exagerado número de estátuas, fotos e nos broches que todos carregam ao peito. Há um uma adoração à imagem que talvez não encontre paralelo em outra lugar ou tempo. Um tema interessante de debate é a contradição disso com a construção do material pelo coletivo, no marxismo.
Você acha  que a população quer a reunificação com o sul? Por quê?
A paz e a reunificação, como dito, foi sempre um sonho coreano. Em um resumo rápido sobre o processo histórico, a primeira iniciativa se deu a partir do norte, em 4 de julho e 1972, quando se assinou o programa de Paz, Independência e Reunificação. Para o norte, o término do conflito estaria condicionado a estes três fatores, o que a pressão americana sobre o governo no sul nunca permitiu que fosse possível. Veja, a questão independência propunha inclusive o respeito à diferença entre os dois regimes, em um projeto de reunificação aos moldes do modelo adotado posteriormente pela China, na reanexação de Hong Kong, de ˜um país, dois sistemas.
Em 15 de julho de 2000, houve o primeiro encontro pós-guerra dos dois chefes de Estado, na Zona Desmilitarizada em Panmunjom, inclusive com a criação de um parque industrial conjunto (hoje desativado) e, em 4 de dezembro de 2007, a primeira visita de um presidente do sul a Pyongyang. Ocorre, a cada tentativa histórica de reaproximação, há sempre uma intervenção americana massiva no processo eleitoral para impor um governo nacionalista e conservador ao sul que boicotasse o processo.
Vale lembrar, não só a presença militar americana na Coreia do Sul  com mais de 300 mil soldados, já seria motivo suficiente para a gravidade da situação geopolítica. Mas também entre no jogo a disputa com outras potências como a China e a Rússia.
Você poderia destacar algum fato pitoresco que lhe chamou atenção na sua visita, e que possa interessar a militância do Brasil e da América Latina?
Há muitos. O sistema de tomadas de decisões coletivas por voto e até a palavra voto eram desconhecidos de uma representante do governo responsável por nossos cuidados. Em outra ocasião, ao perguntá-la o que ouvia ao fone de ouvido, mencionou que era uma música relacionada ao amor materno. Ficamos admirados, depois de tantos dias de viagem, onde todas as referências artísticas eram relacionadas à doutrinação, eis que ela emenda: “…amor de mãe, ou seja, o Partido.”
Aliás, essa onipresença da propaganda e construção ideológica é algo que impressiona. É difícil criticá-los quando o mundo ocidental desenvolveu formas tão sofisticadas de dominação cultural, mas ao mesmo tempo me questiono qual seria a opinião de Paulo Freire sobre ilustrações infantis de tanques e ogivas nucleares em jardim de infância.
Um ponto importante à nossa militância, a política isolacionista fez com que a mentalidade em relação a determinados assuntos seja comparável à nossa média nos anos 50/60. Isso se percebe sobretudo na defesa de interesses de minorias, como é o caso de assuntos relacionados a questões de gênero. Ao tratar de feminismo ou homossexualismo, por exemplo, não há muita diferença entre conversar com um coreano ou um conservador brasileiro.
Se por um lado houve grandes avanços em freiar individualismos e restabelecer o coletivo perdido com a revolução burguesa, isso se deu ao preço de absolutamente se ignorar os direitos das minorias e não a partir da construção de uma "unidade na diversidade", utilizando de um termo de nosso querido Houtart. Não houve, sequer minimamente, uma preocupação em superar o caráter extremamente patriarcal da sociedade coreana.
A Coreia já participou da Copa do Mundo de futebol no Brasil e parece que estão bem na classificação do grupo da Ásia. O futebol é também muito popular por lá? Eles ficaram perguntando de nosso futebol brasileiro?
Durante a nossa estada, a Coreia acabou se classificando para a Copa Asiática Sub-23, após ganhar contra Hong Kong, Taiwan e Laos. O futebol é o segundo esporte mais admirado no país, perdendo apenas para o vôlei. Há um campeonato nacional e escolas de ensino primário e secundário que, ao mesmo tempo, são preparatórias de jogadores, e pudemos visitar uma delas. A relação entre o esporte e o espectador, no entanto, parece diferente da nossa. No campeonato Sub-23, por exemplo, toda a torcida era de jovens universitários, saídos há poucos minutos de suas classes. Nos pareceu mais uma forma de promoção da identidade nacional e do patriotismo que uma relação expontânea com a torcida. 
A admiração pelo futebol brasileiro é uma unanimidade. Há, no entanto, menos programas de intercâmbio com clubes brasileiros do que com europeus, o que eles gostariam de melhorar.

