quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Diretas já! Antes que seja tarde

Diretas já! Antes que seja tarde

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Diretas já! Antes que seja tarde
Por Antonio Lassance*
Para o Carta Maior
O golpista empossado presidente comemora a aprovação da PEC 55, a PEC da Morte. Aquele que se acovarda com medo de vaias em velório fala agora em coragem. O golpista é um fingidor. Finge tão deverasmente que chega a fingir pudor ao marchar impunemente.

Não poderia haver maior homenagem ao retrocesso do que aprovar a PEC da Morte no aniversário do Ato Institucional no 5, o AI-5. O governo bem poderia aproveitar o embalo e adotar, como lema, aquele registrado nos anais pela verve de Jarbas Passarinho, que consagrou o AI 5 mandando "às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência."
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Como a mesma mídia que destruiu Dilma fracassou miseravelmente na construção de Temer

Às favas, senhor presidente, todos os escrúpulos ao apelidar a PEC como de "corte de gastos" e, ato contínuo, liberar bilhões em emendas parlamentares e anunciar o perdão a dívidas de sonegadores. Essa PEC não foi feita para tirar o país da crise. Foi feita para demonstrar aos mais ricos que é para eles que Temer governa.

Às favas, senhor presidente, a saúde, a educação, a assistência e a Previdência Social. Às favas o aumento do salário mínimo acima da inflação e o incentivo à agricultura familiar, responsável pela maioria dos itens da cesta básica dos brasileiros.
Às favas os concursos públicos; a estruturação e recomposição das carreiras de Estado; a expansão do ensino superior, técnico e profissional. Às favas o apoio à cultura, ao patrimônio histórico e à ciência e tecnologia do país. Às favas as grandes obras de infraestrutura. 

Às favas os escrúpulos de consciência que proclamam que governo tem que ser legítimo e representativo. Às favas a popularidade, como recomendou o marqueteiro conselheiro do presidente, em uma versão nada original do irônico "eu quero é que o povo se exploda". Às favas os pobres. 

O AI-5, baixado há quase 50 anos, foi a demonstração de que se sabe como um golpe começa, mas nunca como termina. O governo Temer pode ser resumido exatamente dessa forma: é um golpe atrás do outro, para o deleite dos que sabem que uma eleição jamais chancelaria tal programa. 

Um governo ilegítimo e impopular só se sustenta dispondo-se a cumprir rigorosamente o papel de mal necessário. O que ainda mantém Temer no poder é que o PSDB e a imprensa golpista precisam de seu protagonismo para fazer o trabalho sujo de defender e encaminhar propostas infames, como a PEC da Morte e a "deforma" da Previdência, que ninguém apoia, a não ser os planos de previdência privada e os "especialistas" e consultores ávidos por fazer conta de padaria à frente de holofotes. 

O país está em meio a uma disputa. A aposta da coalizão golpista é a de que ela se manterá no poder se cumprir dois requisitos básicos: proteger as elites políticas e econômicas ("estancar a sangria") e impor à classe média e aos mais pobres a pesada conta a ser paga para financiar o rentismo, os mais ricos. De preferência, que isso dure por duas décadas, quando a memória curta de muitos brasileiros já terá esquecido quem foram Michel Temer, Rodrigo Maia, Renan Calheiros e os ministros do "Supremo" que se acovardaram ou agiram ardilosamente diante do caos. 

O cientista político Kenneth Bollen, que nada tem de revolucionário, dizia que a democracia é o regime em que o poder das elites é minimizado pelo povo. A hora é agora. A consciência e a capacidade de iniciativa de cada cidadão e cidadã estão sendo testadas. Ou a indignação toma conta do país e as pessoas passam a demonstrar ostensiva e democraticamente sua revolta e contrariedade ou os jovens e crianças não herdarão a terra, mas a catástrofe.

Os políticos de oposição deveriam gastar menos tempo discutindo candidaturas para 2018 e se dedicar mais a conformar uma coalizão capaz de empunhar um programa que aponte uma saída para o país. Um programa que comece por revogar a PEC 55, por barrar essa proposta a "deforma" da Previdência que aí está e por aniquilar privilégios de setores que se julgam castas. Principalmente, um programa que defenda a Constituição cidadã e diga claramente que tipo de Estado se quer para os brasileiros.

