quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O fascismo que bate à porta

Política

Opinião

O fascismo que bate à porta

por Roberto Amaral — publicado 12/09/2018 00h10, última modificação 12/09/2018 20h42
Uma das estratégias é criar adversários. O nazismo elegeu judeus e comunistas. Em 1964, criaram a ameaça comunista. Agora, o "perigo" é a esquerda
Reprodução
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Um candidato que estimula e fomenta o ódio e a violência


Sem se dar conta dos riscos que corre, o país assiste à construção de um  projeto político protofascista, com data marcada para instalar-se, sem previsão para nos deixar em paz. Só não vê quem considera mais cômodo ignorar os desafios, pensando que assim deles se livra, como o avestruz que enterra a cabeça para não ver o predador.
No Brasil não quisemos entender, ou não tivemos competência ou coragem para entender as jornadas de 2013, e muito menos ousamos tirar conclusões do significado do final da campanha presidencial de 2014.
Pior: muitos segmentos da esquerda brasileira viram e veem ainda no impeachment um mero golpe de Estado que se esgotava na troca de Dilma por Temer. Na campanha em andamento muitos não querem ver que a disputa vai muito além da escolha de Joaquim ou Manuel para a presidência da República.
É difícil fazer com que os setores que se contentam com as aparências entendam que estas eleições superaram a atrasada disputa entre o tucanato e o lulismo, pois, trata-se da escolha entre democracia e fascismo, entre civilização e barbárie.
O que está em jogo não é a hegemonia do PT, interrompida pelo golpe parlamentar. É a democracia. O que resta de centro e centro-esquerda estará brevemente lamentando haver suposto que, fazendo o jogo da extrema direita, estaria assegurando seu espaço no futuro.
Um deles é o quadro de crise generalizada entro do quadro geral da crise internacional do capitalismo. Em nosso caso crise econômica, política, social, crise de valores, crise ética e crise moral. Crise que carrega consigo a desmoralização das instituições clássicas -- Executivo, Judiciário e Legislativo –, que entram em colapso,  expondo às escâncaras, de um lado sua incompetência diante dos desafios postos, de outro, sua ilegitimidade.
Essa crise, com esses contornos, é a matéria prima do desânimo social.
A mídia, um monopólio ideológico, concluiu a tarefa de juízes e procuradores da Lava Jato, criminalizando a política, os políticos, os partidos, enfim, os elementos fundamentais da democracia representativa. Para a grande população os políticos, de um modo geral, são corruptos. Corruptos simplesmente por serem políticos.
O país, ao fim e ao cabo, se descobre sem direção e sem liderança. À direita e ao centro impera um vazio tumular; à esquerda seu principal líder purgando o cárcere, segregado da política. O ainda presidente da República, ilegítimo, é um farsante repudiado por mais de 90% da população.
Para a média dos eleitores o Congresso é um antro de negocistas, o Poder Judiciário um fator de instabilidade permeado de desvios éticos. Os partidos políticos fracassaram, rotundamente. Inconsolada com a ordem  deprimente, a cidadania, manipulada pelo discurso autoritário, não vê na linha do horizonte esperanças de futuro.
O país se descobre dominado pelo colapso geral da economia e o mais grave dos seus desarranjos, a espiral do desemprego, atinge, como sempre, a classe média e as camadas populares, enquanto o setor financeiro acumula lucros imorais.Esses são os ingredientes que dão cores vivas à crise social,  abrindo caminho para a clivagem, operada pela exasperação do ódio, que hoje divide o país.
Esse ódio é o alimento da violência – explorada em  programas de rádio e televisão — mas, acima de tudo, estimulada e fomentada pelo capitão candidato, em sua oratória tatibitate, em seus gestos, em seu comportamento. É de sua lavra a promessa de armar fazendeiros e assim agudizar o conflito rural, estimular o cidadão  a armar-se para enfrentar a bandidagem, ensinar crianças a brincar de tiro ao alvo. É sua prédica diuturna, a exasperação da violência como antídoto à violência, restabelecendo a barbárie, o olho por olho dente por dente.  
É esse candidato que lamenta a ditadura militar não haver assassinado 30 mil civis, ente os quais o ex-presidente FHC; é ele quem defende a tortura e tem como herói o desprezível coronel Brilhante Ustra, torturador e assassino impune graças às pressões de seus companheiros de farda. Esse agente da violência e do ódio que já declarou torcer pela morte da então presidente Dilma, propõe fuzilar os "petralhas" (refere-se aos petistas). Dias antes do atentado que provocou, foi fotografado e filmado dando pontapés em um boneco com a imagem do ex-presidente Lula.
