sexta-feira, 8 de julho de 2016

EVENTOS NO BRASIL MOSTRAM FRAUDE NO GOLPE E CORRUPÇÃO DE TEMER

EVENTOS NO BRASIL MOSTRAM FRAUDE NO GOLPE E CORRUPÇÃO DE TEMER

Glenn Greenwald

Desde o começo da campanha para impedir a presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff, a principal justificativa era de que ela havia se utilizado do artifício conhecido como “pedaladas” (“peddling”: atraso ilegal de pagamentos aos bancos estatais) para mascarar a dívida pública. Mas nesta semana, enquanto o Senado conduz o julgamento do impeachment, esta acusação foi suprimida: o relatório de peritos do Senado concluiu que “não há indício de ação direta ou indireta de Dilma” em nenhuma destas manobras orçamentárias. Como colocou a Associated Press: “Auditores independentes contratados pelo Senado brasileiro disseram em relatório divulgado na terça-feira que a presidente suspensa Dilma Rousseff não agiu na modificação da contabilidade de que foi acusada no julgamento de seu impeachment”. Em outras palavras, os próprios técnicos do Senado esvaziaram o primeiro argumento na defesa de que o impeachment era outra coisa que não um golpe.

O relatório não isenta Dilma totalmente, concluindo que Dilma abriu linhas de crédito sem a aprovação do Congresso, o que é parte do caso do impeachment. Mas foi a acusação das pedaladas que dominou todo o debate.

Se o impeachment de Dilma foi de fato motivado por seu motivo declarado – a quebra de leis – esse relatório devastador deveria interromper o percurso do impeachment. Elio Gaspari, importante colunista da Folha de São Paulo, maior jornal brasileiro, escreveu na terça-feira – sob o título “Há Golpe” – que, a luz deste novo relatório, o Impeachment de Dilma pode não ter sido um “golpe” no sentido de que teria sido realizado extrajudicialmente, mas é um golpe no sentido de que é realizado sem eleições: por “estratagemas” através de “práticas ardilosas”.

Mas, é óbvio, o impeachment nunca teve algo a ver com qualquer suposta quebra de lei de Dilma – esse era apenas o pretexto para remover uma presidente democraticamente eleita por motivos ideológicos – o que explica porque a destruição da mais importante acusação contra ela sequer arranhou a dinâmica do impeachment. Mesmo o Estadão, jornal veementemente contrário a Dilma, documentou esta semana como os principais defensores do impeachment mudaram instantaneamente seu raciocínio: do argumento de que as pedaladas exigem o impeachment para o discurso de que, na verdade, isso nunca foi importante em primeiro lugar. Estas são as ações de pessoas dedicadas a um fim sem se importar com as justificativas: eles estão determinados a impedir Dilma por razões ideológicas, então a destruição do caso judicial contra ela não faz diferença.

Ainda mais significante são as crescentes evidências da enorme corrupção do substituto de Dilma, Michel Temer. Em apenas 30 dias desde que assumiu, Temer perdeu três dos seus ministros por conta da corrupção. Um deles, seu aliado extremamente próximo Romero Jucá, foi flagrado em gravação conspirando pelo impeachment de Dilma como uma maneira de estancar as investigações sobre corrupção, bem como indicando que os militares, a mídia e os tribunais estavam tomando parte na conspiração pelo impeachment.

Um informante chave nas investigações, o ex-Senador e executivo da construção civil Sergio Machado, agora disse que Temer recebeu e controlou R$ 1,5 milhão em doações ilegais de campanha, enquanto outro informante disse, na semana passada, que Temer era “beneficiário” de R$ 1 milhão em subornos. Além disso, Temer está agora impedido por uma ordem judicial de disputar qualquer eleição por 8 anos por conta de sua violação das leis eleitorais. Para lembrar: este é quem, em nome da “corrupção”, as elites brasileiras empossaram no lugar da Presidente eleita.

Enquanto isso, o partido de Temer, PMDB, é virtualmente o mais corrupto deste hemisfério. Seu Presidente da Câmara Eduardo Cunha – que presidiu o processo do impeachment – está agora suspenso pelo Supremo Tribunal, e o Conselho de Ética da Câmara acaba de votar por sua cassação uma vez que ele mentiu sobre contas bancárias na Suíça, recheadas de dinheiro de suborno, em seu nome. O mesmo executivo da construção, Machado, testemunhou que três líderes do PMDB – incluindo Jucá – receberam pagamentos num total de R$ 71,1 milhões em subornos. Ao mesmo tempo, dois aliados chave de Temer do PSDB, partido de centro-direita derrotado por Dilma em 2014 – o Ministro das Relações Exteriores de Temer, José Serra, e o oponente de Dilma em 2014, Aécio Neves – estão ambos sob investigação por corrupção.

