quarta-feira, 31 de julho de 2013

Aonde está Amarildo?

Desaparecimento do pedreiro Amarildo mobiliza comunidade da Rocinha

30/7/2013 13:12
Por Anne Vigna, com agência Pública - do Rio de Janeiro


O caso está sendo investigado pelo delegado Orlando Zaccone, da 15ª DP (Gávea), ainda sem conclusão
O caso está sendo investigado pelo delegado Orlando Zaccone, da 15ª DP (Gávea), ainda sem conclusão
Não é preciso passar muito tempo junto à família de Amarildo para entender que a UPP da Rocinha se envolveu em um problema bem grande. Amarildo não é uma pessoa que poderia desaparecer sem que sua família perguntasse por ele, não é o pai de quem os filhos esqueceriam facilmente, não é o sobrinho, tio, primo, irmão, marido por quem ninguém perguntaria: onde está Amarildo?
Neste pedaço bem pobre da Rocinha, onde nasceu, cresceu, viveu e desapareceu Amarildo, “muitos são de nossa família”, diz Arildo, seu irmão mais velho, apontando os quatro lados da casa. Em uma caminhada pela comunidade na companhia de um sobrinho de Amarildo, a repórter da Pública conheceu algumas primas, depois umas sobrinhas, tomou um café com as tias lá em cima, de onde desceu acompanhada de irmãos e filhos de Amarildo. De todos ouviu a descrição de Amarildo como “um cara do bem” que, por desgraça, tornou-se famoso – e não por sua característica mais marcante, o bom coração.
As casas são ligadas por escadas antigas, feitas possivelmente por seus avós que vieram da zona rural de Petrópolis para o Rio com os três filhos ainda bem pequenos. “A Rocinha nessa época ainda era mato e poucas casas de madeira, uns barracos como se diz, e nada mais”, diz Eunice, irmã mais velha de Amarildo.
A curiosidade da repórter sobre o passado da família é o suficente par que ela pegue o telefone, para ligar para uma tia avó, “a única que pode saber alguma coisa sobre a história é ela”, diz. A tia-avó, que também vive na Rocinha, confirma por telefone o que Eunice já sabia: a “tataravó era escrava, possivelmente em uma fazenda de Petrópolis, mas não se sabe mais do que isso”.
Eunice diz ter retomado as origens familiares ao fazer de sua casa um centro de Umbanda. É aqui, na parte debaixo da casa, a mais silenciosa, que ela recebe as pessoas que querem saber de seu irmão. “Temos a mesma mãe, mas nosso pai não é o mesmo. Minha mãe gostava de variar”, comenta, rindo.
Ali, na casa construída por ela, moram pelo menos 10 pessoas, entre crianças e adultos. Na cozinha, as panelas são grandes como numerosas são as bocas. No primeiro quarto, três mulheres comem sentadas na cama. Em outro quarto, duas sobrinhas estão em frente ao computador, trabalhando na página do Facebook feita para Amarildo, seguindo os cartazes virtuais de “onde está Amarildo?” que vêm de várias partes do país.
Entre onze irmãos
A mãe de Amarildo teve 12 filhos e trabalhou muito tempo como empregada doméstica na casa de uma atriz famosa do bairro do Leblon. “Essa atriz quis adotar um de nós mas a minha mãe nunca quis”, lembra o irmão Arildo, 3 anos mais velho do que ele. Sobre o pai de ambos, não se sabe onde nasceu, apenas que era pescador, com barco na Praça XV, no centro do Rio, onde conheceu a sua esposa. Os netos não se lembram como nem quando, mas ele se acidentou em um naufrágio e acabou morrendo em consequência de um ferimento na perna. Amarildo tinha um ano e meio. Mas, adulto, Amarildo, tinha paixão pela pesca. “Era a única coisa que ele fazia na vida, quando não estava trabalhando ou nos ajudando: ia pescar sozinho ou com um primo nas rochas de Sao Conrado. Voltava com muitos peixes”, conta orgulhoso, Anderson, o mais velho dos seus seis filhos.
