segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A História não nos absolverá

31/03/2016 00:00 - Copyleft

A História não nos absolverá

O futuro olhar dos historiadores depende, em grande parte, da luta política. Então, lá vai o meu conselho: caro amigo, não espere o julgamento da história.


André Roberto de A. Machado
reprodução
Em outubro de 1953, um Fidel Castro, jovem e ainda sem a inseparável barba, iniciava a sua autodefesa. O que estava em questão era a tentativa de assalto ao Quartel Moncada, a primeira ação espetacular em que o comandante lideraria os cubanos na tentativa de derrubar o regime do ditador Fulgêncio Batista. Nada poderia indicar que aquela fala se tornaria célebre, transformada em livro com traduções em diversas partes do mundo. Afinal, o cenário era surreal: Castro fazia a sua defesa em um hospital em que estava internado, artimanha do regime para reduzir a repercussão do processo. Também não fazia uma autodefesa por se imaginar genial, mas porque o acesso aos advogados era dificultado pelo governo. A defesa é um texto de mais de setenta páginas, para não desmentir a fama dos discursos intermináveis de Fidel, que pode ser encontrada hoje em livros ou mesmos em cópias integrais na internet. Não há dúvida que o que chama a atenção no texto é a firmeza do jovem advogado que, em uma situação totalmente desfavorável, acua os seus julgadores. O maior símbolo disso é o desfecho intimidador da defesa: “Condenem-me, não importa. A História me absolverá”.
 
Os argumentos e a lógica da defesa de Fidel Castro buscam a história como lastro a todo momento. José Marti, um dos mártires da luta pela independência cubana é citado, aliás como ainda hoje é comum entre os governantes da ilha. Na defesa de Fidel, é clara a tentativa de transformar o assalto ao quartel Moncada em uma retomada dos ideias de Marti. Ainda mais do que isso, Castro põe a sua luta como um processo progressivo da humanidade em busca da liberdade. Assim, retoma o que seria seu início mais imediato nas Revoluções Inglesas, passando pela queda do Absolutismo e nas independências americanas. Por um lado, fiava-se em valores que descrevia como universais e imutáveis. Buscava exemplos até na Antiguidade, para demonstrar que o direito à rebelião contra a tirania era reconhecido nessas sociedades. Por outro lado, é nítido que Castro compartilhava da visão de uma história em contínuo progresso. Dentro dessa lógica, defendia estar lutando pelos valores mais avançados que seriam historicamente necessários sob o risco de um retrocesso. Na sua ótica, isso tornava a sua luta justa. 
 
Por isso, para Castro, não importava a opinião dos seus juízes: a história, pensava ele, o absolveria. Apesar das várias citações históricas ao longo do texto, não há dúvida que é essa afirmação, inclusive transformada em título da defesa, que torna o discurso tão impactante. Isto porque há algo no nosso imaginário sobre a história e os historiadores que dá potência a essa sentença. De toda forma, como se sabe, Fidel espertamente não esperou o julgamento da história. Alguns anos mais tarde, fez ele mesmo a história, derrubando Fulgêncio Batista e instaurando uma revolução em Cuba. 
 
A História como juiz





 
A frase de Fidel encontra tanto eco em nosso imaginário porque, de fato, a maioria de nós imagina a história como um juiz. Para isso contribui a ideia de isenção do historiador e distanciamento dos fatos. Não é à toa que durante muito tempo pregou-se abertamente que os historiadores só deveriam tratar de fatos muito distantes do seu tempo, talvez 50 ou 100 anos para aqueles que trabalhassem com assuntos “recentes”. Só há pouco tempo temos no Brasil, por exemplo, revistas especializadas no que chamamos de “história do tempo presente”, discutindo-se episódios muito atuais. 
 
Mesmo que o tratamento de temas recentes não seja mais um tabu absoluto entre os historiadores, apesar de algumas resistências, o que ainda predomina é a ideia de que assuntos polêmicos, especialmente em tempos de crise, serão revisitados décadas depois por nossos filhos ou netos, amparados em documentos que lhe permitirão enxergar o que nós, no meio das disputas políticas, não conseguimos discernir. 
 