Por que o Brasil é o que é? A necessidade de se reconhecer diante do espelho

Por que o Brasil é o que é? A necessidade de se reconhecer diante do espelho

COTIDIANO
TYPOGRAPHY
Por que o Brasil é o que é? A necessidade de se reconhecer diante do espelho
Por João Vitor Santos
No IHU Online
“Se você vai para o espelho e não se vê no espelho, seu projeto de ‘eu’ não existe. Você começa esse processo se vendo no espelho”. É com essa analogia que o economista Carlos Lessa sintetiza a metodologia de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil. Para o professor, o grande destaque da obra é gestar o pensamento nacionalista. Isso porque pensa a nação desde dentro da própria nação. “O livro de Sérgio é absolutamente atual porque resgata a ideia da nação. É um motivo pelo qual ele será valorizado pela novíssima geração que está chegando e que sabe que a globalização não leva o mundo ao paraíso”, diz Lessa, ao destacar porque é importante retomar o texto hoje.
 
Na entrevista a seguir, concedida por telefone à IHU On-Line, Lessa analisa que “nos últimos 20 ou 25 anos, houve uma espécie de ‘esquecer o Brasil’ em nome de um processo de globalização”. Porém, pelos movimentos que percebe no mundo hoje, acredita que esse processo de globalização tem chegado a seu limite. A consequência é que, no caso do Brasil, houve esse apagamento “sem que antes tivesse construído com clareza a ideia do seu projeto nacional”. Entretanto, reconhece: “qualquer jovem de 20 anos, hoje, olha o espaço do mundo como um espaço que está encolhendo”. Assim, comemora o que considera a retomada de um movimento que quer recompor a sua própria percepção de nação. “A garotada que hoje tem menos de 20 anos vai pensar no Brasil como espaço de realização, ou não. Mas o simples fato de pensar vai colocar o Brasil de novo em pauta. Vamos assistir a uma reapresentação da ideia democrática em condições novas no Brasil. Sou otimista com relação ao futuro”, destaca.
Leia mais:
PUBLICIDADE
,
PUBLICIDADE
Carlos Lessa é formado em Ciências Econômicas pela antiga Universidade do Brasil e doutor em Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas - Unicamp. Foi reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e presidente do BNDES. Ele não esconde seu apreço pessoal pela obra Raízes do Brasil. Endossa a importância dessa geração de intérpretes do Brasil na qual está Sérgio Buarque de Holanda, mas também revela sua relação pessoal com o autor. “O Sérgio, por acaso, é até irmão de um tio meu, casado com uma irmã de minha mãe. Também foi muito amigo de meu pai e, inclusive, o exemplar que tenho de Raízes do Brasil tem uma dedicatória para meu pai”, recorda.
Confira a entrevista:
 
IHU On-Line - Que leitura o senhor faz de Raízes do Brasil? O que representou para aquele momento em que a obra foi publicada pela primeira vez?
 
Carlos Lessa - Essa geração de Sérgio Buarque de Holanda, de Gilberto Freyre , entre outros, foi fortemente nacionalista. Foi uma geração para a qual convergiram duas grandes fontes de informação. Uma foi o positivismo ibérico, que, na versão brasileira, vem do Rio Grande do Sul, do partido dos republicanos do Rio Grande do Sul. E antes da proclamação da República já haviam levantado uma variedade de teses relevantes do ponto de vista da afirmação nacional. Por exemplo, a importância central do processo de industrialização, evitando a exportação do que chamamos hoje de produtos sem valor agregado. É o discurso de um cavalheiro que depois se tornou muito importante, chamado Getúlio Vargas, que, em 1906, saudou Afonso Pena, então eleito presidente da República, dizendo que o Brasil não deveria exportar minério de ferro e que também deveria deixar de importar ferramentas agrícolas.
Na época, a visão que se tinha do aço era para utilização na fabricação de trilhos para estradas de ferro e ferramentas agrícolas. Então, o Brasil importava ferramentas agrícolas e trilhos. É muito interessante porque já continha a ideia de integração industrial muito amadurecida. Esse primeiro vetor é muito, mas muito importante mesmo.
A segunda fonte foi uma revalorização da nossa formação histórica, porque havia uma espécie de tristeza pelo fato de o Brasil ser de formação portuguesa. Isso porque Portugal, no século XIX, esteve estagnado e entrou no século XX muito acabrunhado, era uma zona de decadência, e o Brasil não queria de maneira nenhuma estar associado a essa trajetória. Do ponto de vista intelectual, o Brasilvalorizava enormemente sua latinidade pela França. Era uma verdadeira obsessão com a França e um tal de esconder Portugal. Aí uma geração inteira de intelectuais —Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e uma variedade grande de jovens daquela época — se põe a repensar o Brasil. Era muito essa ideia de buscar as raízes do Brasil. Havia, por parte de todos, a ideia de que as raízes brasileiras estariam na América pré-colombiana, na África e em Portugal. É assim que começa um processo de resgate do, digamos, lado positivo da presença portuguesa na formação do Brasil.
Movimento antropofágico
Raízes do Brasil é um esforço sistêmico nessa direção. É muito parecido com o esforço deGilberto Freyree de uma quantidade grande de brasileiros daquela época que vão introduzir algo que hoje é conhecido pelo nome de antropofagia , por causa de Oswald de Andrade. É uma linha que se associa muito à ideia de aprofundar a leitura da presença portuguesa no Brasil, como é que os portugueses de adaptaram ao trópico, como conseguiram criar uma civilização no trópico. Nesse sentido, Raízes do Brasil está dentro desse grande movimento.
 