As varas de pescar de bambu, que ele mesmo fazia, estão encostadas em casa desde o dia 14 de julho, um domingo, quando os policias da Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha o levaram “para verificação”. Ele tinha acabado de limpar os peixes trazidos do mar e Bete, apelido de Elizabete, sua esposa há mais de 20 años, esperou que ele voltasse da UPP para fritar os peixes “como tantos domingos”, ela conta, o olhar perdido. Foram 20 anos de união, seis filhos, a vida dividida em um único cômodo que servia de dormitório, cozinha e sala.
Semanas após o desaparecimento do marido, Bete se esforça para conseguir contar como conheceu o “meu homem”, ela diz, evocando a lembrança do jovem que se sentou ao lado dela em um banco em Ipanema: “Eu não saía muito desde que cheguei de Natal (Rio Grande do Norte) para trabalhar como empregada em uma família. No domingo, ia caminhar um pouco no bairro. Ele veio conversar comigo, nos conhecemos, e ele me trouxe para a casa de sua mãe aqui na Rocinha. Nunca mais saí”, conta.
Bete trouxe os dois filhos que vieram com ela do Nordeste sem criar problema com Amarildo. “Ele adora crianças”, ela diz. O que as duas menorzinhas da família confirmam: “É o tio Amarildo que nos leva para a praia de de Sao Conrado, ele que nos ensinou a nadar”. Ela apenas sorri, sempre fumando, e sem disfarçar a tristeza conta que está preocupada com a filha mais nova, de 5 anos. “Ela sempre estava com o pai”, suspira. No começo, Bete lhe disse que o pai tinha ido viajar e que, por hora, ele não voltaria. A pequena conserva a esperança de filha que sempre acreditou nas palavras do pai, e ele lhe prometeu um bolo grande no próximo aniversário.
“Era um menino e pulou no fogo”
Aos 11 anos, Amarildo se tornou o heroi da comunidade ao se meter em um barraco em chamas para salvar o sobrinho de 4 anos. “Era um menino, e pulou no fogo. Me salvou e também tentou salvar a minha irmã, que tinha 8 anos. Não conseguiu tirá-la de lá, ela morreu, e eu fiquei meses no hospital”, lembra Robinho, hoje com 34 anos, a pele marcada pelas cicatrizes desta noite de incêndio.
Aqui, Amarildo é conhecido por todos como “Boi”, por ser um homem forte que carregava as pessoas que precisavam de socorro para descer as escadas e chegar com urgência a um hospital. “Uns dias antes de desaparecer, ele carregou no colo uma vizinha, e a salvou. É uma ótima pessoa, sempre ajudava os outros – numa emergência ou numa mudança”, conta a cunhada Simone, sem conter as lágrimas. “Eu tenho muita saudade dele, principalmente do seu sorriso. Meu marido não fala nada, mas eu o conheço, está com muita raiva. Na primeira noite, ficou debruçado na janela a noite toda, esperando o irmão voltar”, diz, emocionada.