Ate decidir apoiar o impeachment de Dilma e empoderar seus próprios líderes corruptos, o PMDB era um importante aliado de Dilma. O partido de Dilma, o PT, tem sua própria cota de figuras corruptas. Mas o PMDB é pouco mais que um partido de negociação que existe para lubrificar as engrenagens da corrupção e das propinas em Brasília. A ironia por trás do fato de que este partido tenha sido alçado ao poder em nome da luta contra a corrupção é grande demais para ser posta em palavras. Como afirmou o New York Times em maio, o partido de Temer é o que controlou, e agora arruinou, o Rio: “o mesmo partido que criou uma bagunça no Rio está agora gerindo o país”.

Por mais expressivos que a corrupção de Temer e a fraude do impeachment de Dilma já fossem, dois novos eventos nesta semana vieram reforçá-lo. Primeiro, Temer jantou com dois membros do Supremo Tribunal Federal – o órgão que preside a investigação sobre a corrupção e o processo do impeachment. Também estiveram presentes o Ministro das Relações Exteriores, Serra, e seu aliado próximo Aécio: ambos alvos da investigação sobre corrupção. Temer está literalmente se reunindo secretamente com os próprios juízes que estão julgando o impeachment e os processos de corrupção (ao mesmo tempo em que políticos brasileiros, preparando a imposição de medidas de austeridade, estão votando por bajular estes juízes com um enorme aumento de 41% em seus salários: a austeridade não pode ficar no caminho de enriquecer os próprios juízes que decidem se você e seus amigos chegar a ser presidente ou ir para a prisão).

Segundo, ao mesmo tempo em que Temer está se reunindo em privado com estes juízes-chave, reportagens revelaram que ele está trabalhando duro em um acordo para “salvar a pele” de Cunha, um dos políticos mais corruptos do país. Temer se reuniu com Cunha nesta semana. Um plano sendo ativamente discutido permitiria Cunha renunciar e então ter seu processo criminal atribuído a juízes favoráveis. Outro prevê que Cunha simplesmente renuncie à presidência da Câmara para aumentar as chances de que ele não seja expulso da mesma por completo. Pior ainda, o Globo reportou hoje que Toemer está agora trabalhado ativamente com Aécio para garantir que o sucessor de Cunha seja favorávela ele: alguém que “não trabalhe pela cassação de Eduardo Cunha”.

Basta pensar sobre o que aconteceu quando estava em jogo o controle do quinto país mais populoso (e rico em petróleo) do mundo. A presidente democraticamente eleita sofreu impeachment apesar da falta de indícios de corrupção pessoal: por políticos que estão afundados em escândalos de subornos e propinas. O principal pretexto utilizado para impedi-la acaba de ser derrubado pelo relatório dos próprios auditores independentes do Senado. E o homem marcado pela corrupção que implantaram no lugar dela – que tem atualmente uma taxa de reprovação de 70%, e quem 60% do país quer que sofra o impeachment – está agora se reunindo secretamente com os juízes cuja suposta independência, credibilidade e integridade eram o principal argumento contra a classificação deste processo de “golpe”, tudo enquanto ele conspira para salvar seu companheiro de partido enriquecido por propinas. E eles estão procedendo para impor uma agenda de direita de austeridade e privatizações que a democracia nunca permitiria.

Sejam quais forem os motivos para se livrar de Dilma, a ilegalidade e a corrupção claramente não tiveram na a ver com isso. É só olhar para o relatório divulgado esta semana pelo Senado, ou o rosto da pessoa que instalaram, para ver como essa é a verdade.