Porque a violência é fundamental para o projeto fascista e nada do que ocorre é obra do acaso. Os tiros contra a caravana de Lula, o assassinato de Marielle, o ódio que exala das manifestações de rua e mesmo o atentado contra o capitão.
Pois sobre esse celerado o comandante o Exército nos diz, e não pela primeira vez,  “que ele procura se identificar com questões que são caras às Forças Armadas, além de ter senso de oportunidade”.
O destacável é que o capitão, para além da disputa eleitoral, arma-se para projeto mais fundo cumprindo o papel de aríete da extrema direita civil e militar, organizando, com sua pregação irresponsável, o discurso fascista, antes difuso.
Como todo processo fascista, trata-se de um movimento de massa que pode ser medido pelas intenções de voto que engalanam o capitão, pelo sectarismo de suas hostes, pelas palavras de ordem que expressam.
Como sempre, aqui e em toda parte, são as Forças Armadas e o poder econômico, principalmente o tal ‘mercado’ (eufemismo para os agentes financeiros mais afluentes e influentes), o esteio que trabalha atrás das trincheiras. A propósito, e sintomaticamente, a Folha de S. Paulo, da última sexta-feira 7, registra que a Bolsa de Valores de São Paulo  reagiu com euforia – queda do dólar e  alta das ações-- ao atentado de que  foi vítima o capitão, porque, com o ataque, estimavam os especuladores profissionais, as eleições já se decidiriam no primeiro turno. Não sem razão, FolhaEstadão e o Globo, vinham, há semanas, reclamando, em uníssono, da ‘indecisão eleitoral’, responsabilizando-a pela 'insegurança do mercado' de que derivaria a ausência de investimentos.
Foi assim nos idos de1964.
Também como antes e em todos os processos que redundaram na quebra da ordem constitucional, o projeto de nossos dias passa por setores hoje majoritários nas Forças Armadas, mais especificamente no Exército. O capitão e o general candidato a vice, lamentavelmente, não são vozes isoladas entre seus pares. Basta levantar os últimos pronunciamentos do comandante do Exército. A cada assacada contra a ordem democrática – como as ameaças ao STF na véspera do julgamento do habeas corpusimpetrado por Lula --  a justificativa do general estrelado é que está tentando acalmar sua retaguarda. É ela, portanto, que nos ameaça?
Na entrevista acima mencionada, o comandante do Exército, falando como  monarca absolutista, adverte que a “Legitimidade de novo governo  pode até  ser questionada” (por quem?)  e pela segunda vez, anuncia o veto à candidatura do ex-presidente Lula.
Estamos regredindo, retornando aos desagradáveis anos 50-60, quando os militares exerciam sobre o país e a sociedade o papel de "pais da pátria", um Poder Moderador desconhecido na República, senhores de nosso destino, pretendendo ditar quem podia e quem não podia ser candidato, quem podia e quem não podia ser eleito ou tomar posse. Pronunciavam-se sobre tudo e todas as coisas até sobre o valor do salário mínimo.
Esse não era e não é o papel de militares, qualquer que seja a patente.   
Um dos instrumentos da estratégia fascista é eleger um  ou mais adversários, demonizando-os. Quando não existe esse inimigo, cria-se. O nazismo elegeu os judeus e os comunistas; o franquismo, os republicanos. E assim por diante. Em 1964 inventaram a ‘ameaça comunista’ representada pelo governo Goulart. Agora, para muitos militares, inclusive em postos de comando, um dos pontos positivos do capitão  “é que ele talvez ajude a frear essa onda de esquerdização”.
As ameaças nada veladas de intervenção são prescritas nos casos de rompimento do “esgarçado” (segundo eles) tecido social, mas o cenário mais temido “é a quebra da lei e da ordem no caso de uma besteira do STF beneficiando Lula” (“Chamado à razão”,Estadão,6/9/2018) texto do jornalista e porta-voz William Waack).
O STF já se apressa para se adaptar à nova ordem, e os militares festejam a indicação do general Fernando Azevedo e Silva, chefe do Estado Maior do Exército, como assessor do ministro Dias Toffoli que assume a presidência da Suprema Corte.  
Felizmente, há vozes que começam a se dar conta do risco que corremos de volver à barbárie. A direção nacional do PT lançou nota de repúdio à desastrada entrevista do comandante do Exército, Ciro Gomes declarou que no seu governo militares não darão declarações políticas e hoje, até O Globo saiu do imobilismo e da conivência, ao criticar a entrevista.
Que fique claro, enfim, que o capitão representa a barbárie. 
Leia mais em www.ramaral.org

