sexta-feira, 28 de junho de 2013

Artigo de Saul Leblon em Carta Maior

27/06/2013

A esquerda não pode piscar



O Brasil ingressa num ciclo de turbulência do qual a democracia participativa poderá emergir como parteira de uma sociedade mais equilibrada e justa.

Mas a esquerda não pode piscar.

A disputa fratricida, hoje, é o coveiro das esperanças nacionais.

Nos anos 50, um pedaço das forças progressistas só foi perceber o seu lado no jogo quando o povo já incendiava os carros do jornal 'O Globo', em resposta ao tiro com o qual Getúlio encerrou a sua resistência e convocou a das massas.

Ontem, como agora, o enclausuramento ideológico, o acanhamento organizativo e a dispersão programática pavimentam o caminho da ameaça regressiva.

É a hora da verdade de toda uma geração.

Cabe-lhe sustentar um novo desenho progressista para o desenvolvimento do país.

Um notável volume de investimentos é requerido para adequar a logística social e a infraestrutura às dimensões de uma nação que incorporou milhões de pobres ao mercado de consumo nos últimos anos.

Agora lhes deve a cidadania.

O novo giro da engrenagem terá que ocorrer num momento paradoxal.

A recuperação norte-americana encoraja as apostas no fim da crise, mas complica a mecânica do crescimento na periferia do mundo, encarecendo o custo do capital.

Asfixiada antes pela valorização do Real, a indústria brasileira agora é o canal de transmissão da alta do dólar nos índices de preços, por conta das importações.

Dotado de uma base fabril atrofiada pelo irrealismo cambial, o país importa quase 25% das manufaturas que consome.

A sangria transfere empregos ao exterior; desperdiça receitas que faltam ao gasto público e fragilizar as contas externas.

O déficit comercial da indústria este ano alcançará o equivalente a 20% das reservas cambiais.

É só um vagalhão da tempestade perfeita que cobra respostas em várias frentes: prover a infraestrutura, combater a inflação, resgatar a industrialização, dar progressividade ao sistema tributário, ajustar o câmbio, modular o consumo.

Tudo junto e com a mesma prioridade.

A urgência das ruas sacudiu essa equação que há menos de um mês tornava a economia cada vez mais permeável a uma transição preconizada pelo conservadorismo.

Com um título sugestivo, ‘Um Plano para Dilma’, coube ao editorial da Folha de 02/06, como já comentou Carta Maior, enunciá-la em detalhes.

O ‘plano’ consistia em impor ao país o projeto derrotado em 2002, 2006 e 2010.

A saber: arrocho fiscal e monetário; entrega do pré-sal às petroleiras internacionais; redução dos gastos sociais e dos ganhos reais de salários; renúncia ao Mercosul e adesão aos tratados de livre comércio.

Essa plataforma envelheceu miseravelmente nas últimas horas.

Mas não foi arquivada.

O interesse conservador que antes pretendia usar o governo para escalpelar as ruas, subtraindo-lhe conquistas e recursos na ordenação de um novo ciclo, agora quer usar as ruas para desidratar o governo.

A bipolaridade reflete a ansiedade típica de quem sabe que joga a carta do tudo ou nada.

Não por acaso, o jornalismo a serviço do dinheiro já constata receoso: ‘o que a rua pede colide com o que o mercado pretende'.(Valor Econômico)

Curto e grosso: o espaço para um ajuste convencional se estreita a cada minuto.

Quem dará coerência ao desenvolvimento brasileiro a partir de agora? -- perguntava Carta Maior há menos de um mês.

Antes turva, a resposta desta vez emerge mais limpa.

A nova coerência macroeconômica terá que ser buscada na correlação de forças redesenhada pelas grandes multidões que invadiram as ruas nas últimas semanas.

Emparedado pela lógica conservadora o governo Dilma passou a ter escolhas (leia a advertência de Paulo Kliass, na coluna nesta pág).

E o PT a chance de se reinventar, explicitando uma agenda clara para o passo seguinte da história.

Sua e a do país.

O bônus não autoriza o conjunto das forças progressistas a adotar a agenda da fragmentação suicida.

O focalismo cego às interações estruturais é confortável.

O descompromisso com partidos e organização dá leveza e audiência na mídia conservadora.

Mas levam ao impasse autodestrutivo e à inconsequência histórica (leia a entrevista do pesquisador Paolo Gerbaldo, do Kings College, de Londres, a Marcelo Justo; nesta pág).

Não se faz política sem poder; não se conquista poder sem disputar o Estado.

A responsabilidade de interferir num processo histórico pressupõe a adoção de balizas e estruturas que impeçam o retrocesso e assegurem coerência às mudanças.

Sem alianças aglutinadoras, nada feito.

O jogo é pesado.

Limites estritos à ação convergente do Estado (mínimo) foram erguidos em todo o mundo nos últimos 30 anos.

A liberdade dos capitais manteve nações, projetos, partidos e governos sob chantagem impiedosa.

Domínios insulares foram instalados no interior do aparato público.

O conjunto elevou a tensão política que explode periodicamente, como agora --como em 2002, em 2006 e em 2010-- quando os mercados blindados se preparam para enfrentar a democracia insatisfeita nas urnas.

Teoricamente, essa é a hora em que o bancário e o banqueiro tem o mesmo peso no escrutínio do futuro.

Na prática, porém, é a locomotiva dos grandes levantes populares que delimita a fronteira da democracia social em cada época.

A alavanca brasileira, no caso, foram os levantes operários do ABC paulista dos anos 70/80 e a luta cívica contra a ditadura militar.

Daí nasceria o PT.

E o subsequente ciclo de governos do partido, caracterizado pela negociação permanente do divisor entre os dois domínios, o do dinheiro e o dos interesses gerais da sociedade.