Essa ideia da história como juiz, como aquele que paira sobre as paixões políticas, nunca esteve tão presente como nos últimos dias em razão da alta polarização política que estamos vivendo. Na base da sociedade esse é um discurso recorrente no nosso grande botequim: as redes sociais. Nas últimas semanas, há várias e várias sátiras, uma hora pensando nas dificuldades dos futuros professores de história para explicar o que está acontecendo agora, outras dizendo como serão muito mais difíceis as questões de história do ENEM daqui a vinte anos, quando se tiver que responder perguntas sobre o que a política brasileira de hoje. Em todas essas piadas, revela-se a permanência dessa perspectiva básica sobre a história: em primeiro lugar, isso só será alvo de debate no futuro, talvez daqui a vinte anos. Em segundo lugar, a esperança comum é que os historiadores consigam dizer o que está acontecendo, uma vez que não estarão mais premidos pelos conflitos de hoje. 
 
Na verdade esta é uma percepção que não está presente apenas nos memes e hashtags. Há epidemia desse discurso entre os políticos e até mesmo entre os jornalistas. Em fevereiro de 2016, ao analisar o acirramento dos ânimos políticos, o ex-ministro Cid Gomes ancorou-se nessa lógica: “(...) Acho que a história irá reservar ao Lula o lugar que lhe é merecido: nem o Deus do pós-eleição Dilma, nem o diabo agora”. Em 2015, logo após Michel Temer entregar sua famosa carta a presidenta Dilma, para a alegria do anedotário nacional, o ministro Miguel Rossetto condenou a ação do vice-presidente dizendo que seria a história que julgaria as ações dos políticos. O próprio Lula, em mais de uma ocasião, disse que esperava da história um julgamento justo do seu governo. Poucos dias atrás, o jornalista Kennedy Alencar – talvez tomado pelo clima de Brasília – usou um raciocínio semelhante ao dizer que um possível impeachment da presidenta Dilma seria julgado pelo “olhar impiedoso e desapaixonado da História”.  
 
É bastante curiosa a sensibilidade que os políticos têm em relação a esse julgamento da história. Para quem trabalha com história política, em muitos casos é visível o esforço de políticos e de instituições para produzirem registros que serão mais tarde usados por historiadores, o que aumenta as dificuldades de interpretação dos eventos. E não é só em tempos de crise ou de aumento das polarizações que isso se revela. Fernando Henrique Cardoso se queixava dos professores dos seus netos pela forma como ensinavam aos alunos a história do seu governo. No filme Selma, de Ava DuVernay, a narrativa constrói a ideia de que, além da repercussão mundial em torno da repressão à marcha dos negros em Selma, um dos fatores que teriam feito o presidente Lyndon Johnson rever as garantias do direito ao voto dos negros americanos  seria a insistência de Martin Luther King de que ele deveria se preocupar em como seria retratado pela história.  
 
Se isso realmente pesou para a decisão de Lyndon Johnson, pouco importa aqui. Muito mais importante é destacar que este é um argumento crível para um filme de distribuição mundial. 
 
A História não é juiz...
 
Não, os historiadores não escrevem o que lhes dá na telha, o que desejam, o que acreditam, o que acham. Toda a obra historiográfica precisa ter um lastro em documentos, em dados, o que comumente generalizamos como fontes. Fora disso, o que temos são obras de ficção e aos interessados nesse tipo de literatura recomendo a leitura de romances, ao invés de engodos historiográficos. Isto não quer dizer que o historiador seja isento, pois o documento, o dado não faz nenhum sentido sem uma interpretação. Por exemplo, parece fora de questão que os portugueses chegaram em 1500 na região onde hoje é a Bahia. Mas o que isso significou? A descoberta do Brasil? Mas existia o Brasil ou esse território estava fadado a ser o Brasil? Foi uma descoberta? Foi uma conquista? Foi o início de um massacre? Foi o pontapé para a transposição de uma civilização europeia para os trópicos, ou a montagem de uma engrenagem de exploração econômica da América pela Europa? Veja que não há como historiador pensar esse momento histórico, ou mesmo narrar esses fatos, sem se posicionar em relação ao seu significado. 
 