A democratização do Judiciário: o momento para uma discussão racional

A democratização do Judiciário: o momento para uma discussão racional

A inércia do Judiciário diante de retrocessos institucionais deveria ensejar uma discussão sobre o poder
por André Augusto Salvador Bezerra — publicado 22/06/2016 12h09, última modificação 22/06/2016 12h17
Antonio Cruz / Agência Brasil
STF
O plenário do STF: a Justiça precisa ser democratizada
O atual momento do país evidencia a insuficiência da vigência, sem efetiva aplicação, de uma Constituição como a de 1988. A previsão de amplos direitos oriundos da mobilização social que acompanhou os trabalhos da Assembleia Constituinte não tem impedido retrocessos autoritários.
Judiciário, que poderia exercer papel protagonista na defesa da democracia e dos direitos humanos, não tem, de modo geral, conseguido impedir os retrocessos. Tal Poder nega-se, constantemente, por exemplo, ao diálogo com os movimentos sociais; por sua vez, age decisivamente no crescimento do Estado policial, lotando, via decreto de prisões, o sistema carcerário brasileiro.
Cabe, assim, investigar os fundamentos pelos quais a leitura predominante das normas jurídicas em vigor, pela atividade jurisdicional, tem favorecido o uso repressivo dos direitos, em vez de privilegiar seus fins emancipatórios pela igualdade e liberdade. 
Situação paradoxal
A tarefa acima colocada não é simples. O Judiciário trabalha sob uma situação paradoxal que deve ser melhor compreendida.
De um lado, a Constituição de 1988 proporcionou autonomia do Judiciário, enquanto Poder de Estado, no mesmo plano do Executivo e do Legislativo. No âmbito desta autonomia, assegurou ampla independência funcional aos juízes, sob o correto entendimento de que independência do Judiciário significa também independência de cada juiz, inclusive perante o tribunal a que se encontra administrativamente vinculado.
Estrutura não democrática 
Lembra-se, nesse aspecto, que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ocupantes da cúpula da atividade jurisdicional, são até hoje nomeados sem qualquer participação da sociedade civil. No processo de escolha de cada ministro, os debates democráticos perduram substituídos pelas conversas de bastidores restritas às elites políticas.
Aliás, a participação da sociedade civil é praticamente inexistente na administração e na fiscalização dos tribunais. As ouvidorias são, em geral, compostas somente por membros do Judiciário; o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo, tem sua composição formada apenas por pessoas oriundas das carreiras jurídicas; a destinação do orçamento também se dá sem a atuação de qualquer movimento social.  
Por sua vez, os juízes continuam tendo sua vida funcional regida por norma jurídica imposta pelo ditador Ernesto Geisel em 1979, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Seguindo a lógica da ditadura civil-militar da época em que entrou em vigor, a Loman trata a carreira da magistratura de modo hierarquizado, a impedir o debate democrático interno acerca dos rumos do Judiciário: por isso, em regra, os juízes de 1ª instância sequer podem votar para as cúpulas dos tribunais a que pertencem. 
Composição não democrática 
Se a carreira não se adaptou à Constituição de 1988, a composição da magistratura tampouco alterou-se. Basta lembrar que, segundo censo publicado pelo CNJ em 2014,apenas 1,4% dos juízes declararam-se pretos e 0,1% declararam-se indígenas.
Tais dado revelam que mais de 98% dos juízes brasileiros não são pretos ou indígenas. Em outras palavras, 98% dos juízes brasileiros possivelmente jamais sofreram uma abordagem policial em razão da cor da sua pele; 98% dos juízes brasileiros possivelmente jamais sofreram o temor de perder um pedaço coletivo de terra que consideram sagrada.
Para além da experiência de quem não pertence às raças historicamente colonizadas – e que dão sustento ao que Aníbal Quijano chama de colonialidade do poder –, esses mesmos juízes são oriundos de um sistema de ensino jurídico absolutamente acrítico. Trata-se de sistema fundado no positivismo filosófico, originado no século 19, responsável por uma grave hierarquização dos saberes, que insere o conhecimento branco e ocidental no topo da pirâmide e o conhecimento, por exemplo, dos povos originários das Américas na base hierárquica.
Pressão externa
Para agravar o quadro acima descrito, o Judiciário tem sofrido forte pressão para legitimar o crescimento do Estado policial.
Lembra-se a transmissão de programas policiais por emissoras de rádio e televisão, que festejam a violência estatal contra pessoas tidas por meras suspeitas da prática de crimes (em geral, não-brancas) e rechaçam o cumprimento do dever funcional de juízes que exercem controle rígido para coibir abusos. Tais emissoras desconsideram, portanto, sua qualidade de meras concessionárias de serviço público e seu dever de transmissão de programação educativa, na forma exigida pelo artigo 221 da Constituição.
Por vezes, a pressão é mais direta. Por exemplo, recentemente um grupo de Promotores de Justiça representou, perante a Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, o Juiz de Direito Roberto Corcioli Filho. 
O “fundamento” da representação reside, basicamente, no fato do magistrado exercer sua independência funcional em favor do controle rigoroso sobre a atividade policial (para isso, relaxando prisões que entendia ilegais), promovendo o diálogo em conflitos sociais (designando audiência de conciliação em caso de reintegração de posse contra sem-tetos) e impedindo o abuso do poder econômico (vedando o uso de um aplicativo com base na regulação legal à atividade econômica).
O momento para uma discussão racional
O atual acirramento dos debates políticos tem colocado o Judiciário no centro da discussão. O problema é que, em razão de acusações de práticas abusivas por um ou outro juiz no decorrer da atual crise política, alguns grupos historicamente defensores dos direitos dos excluídos têm clamado pela restrição à independência funcional dos magistrados, como se esta prerrogativa fosse um óbice para o Estado de Direito.
É preciso ter cautela. Restringir a independência funcional é retirar, por completo, qualquer possibilidade de uma leitura jurisdicional emancipatória dos direitos. É também impedir, em definitivo, a possibilidade de decisões contrárias àqueles que Raymundo Faoro chamava de os donos do poder.
O foco deve ser outro: combater déficits democráticos, como os acima apontados, para permitir que a leitura dos direitos privilegie a liberdade e a igualdade. Nesse sentido, convida-se o leitor a conhecer as propostas da Associação Juízes para a Democracia para uma Loman democrática.
A tentação autoritária é grande em momentos de tensão. É preciso promover uma discussão racional para adaptar o Judiciário à democracia. 