Negociou-se ‘sem romper contratos’ durante os últimos 11 anos.

Com acertos, equívocos e hesitações fartamente listados.

Ainda assim, o saldo configura ‘um custo Brasil’ intolerável aos interesses acantonados no polo oposto do braço de ferro.

Avançar à bordo da composição de forças que delimitou a ação progressista até aqui tornou-se cada dia mais penoso.

Faltava a locomotiva da história apitar outra vez para esticar os limites do possível na discussão do novo ciclo de crescimento que o país requer.

Foi o que fizeram as ruas.

A presidenta Dilma viu o bonde passar e não hesitou: ao redesenhar os perímetros da democracia com a reforma plebiscitária, deixou implícito --queira ou não-- que a soberania popular é também o único impulso capaz de harmonizar as balizas do novo ciclo de desenvolvimento.

Vive-se um meio fio.

De um lado, há a chance de uma ruptura efetiva do desenvolvimento brasileiro com a camisa de força do neoliberalismo.

De outro, a espiral descendente dos impasses pode jogar o país no abismo de uma recaída ortodoxa devastadora.

Não é pouco o que se tem sobre a mesa.

As lideranças progressistas terão discernimento e prontidão política para negociar uma agenda de bandeiras, fóruns e ações comuns?

O tempo urge.

A ver.

Artigo de Alípio Freire para Brasil de Fato

Fortalecer Dilma e aprofundar a democracia


A grande mídia comercial não apenas apoia os manifestantes; oferece préstimos, em termos de pautar suas reivindicações 
26/06/2013

Alipio Freire*

Há uma nítida tentativa da direita e ultradireita brasileiras de desestabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff, coro coadjuvado e alimentado pela grande mídia internacional (especialmente dos EUA e Inglaterra) com o slogan “CHANGE BRAZIL” (Muda Brasil); animado por estrelas da envergadura de Lady Gaga e outras peruas e chesters da mesma granja; e com a adesão de figuras do naipe de Mark Zuckerberg – o homem do “fez-se-buque”. Felizmente a resistência contra a ditadura do pós-64 foi cantada por Carlinhos Lyra, Vinicius de Moraes, Chico Buarque, Gonzaguinha, João Bosco, Aldir Blanc, Fausto Nilo, Belchior, Fagner, Milton Nascimento, Capinam, Tom Zé, Torquato, Gil, Caetano – e interpretadas por, além dos próprios autores, ninguém menos que Nara Leão, Elis Regina, Odete Lara, Beth Carvalho, Zezé Mota, Elba Ramalho, MPB-4, Quarteto em Cy, Gal, Bethânia e tantas outras figuras, igualmente protagonistas daquela saga.
E não se trata de brincadeira ou retórica: os movimentos podem sempre ser medidos pela qualidade das representações que produzem. O golpe e a ditadura de 1964, por exemplo, tiveram – como epígono da arte (representação/comunicação) e da estética que produziram – Don e Ravel...
Mas vamos aos fatos.
Há mais de década, o Movimento Passe Livre (MPL), tem se manifestado regularmente em várias cidades do Brasil, quando do aumento das passagens dos transportes. Neste ano, em São Paulo, o movimento voltou às ruas e, antes de qualquer tentativa de diálogo ou negociação por parte das autoridades locais (governador e prefeito), que viajaram para Paris, despejou-se violenta repressão contra os manifestantes, protagonizada pela Polícia Militar paulista, imediatamente apoiada e aplaudida desde a França pelos senhores Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT) – para não falarmos da grande mídia comercial de Pindorama, useira e vezeira em glorificar todas as medidas e violências contra a classe trabalhadora e o povo. Coroando o desastre, o ministro da Justiça – senhor José Eduardo Cardozo (PT), disponibilizou “forças nacionais” para reforçar a razia iniciada pela PM.

Sinal verde para uma repressão sem limites
Com relação ao governador Alckmin, nenhuma novidade: é este o tratamento cotidiano que a sua PM dispensa impunemente aos habitantes dos bairros populares de São Paulo. O ministro Cardozo e o prefeito Haddad, porém, deram um passo a mais com relação à postura que têm assumido: passaram do estágio do habitual e eloquente silêncio pusilânime, para um apoio explícito e desavergonhado à ação da PM.
Assim, o sinal verde estava dado pelas principais autoridades responsáveis pela contenção (e mesmo punição) dos agentes do Estado que violam os direitos constitucionais de liberdade de opinião e manifestação pacífica dos cidadãos deste país.
Autorizada e estimulada a reprimir com violência os protestos, a PM prepara com requintes nova performance: na manifestação (sempre pacífica) do MPL, dias depois, na avenida Paulista, em formação de parede, a polícia parte para cima dos manifestantes. A formação em parede – diferentemente da formação em cunha, que visa à dispersão – é utilizada para o confronto. E foi em parede que marcharam para o confronto contra os cidadãos que se manifestavam. Ou seja, o objetivo claro era o de terra arrasada. Mais ainda: ao mesmo tempo em que avançavam, os policiais quebravam e incendiavam suas viaturas e outros próprios públicos e particulares, secundados por personagens à paisana, “skinheads” e outras formações da direita e dos fascistas – integralistas ou não. Preparavam assim, certamente orquestrados, o álibi para o terror que semeavam na avenida. Algo como o argumento de “reação armada” que costumam sempre alegar para suas vítimas nas periferias, mortas com um tiro na nuca.
 