As masculinidades e os predadores

As masculinidades e os predadores

"O Predador" estreia num momento em que um entendimento mais carismático da masculinidade (ainda que sempre normativo e dotado de uma determinação moral) é disputado em diversos discursos reacionários

Divulgação
Em algum dos vários momentos em que os personagens de O Predador (dir. Shane Black, 2018) reafirmam o lugar moral do soldado, uma figura social exaltada pelo filme, com discursos como “Confio minha vida/a vida do meu filho a este grupo, pois eles são soldados”, peguei-me pensando em Arnold Schwarzenegger. O ator, protagonista do primeiro filme Predador (dir. John McTiernan, 1987), aparecia nos anos 1980 como um estereótipo do homem militar estadunidense, um soldado fisiculturista, de uma masculinidade tão violenta quanto caricata. Penso em Schwarzenegger porque acho que a figura do ator marca muito bem a diferença entre as representações da masculinidade militar nos dois filmes: no mais recente, ela é sóbria, marginalizada, incompreendida e cheia de honra; no filme do McTiernan, ela é excessiva ao ponto do burlesco, tanto celebrada como ridicularizada por esse exagero.
Aliás, o caso da saga Predador cria um contexto especialmente interessante para pensar essa representação uma vez que consideramos que, em oposição a esses soldados, homens e militares, temos outro personagem marcado também pela militarização excessiva: os próprios predadores. No primeiro filme, o monstro parece reencenar o papel dos EUA na Guerra do Vietnã — e a semelhança entre a paisagem da América Central, onde o filme é ambientado, e a da Ásia tropical ajuda bastante na formação dessa leitura —, forçando os protagonistas a reviverem a experiência vietcongue. Se os dois filmes tratam do conflito com um invasor que vem de fora, a opção por manter os personagens (e a invasão) dentro dos EUA, neste novo filme, certamente já cria uma nova proposição ideológica. Em McTiernan, os soldados muito fortes, brutos e bem armados são derrotados por outro soldado, mais forte, mais bruto e melhor armado, em um espaço que recebe ambos os lados como forças estrangeiras. No filme de Shane Black, soldados fragilizados, à margem da instituição militar, enfrentam (e são relativamente mais bem-sucedidos nisso), uma força ilimitada e sem escrúpulos que vem de fora para invadir o país que esses soldados dedicaram sua vida e sanidade para defender.
Se a masculinidade do novo filme é mais esguia e sensível, o que o texto reivindica ao escolher como os heróis da ação pacientes psiquiátricos do exército (homens com transtornos neuropsiquiátricos, melancólicos, um deles até excessivamente ligado à religiosidade), ela não é, por isso, menos reacionária. Enquanto o excesso de Schwarzenegger encontra o ridículo e o burlesco, a fragilidade dos novos heróis nos coloca diante de uma dura afirmação dos valores militares estadunidenses.
O Predador, que, como lembra uma personagem do filme, não é um predador propriamente dito, já que caça por esporte e não para se alimentar, não é capaz de alcançar esses grandes valores e, por isso, está fadado a uma humilhante derrota pelas mãos da honra e do sacrifício militar. A disputa entre duas forças excessivas dá lugar à disputa entre a força e a moral — e a masculinidade, antes apresentada como força, agora é apresentada como mera decência.
O Predador estreia num momento em que um entendimento mais carismático da masculinidade (ainda que sempre normativo e dotado de uma determinação moral) é disputado em diversos discursos reacionários. Mesmo que o filme rompa com uma ideia estereotipada do que é ser homem e o que é ser militar nos EUA, ele nunca deixa de se apegar a essas duas identidades, a uma iniciativa de reconstituí-las em um novo aporte discursivo e performá-las para uma nova audiência.
Se o cinema de gênero, de modo geral, diz muito sobre seu contexto de produção, as refilmagens de clássicos tão populares como PredadorGodzillaKing KongJurassic ParkAlien ocupam uma perspectiva privilegiada para pensar as diversas maneiras com que Hollywood se atualiza estética, política e discursivamente. Meu único verdadeiro lamento, no entanto, é que, como já é costume nessas novas adaptações, a encenação simples de McTiernan (tão simples, afinal, que permite leituras como esta) é aqui substituída pelo enredo abundante do texto de Shane Black e Fred Dekker. Como os grandes estúdios seguem nos ensinando ao revisarem os próprios personagens: se você quer matar um monstro, basta explicá-lo. Reposicionar ideologicamente a mitologia, porém, exige um pouco mais de esforço — e o sucesso da empreitada é perfeitamente relativo.