*André Augusto Salvador Bezerra é mestre e doutorando pelo Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e outras legitimidades da Universidade de São Paulo (USP). Presidente do Conselho Executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD). 
Fonte: Carta Capital

Privilégios da toga

Política

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Privilégios da toga

O comum objetivo de dilatá-los semeia a discórdia no STF ao debater a proposta de uma nova Lei Orgânica da Magistratura
por Mauricio Dias — publicado 02/07/2016 06h30
Carlos Humberto/STF e Tomaz Silva/ABr
Sopra um vento forte de desentendimento entre os 11 componentes do Supremo Tribunal Federal (STF). A origem da ventania surgiu da proposta de uma nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman) apresentada, em recente reunião administrativa, pelo ministro-presidenteRicardo Lewandowski. A reunião foi tensa. O texto recebeu críticas duras.
Prevaleceu entre os pares o ditado popular: cada cabeça uma sentença. Só houve união em torno da condenação das regalias propostas no texto apresentado por Lewandowski.
Contra tais privilégios reagiu, por exemplo, o ministro Luís Roberto Barroso. Avesso ao “conjunto de penduricalhos” nos salários dos juízes previstos na proposta, ele explica: “Acho que os juízes devem ser bem pagos, mediante subsídios e de uma forma transparente”.
Oficialmente, o salário de um “ilustre magistrado” não pode ultrapassar o teto constitucional, hoje em torno de 33 mil reais. Mas já, já, pode chegar a 39 mil reais, caso saia o aumento de salários aprovado há poucas semanas na Câmara dos Deputados e ratificada pelo Senado.
Afora o fixo, a remuneração legal é, porém, turbinada pelos ditos penduricalhos. Uma fartura: venda de férias, bonificação por dar aulas, abono de permanência, licença, acúmu­lo de cargos e auxílio-moradia. E vai por aí.
Um leitor minucioso, conhecedor dos fungos do Supremo às entrelinhas embutidas na proposta da nova Loman, assegura: “O projeto deixa brechas para interpretação remuneratória pelos próprios interessados e concede benefícios que jamais serão atribuídos a outros trabalhadores”.
Essa é a diferença entre os trabalhadores com toga e os sem toga.
Criar despesas grandiosas e definitivas em momento que exige austeridade, já apagada nos discursos toscos de Temer, significa estapear o cidadão. Aquele cidadão comum sem os privilégios oferecidos nas cortes.
O atento precursor dos objetivos das togas lembra que nada justifica a concessão de dois longos meses de férias com a faculdade de “negociá-las”. Ora, se isso é possível, os tais 60 dias são desnecessários a partir de uma análise superficial.
Um dos pontos sensíveis do texto da nova Loman é o “rebaixamento” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Cheira a deboche e impunidade”, fareja o supracitado precursor.
Ele explica que a Constituição prevê a inserção do CNJ em um patamar de importância, enquanto o projeto da nova Loman dá “posição geográfica ao Conselho abaixo dos demais órgãos do Poder Judiciário”.
A intenção buscada seria a de transformar essa instituição em mera chancelaria dos acréscimos de remuneração e esquecimento de limites como o teto. Bem ao contrário da ideia histórica de punir com rigor certos magistrados falastrões e corruptos.
Todos são iguais perante a lei, mas a lei para a toga é mais clara. Assim como o Exército é mais igual entre as Forças Armadas. Poderia ser também esse o lema nos dois casos.
Parece uma análise genérica, mas o dia a dia do poder de olhos vendados indica uma situação calamitosa. Castas significam custos e o País só mergulha no atraso com atitudes assim.
A história não anda só para a frente. Nesse caso engatou a ré. 