A hora é agora. Ou a democracia derrota o golpe ou o golpe eternizará a barbárie. Diretas já! Antes que seja tarde.

* Antonio Lassance é cientista político.

Diante da crise, uma reforma política radical

Diante da crise, uma reforma política radical

por Antonio Martins — publicado 15/12/2016 09h12
Delações da Odebrech desmentem a hipótese central da Lava Jato e expõem corrupção incrustada no sistema político. Mas quem poderá transformá-lo?
Lula Marques / AGPT
Crise Política, Congresso
Um Congresso com centenas de parlamentares envolvidos na lista da Odebrecht não se envergonha de avançar sobre os direitos da maioria.
Bastou que vazassem as primeiras das 77 delações já combinadas por executivos da construtora Norberto Odebrecht para que emergisse a imagem real do sistema político brasileiro. Um punhado de grandes empresas financia centenas de governantes e parlamentares, exigindo em contrapartida obediência a seus interesses.
Ao fazê-lo, as corporações dominam a agenda e as votações do Congresso, que se torna impermeável à mudança e à vontade popular. Trata-se, nas palavras de Cláudio Melo Filho, ex-diretor da empreiteira, de “típica situação de privatização indevida de agentes políticos em favor de interesses empresariais”.
Estão envolvidos os “cardeais” da Câmara e Senado – em especial os que impuseram há meses um governo não-eleito, em nome do “combate à corrupção”. A lista começa com Michel Temer, citado 43 vezes por Melo sempre em situações em que pede dinheiro ou oferece favores.
As relações de quadrilha são tão claras que os participantes do esquema têm codinomes, às vezes divertidos. Romero Jucá, ex-ministro e líder do governo no Senado, é o “Caju”. O presidente do Senado, Renan Calheiros, é tratado, no submundo, por “Justiça”.
Eduardo Cunha, ex-presidente da outra casa legislativa e peça-chave do impeachment, atende por “Caranguejo”. O PSDB não fica imune. Aécio Neves é o “Mineirinho”; Geraldo Alckmin, o “Santo”. De José Serra, que teria recebido 23 milhões de dólares, diretamente em conta na Suíça, ainda não se sabe a alcunha – embora imagine-se…
Outros políticos, de menor coturno, figuram como “Velhinho”, “Muito Feio”, “Ferrovia”, “Menor”, “Laquê”, “Miúdo”, “Sogra”, “Tique Nervoso”, “Decrépito”, “Moleza”, “Boca Mole”. Mas a leitura do depoimento vale, muito além da picardia das alcunhas, pelo que ensina sobre o declínio e decrepitude das instituições “democráticas”.
Há um paradoxo no cenário criado pelas delações – e ele diz respeito diretamente ao que chamamos de esquerda. Por um lado, desaba a principal hipótese sustentada, ao longo de dois anos, pelos conservadores. Ao contrário do que a Operação Lava Jato, os jornais e TVs afirmaram incessantemente, a corrupção do Estado brasileiro não foi inaugurada pelo PT; Lula, Dilma e José Dirceu não são os “chefes da quadrilha”.
Os esquemas de compra de mandatos estão enraizados na cultura política brasileira; o petismo adaptou-se a eles, ao chegar ao poder. O escancaramento deste fato, para as maiorias que têm acesso às notícias políticas por meio do Jornal Nacional, é de enorme importância. De agora em diante, será quase impossível prosseguir na operação política que implicava punir um bode expiatório – a esquerda institucional – para manter o sistema intacto.
No entanto, nada indica que a esquerda institucional aproveitará a oportunidade para exigir a mudança do sistema. Seu silêncio em relação às delações da Odebrecht, quase uma semana após a revelação, é eloquente. Ela mergulhou tanto nas dinâmicas, regras e na própria ética vigentes que escapar é tão improvável como o êxito de alguém empenhado em erguer-se do solo puxando seus próprios cabelos. Além disso ela, também implicada nas denúncias que já surgiram e continuarão a se multiplicar, torce por uma espécie de anistia recíproca – e talvez trabalhe por isso…
Enquanto persistir, esta inação deixará aberto um vácuo imenso e perigoso. Toda a experiência dos últimos dois anos mostra que a crise de legitimidade das instituições pode ser resolvida de múltiplas maneiras – inclusive as mais regressivas. Foi por capturar o sentimento antiestablishment – esta onda que percorre o mundo, cada vez mais avassaladora – que os conservadores destroçaram, em poucos meses, anos de popularidade do petismo.
Agora, a hipótese de “golpe dentro do golpe” não deve ser descartada, em especial quando se vê o papel muito ativo que a Rede Globo continua a desempenhar na conjuntura. A possível mobilização pelas “diretas já” é um antídoto apenas parcial. Ela permite questionar o governo Temer e denunciar a hipótese de uma eleição indireta; mas não resolve o essencial. Ainda que se conquistem eleições, o presidente eleito, qualquer que seja, continuará “governando” um sistema colonizado pelo capital?