CIVILIZAÇÃO OU BARBÁRIE Postura de alguns militares e membros do Judiciário são risco à democracia, diz Feijóo


CIVILIZAÇÃO OU BARBÁRIE

Postura de alguns militares e membros do Judiciário são risco à democracia, diz Feijóo

Comentarista político considera que “momento delicado” pede participação dos partidos de esquerda e da “direita civilizada” em repudiar ações que contrariem a legitimidade democrática
por Redação RBA publicado 10/09/2018 13h39, última modificação 10/09/2018 14h29
ARQUIVO EBC/REPRODUÇÃO
Riscos à democracia
Para José Lopes Feijóo, a democracia brasileira vive, desde 2016, um estado de exceção
São Paulo – As declarações feitas pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ao jornal O Estado de S. Paulo de domingo (9), criticando o registro da candidatura de Lula è Presidência e colocando dúvidas sobre a estabilidade do futuro governo, contrariam, na análise do comentarista político e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, José Lopes Feijóo, os limites constitucionais que subordinam as Forças Armadas aos Três Poderes do Brasil.
Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, na Rádio Brasil Atual, na edição desta segunda-feira (10), Feijóo acrescentou à escalada de interferências no processo eleitoral, as recentes decisões do Judiciário também do domingo (9). O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, proibiu o aparecimento do ex-presidente Lula como candidato ou apoiado por outros políticos nas peças de propaganda eleitoral e a presidenta do TSE, ministra Rosa Weber, negou o pedido do PT em prorrogar o prazo, por mais seis dias, para uma eventual troca da candidatura presidencial.
"A democracia brasileira, que já vem vivendo um estado de exceção desde o golpe em 2016, agora, pelas declarações e atitudes de uma parcela do Poder Judiciário e dos militares, está definitivamente em risco", afirma o comentarista político. Ele enxerga no atual cenário a ascensão do que classifica como "piores práticas políticas e do fascismo" e critica a falta de atitude de partidos da esquerda e da "direita civilizada" do país em repudiar os comentários dessa natureza antidemocrática. 
"Se as vozes da sociedade que querem civilização e, não barbárie, não se levantarem, se os partidos não tomarem a decisão de reencaminharem essa campanha para o que ela deve ser, uma disputa de ideias e projetos para o Brasil seja qual o projeto for, e defendam acima de tudo a legitimidade da democracia, o Brasil está correndo um sério risco", adverte Feijóo.

Ouça a entrevista completa:


https://soundcloud.com/redebrasilatual/ministra-rosa-weber-nega-prorrogacao-do-prazo-para-que-o-pt-substitua-lula-na-presidencia-da-chapa

ÓDIO E PRECONCEITO 'Decisão do STF sobre Bolsonaro legitima o racismo no Brasil', diz professor