Fonte: Carta Capital

A crise e o projeto da direita

Política

Opinião

A crise e o projeto da direita

Temer é uma contingência que, brevemente, não passará de pedra secundária numa partida de xadrez
por Roberto Amaral — publicado 09/06/2016 15h51, última modificação 09/06/2016 16h46
Lula Marques / Agência PT
Michel Temer e Paulo Skaf
Michel Temer e Paulo Skaf, presidente da Fiesp: a crise está longe de acabar
A crise política em curso, tocada por semeadores de ventos que não acreditam em tempestades, caminha a passos largos para transformar-se em grave impasse institucional.
Diante de uma estarrecida opinião pública, desfilam os chamados Poderes da República (poderes formais, pois não se incluem, entre eles, a Febraban e o Sistema Globo de Comunicação), carentes de legitimidade, alvos do justo descrédito popular. Sobrenadam, abraçados como náufragos. Nenhum parece consciente da gravidade da crise que ajudaram a semear.
Em que vai dar tudo isso?
ataque ao mandato da presidenta Dilma Rousseff – consumado ou não o golpe parlamentar em curso – não encerra a história toda da crise: é apenas a face aparente de um movimento tectônico que os sismógrafos sociais não conseguem antecipar.
O golpe em andamento no Senado é, para o projeto da direita, uma necessidade, a abertura de um caminho, a desobstrução de uma trilha, enquanto a posse de Michel Temer, dele consequente, é uma contingência. Necessidade e contingência de um projeto maior, do qual eles, o golpe e a posse do presidente perjuro, são apenas instrumentos tornados operacionalmente indispensáveis.
Necessidade e contingência que serão superadas, cada uma a seu tempo. O presidente interino, qualquer que seja o destino de seu governo, brevemente não passará de pedra secundária numa partida de xadrez, e como pedra secundária poderá ser trocado lá na frente ou logo mais, como são removíveis as peças sem valia, como já foi expelido Eduardo Cunha, concluída sua faina suja. Como foi descartado Romero Jucá, o articulador, e como serão os tantos já a caminho do patíbulo, entre delatores e delatados.
Para além da deposição de Dilma Rousseff, a nova direita brasileira, operada por uma articulação que compreende setores do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Poder Judiciário, sob o comando ideológico da empresa dos Marinhos, projeta a arquitetura de um novo Estado, o qual, descompromissado com a democracia representativa, poderá realizar as reformas (na verdade, contrarreformas) requeridas pelo projeto neoliberal-arcaico. Por isso e para isso é útil o governo títere de Michel Temer.
Eis o objetivo real do golpe e eis o golpe verdadeiro.
A base ideológica desse "novo" governo, gestado na fraude e no golpe, foi anunciada não pela "Ponte para o Futuro", do PMDB, já de si reacionaríssima, mas pela média dos pronunciamentos que no dia 17 de abril, na votação preliminar da Câmara dos Deputados, ofenderam o decoro da sociedade brasileira.
O que ela representa de regresso foi ensaiado pelo governo provisório e consabidamente nenhuma de suas propostas seria aprovada se submetida ao eleitorado numa campanha presidencial. Trata-se, pois, de fraude construída por um ato de força. Disso têm consciência seus estrategistas, e por isso utilizam-se, nessa primeira fase, de um governante sem origem na soberania popular, o único capaz de governar de costas para o povo e para o País.
Para isso serve Temer e por isso deverá ser mantido até pelo menos o início de 2017, quando poderá ser substituído sem abalos.
O velho projeto do PSDB (alguém ainda se lembra das falas do Sérgio Motta?) de domínio político do Brasil por 20 anos, voltou à ordem do dia, agora sem os tucanos de carteirinha, e se objetiva no controle prioritário e essencial da economia e da política externa, como forma de fazer valer um regime neoliberal ultrarradical, necessariamente amparado pela retomada de incondicional subordinação de nossa diplomacia aos interesses geoestratégicos dos EUA.