A proposta de uma reforma política radical é a alternativa óbvia. Ela permitirá dialogar diretamente com o descrédito e o desencanto de muitos, em face de uma democracia esvaziada e submissa. Os movimentos sociais a defendem há muito. Em 2013, ela foi um dos focos das grandes mobilizações de junho. Em 2014, um plebiscito nacional sobre o tema, convocado de forma autônoma, mobilizou 7,7 milhões de pessoas e reacendeu a chama. Mas ela foi sufocada em seguida, pela opressão silenciosa da inércia.
Talvez falte à proposta sustentada pelos movimentos sociais um toque de radicalidade. Ela prende-se muito a uma tentativa de aperfeiçoar a representação, esquecendo-se de dialogar com dois sentimentos que podem ser potentes: o desencanto e a raiva, diante do que os espanhóis chamam de “casta política”.
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Lava Jato: Michel Temer e Eliseu Padilha estão na mira das investigações (Marcos Corrêa/PR)
Uma reforma não será verdadeira se não for, também, plebeia. Ao invés de aprimorar a representação, é preciso submetê-la aos representados. Isso implica eliminar privilégios, poderes e sigilos de deputados e senadores, num choque de realidade com pitadas de jacobinismo. Os vencimentos de um deputado ou senador não podem ultrapassar dez salários mínimos.
Os subsídios para educação privada dos filhos, moradia e planos de saúde extra-SUS devem ser extintos. A aposentadoria, equiparada à de um servidor público comum. A reeleição de parlamentares, limitada a uma. Uma proposta de mudança profunda no sistema político deve ver a representação como um serviço temporário à sociedade, nunca como uma profissão.
Os interessados em representar a vontade política do povo precisam estar dispostos a submeter-se a mecanismos transparentes de controle social. A que sessões, do plenário e das comissões de trabalho, compareceram, a cada dia? Como votaram? Que projetos propuseram? Quem receberam, em seus gabinetes?
Responder a estas questões será sempre, para alguém interessado em aprofundar a democracia, um exercício prazeroso de diálogo com os eleitores. Se nada semelhante a isso foi adotado até hoje, apesar dos meios oferecidos numa sociedade informatizada, é porque a representação passou a ser vista progressivamente como um poder sobre a sociedade, não como algo oferecido a esta por quem desenvolveu certas aptidões.
Estabelecer a revinculação dos representantes aos representados é um primeiro passo. Mas deve ser acompanhado de outros, que abram caminho para novas formas de democracia, hoje embrionárias: a direta e a participativa. Em relação à democracia direta, há pelo menos duas propostas óbvias. 
Primeira: submeter qualquer emenda constitucional a um referendo. Essa necessidade é ainda mais evidente agora, quando um Congresso com centenas de parlamentares envolvidos na lista da Odebrecht não se envergonha de avançar sobre os direitos da maioria. 
Segunda: multiplicar as consultas plebiscitárias à população. Realizá-las tornou-se banal, do pondo de vista técnico. Politicamente, será um exercício notável de construção, pelas maiorias, de novas formas de democracia.
Além das decisões plebiscitárias, é possível avançar em práticas que vão muito além do binarismo entre sim e não. Os orçamentos públicos são um foco especial. Faça uma experiência. Arrole, por exemplo, com uso dos bancos de dados, todas as obras propostas pelos orçamento da União, do Estado e do Município para um determinado bairro.
Coloque-as num mapa, por georreferenciamento. Convide a população deste bairro a visualizar o que os políticos – e certamente as empreiteiras – propõem para a região. E pergunte a esta mesma população quais seriam as reais necessidades do bairro.
Parecem utopias? Vivemos tempos dramáticos. A crise civilizatória em que mergulhamos não poderá ser resolvida retornando aos “tempos dourados” do pós-II Guerra, ao velho Estado de Bem-Estar Social, aos parlamentos em que políticos com formação intelectual sólida debatiam ideias. A escolha está, provavelmente, em outro patamar: ou nova democracia; ou retrocessos que nos rebaixarão de derrota em derrota, numa espécie de 2016 prolongado.
Nesta espiral percorrida sob anestesia, o caso Odebrecht oferece uma oportunidade rara de despertar, refletir e pensar a reconstrução. Seremos capazes?