Toda a família está com raiva. E dessa vez ninguém quer ficar quieto, mesmo sabendo dos riscos da denúncia. Vários familiares foram ameaçados por policiais. “Por que foram atrás dele? Estamos voltando à ditadura?”, pergunta a prima, Michelle. “Ele trabalhou toda a vida, quando não trabalhava, nos ajudava, ou ia pescar para a sua família. Ninca se meteu com ninguém”, comenta, revoltada.
Boi era pedreiro havia 30 anos e ganhava meio salário mínimo por mês. “Por isso, às vezes carregava sacos de areia aos sábados para ganhar um pouco mais”, comenta Anderson, mostrando os tijolos que o pai comprou com o dinheiro extra para fazer um puxadinho no segundo andar na casa: “Na verdade, ele ia ter que voltar a fazer a fundação aqui de casa porque está caindo, eu e meu irmão íamos ajudar”, detalha.
- Ele era meu pai, irmão, amigo, era tudo para mim – diz, escondendo as lágrimas quando chega a irmã mais nova, de 13 anos.
Os familiares vivem em suspense, à espera das notícias que não chegam. Não desistem: organizam-se como podem com vizinhos, amigos e outras vítimas da polícia. Negaram uma oferta do governo do Estado do Rio de Janeiropara entrar no programa de proteção à testemunha. Preferiram continuar na Rocinha, sua comunidade. Na próxima quinta-feira, dia 1 de agosto, farão mais uma manifestação na Rocinha, onde estarão presentes familiares de outros desaparecidos por obra de outros policiais em outras favelas. “Temos que lutar para que essa impunidade não continue. Queremos justiça por Amarildo e para todos nós que convivemos agora com essa polícia”, revolta-se a sobrinha Erika.
Aos 43 anos, Amarildo desapareceu sem que a família tenha direito sequer a uma explicação oficial, como tantos outros de tantas favelas brasileiras vítimas de violência policial. Mas dessa vez, ninguém vai se calar. Onde está Amarildo?
Como levaram Amarildo
A Operação Paz Armada, que mobilizou 300 policiais, entrou na Rocinha nos dias 13 e 14 de julho para prender suspeitos sem passagem pela polícia depois de um arrastão ocorrido nas proximidades da favela. Segundo a polícia, 30 pessoas foram presas, entre elas Amarildo. Segundo uma testemunha contou à reporter Elenilce Bottari, do Globo, ele foi levado por volta das 20 horas do dia 14, portando todos os seus documentos: “Ele estava na porta da birosca, já indo para casa, quando os policiais chegaram. O Cara de Macaco (como é conhecido um dos policiais da UPP) meteu a mão no bolso dele.
Ele reclamou e mostrou os documentos. O policial fingiu que ia checar pelo rádio, mas quase que imediatamente se virou para ele e disse que o Boi tinha que ir com eles”, disse a testemunha.
Assim que soube, Bete foi à base da UPP no Parque Ecológico e chegou a ver o marido lá dentro. “Ele me olhou e disse que o policial estava com os documentos dele. Então eles disseram que já, já ele retornaria para casa e que não era para a gente esperar lá. Fomos para casa e esperamos a noite inteira. Depois, meu filho procurou o comandante, que disse que Amarildo já tinha sido liberado, mas que não dava para ver nas imagens das câmeras da UPP porque tinha ocorrido uma pane. Eles acham que pobre também é burro”, contou Bete ao Globo.
O caso está sendo investigado pelo delegado Orlando Zaccone, da 15ª DP (Gávea), ainda sem conclusão.