ÓDIO E PRECONCEITO

'Decisão do STF sobre Bolsonaro legitima o racismo no Brasil', diz professor

Autor de "O que é Discriminação?", Adilson Moreira critica voto do ministro Alexandre de Moraes, que disse que o candidato foi apenas "grosseiro": "Relativiza o racismo e a moral de pessoas negras"
por Felipe Mascari, da RBA publicado 12/09/2018 13h37, última modificação 12/09/2018 18h38
© JUSTIFICANDO - SCO/STF
Adilson Alexandre STF racismo Bolsonaro
O professor Adilson repudia julgamento do que é racismo por pessoas brancas, como o ministro Alexandre de Moraes, que disse que Bolsonaro cometeu 'grosseria'
São Paulo – A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de rejeitar a denúncia por racismo contra o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) é alvo de críticas. Para o professor de Direitos Humanos e doutor em Harvard Adilson José Moreira, a decisão mostra que ódio racial é livre e que não há proteção de direitos das pessoas negras.
Autor da obra "O que é Discriminação?", em parceria com a Editora Letramento, o professor afirma a decisão legitima o racismo. "Ela acompanha milhares de outras decisões acerca do racismo, na qual o Judiciário, um poder controlado por homens brancos, referenda a ideia de que o crime de racismo não tem punição", critica.
O Supremo julgou uma fala do deputado federal durante uma palestra palestra no Clube Hebraica do Rio de Janeiro, em abril do ano passado, na qual fez a seguinte afirmação: "Fui em um quilombola (sic) em Eldorado Paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais".  denúncia foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e dizia que o candidato "destilou ódio". A defesa do político argumenta que foi uma "piada".
"Brancos podem ser racistas desde que seja na forma de 'humor'. Se for um racismo em tom jocoso, (para eles) não tem problema, mas ainda é uma expressão de desprezo e ódio", critica o docente.
Nesta terça-feira (11), por três votos a dois, os ministros entenderam que o deputado não cometeu o crime, porque estava protegido pela liberdade de expressão e, alegando ainda a imunidade parlamentar de Bolsonaro, arquivaram o caso.
O professor Adilson classifica como "problemático" o fato de juízes brancos julgarem o que é racismo. "As pessoas julgam casos a partir de uma posição jurídica, mas também de uma posição subjetiva. Todos aqueles juízes são brancos, heterossexuais, de classe média alta, que nunca sofreram preconceito. Quando você está numa posição de privilégio, você não tem conhecimento das consequências psicológicas e sociais que isso tem na vida das pessoas", afirma.
Outro ponto criticado pelo especialista é o voto do ministro Alexandre de Moraes, que classificou a declaração de Bolsonaro como "grosseria". "Ele relativiza o racismo e também a moral das pessoas negras. Ele considerar que afirmar que 'negros não são cidadãos' é apenas mera grosseria é uma violação aos preceitos básicos dos direitos humanos."
Por fim, o professor alerta que a decisão terá impacto nas eleições presidenciais deste ano, já que, segundo ele, o STF endossou a construção da "agenda do ódio" construída por Bolsonaro contra grupos minoritários. "Os eleitores deles querem argumentos para manter seus privilégios e isso depende da continuidade do racismo, do sexismo e da homofobia", lamenta.

RACISMO 'Ela foi destratada porque é mulher e negra', diz Pedro Serrano sobre advogada




RACISMO

'Ela foi destratada porque é mulher e negra', diz Pedro Serrano sobre advogada

"Nos regimes autoritários no Brasil, sempre os primeiros a ser perseguidos são os advogados e as mulheres, em especial as negras", diz professor de Direito Constitucional da PC-SP
por Redação RBA publicado 12/09/2018 19h00
LUCAS VASQUES/FÓRUM
Serrano
"Nos regimes autoritários no Brasil, os primeiros a ser perseguidos são os advogados e as mulheres"
São Paulo – “Ela obviamente foi destratada porque é mulher e negra. Fosse um homem branco, bem postado, com terno de marca, duvido que seria destratada.” A opinião é do advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sobre o caso da advogada Valéria Lúcia dos Santos, que foi impedida de exercer seu trabalho pela juíza juíza leiga (auxiliar) Ethel de Vasconcelos, no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, e terminou algemada e jogada a força no chão por Policiais Militares.  
A Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ) pediu junto ao Tribunal de Justiça o imediato afastamento da juíza de suas funções.
“O país procurou evoluir com relação à impunidade dos crimes contra a administração pública, casos de corrupção etc. Mas nada se avançou em relação aos crimes cometidos contra o cidadão. Não temos uma lei de abuso de autoridade que seja segura”, diz Serrano, em entrevista a Rafael Garcia na Rádio Brasil Atual.
Segundo ele, “a maioria dos juízes dá um tratamento civilizado aos advogados. Houve problema de um abuso em relação aos direitos da advogada”. “Era uma advogada, mulher e negra. Nos regimes autoritários no Brasil, sempre os primeiros a ser perseguidos são os advogados e as mulheres, em especial as negras. Até a década de 80 não havia mulheres na Justiça estadual de São Paulo. Elas eram reprovadas na terceira fase do exame, que é a fase oral. Isso porque a Ditadura Militar atinge homossexuais, mulheres, negros.”