Fonte: Carta Capital

A economia brasileira à beira do precipício

A economia brasileira à beira do precipício

por Carlos Drummond — publicado 14/11/2016 00h12
As previsões para o PIB pioram, as expectativas se frustram e o País afunda na austeridade radical do governo Temer
Antonio Pinheiro, Fernanda Carvalho/ Fotos Públicas
Crise
Foi preciso que 120 bancos, gestores de recursos, distribuidoras, corretoras, consultorias e empresas não financeiras confirmassem, na segunda-feira 31, a piora das expectativas econômicas para o noticiário abrir uma brecha na produção incessante de notícias otimistas. Participantes da pesquisa Focus do Banco Central, aquelas instituições aumentaram sua previsão anterior de queda do Produto Interno Bruto neste ano, de 3,22% para 3,30%, e reduziram a projeção de expansão do PIB, em 2017, de 1,23% para 1,21%.
As revisões apenas confirmam as análises dos economistas preocupados com as graves consequências da austeridade fiscal radical do governo, PEC 55 incluída, na intensificação da crise. Um desses efeitos é a queda vertiginosa da arrecadação federal de setembro em 8,27%, diante do mesmo mês de 2015. Foi o menor recolhimento de impostos e tributos dos últimos sete anos, informou a Receita Federal.
A suposta melhora das expectativas dos empresários no início do atual governo, apoiada em presumidos bons efeitos do arrocho fiscal na economia, não se confirmou. Ainda na segunda-feira, a Fundação Getulio Vargas divulgou a queda da confiança em 15 dos 19 setores industriais pesquisados e a diminuição do Índice de Expectativas do setor de serviços em 4,3 pontos, para 86,7 pontos, no maior recuo desde setembro do ano passado. Esse rebaixamento, diz a FGV, sugere acomodação e o início de uma fase de ajuste para baixo. 
Os indicadores decepcionantes incluem o desemprego de 11,8%, segundo o IBGE. No terceiro trimestre, a taxa foi 2,4%, a maior na crise atual. Não fosse o pequeno aumento da força de trabalho, em 0,8%, em vez do 1,8% dos trimestres anteriores, “a taxa de desocupação atingiria 12,7%, isto é, muito além dos 11,8% verificados pelo IBGE”, chama a atenção o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Isso porque a taxa de desocupação é o porcentual de desocupados em relação ao total de integrantes da força de trabalho. 
A situação das empresas também é grave, com o recorde histórico de 244 pedidos de recuperação judicial em setembro. No mês anterior, houve 137 solicitações e em setembro de 2015, 147.  Nos primeiros nove meses deste ano, o aumento acumulado chegou a 62% em relação ao mesmo período do ano passado.
Há diminuição generalizada na concessão de crédito, mas o encolhimento adquire maior magnitude para as empresas, com recuos de 12,5% no primeiro trimestre, 13,9% no segundo e 16,4% no terceiro, mostram dados do Banco Central e do Iedi.  O crédito para a aquisição de veículos diminuiu respectivamente 20,4%, 14,5% e 7,8%. No crédito pessoal, houve retrações de 14,8%, 8% e 9,8%.
A contração dos financiamentos e as altas taxas de juro pioraram a situação financeira das firmas, com grandes estragos a partir de 2010, mostra trabalho do Centro de Estudos do Mercado de Capitais do IBMEC sobre o endividamento de 605 empresas não financeiras. Os dados agregados indicam endividamento crescente entre 2010 e 2015, acompanhado de redução da relação entre geração de caixa e despesas financeiras, com forte queda no ano passado, quando a geração de caixa passou a representar só 58% das despesas financeiras. 
Os efeitos combinados da recessão, desvalorização cambial e queda dos resultados das vendas “fizeram com que 49% das empresas apresentasse geração de caixa inferior ao valor das despesas financeiras, porcentagem essa que era de 22,6% em 2010”. Dados do primeiro semestre de 2016 relativos somente às companhias de capital aberto mostram um aumento da proporção com geração de caixa inferior às despesas financeiras, de 50,2%, em 2015, para 54,9%, nos 12 meses terminados em junho de 2016. Essa situação financeira resulta do crescimento do seu endividamento entre 2010 e 2016, combinado à queda das vendas e redução da margem de geração de caixa, com ápice em 2015 a partir do agravamento da recessão, do forte impacto da desvalorização cambial e da elevação da taxa de juros sobre o valor da dívida e das despesas financeiras a ela associadas. “Com isso, metade das pesquisadas não tem conseguido gerar caixa nem para cobrir as despesas financeiras.” EconomiaAbre3.jpg