Em outras palavras, renúncia ao desenvolvimento, às conquistas sociais, ao combate às desigualdades e à pobreza, ao desenvolvimento científico e tecnológico, à industrialização, ao domínio das reservas do pré-sal... renúncia, enfim, ao projeto de nação independente.
Mas isso não tem sustentação social, dirá o leitor, que já acompanha, com entusiasmo, a reorganização popular que explode em todos os quadrantes do País e galvaniza setores ponderáveis da classe média e dos trabalhadores. Daí a necessidade de desviar todo e qualquer risco de eleições, retornando o povo para sua condição de figurante do processo histórico, o máximo que lhe concede a classe dominante na sociedade de classes.
O terremoto desencadeado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deverá ser contido, para que não ameace a Presidência de Temer, porque sua substituição, ainda no corrente ano, exigiria novas eleições (art. 84 da C.F.), e eleições é tudo o que a direita governante não deseja.
Eleições agora? Jamais! Eleições amanhã, só na hipótese de seus adversários conhecidos serem dizimados. Caso contrário, a alternativa, já na prancheta, será: 1. Hipótese ótima, a implantação de um modelo qualquer de parlamentarismo (lembrai-vos de 1961!). Ou 2.Alternativa de composição, a adoção de um parlamentarismo disfarçado, que será chamado de "presidencialismo mitigado".
Essa opção poderá ser implantada mediante reforma constitucional – factível em face da maioria parlamentar de que dispõe hoje a direita – que simplesmente alterará, mediante Emenda Constitucional, reduzindo-a a competência do Poder Executivo, e, pari passu, aumentando-a a competência do Poder Legislativo, que, mero exemplo, poderá assumir papel ativo nas políticas econômicas e exterior, cujos ministros, outro exemplo, teriam suas nomeações submetidas ao Congresso.
Qualquer dessas hipóteses atende ao projeto conservador, porque, se não evita as eleições presidenciais sempre imponderáveis, transforma o eventual presidente em uma rainha Elizabeth: reina, mas não governa. Nessa hipótese pode haver eleições presidenciais, pois qualquer um – até mesmo Lula! – pode ser eleito, uma vez que o governo e a direção da política econômica ficarão com quem controla o Congresso.
Eis o golpe. Este o projeto da direita, claro como as águas dos regatos.
E o projeto das forças populares? Deve ser investir no processo eleitoral. Mas é tolice propor eleições gerais (que deputado aceitaria perder dois anos de mandato? Que senador aceitaria perder seis anos de mandato?) ou Constituinte para 2018, pois, eleita segundo as regras de hoje, seria a reprodução piorada do Congresso de hoje. E aí teríamos saudades da "constituição cidadã".
Retomado o poder, a presidenta Dilma, livre do "presidencialismo de coalizão", deverá articular um novo pacto, desta feita político-popular, o qual, a partir também de nova proposta de governo, lhe assegurará governabilidade e condições de convocar uma Constituinte exclusiva, com a função específica de proceder, em um ano (findo o qual se autodissolverá), à reforma política que ditará as eleições de 2018, reforma sem a qual não haverá saída política para a crise de legitimidade da democracia representativa e dos Poderes que a integram, e reforma que não pode ser levada a cabo pelos atuais parlamentares, beneficiários das mazelas graças às quais se elegeram e promovem a renovação de seus mandatos.
Por que exclusiva e específica? Porque preservará o atual Congresso e não interferirá em suas atribuições, cuidando especificamente da reforma do sistema político-eleitoral. Esta saída, porém, não é uma panaceia, e grandes ainda são os riscos que cercam essa eventual Constituinte eleita nas circunstâncias atuais, com a legislação atual, com a direita forte e confiante, com o poderio da mídia intocado.
Uma única coisa é certa: nenhum avanço é pensável a partir do atual Congresso. Para isso e para o que quer que seja, é fundamental frustrar o golpe.
Leia mais em www.ramaral.org
Fonte: Carta Capital