Ouça íntegra


https://soundcloud.com/redebrasilatual/a-barbarie-esta-invadindo-a-vida-publica-diz-pedro-serrano

Procurador será investigado por querer censura na UFSC

Procurador será investigado por querer censura na UFSC

 
Marcos Aydos, procurador da República em Santa Catarina (Foto Procuradoria da República de Goiás)
Publicado no blog do Marcelo Auler
Preocupado em punir o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, pelo suposto crime de injúria contra a delegada da Polícia Federal Erika Mialik Marena, o procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos deverá ser investigado por ter, “com base em sentimento pessoal”,  tentado “censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores” da universidade.
O pedido de investigação foi enviado ao corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel, na terça-feira (11/09), pelo também conselheiro do CNMP, Leonardo Acciolly da Silva. Através do Memorando nº 45/2018/GAB/LA-CNMP, o conselheiro pede que Rochadel “instaure o procedimento que entender adequado” para apurar se o procurador Aydos “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto.
Na mesma terça-feira, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região atendeu parcialmente o mandado de segurança impetrado a favor do professor da UFSC, Marcos Baptista Lopez Dalmau. Pela decisão, depois de quase um ano afastado de suas funções por conta da Operação Ouvidos Moucos (deflagrada em 14 de setembro de 2017), ele poderá retornar às suas funções de professor do curso de administração da UFSC. Mas o Tribunal o impede ainda de “atuar nas atividades que gerem percepção ou pagamento de bolsas relacionadas ao ensino à distância (EAD) e ao Laboratório de Produção de Recursos Didáticos para Formação de Gestores (LabGestão)”.
Dalmau será o primeiro dos professores afastados pela Ouvidos Moucos a retornar às atividades. Outros quatro colegas seus – Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz, Eduardo Lobo -, também atingidos pela operação comandada pela delegada Érika e endossada pela juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaína Cassol Machado. A mesma decisão atingiu o então reitor, Luiz Carlos Cancellier Oliva que, depois de preso e impedido de ingressar na UFSC onde atuou por 12 anos, suicidou-se em 2 de outubro, jogando-se do sétimo andar do Beiramar Shopping, em Florianópolis.
Os quatro professores ainda impedidos de retornarem às suas atividades já recorreram ao próprio TRF-4, mas tiveram seus pedidos negados tanto pela relatora do caso, desembargadora Salise Monteiro Sanchotene, assim como pela 7ª Turma. Em consequência, recorreram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Recurso em Mandado de Segurança nº 57702 – o qual, após manifestação do Ministério Público Federal em 14 de junho, ainda aguarda decisão do ministro Jorge Mussi relator do caso.

Insistência de Aydos

Apesar de a denúncia do procurador Aydos contra o reitor e seu chefe de gabinete ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por vencido.
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Quatro dias depois, em 3 de setembro, recorreu da decisão à 3ª Turma Recursal de Santa Catarina. Insiste na sua posição de processar os dois por não terem impedido que durante uma cerimônia na universidade, em dezembro de 2018, manifestantes não identificados expusessem uma faixa com críticas à delegada, a juíza Janaína, ao procurador da República, André Stefani Bertuol,  ao corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado e ao superintendente da CGU, Orlando Vieira de Castro Junior. Ou seja, cobrou de ambos a censura à livre manifestação da comunidade acadêmica.
Neste recurso (leia aqui) chega a dizer que a juíza Simone, invertendo os papéis, perdoou os agressores da delegada mesmo sem procuração para tal.  Na peça com 13 laudas, ele expõe:
Exorbitou a decisão recorrida em excesso passional e argumentativo que normalmente fazem parte da defesa prévia, fazendo-se lamentável disfunção de justiça, consistente na condenação da vítima, de um lado, e perdão, ilegítimo, dos agressores, de outro lado. A ninguém é conferido direito de “perdoar por procuração” – um “horror” que deturpa a essência da Justiça, segundo extraordinária lição do filósofo Emmanuel Lévinas (in Quatro leituras talmúdicas, São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 56).” (grifo do original)
Em seguida insistiu nas críticas à juíza:
“A decisão recorrida abrigou no largo guarda-chuva da justa causa tudo quanto encontrou para perdoar por procuração. A magistrada simplesmente substituiu-se à Ofendida para decidir que ela não devia ter representado criminalmente. Mas com que direito? O cenário do equívoco é metajurídico. Construiu-se uma narrativa histórica de alegado progresso, não apenas questionável, mas também falseável (segundo o método de Popper, que aqui é aplicável, por tratarmos de uma teoria, não de um fato). Em primeiro lugar, é preciso resgatar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, que não ampara essa narrativa.”

Onde está o fascismo?