O mais interessante a se pensar é que as próprias perguntas do historiador só são possíveis em determinados momentos históricos. Dias desses um acontecimento fortuito me lembrou a infância. Fazendo um descarte de muitos e muitos papéis, localizei um caderno que tinha sido do meu irmão caçula e que guardei porque tinha anotações das minhas impressões sobre um livro ou algo assim. A parte do caderno que cabia ao meu irmão e tinha mais de vinte anos (sim, sou um acumulador), eram páginas e páginas de textos de história, provavelmente o registro ainda comum da odiosa prática de obrigar os alunos a copiarem trechos de livros didáticos repassados na lousa pela aluna mais boazinha da classe, a mesma que depois passará o final de semana fazendo a sua cópia no próprio caderno. Ao ler aleatoriamente essas anotações, me deparei com um tópico: o que é o fato histórico? E dei boas risadas ao ver que o texto era tal qual eu me lembrava da infância. Em resumo, e certamente muitos leitores se identificarão, o texto alegava que interessava para a história apenas o que dizia ser um fato histórico. Por sua vez, o fatídico fato histórico seriam os grandes acontecimentos produzidos pelos grandes homens. Mais ou menos nessa linha, dizia que um acordo entre presidentes era um fato histórico, mas eu comer toda quarta-feira uma feijoada, não. 
 
A lição era bem clara: a história é feita pelos grandes homens, presidentes, príncipes, não por vocês, guris. A não ser na condição de coro grego ou daquele figurante que faz o papel do morto. Boa parte da historiografia brasileira se fez nesse tom e até hoje mesmo estratos mais ilustrados da nossa sociedade enxergam episódios capitais da história brasileira como um xadrez entre as elites. É assim, por exemplo, em relação à independência, ainda tida por muitos como uma operação palaciana, ou talvez um acordo entre grandes senhores de terra. No entanto, hoje nesse e outros episódios sabemos muito mais sobre a participação de outros grupos sociais. Documentos demonstram que negros, índios, trabalhadores a jornal, entre outros, não eram “bestializados” e tampouco ficaram restritos ao papel de perplexos, como o que Pedro Américo reservou aos vaqueiros no famoso quadro “Independência ou Morte”. Ao contrário disso, vemos como os índios negociavam politicamente desde o início da colonização, assim como os escravos não estavam destinados apenas a escolher o papel entre o Zumbi e Pai João, entre o guerreiro e o que se submete. Todos esses homens tinham uma leitura dos fatos políticos, ainda que essa não fosse igual ao dos ilustrados.
 
...É parte da luta política
 
O importante a se perceber é que esses personagens não apareciam antes na nossa história e nossos livros didáticos porque essas perguntas não eram possíveis. Os movimentos sociais, a luta dos negros, dos índios, das mulheres, o avanço das liberdades, enfim tudo isso muda o quadro das perguntas do historiador. Exemplo prático disso é a evidência de que os nossos estudos sobre a África foram impulsionados na universidade a partir de reivindicações da educação básica e a implementação da obrigatoriedade do ensino de história e cultura africana nas escolas. É essa preocupação não só com outros grupos sociais, mas também com o cotidiano, que vai mudando as nossas perguntas. É isto que torna até a minha feijoada de quarta um possível objeto de estudo, tanto para uma cada vez mais interessante história da alimentação ou mesmo como mote para estudos sobre o abastecimento. 
 
Além disso, evidentemente, a história também pode ser moldada pelo poder. Vale a pena lembrar que D. Pedro I patrocinou o Visconde de Cairu na elaboração da primeira história do Império do Brasil, aliás fato muito questionado pelos pares do Visconde no Parlamento. Mais tarde, nosso segundo imperador não se conteve em apenas patrocinar o nascente Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, que existe até hoje e no século XIX era o principal órgão de produção historiográfica no Império. Ao invés disso, D Pedro II trouxe a sede do IHGB para o próprio Paço, onde não só assistia como opinava sobre os encaminhamentos do Instituto, além de provavelmente dar suas famosas cochiladas. O próprio sítio do Museu Paulista e do Monumento à Independência só foi possível pela persistência de grupos paulistas em firmar o sete de setembro como data nacional, a despeito do papel secundário que teve em boa parte do século XIX. Por sua vez, a própria narrativa do Monumento, aliás muito visitado por alunos indefesos, imprime em bronze, para toda a eternidade, um discurso que beira o ridículo. Transformar os revolucionários pernambucanos de 1817 ou mesmo Tiradentes em ardorosos defensores da Independência do Brasil só demonstra como, em muitos casos, fazer história é esquecer.
 