Por que defender a Constituição de 1988

Política

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Por que defender a Constituição de 1988

Temos todos os motivos (e comungamos de todos os deveres) para defender a legalidade democrática
por Roberto Amaral — publicado 01/07/2016 08h43
Ulysses Guimarães e a Constituição de 1988
As Constituintes de 1946 e 1988 nasceram, ambas, do pleito popular e como fruto de pactos sociais
À Constituição de 1988 são devidos 26 anos de estabilidade democrática, o mais extenso período desde 1946.
É preciso festejá-los, pois é nos momentos de segurança democrática que mais avança o processo político, e com ele se fortalecem as organizações sindicais e populares.
Temos todos os motivos (e comungamos de todos os deveres) para defender a legalidade democrática, pois, sempre que ela é rompida são os movimentos populares, os trabalhadores, os camponeses e os pobres que pagam o alto preço da fatura, seja por força das restrições impostas ao exercício da política em geral e do sindicalismo de forma específica, seja pela prática de restrições (também chamadas de ‘flexibilização’) aosdireitos trabalhistas, no que, aliás já se empenha o presidente interino porque esta é, entre nós, a história recorrente dos governantes de direita.
Por isso devemos combater o governo da ursurpação, pois pretende impor ao País – trata-se de projeto já em curso – um  retrocesso de décadas, expresso na sua proposta para a economia, que visa ao desmonte do Estado, o aprofundamento da desnacionalização, a desvinculação do salário mínimo, a reforma da previdência e a precarização das relações trabalhistas, sob o pomposo nome de flexibilização.
A defesa da legalidade é, hoje como sempre, uma cara bandeira das esquerdas brasileiras: ela se faz agora de par com a denúncia dos atentados que se perpetram contra a ordem democrático-constitucional, e as ofensas partem do Congresso, do Executivo e, até, do Poder Judiciário, principalmente do Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é a de guardiã da Constituição.
Pois essa Corte faz tábula rasa do seu Art. 5º, o que trata dos direitos e garantias individuais e coletivos.
Em todos os momentos de domínio político pelo conservadorismo, e estamos em face de sua recidiva (que promete ser a mais profunda nos últimos 20 anos e que se anuncia contundente e longeva), as vítimas foram os movimentos populares, e em todos esses momentos a resistência democrática foi a bandeira das esquerdas brasileiras.
Já está o governo interino investindo contra o movimento sindical, contra a previdência social e contra o movimento estudantil.
Mas não é esse o único abismo a nos separar: aqui, os avanços da democracia e da participação, estiveram sempre apoiadas no movimento popular e na legalidade, e, de certa forma, sempre atendendo a suas demandas (como, por exemplo em 1961, com a defesa da ordem constitucional e em nome dela a posse do vice-presidente João Goulart), enquanto a instauração do Estado autoritário (como o de 1937 e o de 1964) dependeu sempre do esbulho, da fraude, do golpe, ainda quando perpetrado sob o manto de um legalismo formal.
De igual intenta consagrar-se o conservadorismo autoritário do governo interino, fraudulento em sua gênese, que promete consolidar-se como poder de fato quanto mais se distancia da expectativa de poder legítimo, meta que se lhe afigura como irrelevante.
Tanto a Constituição ‘cidadã’ do Dr. Ulysses, quanto o regime de 1946, nasceram após a derrota de duas ditaduras (o ‘Estado Novo’ de Vargas e a ditadura militar implantada em 1964).
A queda do ‘Estado Novo’, em 1945, coincidia – como um reflexo – com a demolição do nazi-fascismo e a vitória dos exércitos aliados, cujos feitos abriram caminho para o crescimento no Brasil e em todo o mundo dos movimentos populares, trabalhistas e comunistas, antes reprimidos pela ditadura.
As Constituintes de 1946 e 1988 nasceram, ambas, do pleito popular e como fruto de pactos sociais.
Somos beneficiários desses ventos.
Para não ir mais longe, a Constituinte de 1988 foi convocada e reuniu-se na cimeira de ampla ação popular e de massas, como o grande fruto da luta pela Anistia e contra a tortura, como fruto do pleito pelas Diretas-já, da implosão do Colégio eleitoral e da eleição de Tancredo Neves.