Nesta sua apelação, ele também criticou o jornalista Luís Nassif de tentar intimidar a Justiça, ao escrever no JornalGGN – MPF denuncia reitor da UFSC por não censurar manifestação – que ele, Aydos, “colocou o MPF na ante-sala do fascismo”. Para o procurador, o fascismo esteve próximo da manifestação ocorrida na universidade com críticas à delegada. Diz na sua peça:
“(…) é oportuno refutar com veemência tentativas de intimidação à Justiça, mal disfarçadas sob o manto sempre sagrado da crítica, exemplificadas na verve do jornalista Luís Nassif, que deseja ver na denúncia do Ministério Público a “ante-sala do fascismo”. No nascimento da modernidade, criou-se a imprensa como uma instituição liberal, bem retratada por Jürgen Habermas como a primeira grande “transformação estrutural do espaço público”. Naquele tempo havia publicistas. Mas Leibnitz (1646-1716), contemporâneo do nascimento da modernidade, já registrava, a propósito, que essa criação típica da Inglaterra, a dos “public spirits” inspirados pelo amor à coisa pública que praticaram outrora gregos e romanos, já estava desaparecendo e ficando fora de moda em seu tempo (…)
Hoje os publicistas desapareceram. Remanescem os ideólogos, tipos forjados da adulteração do original, que decretam respostas antes de fazerem as perguntas. Uma via de esclarecimento mútuo consiste em usar o esquecido ponto de interrogação do teclado e reformular seus decretos. Podemos perguntar, por exemplo. Onde fica a ante-sala do fascismo?
Assim como outras formas de dominação descobertas pela modernidade, o fascismo não é uma experiência completamente reeditável. Ocorreu na Itália, sob circunstâncias dadas, e não se repetirá jamais de modo completamente igual, porque a história não se repete. Mas um fenômeno desses, depois de descoberto, integra o arsenal de agressões que forma o subterrâneo bárbaro de nossa civilização. Elementos de fascismo, assim como dos totalitarismos nazista e soviético, eventualmente podem emergir na superfície civilizada de democracias. Normalmente emergirão em contextos fortemente ideologizados, à revelia da consciência dos atores.
Vale então conhecer um bom retrato da ascensão do fascismo italiano no extraordinário romance de Ignazio Silone, Fontamara. Numa das cenas memoráveis do livro, presenciamos uma cerimônia típica do Fascismo, o exame da população em praça pública a partir de duas perguntas: Viva quem? Abaixo quem?
A solenidade de que trata a presente causa ecoa vividamente as cerimônias daquela descoberta italiana. Ergue-se a fotografia de um servidor público em praça pública com a descrição, sempre sumária, de seus alegados malfeitos. Como o fascismo é um movimento de massas, é sempre suficiente que se grite “Abaixo” alguém, para liberar o exército de seguidores para barbarizarem. É extraordinariamente curto o passo da violência simbólica para a violência física”.