O milagre da multiplicação de manifestantes
E foi desse modo que prosseguiam os confrontos, até que um dia, em menos de 12 horas – “de repente, não mais que de repente” –, como se numa Epifania, como se resultado de uma Revelação, a grande mídia comercial uníssona, passa a defender os manifestantes e atacar seus agressores. Também o governador Alckmin muda de posição frente à ação policial, e o prefeito Fernando Haddad silencia. Ao mesmo tempo – e é aqui que entram a Gaga e suas gaguetes – a mídia dos EUA lança seu lema “MUDA BRASIL”, o que transborda para outros países.
Mas, “muda” para onde?

A grande mídia comercial não apenas apoia os manifestantes. Oferece seus préstimos, em termos de pautar suas reivindicações. Sempre na vanguarda da canalhice, a revista “Veja” (edição de 19 de junho) estampa na capa: “A REVOLTA DOS JOVENS – Depois do preço das passagens, a vez da corrupção e da criminalidade?” Jornais, rádios, TVs, Datenas e outros passam a convocar e/ou estimular os cidadãos a participarem das manifestações. O jornal “O Estado de S. Paulo” insta todos a cederem seus wi-fi a serviço da causa. Centenas de milhares lotam as ruas e avenidas de São Paulo. Mas as organizações populares e/ou de esquerda perdem o rumo e o controle dos protestos que reúne caoticamente todas as insatisfações difusas da cidade, com palavras de ordem plantadas pela grande mídia, entre as quais, a questão da corrupção começa a se destacar. Não faltou sequer a invocação da nossa Vestal de Ébano: “Corruptos fora. Joaquim Barbosa agora”. Até faixas pedindo a volta da ditadura estiveram presentes.
Nesse interim, o prefeito FH reúne o Conselho da Cidade. Vários conselheiros (e pelo menos uma das conselheiras) educadamente tentam convencê-lo a revogar o aumento. Mas o prefeito FH permanece irredutível. Não negocia. Somente passados alguns dias depois de uma reunião com a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (seu Criador), o prefeito aceita voltar atrás com relação ao aumento. A essa altura, porém, o MPL e as forças populares e de esquerda, já haviam perdido a batalha do controle das ruas de São Paulo.

A lamentável performance do prefeito FH
O prefeito FH decide então anunciar a queda dos 20 centavos, lado a lado com o governador Geraldo Alckmin. O governador fala primeiro, e anuncia que decidiu revogar o aumento das passagens dos trens e metrô. O prefeito FH fala em seguida, anuncia que também os ônibus voltarão à tarifa anterior, mas se recusa a utilizar qualquer expressão que possa significar “revogar”, “recuar” ou “voltar atrás”. A cena torna-se patética: uma arrogância descabida, uma empáfia grotesca que desconhece que sua candidatura é filha de uma decisão apenas da cúpula partidária, sem qualquer discussão nas (já esfrangalhadas) instâncias ou mecanismos democráticos do seu partido, e que grande parte da sua votação se deve ao prestígio do seu Criador e outra (talvez até maior), aos eleitores que, conscientes, escolhem o candidato “menos pior” ou, no caso da última eleição paulistana, eleitores que não votaram nele, mas contra o senhor José Serra.
A postura do prefeito paulistano, estimulando inicialmente a repressão e adiando o quanto pode sua decisão de atender aos reclamos do MPL – esquecendo (se é que conhece) o projeto Tarifa Zero, brilhantemente elaborado pelo secretário de Transportes Lúcio Gregori (gestão da prefeita Luiza Erundina), gerou o tempo necessário à organização da direita, sua intervenção orquestrada junto às manifestações populares, fazendo com que estas inchassem, criando sérios problemas para a presidenta Dilma e a falsa conclusão junto a setores da esquerda e dos movimentos populares, de um “ascenso do movimento de massas”, que os pode levar a desastrosas estratégias e táticas.
O que percebemos é um ascenso da direita e da ultradireita fascista, e é indispensável que nos preparemos desde já para reverter esse perigoso quadro que poderá sempre extrapolar os limites da disputa eleitoral do próximo ano, e até implicar rupturas institucionais “legais”, do tipo que vimos acontecer em Honduras e, ainda mais recentemente, no Paraguai.
O silêncio oficial dos partidos políticos chega a ser constrangedor – especialmente o do PT, e a omissão dos poderes da República nas três esferas (exceto o Executivo Federal representado pela presidenta Dilma) tangencia o criminoso.
 
O desconserto das quatro estações
Em plena véspera do Inverno no Hemisfério Sul, sentimos no ar o perfume da Primavera Árabe, aparentemente induzido por nomes tipo Kassab, Alckmin e Haddad. Mas – se nos detivermos um pouco, rapidamente perceberemos que não parte daí o odor que paira no ar. Até o começo da queda dos governos árabes, os EUA haviam semeado (e toda a mídia capitalista internacional amplificou) que, depois da “Queda do Muro”, a única ditadura que sobrara no Ocidente era Cuba. E de repente, “como por encanto”, descobriram quase uma dezena de déspotas nos países árabes. Impressionante como esses dissimulados ditadores conseguiram passar despercebidos dos serviços de inteligência dos EUA e das civilizadas potências europeias. Sim, personagens sinistras, figuras realmente perigosas!
A sorte da humanidade é que o princípio do direito dos povos à sua autodeterminação, conforme esteve inscrito pelo menos inicialmente na Carta da ONU, parece ter sido banido ou caído em desuso, e a Casa Branca, vigilante, tem tomado sempre as medidas necessárias à garantia da democracia em todo o mundo. Parece-nos que, exceto a democrática Arábia Saudita, ali nada sobrava. Foram então tomadas as providências primaveris. Certamente, por mera coincidência, os tais ditadores primaverizados assentavam-se sobre milhões de barris de petróleo e/ou passagens de gasodutos e oleodutos.
Com os sucessivos acontecimentos envolvendo a Venezuela, o Paraguai, a Argentina e agora este “Change Brazil”, a esperança é que não venhamos a ter um novo Frio Inverno no Cone Sul.