Mas não é preciso ir ao século XIX para discutir isso. Há dois acontecimentos que ocorrem agora e ilustram como a construção da história é um pedaço da luta política. De um lado, teve ampla circulação a notícia de que o Ministério Público Federal de Mato Grosso, baseado em uma reportagem de uma revista, iria abrir uma investigação sobre os livros de História recomendados no Programa Nacional do Livro Didático sob a suspeita de que eles não eram plurais politicamente. Quem definirá o que é a régua da pluralidade política do historiador? Supõe-se que o Ministério Público agora criará um critério análogo ao dos debates pré-eleitorais, obrigando-se que nos livros de história mencione-se qualidades e despautérios em equilibrada quantidade para diferentes governos ou políticas econômicas. É uma nova história, em que todos os governos são igualmente bons e ruins.
 
Outro acontecimento importante é o debate da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que servirá de parâmetro para o ensino de História na educação básica. A proposta inicial foi muito atacada na imprensa, por alguns entenderem que se diminuía o peso do estudo da História Europeia. O próprio ex-ministro da educação, o filósofo Renato Janine Ribeiro, se disse horrorizado com a possibilidade dos alunos não aprenderem mais sobre o Renascimento. Os defensores da nova proposta curricular, no entanto, argumentam que não se trata de uma supressão da história europeia, mas de trazer para o centro do debate novos personagens como os indígenas, os escravos e a história africana. Lembram ainda que, os que lamentam pela diminuição de tópicos da história europeia, nunca se importaram com o fato de não se discutir nas escolas, por exemplo, a história dos povos indígenas e as consequências do seu contato com os brancos, ou mesmo a história de outros continentes como a Ásia. Quando o leitor estudou a história dos indígenas nos bancos escolares para além da Primeira Missa ou a fundação das reduções jesuíticas? O que você sabe sobre a História da China? 
 
Evidentemente, as discussões sobre o BNCC estão muito simplificadas acima e merecem um artigo específico. Mas não é por acaso que tenha sido justamente na área de história que está acontecendo o debate mais acalorado na imprensa. Se a BNCC tem um mérito inegável, é o de lembrar que ensinar história é fazer escolhas, é imprimir sobre o passado um olhar. Quem vencer essa batalha certamente terá uma influência decisiva nas perguntas dos futuros historiadores. 
 
Assim, o futuro olhar dos historiadores depende, em grande parte, da luta política. Então, lá vai o meu conselho: caro amigo, não espere o julgamento da história. Como diz a canção, hoje tão atual, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.       
 
André Roberto de A. Machado é historiador e professor da Universidade Federal de São Paulo
 
 