Nas exportações, saída habitual para atenuar o efeito da queda das vendas internas, a situação é problemática, avaliam os analistas do Iedi. O saldo da balança comercial em outubro, de 2,3 bilhões de dólares, foi o menor desde fevereiro, inclusive quando aferido pela média por dia útil. A média diária de exportações chegou a 686,1 milhões, com queda expressiva de 10,2% diante de outubro de 2015. Essa piora recente pode ser “um sinal dos efeitos da valorização da taxa de câmbio, que ultrapassa 20% entre janeiro e outubro, em termos nominais”. Há outro motivo de preocupação com o desempenho da balança comercial. O recuo da importação de bens de capital em outubro e a queda da produção interna desses bens em setembro, de 7,2% diante do mesmo mês no ano passado, mostra que “as perspectivas para o investimento não são das melhores”. 
Entre todos os setores empresariais, a indústria é acompanhada com especial preocupação por seu papel estratégico na inovação, no aumento da produtividade e na geração de empregos de maior qualidade. Aí também não há notícias alvissareiras. A produção industrial cresceu 0,5% em setembro, segundo dados do IBGE. É pouco, diante da queda de 3,5% em agosto. Além de que a elevação se limitou a 9 dos 28 setores acompanhados pela instituição.
“Dessa maneira, restam poucas dúvidas de que foi ruim o desempenho da indústria no terceiro trimestre do ano. A queda de 1,1% diante do segundo trimestre de 2016 interrompeu, na série com ajuste sazonal, uma trajetória de redução das perdas iniciada na virada do ano e que já começava a dar alguma esperança de recuperação”, concluem os redatores do informativo Análise Iedi. A queda da produção da indústria como um todo foi de 11,5% no primeiro trimestre, 6,6% no segundo e 5,5% no terceiro. 
Melhores perspectivas dependem em grande medida de uma política econômica apropriada à recuperação, mas daí não surgem sinais animadores. O oposto é verdadeiro. O arrocho fiscal atrofiou o BNDES, único banco fornecedor de crédito de longo prazo a taxas viáveis para os investimentos das empresas. A Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos e a Federação das Indústrias de São Paulo protestaram contra o pagamento antecipado ao Tesouro Nacional de 100 bilhões de reais transferidos ao BNDES no governo anterior, mas o banco já respondeu que considera a medida essencial para melhorar o desempenho fiscal e a confiança do mercado.
A quitação desidrata a linha de crédito Financiamento de Máquinas e Equipamentos (Finame), o dispositivo mais próximo de uma política industrial no País. Uma proposta de emenda constitucional em tramitação no Senado prevê a retirada do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) do banco público e pretende-se liquidar a carteira da BNDESPar.
Por temor de complicações com a Lava Jato, a instituição anunciou, no mês passado, a suspensão de pagamentos e a revisão de 47 contratos de exportação de serviços de engenharia de empreiteiras implicadas na operação, no valor de 13,5 bilhões de reais.
Receia-se o descarte definitivo das empreiteiras nacionais por meio de relicitações dos projetos com contratação de construtoras estrangeiras. Um cálculo desta revista estima em 31 bilhões de reais o valor de projetos aprovados de aeroportos, rodovias e mobilidade urbana, com capacidade de gerar 900 mil empregos, parados porque o financiamento com o BNDES contratado com as vencedoras das licitações não sai, por estarem envolvidas na Lava Jato
A obstinação do governo em impor uma austeridade anacrônica e muito além da capacidade de absorção da economia e da sociedade é garantia de perenização de uma crise, em boa medida, desnecessária. 
*Reportagem publicada originalmente na edição 924 de CartaCapital, com o título "Um verso a partir da dor". Assine CartaCapital.