Desprezando o STF

Ao insistir na sua tese de que o reitor e o chefe de gabinete devem ser punidos por não terem impedido manifestações críticas de outrem, ao que parece o procurador passa por cima de diversas decisões do Supremo Tribunal Federal que reconheceram, dentro do princípio constitucional da livre manifestação de expressão e pensamento, o direito da sociedade em criticar autoridades.
Na Reclamação 16.434/ES, por exemplo, a ministra Rosa Weber deixou isso claro ao afirmar que:
COM EFEITO, É INEVITÁVEL – E MESMO DESEJÁVEL, DO PONTO DE VISTA DO INTERESSE PÚBLICO – QUE OS OCUPANTES DE CARGOS OU FUNÇÕES NA ESTRUTURA DO ESTADO, INVESTIDOS DE AUTORIDADE, TENHAM O EXERCÍCIO DAS SUAS ATIVIDADES ESCRUTINADO SEJA PELA IMPRENSA, SEJA PELOS CIDADÃOS, QUE PODEM EXERCER LIVREMENTE OS DIREITOS DE INFORMAÇÃO, OPINIÃO E CRÍTICA. É SINAL DE SAÚDE DA DEMOCRACIA – E NÃO O CONTRÁRIO-, QUE OS AGENTES POLÍTICOS E PÚBLICOS SEJAM ALVO DE CRÍTICAS – DESCABIDAS OU NÃO – ORIUNDAS TANTO DA IMPRENSA COMO DE INDIVÍDUOS PARTICULARES, NO USO DAS AMPLAMENTE DISSEMINADAS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS DE COMUNICAÇÃO EM REDE.
NESSE CONTEXTO, É PRECISO RESSALTAR QUE AFIRMAÇÕES DESTEMPERADAS, DESCUIDADAS, IRREFLETIDAS, E ATÉ MESMO PROFUNDAMENTE EQUIVOCADAS, SÃO INEVITÁVEIS EM UM DEBATE, E SUA LIVRE CIRCULAÇÃO ENSEJA O FLORESCIMENTO DAS IDEIAS TIDAS POR EFETIVAMENTE VALIOSAS OU VERDADEIRAS, NA VISÃO DE CADA UM. ÀQUELAS MANIFESTAÇÕES INDESEJÁVEIS ESTENDE-SE NECESSARIAMENTE, POIS, O ESCOPO DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À LIBERDADE DE EXPRESSÃO, A DESPEITO DE SEU DESVALOR INTRÍNSECO, SOB PENA DE SE DESENCORAJAREM PENSAMENTO E A IMAGINAÇÃO, EM CONTRADIÇÃO DIRETA COM A DIRETRIZ INSCULPIDA NO ART. 220, CAPUT, DA CARTA DA REPÚBLICA“.
Já a ministra Cármen Lúcia, no famoso julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4815″ que afastou a censura das biografias, foi tão clara quando sua colega ao admitir as críticas a servidores públicos ou mesmo pessoas públicas, ressalvando até que no caso dos servidores – como a delegada Érika – a crítica não só é “desejável”, como ainda é sinal de “saúde da democracia”:
FAÇO UMA OBSERVAÇÃO MUITO IMPORTANTE COM UMA NOTA PESSOAL: A LIBERDADE DE EXPRESSÃO NÃO É GARANTIA DE VERDADE, NEM É GARANTIA DE JUSTIÇA; ELA É UMA GARANTIA DA DEMOCRACIA, E, PORTANTO, DEFENDER A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PODE SIGNIFICAR TER QUE CONVIVER COM A INJUSTIÇA, TER EVENTUALMENTE QUE CONVIVER COM A INVERDADE. ISSO É ESPECIALMENTE VÁLIDO PARA AS PESSOAS PÚBLICAS, SEJAMOS NÓS AGENTES PÚBLICOS, SEJAM OS ARTISTAS.
(…) NO CASO DOS OCUPANTES DE CARGOS OU FUNÇÕES NA ESTRUTURA DO ESTADO, INVESTIDOS DE AUTORIDADE, É INEVITÁVEL – E MESMO DESEJÁVEL, DO PONTO DE VISTA DO INTERESSE PÚBLICO – QUE ELES TENHAM O EXERCÍCIO DAS SUAS ATIVIDADES ESCRUTINADO SEJA PELA IMPRENSA, SEJA PELOS CIDADÃOS, QUE PODEM EXERCER LIVREMENTE OS DIREITOS DE INFORMAÇÃO, OPINIÃO E CRÍTICA. É SINAL DE SAÚDE DA DEMOCRACIA – E NÃO O CONTRÁRIO –, QUE OS AGENTES POLÍTICOS E PÚBLICOS SEJAM ALVO DE CRÍTICAS – DESCABIDAS OU NÃO – ORIUNDAS TANTO DA IMPRENSA COMO DE INDIVÍDUOS PARTICULARES, SEJA NO USO DE PAPEL E LÁPIS, SEJA NO USO DAS AMPLAMENTE DISSEMINADAS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS DE COMUNICAÇÃO EM REDE.”
A partir deste entendimento do Supremo, que foi reafirmado em outros julgamentos por diversos ministros, a decisão da juíza Simone torna-se irretocável. Em especial quando ela explica a necessidade de autoridades públicas conviverem com as críticas. Ao rejeitar a denúncia de Aydos, ela expôs: “O caso em análise, em meu sentir – dado que, repito, não há qualquer manifestação do dissabor sofrido pela autoridade -, constitui situação adversa suportada pelas autoridades em razão de suas atribuições funcionais, mas que não refletem insulto maior do que eventual manifestação quiçá da comunidade acadêmica em face de um evento traumático”.
Ela ainda acrescentou um entendimento comum no Estado Democrático de Direito – o da livre expressão de pensamento e manifestação – notadamente em  ambiente acadêmico e universitário: “O uso da faixa em ocasião em que se homenagearia justamente o falecido reitor – e mesmo junto ao campus universitário que ele administrava até o momento em que fora determinada judicialmente sua retirada – parece-me manifestação atinente à liberdade de pensamento e de expressão que se espera possível dentro de um centro acadêmico”.
O procurador Aydos, porém, não reconhece tais direitos de crítica nem tampouco que servidores, como a delegada e ele próprio, estão sujeitos às mesmas. Pode ser que venha aprender a partir desta insistência em punir o reitor e seu chefe de gabinete por um crime que eles não cometeram.