*Alipio Freire é jornalista, escritor. É fundador do Partido dos Trabalhadores do qual é filiado e membro do conselho editorial do Brasil de Fato

Artigo de Leonardo Boff para Brasil de Fato

O caráter das novas manifestações


Nutro a convicção de que a partir de agora se poderá refundar o Brasil a partir de onde sempre deveria ter começado, a partir do povo mesmo que já encostou nos limites do Brasil feito para as elites
 
26/06/2013
Leonardo Boff
 
Estou fora do país, na Europa a trabalho e constato o grande interesse que todas as mídias aqui conferem às manifestações no Brasil. Há bons especialistas na Alemanha e França que emitem juízos pertinentes. Todos concordam nisso, no caráter social das manifestações, longe dos interesses da política convencional. É o triunfo dos novos meios e congregação que são as mídias sociais.

O grupo da libertação e a Igreja da libertação sempre avivaram a memória antiga do ideal da democracia, presente, nas primeiras comunidades cristãs até o século segundo pelo menos. Repetia-se o refrão clássico: "o que interessa a todos, deve poder ser discutido e decidido por todos". E isso funcionava até para a eleição dos bispos e do Papa. Depois se perdeu esse ideal nas nunca foi totalmente esquecido. O ideal democrático de ir além da democracia delegatícia ou representativa e chegar à democracia participativa, de baixo para cima, envolvendo o maior número possível de pessoas, sempre esteve presente no ideário dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos Sem Terra e de outros. Mas nos faltavam os instrumentos para implementar efetivamente essa democracia universal, popular e participativa.

Eis que esse instrumento nos foi dado pelas várias mídias sociais. Elas são sociais, abertas a todos. Todos agora têm um meio de manifestar sua opinião, agregar pessoas que assumem a mesma causa e promover o poder das ruas e das praças. O sistema dominante ocupou todos os espaços. Só ficaram as ruas e as praças que por sua natureza são de todos e do povo. Agora surgiram a rua e a praça virtuais, criadas pelas mídias sociais.

O velho sonho democrático segundo o qual o que interessa a todos, todos tem direito de opinar e contribuir para alcançar um objetivo comum, pode em fim ganhar forma. Tais redes sociais podem desbancar ditaduras como no Norte da África, enfrentar regimes repressivos como na Turquia e agora mostram no Brasil que são os veículos adequados de revindicações sociais,sempre feitas e quase sempre postergadas ou negadas: transporte de qualidade (os vagões da Central do Brasil tem quarenta anos), saúde, educação, segurança, saneamento básico. São causas que tem a ver com a vida comezinha, cotidiana e comum à maioria dos mortais. Portando, coisas da Política em maiúsculo.

Nutro a convicção de que a partir de agora se poderá refundar o Brasil a partir de onde sempre deveria ter começado, a partir do povo mesmo que já encostou nos limites do Brasil feito para as elites. Estas costumavam fazer políticas pobres para os pobres e ricas para os ricos. Essa lógica deve mudar daqui para frente. Ai dos políticos que não mantiverem uma relação orgânica com o povo. Estes merecem ser varridos da praça e das ruas. Escreveu-me um amigo que elaborou uma das interpretações do Brasil mais originais e consistentes, o Brasil como grande euforia e empresa do Capital Mundial, Luiz Gonzaga de Souza Lima. Permito-me citá-lo: "Acho que o povo esbarrou nos limites da formação social empresarial, nos limites da organização social para os negócios. Esbarrou nos limites da Empresa Brasil. E os ultrapassou. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil, quer uma sociedade de humanos, coisa diversa da sociedade dos negócios. É a Refundação em movimento".

Creio que este autor captou o sentido profundo e para muitos ainda escondido das atuais manifestações multitudinárias que estão ocorrendo no Brasil. Anuncia-se um parto novo. Devemos fazer tudo para que não seja abortado por aqueles daqui e de lá de fora que querem recolonizar o Brasil e condená-lo a ser apenas um fornecedor de commodities para os países centrais que alimentam ainda uma visão colonial do mundo, cegos para os processos que nos conduzirão fatalmente à uma nova consciência planetária e a exigência de uma governança global. Problemas globais exigem soluções globais. Soluções globais pressupõem estruturas globais de implementação e orientação. O Brasil pode ser um dos primeiros nos quais esse inédito viável pode começar a sua marcha de realização. Daí ser importante não permitirmos que o movimento seja desvirtuado. Música nova exige um ouvido novo. Todos são convocados a pensar este novo, dar-lhe sustentabilidade e fazê-lo frutificar num Brasil mais integrado, mais saudável, mais educado e melhor servido em suas necessidades básicas.

Artigo de Venício Lima para Carta Maior

Colunistas| 25/06/2013 | Copyleft
DEBATE ABERTO

Mídia e crise de representação, tudo a ver

Não é a primeira vez em nossa história política recente que a grande (velha) mídia se autoatribui o papel de formadora e de expressão da vontade das ruas – vale dizer, da “opinião pública”. Embora consiga disfarçar com competência suas intenções, tudo indica que, ao proceder assim, a velha mídia na verdade agrava – e não atenua – a crise de representação política.

(*) Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Muito se tem escrito sobre a importância das novas TICs (tecnologias de informação e comunicação) para as manifestações de junho, ao mesmo tempo aparentemente anárquicas e organizadas. Procuro, ao contrário, identificar questões específicas relativas ao papel da grande (velha) mídia em todo esse complexo processo.

Redes sociais vs. grande (velha) mídia
Em texto anterior (ver “As manifestações de junho e a mídia”) chamei atenção para um paradoxo que se observa nas manifestações que pipocam por todo o país.