Esse movimento tem uma subquestão que é muito curiosa: é pensar sempre onde está a ocupação do Brasil. Por que o Brasil é o que é? Por que o Brasil é tão grande e continental? Há, de um lado, quem defenda a ideia de que a ocupação foi feita pelo Nordeste, pelas entradas, da qual Capistrano de Abreu é o grande historiador. É um historiador sem evidências, afinal as evidências são muito pequenas, os registros são muito insuficientes, mas há toda uma enorme reflexão dele de que as entradas abriram caminho para as ocupações do que hoje nós chamamos de Brasil Central. Já Sérgio Buarque vê um movimento de ocupação do Brasil Central muito a partir das colônias portuguesas em São Paulo.
 
Assim, há no Sérgio Buarque duas dimensões muito interessantes: a primeira é o fato de ele ser membro de um rigoroso movimento de repensar o Brasil ou de pensar o Brasil como Brasil. E a outra é um forte e inequívoco sentimento de que São Paulo é o coração do processo de ocupação do Brasil.
 
IHU On-Line - Como Sérgio de Holanda pensa esse positivismo que o senhor coloca? Pode-se falar em contraposição?
 
Carlos Lessa - Não. Ele não contrapõe, e sim desdobra a ideia. A ideia é sempre um sonho de fazer um Brasil. Então, você faz o Brasil com dois movimentos: um de resgate, tipificação, definição e conceituação de sua identidade, que é onde está o papel do Raízes do Brasil, e o outro é a relação de um sonho de futuro. O sonho de futuro atravessa poderosamente a geração deSérgio Buarque, de meu pai, de Gilberto Freyre. E é a geração que repensa o Brasil. Sérgio Buarque é o que podemos denominar como cria desse sonho positivista. Nunca examinei oSérgio pelas suas raízes filosóficas e ontológicas, mas penso que é bastante provável que ele conhecesse muito as ideias positivistas, que a geração dele toda conhecia.
 
IHU On-Line - Em que medida o texto Raízes do Brasil se mantém atual, capaz de iluminar as questões de fundo presentes no Brasil de hoje?
 
Carlos Lessa - Sobre as questões de fundo, tem uma que é o resgate da identidade nacional brasileira. Na verdade, o resgate intelectual já foi feito, mas foi deixado de lado. Se prestarmos atenção, veremos que o Brasil dos últimos 20 anos mergulhou no sonho da globalização sem que antes tivesse construído com clareza a ideia do seu projeto nacional. É como se a ideia de projeto nacional tivesse sido deixada de lado.
 
Nesse sentido, o livro de Sérgio é absolutamente atual, porque resgata a ideia da nação. É um motivo pelo qual ele será valorizado pela novíssima geração que está chegando e que sabe que aglobalizaçãonão leva o mundo ao paraíso, e que, por conseguinte, não existe um espaço no mundo à disposição dela. Só que o Brasil, para essa geração, é muito pouco conhecido. Penso que clássicos do debate e da reflexão sobre o Brasil ainda vão ser muito lidos, e, entre eles, estáRaízes do Brasil.
 
IHU On-Line - Qual é o projeto de nação que Raízes do Brasil inspira?
 