Créditos da foto: reprodução




A VERDADE CATASTRÓFICA DE UM GOVERNO GOLPISTA

DESTAQUE

A VERDADE CATASTRÓFICA DE UM GOVERNO GOLPISTA

meirelles
Por Douglas Rodrigues Barros *

Perante a vergonhosa derrota experimentada ante as obscuras forças de uma contrarrevolução sem revolução no Brasil se tornou oportuno apresentar seus resultados pelas medidas tomadas, a toque de caixa, pelo governo ilegítimo. Medidas estas que colocarão o país num permanente estado de sítio.
Sabemos que uma crise acarreta a perda intensa de bens, mas não só, as atuais crises mundiais levaram a perda de direitos em todo o globo. As perdas monetárias não são um fim absoluto, porém, a perda de relações sociais é impossível de ser recuperada com um pagamento. E o governo Temer é o governo da desagregação social.
Com efeito, chamar o seu atual Ministro da Fazenda de fundamentalista ortodoxo do neoliberalismo não é certamente má-fé, mas, em todo caso, denota ingenuidade, tendo em vista que aí não se trata de convicção, se trata de interesses. E, no caso em questão, de interesses ilícitos. Ele age com a máxima; privatizar o lucro e socializar os custos. Quem pagará pelos custos? Os mais pobres, os trabalhadores, os professores, etc…
As medidas impostas triunfam como um carrasco invisível para centenas de milhares de trabalhadores. Infelizmente, elas cumprem um papel bem orquestrado de continuação lógica ante uma reação que usurpou o poder e cujos interesses são megalômanos e antissociais. A PEC 241/2016 que em síntese é o congelamento de investimentos em áreas centrais como saúde, educação, assistência social e previdência é a face perversa de um modelo que aposta na destruição social.
Mas, não é só isso: ao se manter essas áreas com investimentos congelados, ou limitados à correção da inflação do ano anterior, se deixará de investir na demanda crescente dessas áreas. Em outras palavras, se sucateará o bem público. Essa é a face mais sanguinolenta desse governo. Nesse ponto, há o total desmonte das garantias de saúde, educação, previdência e assistência social da Constituição de 1988 e, aí, o golpe revela ao que veio.
Ora, acima afirmei que se tratava de interesses ilícitos, explico o porquê agora: na PEC 241/2016 há um parágrafo que diz o seguinte: § 6 – Não se incluem nos limites previstos neste artigo (…) V- despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes. O que isso significa? Ora, ao mesmo tempo que a PEC acima passava pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça), no submundo de Brasília era criado um Projeto de lei do senado (PLS) de número 204/2016 que visa legalizar um esquema financeiro ligado às empresas estatais não dependentes.
Empresas estatais não dependentes são na verdade órgãos parasitários feitos para a venda de papéis financeiros cujos juros exorbitantes atingem 23% do valor dos papéis. Quem irá pagar esses juros? O Estado ou Município. Para quem irá pagar? Para investidores Seniores– os tubarões do mercado financeiro. De onde sairão esses recursos? Daqueles que ficarão congelados por 20 anos. Em suma, se congela os investimentos na educação e saúde para repassar dinheiro público aos grandes banqueiros
Dessa maneira, o governo Temer mata dois coelhos com uma cajadada só; o primeiro, com o sucateamento das áreas essenciais garantidas pela Constituição; o segundo, com a criação de empresas estatais não dependentes que beneficiará os mais ricos realizando uma terceirização indireta e forçada. Vulgarmente falando o dinheiro hoje que vai para educação, saúde e previdência irá para as mãos dos riscos e o governo ainda terá que pagar mais 23% de juros a estes.
Esse esquema, que foi o mesmo que dilapidou o Estado grego, já está em curso em diversos estados do Brasil e sua realidade diabólica é a geração de dívida pública sem contrapartida alguma.  O governo de Michel Temer opta por deixar de investir em setores sociais essenciais para pagar juros e amortizações de papéis financeiros à grandes investidores. Em suma, é a transferência brutal de recursos públicos para o setor financeiro.
O repasse dos custos às pessoas comuns em benefício dos grandes investidores sempre esteve na agenda da direita. Nesse esquema ilegal, a ocorrência de inadimplência em massa de governos municipais e estaduais será o estipêndio pago pelos mais pobres e miseráveis aos mais ricos e investidores. O aprofundamento da crise é, pois, o mais provável e será bem mais difícil de resolver, em parte devido a nova profundidade e extensão e em parte fatalmente por razões políticas.
Sendo assim, quando governantes e economistas especializados parecem tão indiferentes e inconsequentes à propensão do aprofundamento da crise, quando tão sorridentes ignoram os sinais de alerta no entorno, então, é porque estão seguros de si. Quando uma taxa de desemprego sobe a treze pontos percentuais e a persistência da perda de postos de trabalho se mantem e nada é feito dá indícios do estado calamitoso da sociedade.
No momento em que escrevo há um sentido profundo assim como uma abundância de provas tangíveis da gravidade de nossa situação: 1,5 milhões de empregos foram perdidos e é o pior índice desde 1985. O cenário é de calamidade social e o horizonte permanece decrescente. Não há nada de novo e não se enxerga nenhuma alternativa realmente efetiva para a mudança do quadro em que estamos.
A desagregação social parece uma realidade mais efetiva do que qualquer mudança de rumo real. A apatia se generaliza e o berro verde e amarelo consolidou o maior descalabro social da história do país levado por uma agenda em que se tira do mais pobre para dar ao mais rico. Por isso, os comportamentos autodestrutivos desse governo precisam ser barrados antes que seja tarde demais. Se torna imperativo que sua verdade seja barrada, pois, dela emana a catástrofe.