Apesar de “conectados” pelas redes sociais na internet e, portanto, de não se informarem, não se divertirem e não se expressarem (prioritariamente) através da grande (velha) mídia, os milhares de jovens que detonaram os protestos dela dependem para alcançar a visibilidade pública, isto é, para serem incluídos no espaço formador da opinião pública.

É a grande (velha) mídia, sobretudo a televisão, que (ainda) controla e detém o monopólio de “tornar as coisas púbicas” – e assim, além de dar visibilidade, ela é indispensável para “realimentar” o processo e permitir a continuidade das manifestações.

Vale dizer, as TICs (sobretudo as redes sociais virtuais acessadas via telefonia móvel) não garantem a inclusão dos jovens – e de vários outros segmentos da população brasileira – no debate público cujo monopólio é exercido pela grande (velha mídia). A voz deles não é ouvida publicamente.

Crise de representação
Emerge, então, um indicador novo da crise de representação política que, como se sabe, não é exclusiva da democracia brasileira, mas um sinal de esgotamento de instituições tradicionais das democracias representativas no mundo contemporâneo.

A ausência de sintonia crescente ou o descolamento da grande (velha) mídia da imensa maioria da população brasileira vem sendo diagnosticada faz tempo. Além disso – ao contrário do que ocorre em outras democracias –, no Brasil a grande (velha) mídia praticamente não oferece espaço para o debate de questões de interesse público. Aliás, salvo raríssimas exceções na mídia impressa, não oferece nem mesmo um serviço de ouvidoria (ombudsman) que acolha a voz daqueles que se considerem não representados.

Dessa forma, a ampla diversidade de opiniões existente na sociedade não encontra canais de expressão pública e não tem como se fazer representar no debate público formador da opinião pública.

Não estariam criadas condições para alimentar a violenta hostilidade revelada nas manifestações contra jornalistas, equipes de reportagem e veículos identificados com emissoras de TV da grande (velha) mídia?

Peculiaridades brasileiras
Em entrevista recente, o professor Wanderley Guilherme dos Santos chamava atenção para o fato de que “as classes C e D têm uma representação majoritária na sociedade em diversos sindicatos, entidades etc., mas são minoritárias na representação parlamentar de seus interesses. Ou seja, (...) elas tem menos capacidade de articulação no âmbito das instituições [políticas] do que as classes A e B” (cf. Insight Inteligência, fev-mar 2013).

Esse déficit na representação política do Parlamento, acrescido da exclusão histórica de vozes no debate público e a consequente corrupção da opinião pública talvez nos ajude a compreender, pelo menos em parte, a explosão das ruas nas últimas semanas.

Mudança radical
O que se observa, no entanto, na cobertura que a grande (velha) mídia tem oferecido das manifestações é uma mudança radical. O que começou com veemente condenação se transformou, da noite para o dia, não só em tentativa de cooptação, mas de instigar e pautar as manifestações, introduzindo bandeiras aparentemente alheias à motivação original dos manifestantes.

Aparentemente a grande (velha) mídia identificou nas manifestações – iniciadas com um objetivo específico, a redução das tarifas de ônibus na cidade de São Paulo – a oportunidade de disfarçar o seu papel histórico de bloqueadora do acesso público às vozes – não só de jovens, mas da imensa maioria da população brasileira. Mais do que isso, identificou também uma oportunidade de “descontruir” as inegáveis conquistas sociais dos últimos dez anos em relação ao combate à desigualdade, à miséria e à pobreza.

Não é a primeira vez em nossa história política recente que a grande (velha) mídia se autoatribui o papel de formadora e, simultaneamente, de expressão da vontade das ruas – vale dizer, da “opinião pública”.

Embora consiga disfarçar com competência suas intenções, tudo indica que, ao proceder assim, a grande (velha) mídia na verdade agrava – e não atenua – a crise de representação política.

Se não existem as condições para a formação de uma opinião pública democrática – de vez que a maioria da população permanece excluída e não representada no debate publico – não pode haver legitimidade nos canais institucionalizados (partidos políticos) através dos quais se escolhe os representantes da população.

Ademais, tudo isso ocorre no contexto histórico de uma cobertura política sistematicamente adversa que tem, ao longo dos anos, ajudado a construir uma cultura política que desqualifica tanto a política como os políticos (ver “As manifestações de junho e a mídia”).

O que fazer?
Na semana em que o ministro das Comunicações do governo Dilma Rousseff concede duvidosa entrevista e é celebrado pela revista Veja, símbolo de resistência a qualquer inciativa de regulamentação das comunicações no país, talvez uma das consequências da atual crise seja a adesão dos manifestantes à coleta de assinaturas para “uma lei para expressar a liberdade” promovida pelo FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (ver aqui).

É inadiável que uma reforma política inclua a regulação das comunicações e exista condições para formação de uma opinião pública onde mais vozes sejam ouvidas e participem do debate público – vale dizer, para que mais brasileiros sejam democraticamente representados.

A ver.

Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.

Artigo de Venício Lima para Carta Maior

As manifestações de junho e a mídia


Do ponto de vista da grande mídia, é indispensável que se reflita sobre o tipo de cobertura política que vem sendo oferecida ao país
25/06/2013
 
Venício A. de Lima
 
Apesar da proximidade cronológica, parece razoável observar que o estopim para as manifestações populares que estão ocorrendo no país foi o aumento das tarifas do transporte coletivo e a repressão violenta da polícia (vitimando, inclusive, jornalistas no exercício de sua atividade profissional) – não só à primeira passeata realizada em São Paulo, mas também à manifestação realizada antes da abertura da Copa das Confederações, em Brasília. A partir daí, um conjunto de insatisfações que vinha sendo represado explodiu.
A primeira reação da grande mídia, bem como das autoridades públicas, foi de condenação pura e simples das manifestações que, segundo eles, deveriam ser reprimidas com ainda maior rigor. No entanto, à medida que o fenômeno se alastrou, autoridades e mídia alteraram a avaliação inicial.
A grande mídia, então, passa a cobrir os acontecimentos como se fosse apenas uma observadora neutra, que nada tem a ver com os fatos que desencadearam – para o bem ou para o mal – todo o processo.
 