Carlos Lessa - Em Raízes do Brasil não existe um projeto de nação, há uma explicitação de uma nação. Está dizendo que há uma nação em formação nos trópicos e que a presença portuguesa foi decisiva para isso. É isso que faz o livro, como todos que mergulham na formação brasileira. Mas, é importante destacar, ele é um dos pioneiros nesse mergulho.
 
IHU On-Line - E a partir dessa ideia de nação que explicita, que projeto somos inspirados a pensar?
 
Carlos Lessa - Se você vai para o espelho e não se vê no espelho, seu projeto de “eu” não existe. Você começa esse processo se vendo no espelho, e os brasileiros da nova geração vão querer ver o Brasil no espelho. Então, vão refazer o que a geração do Sérgio fez. Não é repetir a história, pois a história só se repete como farsa ou tragédia, e não é nem uma coisa, nem outra. Vão em busca das fontes de história brasileira, da reflexão sobre o Brasil.
 
Observemos como esse fenômeno aconteceu na Argentina, que havia deixado de lado todos os seus clássicos. Nos últimos anos, houve uma reedição e rediscussão de novo de todos os clássicos da Argentina. Acho que é isso que vai acontecer no Brasil. Por isso considero muito oportuna a disponibilidade do livro Raízes do Brasil.
 
IHU On-Line - Se o senhor estivesse orientando a leitura de Raízes do Brasil para alguém dessa novíssima geração, o que destacaria e pediria ao leitor que desse mais atenção?
 
Carlos Lessa - Eu diria para ficar atento à importância de Portugal na construção de uma sociedade tropical. Nós somos um imenso Portugal, quem já disse isso foi o poeta . É uma constatação extremamente importante, e Sérgio Buarque é fundamental para compreendermos isso.
 
IHU On-Line - Ao longo de sua fala, tem destacado a geração de Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, e também o que chama de novíssima geração. Mas o que houve com a geração que está nesse entremeio?
 
Carlos Lessa - Nos últimos 20 ou 25 anos, houve uma espécie de “esquecer o Brasil” em nome de umprocesso de globalização. Aliás, no mundo estão acontecendo muitas coisas que vão refazer ou retomar a ideia do que é o Brasil. Uma delas é a vitória do Trump, que vai forçar isso. Vai haver um resgate da ideia nacional, e os que pensaram essa ideia nacional vão ser de novo valorizados.
 
IHU On-Line - Holanda, em seu livro, chega a elaborar que “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, alvo de luta da burguesia contra os aristocratas”. Nesse sentido, em que medida continuamos a insistir nos erros que constituem esse mal-entendido? E como pensar – e construir - outra democracia no Brasil?
 
Carlos Lessa - Tenho a impressão de que a Lava Jato vai ajudar muito a nova geração a repensar tudo isso. Não há novidade no que a Lava Jato está fazendo; porém, a imensa novidade é o peso que ela vai ter na formação da nova geração.
 
Não tenho muito como desdobrar o futuro porque não tenho dom premonitório, mas uma coisa que posso afirmar é que qualquer jovem de 20 anos, hoje, olha o espaço do mundo como um espaço que está encolhendo. Estão até falando em construir muros. Diante disso, penso que qualquer jovem brasileiro diz: moro em um país continental e devo rigorosamente repensar o meu país no mundo, o espaço que meu país pode disputar no mundo. É o início do processo de reafirmação da ideia sobre o que é o Brasil.
 
E por quê? Porque esse jovem não tem mais o espaço do mundo à sua disposição, como teoricamente havia para a geração anterior. A geração de quem tem cerca de 35 anos é a última que vai pensar no espaço do mundo como espaço de realização pessoal. A garotada que hoje tem menos de 20 anos vai pensar no Brasil como espaço de realização, ou não. Mas o simples fato de pensar vai colocar o Brasil de novo em pauta. Vamos assistir a uma reapresentação da ideia democrática em condições novas no Brasil. Sou otimista com relação ao futuro.
 
Eu já falava isso antes, da necessidade de se pensar um projeto nacionalista. Parecia um discurso de velho antiquado. Mas, agora, com Trump e Brexit, não é mais antiquado. É extremamente atual.
 
IHU On-Line - E por quê?
 
Carlos Lessa - Das duas uma: ou eu repenso o Brasil, ou não tem lugar para mim. Eu precisorepensar o Brasil e como situo o país nesse processo. Por exemplo: fazendo protecionismo, o Brasil vai fazer o quê? Tem que fazer protecionismo, não tem outra coisa. Mas protecionismo não se faz gratuitamente, se faz para algum objetivo. Como vamos ligar o desenvolvimento econômico ao desenvolvimento político? Isso que, de certa maneira, a Lava Jato vai forçar à reflexão. Nós vamos ter um imenso período de redescoberta do Brasil, mais uma vez.
 