* Douglas Rodrigues Barros é escritor e doutorando em filosofia pela UNIFESP

Senadores criticam 'uso político da Polícia Federal'

Lava Jato

Senadores criticam 'uso político da Polícia Federal'

Vanessa Grazziotin (PCdoB) quer que o ministro da Justiça esclareça à CCJ do Senado declaração que antecipou ação contra Palocci
por Agência Brasil — publicado 26/09/2016 14h15
Tomaz Silva/Agência Brasil
Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes antecipou, durante um comício, a deflagração de nova fase da Lava Jato
Por Ana Cristina Campos
A detenção do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, preso temporariamente nesta segunda-feira (26) na 35ª fase na Operação Lava Jato, repercutiu entre os senadores. Na semana passada, Guido Mantega, outro ministro da Fazenda nos governos do PT, também foi alvo da força-tarefa da Lava Jato.
A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) pediu a convocação do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para que compareça à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado para explicar o “uso político da Polícia Federal”, por ter antecipado, durante atividade de campanha eleitoral de um candidato do PSDB em Ribeirão Preto (SP) neste domingo (25), que “haveria mais Lava Jato” esta semana.
Vanessa disse considerar muito grave a declaração do ministro da Justiça em um comício partidário de que essa semana seria deflagrada nova fase da Operação Lava Jato. “E hoje fomos surpreendidos com a notícia da prisão do ex-ministro Palocci, que é exatamente da mesma cidade [Ribeiro Preto] em que ele [ministro da Justiça] se encontrava ontem. A Lava Jato está tropeçando nas próprias pernas. Para além do combate à corrupção, é uma operação de perseguição a determinadas figuras da política brasileira”.
Por meio de sua conta no Twitter, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) questionou a autonomia da Polícia Federal pelo fato de o ministro da Justiça saber “com antecedência” as operações da PF na Lava Jato. Para a senadora, há seletividade nas operações da força-tarefa.
Nota do ministro da JustiçaEm nota, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que, desde que assumiu o cargo, a Polícia Federal vem tendo total apoio. “Em quase todas as semanas, houve operação e que, certamente, continuariam nessa semana, na próxima e enquanto houver necessidade”, informou o comunicado.
Moraes reiterou que as investigações da Lava Jato são compromisso do governo federal e garantiu a continuidade da atuação independente da Polícia Federal.
A posição da PF
A Polícia Federal também divulgou nota para esclarecer que somente as pessoas diretamente responsáveis pela investigação têm conhecimento de seu conteúdo. “Como já foi amplamente demonstrado em ocasiões anteriores, o Ministério da Justiça não é avisado com antecedência sobre operações especiais. No entanto, é sugerido ao seu titular que não se ausente de Brasília nos casos em que possam demandar sua atuação, não sendo informados a ele os detalhes da operação”, diz o comunicado.
Repercussão governista
Para o senador Álvaro Dias (PV-PR), a prisão de Palocci revela que a investigação está chegando ao núcleo central do esquema de corrupção. “Ele era o principal elo do governo do PT com o empresariado brasileiro. Tinha muita influência no governo e no partido. Certamente, tinha influência nesse esquema de corrupção. Isso mostra que a força-tarefa responde às críticas infundadas com ação”, afirmou.
O líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), também comentou a nova etapa da Lava Jato. “A Lava Jato começa a chegar no BNDES que, sob o comando do PT, teve como finalidade direcionar recursos para operações corrompidas”, afirmou, em sua conta no Twitter.
A suspeita é de que Palocci teria ligação com o comando da empreiteira Odebrecht, uma das principais do país. A operação investiga se o ex-ministro e outros envolvidos receberam dinheiro para beneficiar a empreiteira em contratos com o governo.
Segundo a PF, as negociações envolviam a Medida Provisória 460, de 2009, que tratava de crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), além do aumento da linha de crédito da Odebrecht no Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para um país africano, além de interferência em licitação da Petrobras para a aquisição de 21 navios-sonda para exploração da camada pré-sal.