Fonte: Carta Capital

A PEC 55 e o mito do descontrole da dívida pública

Opinião

A PEC 55 e o mito do descontrole da dívida pública

por Gleisi Hoffmann — publicado 17/11/2016 05h34
Pretende-se cortar despesas sociais para pagar juros da dívida, quando é preciso reduzir juros e criar uma política capaz de estimular o setor privado
Lula Marques/AGPT/Fotos Públicas
CCJ no Senado
No Senado, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprova relatório da PEC 55, que limita gastos públicos
PEC 55 - conhecida como PEC dos Gastos - é uma das propostas mais cruéis apresentadas ao Congresso Nacional pós Constituição de 1988.
Ela vai bloquear os gastos e investimentos públicos por 20 anos porque, na visão dos integrantes da equipe econômica de Michel Temer, é necessário promover uma forte contenção fiscal para equilibrar as contas do governo e, com isso, estancar a “explosão” da dívida pública.
Toda a justificativa da PEC 55 está fundamentada no crescimento "descontrolado" da dívida. Para tanto, tem de reduzir as outras despesas para pagar juros e, assim, reduzir a dívida.
Parece simples e correto. Mas essa não é a verdade. Nem a dívida está descontrolada, nem sua diminuição trará crescimento econômico e desenvolvimento.
Nota Informativa da Consultoria Legislativa do Senado (2.797/16), assinada pelo consultor Petronio Portella Nunes, desmistifica, com dados do Banco Central, o crescimento exponencial da dívida pública brasileira.
Mostra que nos últimos 15 anos o crescimento da dívida vem diminuindo de forma consistente e acelerada. De 1994 a 2002, o crescimento da dívida foi de estratosféricos 752%.
Isso mesmo, nos oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso a dívida líquida total saltou de 18,9% do PIB para 37,7% do PIB, não computadas aí dívidas dos Estados e municípios.
Somando-se essas, o total da dívida líquida saiu de 33,5% para 57,4% do PIB.
No governo de Lula (2003 a 2010) a dívida pública cresceu 79% e no governo da presidenta Dilma (2011 a 2015), o crescimento foi de apenas 31%.
Esta foi, de longe, a menor taxa de crescimento da Dívida Líquida Total. Essa dívida não só foi reduzida em relação ao PIB, como diminuiu em termos reais. A inflação acumulada no período, medida pelo IPCA, chegou a 41%.
Juntando os dois governos petistas, fica clara a desmoralização dos argumentos do governo de plantão.
Mesmo considerando a elevação de 2,9 pontos percentuais que ocorreu em 2014 e 2015, a dívida pública sofreu queda em relação ao PIB tanto no governo Lula (de 37,7% para 25,8%) quanto na administração Dilma (de 25,8% para 22,2%).
Se computados Estados e municípios temos queda 57,4% para 37,4% do PIB no governo Lula, e de 37,4% para 35,3% do PIB no governo Dilma.
Acrescente-se a essa avaliação que, após o governo Lula, não tivemos mais dívida externa. Somos credores do Fundo Monetário Internacional e temos reservas em dólares que ultrapassam os US$ 350 bilhões. O que não tínhamos na década de 90.
Nossa dívida hoje é em reais, moeda nacional. Por isso é falácia dizer que o Brasil está quebrado, ou pode quebrar.
E grande parte do custo da nossa dívida bruta que está maior não é para manter programas sociais, despesas correntes do Estado brasileiro.
A maior parte é decorrente da diferença dos juros que recebemos pela aplicação de nossas reservas no exterior (juros americanos abaixo de 1% ao ano) e o que pagamos pelos títulos do governo (14%) que são oferecidos ao mercado para retirar parte do dinheiro que foi colocado em circulação para comprar os dólares das reservas internacionais (isso para evitar processo inflacionário).
Ao contrário do que propagam, a dívida, por sustentar nossas reservas internacionais, é que mantém nossa credibilidade externa.
Outra parte considerável da dívida é, na realidade, expectativa de crédito. É dinheiro que o Tesouro repassou ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para subsidiar empréstimos para o sistema produtivo brasileiro e que será, dentro das regras do sistema, restituído ao Tesouro.