IHU On-Line - Um dos célebres conceitos de Holanda em Raízes do Brasil é o homem cordial. O conceito faz pensar na forma de fazer política no país, que pessoaliza muito mais do que institucionaliza, enfraquece o Estado e estabelece relações que visam a interesses pessoais ou de determinados grupos. Como esse homem cordial vive hoje e como enfraquece as instituições democráticas?
 
Carlos Lessa - Não sei se o homem cordial enfraquece as instituições democráticas. Penso que coloca, na futura democracia brasileira, uma visão inovadora. Nós não somos arrogantes, prepotentes, pró-imperialistas, não ameaçamos nossos vizinhos, somos muito grandes, imensos em relação aos países vizinhos, porém os vemos como países irmãos. A cordialidade brasileiraatravessa toda a política externa brasileira.
 
Creio que nossa população, ao resgatar a ideia dessa coisa singela da cordialidade, vai jogar na lata do lixo certas teses que prosperaram no Brasil, como a de que o Brasil é um país depreconceito. Não é. Tem preconceito no Brasil, mas é o país menos preconceituoso do planeta. Tem arrogância? Tem, mas é o menos arrogante dos países do mundo. O homem cordial era a maneira pela qual víamos o mundo e temos uma dimensão que é nossa, a cordialidade.
 
E continua tendo essa percepção. Eu leio muito o que os turistas escrevem sobre o Brasil, principalmente sobre o Rio de Janeiro. É um denominador comum a cordialidade sempre sublinhada por eles. Eu viajei pelo mundo e sei que a cordialidade brasileira é real.
 
IHU On-Line - É possível converter essa cordialidade numa forma de enfrentar esse estado de crises?
 
Carlos Lessa - A crise não depende da cordialidade ou da não cordialidade. A cordialidade é um ingrediente que vai tornar a nossa crise mais suportável. A crise está aí e vai prosperar, é produto de um cenário mundial, de erros de gestão estratégica que o Brasil teve. Mas quero crer que teremos menos violência do que outras sociedades tiveram no enfrentamento dessa crise.
 
Estive na Grécia recentemente e vi como estava o país. Eram grupos fardados, armados, agindo como se só com violência se resolvesse a questão. No Brasil, não vi ninguém dizer isso. Nem é nosso jeito de ser e dizer isso. Agora, o que precisa pensar é como, a partir dessa matriz histórica cordial, podemos construir o Brasil de amanhã. É isso que a nova geração vai pensar.
 
IHU On-Line - Em tempos de operações Lava Jato e Zelotes, a ideia de homem cordial pode explicar um pouco a relação entre o poder político, dos políticos, e o poder econômico, do empresariado, no Brasil?
 
Carlos Lessa - Não acho que a cordialidade tenha uma perspectiva personalista. Vejo muito mais na perspectiva de encontro de esquina. É o papo que a gente trava debaixo da banca de jornais, na presteza que se dá informações quando uma pessoa solicita. A cordialidade diz respeito a uma disponibilidade de estar com o outro, que é uma coisa muito boa e positiva.
 
A cordialidade não tem nada que ver com os hábitos políticos brasileiros, são hábitos que se desenvolvem no ambiente onde a cordialidade existe, mas não são resultado da cordialidade. São resultado de uma cultura de expropriação da terra, resultado de um processo de concentração de renda, resultado de processo político que até hoje não enfrentou as questões fundamentais.
 
IHU On-Line - A análise da formação cultural do Brasil é um dos alicerces de Raízes do Brasil. Como o campo da cultura pode contribuir enquanto linha de fuga para constituir uma ideia de Brasil?
 
Carlos Lessa - Não é linha de fuga, não. Pelo contrário, é um dos espaços extremamente importantes. Por exemplo: será que Sérgio Buarque ainda é ensinado nas universidades? Acho que não. O simples fato de a obra dele estar disponível e ser relida e rediscutida já é uma enorme contribuição.
 
E acho que a Lava Jato vai pilhar a nova geração a se perguntar que país é esse. Surgirão algumas interpretações de que o Brasil é muito ruim, mas aí, rapidamente, quem viaja para o exterior verá que o Brasil não é tão ruim assim. É diferente. Descobre que o Brasil é cordial, sim, o povo mais cordial do planeta.