Fonte: Carta Capital

A naturalidade da demência

A naturalidade da demência

A "convicção" de Dallagnol obviamente convence Moro para alegria da casa-grande e o país caminha para o brejo como os cegos de Bruegel
por Mino Carta — publicado 26/09/2016 04h46
Cris Faga/AFP
Gostaria de escrever um conto fantástico sobre os dons divinatórios de Pieter Bruegel, dito o Velho, para ser distinguido do seu primogênito, também Pieter, o Jovem. Extraor­dinário pintor flamengo do século XVI, autor da obra que ilustra estas páginas, exposta no Museu de Capodimonte, em Nápoles, e conhecida como Os Cegos. No meu conto, revelaria que, de verdade, o Velho, batizara seu óleo como O Brasil, título incompreensível à época, mudado pelos herdeiros do artista logo após a sua morte, em 1569.
Diz a biografia do Velho que costumava inventar histórias de terror e fantasmas, a lhe conferir, isto é certo, uma acesa fantasia. Quanto aos cegos do quadro, são uma perfeita alegoria do Brasil destes nossos penosos dias, país incapaz de perceber o destino do brejo.
Cegueira geral, tanto a daqueles que se supõem espertos quanto a daqueles que não enxergam mesmo. E o brejo não é pântano, e sim esgoto ao ar livre, como os rios de São Paulo, a cloaca.
A casa-grande, certa do êxito do golpe, esmera-se em prepotência, e entrega a magistrados de naipes diversos e a policiais armados como comandos israelenses a tarefa outrora reservada a capatazes e jagunços.
O ex-presidente Lula e o ex-ministro Guido Mantega são personagens neste enredo de extrema violência, contra a lei, a razão, o senso comum, de sorte a produzir um fenômeno coletivo de insanidade mental. A casa-grande arroga-se o direito ao poder ilimitado e não hesita em impor a naturalidade de algo que, se não for demência, é impecável imitação.
A casa-grande nos conduz para o desastre, a ponto de justificar a refundação do País, a redescoberta, e com este intuito trata de eliminar previamente qualquer obstáculo no caminho. Sergio Moro aceita o indiciamento de Lula, ele próprio convicto pela convicção do promotor Dallagnol.
O juiz curitibano gosta de aparecer e não lhe faltam aplausos. Se alguém da plateia pergunta quando vai prender Lula, ele ri com gosto e certa condescendência. Com a rombuda arrogância de quem cumpre com garbo o seu papel a serviço da casa-grande.
Moro, o camisa-preta, é infatigável. E manda prender o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, graças a um misterioso depoimento de Eike Batista, para permitir à PF exibir toda sua capacidade de agir como os janízaros da mais feroz ditadura.
Bruegel
A obra Os Cegos, de Pieter Bruegel (Reprodução)
Procurado em casa, Mantega acabou preso na porta do hospital, onde a mulher está na iminência de difícil cirurgia, no quadro de uma operação policial de imponência grotesca. Quando Moro voltou atrás e o ex-ministro foi solto, a demonstração da truculência robótica dos jagunços contemporâneos já estava exposta.
A demolição do Partido dos Trabalhadores e do seu líder, como é do conhecimento até do mundo mineral, é o objetivo, e não parece haver dúvidas de que Moro cuidará de chegar às últimas consequências.
Detonado o PT, ou reduzido aos mínimos termos, o governo do golpe se sentirá à vontade para executar seu programa de loteamento e venda do Brasil: Estado mínimo, privatizações a granel, cortes profundos dos investimentos sociais, punição do trabalho, genuflexão ao deus mercado, adesão irrestrita ao neoliberalismo.
Tal é o plano, já a dar seus primeiros passos. Com o apoio das instituições falidas, do empresariado rentista, da mídia nativa. Digo evidências, o óbvio ululante, sugere Nelson Rodrigues. Permito-me incursionar em tal domínio.
Onde estão os eleitores que se beneficiaram com as políticas sociais do governo Lula, e de Dilma Rousseff no seu primeiro mandato, quando Mantega era o ministro da Fazenda? Também eles se confundem no meio do povo retratado pela alegoria de Bruegel? E até onde funciona a tibieza própria da natureza verde-amarela?
Disse em outras ocasiões, e repito: Lula erra ao se dizer perplexo diante da prepotência dos senhores, na qualidade de corintiano, ao menos ao evocar reminiscências, deveriaentender que a melhor defesa é o ataque. 

Fonte: Carta Capital