Extraído do Correio do Brasil

Enecom PI 2013

O que preocupa os jovens comunicadores

30/7/2013 14:36
Por Venício A. de Lima - de Minas Gerais


A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um megaevento organizado periodicamente pela igreja católica em diferentes países
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um megaevento organizado periodicamente pela igreja católica em diferentes países
A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um megaevento organizado periodicamente pela igreja católica em diferentes países. Mobiliza milhares de jovens e tem orçamento de muitos milhões de reais. Multidões, debaixo de chuva e frio, acompanharam a peregrinação do novo papa Francisco entre 23 a 28 de julho na JMJ do Rio de Janeiro.
A JMJ constitui o que se denomina media events, isto é, “parte espetáculos, parte festivais, parte textos, parte performances” em simbiose com uma maciça cobertura midiática e a consequente confirmação ritual de poderes estabelecidos, sendo exemplos clássicos as coroações, casamentos e funerais de monarcas ou líderes religiosos.
Enquanto a JMJ saturava a cobertura da grande mídia, cerca de seiscentos estudantes de jornalismo, publicidade, relações públicas e cinema, da maioria das unidades da federação e com idade entre 19 e 23 anos, enfrentavam a situação oposta: uma temperatura média acima de 30 graus centígrados e alojamentos improvisados em salas de aula para discutir “A qualidade de formação do comunicador social”, tema geral do 34º Encontro Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, Enecom PI 2013, que ocorreu de 20 a 27 de julho, no campus da distante Universidade Federal do Piauí, em Teresina.
Aparentemente, nem mesmo a mídia local ofereceu cobertura ao Enecom – que não foi considerado “notícia” merecedora de inclusão na pauta. O evento, todavia, estava nas redes sociais e tinha seu próprio blog. Além disso, mantinha a tradição de ser “feito por e para estudantes, desde seu projeto político à busca estrutural e financeira de como realizá-lo”. Vale dizer, com o mínimo possível de recursos financeiros e a total dedicação de seus organizadores.
Debate organizado
Participei do Enecom PI 2013, como convidado de uma mesa sobre “Democratização da Comunicação”, um dos quatro painéis realizados no evento.
Chamou minha atenção a “metodologia” utilizada. O painel é dividido em “perfis” a serem apresentados por diferentes expositores, não necessariamente professores. Sobre a “Democratização da Comunicação” foram quatro perfis: 1. Por que a democratização da comunicação tem tudo a ver com você?; 2. Novas leis para um novo tempo: marcos regulatórios pelo mundo; 3. Construindo outras vozes; e 4. Das redes às ruas: a internet e a mobilização social da juventude.
Feitas as exposições, os presentes (excluídos os expositores) se reúnem em suas respectivas “brigadas” (nas quais já estão agrupados todos os participantes do encontro) e debatem os temas levantados pelos expositores, ou não. Depois de 30 minutos, um ou mais representante de cada brigada coloca seus comentários para todos. Retorna-se, então, aos expositores (panelistas) para uma rodada final de observações.
Políticas públicas
Após as canônicas exposições iniciais dos convidados, a novidade foi que o debate nas brigadas revelou uma animadora autonomia não só frente às exposições, mas também “pés no chão” em relação à realidade brasileira do setor. Alguns pontos:
1. Diagnósticos e críticas não interessam mais. Precisamos discutir alternativas.
Como viabilizar a construção de alternativas locais de jornais populares? Quem teria mais credibilidade nos assuntos de interesse local, o Jornal Nacional da Globo ou um jornal produzido na comunidade? Quem os financiará? Quais parcerias coletivas são possíveis para viabilizar, por exemplo, a contratação “por serviço”, do maquinário ocioso de grandes jornais ou de gráficas?
2. A internet é importante, mas a maioria dos brasileiros ainda não tem acesso a ela. A banda larga é cara e de má qualidade. Precisamos criar alternativas complementares à internet.
A importância das rádios comunitárias é amplamente reconhecida. É necessário priorizar uma nova legislação que impeça a criminalização e o fechamento de rádios já existentes e amplie o seu alcance.
3. Não basta ser um canal de televisão público ou educativo para uma emissora se constituir em alternativa à mídia comercial dominante.
É preciso exigir dos órgãos fiscalizadores (Ministério das Comunicações) o cumprimento das obrigações dos canais não comerciais e transformá-los em espaços de veiculação de programação alternativa de qualidade.
4. A explicação midiática “pós-moderna” da total fragmentação de interesses e objetivos das manifestações de jovens não deve ser aceita sem discussão.
Por detrás da aparente fragmentação existem insatisfações comuns como, por exemplo, uma demanda por participação na construção de políticas públicas. Surge aqui a necessidade de se instalarem os conselhos de comunicação como espaço de interferência na destinação de recursos públicos nos planos estaduais de comunicação.
Com “os pés no chão”
O indispensável diálogo com os jovens é muitas vezes surpreendente. Os observadores de gabinete, analisamos movimentos de jovens sem conhecer o que de fato pensam esses sujeitos coletivos.
Mesmo levando-se em conta que boa parte de participantes dos Enecoms são jovens diferenciados porque envolvidos em militância estudantil, é gratificante observar que eles não estão – como em geral se acredita – “deslumbrados” com os falaciosos superpoderes das redes sociais virtuais. Na verdade, estão com “os pés no chão” e preocupados em encontrar formas factíveis de exercício profissional em suas respectivas áreas de formação, sem abrir mão de interferir politicamente nas transformações do país.
Ignorados pela grande mídia, no calor estorricado do Piauí, jovens futuros comunicadores sociais brasileiros “fazem” mais um Enecom e mostram saber muito bem o que querem.
Estão no caminho certo.
Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros.

Extraído do Correio do Brasil