Isso é tão verdadeiro que o governo quer que o BNDES, mesmo não cumprindo disposições da lei, devolva imediatamente ao Tesouro U$ 100 bilhões. Qualquer economia no mundo, principalmente as em desenvolvimento, tem política de subsídio para seu crescimento.
Aliás, o presidente Barack Obama chegou a anunciar sua disposição de criar um Banco de Desenvolvimento para os EUA.
Bertold Brecht, numa citação célebre, diz que "Do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem".
Assim é com as despesas do governo: culpam-se os investimentos sociais, a previdência, mas absolvem-se os juros escorchantes praticados no país, de longe o maior do mundo.
E antes que venham dizer que os governos do PT praticaram juros altos, recorro novamente aos dados do Banco Central sobre a evolução das taxas desde a década de 90, que mostram as reduções consistentes durante os governos Lula e Dilma.
No governo FHC a taxa média de juros ao ano foi 27,2%. Em Lula, 14,8%. E com Dilma 10,5%. Nunca é demais lembrar que foi na gestão Dilma que chegamos a ter a a menor taxa básica de juros de nossa história: 7,25%. O mercado nunca a perdoou.
É importante registrar, também, que o crescimento de 2,9% da dívida neste último biênio (2014-2015) está dentro da normalidade. É isso que acontece em momentos de retração econômica, como ocorreu nos governos de Lula e do próprio FHC.
Estamos passando atualmente por uma violenta recessão, que atinge a economia mundial. Tivemos forte queda no preço das commodities, que é o que sustenta a nossa balança comercial. A produção agrícola brasileira encolheu 10% no período. Fomos vítimas de uma das secas mais prolongadas e graves de nossa história.
As nossas exportações caíram de 2013, quando eram de US$ 241 bilhões, para US$ 190 bilhões em 2015. Foi um recuo de 21%. É óbvio que isso tem impacto. Agora, não é um problema estrutural. A partir do momento que se recompõe o cenário econômico internacional, é possível mudar tal situação.
Por isso não cansamos de dizer e denunciar que a PEC 55 é o remédio errado para a economia do país. Vai piorar a recessão e jogar o sacrifício e a dor para os mais pobres, os que mais precisam da presença e assistência do Estado.
Pretende-se cortar despesas de assistência, previdência, saúde e educação para pagar juros da dívida, quando o que precisamos urgentemente é ter uma política de redução de juros e, não menos fundamental, de uma política de investimentos públicos capaz de estimular o setor privado a investir.
Paul Krugman, Nobel de Economia, apelidou de “austerianos” aqueles que defendem o combate da recessão recorrendo à austeridade fiscal.
Essa crença, que o economista americano também chama ironicamente de “fada da confiança”, prega que tal austeridade ajudaria a expandir a economia ao trazer de volta o ânimo dos investidores. Isso não aconteceu em nenhum lugar do mundo e não irá acontecer no Brasil.
Alias, era esse argumento fácil que se impunha durante a discussão do impeachment da presidenta Dilma: resgatar o ânimo dos investidores com a recuperação da credibilidade por sua saída da presidência.
Como vemos, a "fada da confiança" falhou. A mágica não aconteceu.
O roteiro desse momento histórico foi ardilosamente escrito e está sendo seguido à risca.
Primeiro, paralisaram as ações do governo Dilma no Congresso com o objetivo de desestabilizar a economia e, dessa forma, aprofundar a crise política, criando assim o clima para o impeachment.
Consumado o golpe, bombardearam as famílias brasileiras e a opinião pública com o mito de que só há salvação se forem adotadas medidas amargas para estancar o endividamento e recolocar o país no “rumo".
Fazem tudo de forma rápida, açodada, sem tempo para discutir e informar o povo sobre as consequências perversas que isso trará ao país. Mas que importa?
O mercado financeiro garante seus interesses. Afinal, é ele quem manda!
*Gleisi Hoffmann (PT/PR) é presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado

Fonte: Carta Capital