Centralidade da mídia
Nas sociedades contemporâneas, apesar da velocidade das mudanças tecnológicas, sobretudo no campo das comunicações, a centralidade da mídia é tamanha que nada ocorre sem seu envolvimento direto e/ou indireto. Qual teria sido esse envolvimento no desencadeamento das atuais manifestações?
Um primeiro aspecto chama a atenção. Pelo que se sabe as manifestações têm sido convocadas por meio de redes sociais. Isto é, através de um sistema de comunicação independente do controle da grande mídia.
Na verdade, a se confirmar que a maioria dos participantes é de jovens (em Brasília, um dos “convocadores” da “Marcha do Vinagre” tem apenas 17 anos), trata-se de um segmento da população que se informa prioritariamente pelas redes sociais na internet e não pela grande mídia – jornais, revistas, radio, televisão.
Apesar disso, um aspecto aparentemente contraditório, mas fundamental – revelado inclusive em cartazes dispersos nas manifestações – é que os manifestantes se consideram “sem voz pública”, isto é, sem espaço para expressar e ter a voz ouvida.
Desnecessário lembrar que a grande mídia ainda exerce, na prática, o controle do acesso ao debate público, vale dizer, das vozes que se expressam e são ouvidas.
Além disso, a cultura política que vem sendo construída e consolidada no Brasil, pelo menos desde que a televisão se transformou em “mídia de massa” hegemônica, tem sido de desqualificação permanente da política e dos políticos. E é no contexto dessa cultura política que as novas gerações estão sendo formadas – mesmo não se utilizando diretamente da velha mídia.
Emerge, então, uma questão delicada.
 
A mídia e o system blame
Independentemente das inúmeras e verdadeiras razões que justificam a expressão democrática de uma insatisfação generalizada por parte de parcela importante da população brasileira, não se pode ignorar o papel da grande mídia na construção dessa cultura política que desqualifica sistematicamente a política e os políticos. E mais importante: não se pode ignorar os riscos potenciais para o regime democrático da prevalência dessa cultura política.
Recorri inúmeras vezes, ao longo dos anos, a uma arguta observação da professora Maria do Carmo Campello de Souza (já falecida) ao tempo da transição para a democracia, ainda no final da década de 1980.
Em capítulo com o título "A Nova República brasileira: sob a espada de Dâmocles", publicado em livro organizado por Alfred Stepan Democratizando o Brasil (Paz e Terra, 1988), ela discute, dentre outras, a questão da credibilidade da democracia. Nas rupturas democráticas, afirma ela, as crises econômicas têm menor peso causal do que a presença ou ausência do system blame (literalmente, "culpar o sistema"), isto é, a avaliação negativa do sistema democrático responsabilizando-o pela situação.
Citando especificamente os exemplos da Alemanha e da Áustria na década de 1930, lembra Campello de Souza que "o processo de avaliação negativa do sistema democrático estava tão disseminado que, quando alguns setores vieram em defesa do regime democrático, eles já se encontravam reduzidos a uma minoria para serem capazes de impedir a ruptura".
A análise da situação brasileira, há mais de duas décadas, parece mais atual do que nunca. A contribuição insidiosa da mídia para o incremento do system blame é apontada como um dos obstáculos à consolidação democrática. Vale a pena a longa citação:
A intervenção da imprensa, rádio e televisão no processo político brasileiro requer um estudo linguístico sistemático sobre o "discurso adversário" em relação à democracia, expresso pelos meios de comunicação. Parece-nos possível dizer (...) que os meios de comunicação tem tido uma participação extremamente acentuada na extensão do processo de system blame (...). Deve-se assinalar o papel exercido pelos meios de comunicação na formação da imagem pública do regime, sobretudo no que se refere à acentuação de um aspecto sempre presente na cultura política do país – a desconfiança arraigada em relação à política e aos políticos – que pode reforçar a descrença sobre a própria estrutura de representação partidária-parlamentar (pp. 586-7). (...)
O teor exclusivamente denunciatório de grande parte das informações acaba por estabelecer junto à sociedade (...) uma ligação direta e extremamente nefasta entre a desmoralização da atual conjuntura e a substância mesma dos regimes democráticos. (...) A despeito da evidente responsabilidade que cabe à imensa maioria da classe política pelo desenrolar sombrio do processo político brasileiro, os meios de comunicação a apresentam de modo homogeneizado e, em comparação com os dardos de sua crítica, poupam outros setores (...). Tem-se muitas vezes a impressão de que corrupção, cinismo e desmandos são monopólio dos políticos, dos partidos ou do Congresso (...). (pp.588-9, passim).
 
Avanços e riscos
As manifestações populares devem, por óbvio, ser vistas por aqueles em posição de poder como uma oportunidade de avançar, de reconsiderar prioridades e políticas públicas.
Do ponto de vista da grande mídia, é indispensável que se reflita sobre o tipo de cobertura política que vem sendo oferecida ao país. Encontrar o ponto ideal entre a fiscalização do poder público e, ao mesmo tempo, contribuir para o fortalecimento e a consolidação democrática, não deveria constituir em objetivo da grande mídia? A quem interessa a ruptura democrática?
Apesar de ser um tema delicado e difícil – ou exatamente por essa razão – é fundamental que se considere os limites entre uma cobertura sistematicamente adversária da política e dos políticos e os riscos de ruptura do próprio sistema democrático.
A ver.
 
Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.

REDE GLOBO SONEGANDO IMPOSTOS

Denúncia: Rede Globo sonega impostos para sustentar ‘mensalão’ no Congresso

27/6/2013 23:12
Por Redação - do Rio de Janeiro


Um dos documentos que provam a dívida da Globo com o Erário brasileiro tornou-se público nesta quinta-feira
Um dos documentos que provam a dívida da Globo com o Erário brasileiro tornou-se público nesta quinta-feira
A Rede Globo de Televisão deve à Receita Federal um montante superior a R$ 180 milhões em impostos não recolhidos até 2006. Com juros e multas, a dívida com o Erário superava os R$ 600 milhões na época, segundo denúncia publicada nesta quinta-feira na página do jornalista Miguel do Rosário, editor do blog O Cafezinho. Rosário teve acesso a “uma investigação da Receita Federal sobre uma sonegação milionária da Rede Globo”.
“Trata-se de um processo concluído em 2006, que resultou num auto de infração assinado pela Delegacia da Receita Federal referente à sonegação de R$ 183,14 milhões, em valores não atualizados. Somando juros e multa, já definidos pelo fisco, o valor que a Globo devia ao contribuinte brasileiro em 2006 sobe a R$ 615 milhões. Alguém calcule o quanto isso dá hoje” sugere o jornalista.
Leia, a seguir, a íntegra da publicação:
“A fraude da Globo se deu durante o governo Fernando Henrique Cardoso, numa operação tipicamente tucana, com uso de paraíso fiscal. A emissora disfarçou a compra dos direitos de transmissão dos jogos da Copa do Mundo de 2002 como investimentos em participação societária no exterior. O réu do processo é o cidadão José Roberto Marinho, CPF número 374.224.487-68, proprietário da empresa acusada de sonegação”.
“Esconder dólares na cueca é coisa de petista aloprado. Se não há provas para o ‘mensalão’ petista, ou antes, se há provas que o dinheiro da Visanet foi licitamente usado em publicidade, o mensalão da Globo é generoso em documentos que provam sua existência. Mais especificamente, 12 documentos (publicados no artigo)”.
“Uso o termo mensalão porque a Globo também cultiva seu lobby no Congresso. Também usa dinheiro e influência para aprovar ou bloquear leis. O processo correu até o momento em segredo de justiça, já que, no Brasil, apenas documentos relativos a petistas são alvo de vazamento. Tudo que se relaciona à Globo, a (Daniel) Dantas, ao PSDB, permanece quase sempre sob sete chaves. Mesmo quando vem à tona, a operação para abafar as investigações sempre é bem sucedida. Vide a inércia da Procuradoria em investigar a ‘privataria tucana’, e do STF em levar adiante o julgamento do ‘mensalão mineiro”.
“Pedimos encarecidamente ao Ministério Publico, mais que nunca empoderado pelas manifestações de rua, que investigue a sonegação da Globo, exija o ressarcimento dos cofres públicos e peça a condenação dos responsáveis.
“O sindicato nacional dos auditores fiscais estima que a sonegação no Brasil totaliza mais de R$ 400 bilhões. Deste total, as organizações Globo respondem por um percentual significativo.
“A informação reforça a ideia de que o plebiscito que governo e congresso enviarão ao povo deve incluir a democratização da mídia. O Brasil não pode continuar refém de um monopólio que não contente em lesar o povo sonegando e manipulando informações, também o rouba na forma de crimes contra o fisco”.



Extraído do Correio do Brasil

Para reflexão

Uma análise interessante sobre o que acontece no Brasil em relação às manifestações públicas
 
Henrique Carneiro – Historiador – 18/06/2013


Uma revolução é quando o povo invade o cenário em que se decide o seu próprio destino e começa a ser o protagonista principal por meio de ações de massa.

O Brasil nunca teve uma revolução. Todas as transições nesse país, desde a Independência até a proclamação da República foram acertos entre as elites com pouquíssima ou nenhuma participação do povo.

Os movimentos que adotaram o nome de “revolução” foram também ações de setores da burguesia e dos militares, como 1930 e 1964.

Nunca o povo derrubou um governo de forma revolucionária no Brasil. O Fora Collor foi um movimento controlado pelo sistema político que conseguiu que o povo engolisse o vice de Collor, Itamar.

Nunca o sistema político brasileiro foi realmente questionado por um processo revolucionário. A ascensão do PT ao poder foi resultado de uma enorme onda grevista que, depois da eleição de Lula, foi anestesiada pela expectativa com o governo.

O PT em dois mandatos de Lula e um meio mandato de Dilma conseguiu abafar a represada insatisfação social por meio de uma combinação entre assistencialismo social aos mais pobres e aliança com a grande burguesia tradicional, que nunca lucrou tanto.

A frustração com as promessas de mudança do PT são o motor da explosão social atual.

O sistema de transporte é uma faceta das carências estruturais do país que não foram alteradas, mas o desencadeador real do 17 de junho reside em outro legado da ditadura que continua presente: o sistema policial-militar!

O grande grito do 17 de junho foi contra a repressão da PM às manifestações de massa!

Esses dois motivadores são causa populares e democráticas. Revogação do aumento e contra a repressão da PM.

Diante da situação, a grande pergunta agora é: para onde vamos?
A revogação dos aumentos de tarifas, a essa altura, me parece inevitável. Os governos vão ter de entregar 20 centavos para não perderem os mandatos.

Mas, e depois disso?

A grande questão para o movimento é como constituir um programa de exigências além da revogação do aumento e como constituir uma forma orgânica de articulação popular. Qual vai ser o foro popular para esse movimento?

Em relação ao conteúdo programático do movimento, é óbvio que ele não se reduz mais ao tema do transporte coletivo apenas.

O impacto do terremoto político é tão grande que a mídia busca se reorientar para uma tentativa de despolitização do movimento, se apoiando num justo sentimento de repúdio ao sistema político no seu conjunto, como o “que se vayan todos” da Argentina, para tentar ressaltar que o movimento é contra partidos em geral, especialmente os da extrema-esquerda.

O maior horror da burguesia é que o movimento se incline para uma adesão a propostas revolucionárias socialistas. Para isso, a mídia se lança desesperada, na demonização da esquerda revolucionária e na tentativa de jogar o espírito anarquista dos jovens contra qualquer organização de esquerda. Vistam só branco e só cantem o hino nacional e proíbam as bandeira vermelhas dos partidos radicais, é a litania de uma imprensa que viu pela primeira vez na história o cerco da rede Globo pela multidão furiosa!

O MPL, na participação no Roda Viva, teve uma atitude correta de se manter intransigente na reivindicação da revogação do aumento, que, obviamente, não pode ser negociada. 

Mas, na perspectiva estratégica faltaram duas coisas:
A primeira é não questionar a existência da propriedade privada do grande transporte coletivo. Ao invés de enfatizar a necessidade da estatização, da retomada da CMTC em São Paulo, continuam falando em como obter mais subsídios, inclusive federais, para as empresas.

A exigência do passe livre como novo patamar da luta e perspectiva estratégica é correto, mas propor isso por meio da transferência de mais subsídios para empresas privadas que chegassem ao ponto de zerar a tarifa significaria manter a máfia dos transportes recebendo dinheiro público!

Por isso, é bom agora identificar claramente quem são essas empresas, qual o seu lucro, quanto elas colaboram para as campanhas de prefeito e vereadores, vamos ver quem é essa máfia que lucra com o transporte lotado e sucateado protegida por subsídios públicos.

A segunda ausência no discurso do MPL é não incluir a exigência de desmilitarização da PM, de proibição do uso de balas de borracha e outras armas menos letais.

Mais do que pela tarifa, foi o rechaço à violência da polícia que indignou o povo brasileiro!

O movimento precisa avançar para um conteúdo programático mais profundo que permita a ampliação para os movimentos sociais e sindicais mais amplos que lutam contra Belo Monte, contra o agronegócio, a especulação imobiliária, o rentismo financeiro parasita, o extermínio indígena e que apontem uma saída política estratégica.

A recusa do MPL em assumir o socialismo é expressão de uma falta de definição programática mais ampla que pode limitar o aprofundamento do conteúdo reivindicatório.

Pois, mesmo que se desprezem as eleições, elas virão, e se Dilma agora se reeleger é algo cada vez mais difícil, levando o PT a retomar a carta de Lula como candidato novamente, a ausência de uma proposta política nacional socialista revolucionária, irá levar o vácuo político a ser preenchido por novas saídas capitalistas travestidas de ecocapitalismo neo-evangélico, como a Rede de Marina, ou “socialistas” de araque do PSB de Eduardo Campos.
O movimento social e popular precisa buscar um fôro comum, uma Assembléia Popular, que seja um polo alternativo, não só para uma candidatura unificada de esquerda em 2014, mas para ter um norte claro.

A ação burguesa por meio da mídia será de tentar sequestrar o movimento social, para reduzi-lo a uma ação “cívica” e “patriótica”, sem conteúdo anticapitalista. A infiltração de grupos de direita e mesmo fascistas, tentando se apoiar no saudável sentimento anti-institucional, para direcionar esse rechaço aos partidos e movimentos organizados da esquerda revolucionária é um sintoma de que a indignação sem programa claro pode ir para qualquer lado.

Essse, me parecem, em resumo, os grandes dilemas colocados:
Aprofundar o programa de reivindicações, não só para a revogação da tarifa e o passe livre como próximo passo, mas para um modelo alternativo de sociedade e de política econômica que seja um meio de unificar todas as reivindicações dos movimentos sociais.

Destacar a exigência de fim da PM e proibição do uso de balas de borracha como eixo central do momento.

Encontrar um foro mais amplo que possa reunir o MPL com os movimentos contra Belo Monte, greves operárias, levante indígena, sem-teto e sem-terra. A reunião ocorrida no domingo em São Paulo entre MPL, Conlutas, partidos de esquerda, etc. deve ser continuada de uma forma a mais ampla e transparente possível.

Vivemos um primeiro terremoto político. Se não houver uma alternativa real de poder, como de certa forma o Syriza conseguiu cnstruir na Grécia, o risco é repetirmos os indignados espanhóis que tomaram a Puerta del Sol e depois, sem alternativa política, o povo acabou votando na direita, que ganhou as eleições.

Uma revolução é um longo processo, com idas e vindas, com confusão ideológica e manipulações sofisticadas da consciência popular, que tem uma ação destemida e determinada, mas com uma ausência completa de perspectivas mais estratégicas.

O aprendizado político nesses momentos é na velocidade da luz. Há dez dias quem previsse o que se passa seria chamado de louco delirante. O que ocorreu ontem foi apenas um começo. O que vem pela frente é um longo processo revolucionário. Amanhã vai ser maior, mas além de lutarmos, precisamos saber claramente aonde queremos chegar!
 
--
Marisa Feffermann


 “Nós vos pedimos com insistência
 Nunca digam - isso é natural
 Diante dos acontecimentos de cada dia.
 Numa época em que reina a confusão
 em que corre o sangue
 Em que ordena-se a desordem
 Em que o arbítrio tem força de lei
 Em que a humanidade se desumaniza
 Não digam, nunca – isso é natural”
                                    Bertold Brecht
 

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