A ascensão do movimento popular – e com ele o crescimento das organizações de esquerda – era o desdobramento da luta contra a ditadura, reunindo em um mesmo palanque todas as forças populares e democráticas do país, e mesmo a dissidência liberal do regime militar.
Contra essa base legitimadora investe o atual Congresso.
A Constituição de 1988 foi o fruto de um pacto que refletia a correlação de forças do momento. Se esse pacto na medida em que possibilitou a Constituinte também condicionou a redemocratização, limitando seus avanços sociais e políticos, verificamos, passados quase 30 anos, que há muito o que comemorar, a começar pela estabilidade democrática, a vida política sem abalos institucionais, livrando-nos daquela insegurança que caracterizara o regime de 46-64, pontilhado de golpes de Estado, insurreições militares, crises políticas, mudança de sistema de governo, até desembocar em uma ditadura militar que revogou a ordem constitucional democrática, substituindo-a pela violência dos Atos Institucionais.
Uma das características da atual ordem constitucional é sua capacidade de absorver golpes enquanto permanece incompetente para sair das cordas a que foi levada pelo avanço do golpismo de direita, que se objetiva na usurpação do mandato da presidente legitimamente eleita.
Esse golpismo fere o princípio pétreo da soberania do voto. Esse golpismo se manifesta quando o governo interino impõe ao país um programa econômico que implica radical guinada liberal, sem qualquer respaldo social, sem qualquer consulta ou discussão ou aprovação em processo eleitoral.
Ele se desvela quando o Congresso, sob o comando do Planalto de hoje, e dando sequência ao golpe parlamentar aberto em 17 de abril pela Câmara dos Deputados, inicia a desconstrução da ordem constitucional de 1988, atentando contra o projeto de Estado fundado no desenvolvimento com inclusão social, ponto de partida inafastável para o combate à pobreza, à fome e à desigualdade social.
Foi em torno desse projeto que a sociedade se manifestou respaldando a Constituinte.
"A Constituição não cabe no Orçamento", dizem agora os arautos desse liberalismo a fórceps, para quem a ciranda financeira deve ser preservada a todo custo, como preservada deve ser a identidade dos credores que drenam os recursos da nação. "Sem reforma da Constituição não há possibilidade de equacionar o pagamento da dívida", diz o ex-presidente do Banco de Boston, agora nosso Czar das finanças.
Campeão de impopularidade e motivo de rejeição crescentes, quais são as bases sociais nas quais se apoia o nominalmente chefe do governo antipovo?
Na verdade, Michel Temer ocupa espaço no Palácio do Planalto pela contingência de encontrar-se na vice-presidência da República e ser desprovido daquele caráter que notabilizou o probo e honrado José Alencar.
O Poder foi tomado de assalto pelos interesses vinculados ao imperialismo e ao grande capital nacional, a ele vinculado ou não, tendo à frente o capital rentista e o agronegócio, com a ajuda da bancada pentecostal (89 deputados), em um Congresso ainda hoje liderado pelo deputado-réu Eduardo Cunha (o que por si diz tudo de sua qualidade ética) e assim apto ao golpe, com um Poder Judiciário que ao golpe se associou.
Desse projeto Temer é o instrumento necessário, mas o núcleo duro do poder está longe de suas mãos, exercido que é pela dupla Meirelles-Serra, que, nesse governo, desempenham o mesmo e crucial papel que em 1954, quando assumiu Café Filho, desempenharam Eugênio Gudin e Vicente Rao, e que na primeira fase da ditadura, a mais entreguista, sob Castello Branco, exerceu a dupla Campos-Bulhões.
A História não se repete, por óbvio, mas no Brasil ela é recorrente.
Assumindo o Poder em agosto de 1964, a UDN (que com seus tentáculos militares e a associação com a grande mídia, levara Vargas à deposição e em seguida ao suicídio), não teve condições de evitar as eleições de 1955 e muito menos as eleições de Juscelino Kubitscheck e João Goulart, que, por circunstâncias históricas, representavam, principalmente para o lacerdismo, o retorno do varguismo.
Tentaram o golpe – o núcleo duro do Catete e o lacerdismo – e, derrotados, tiveram de resignar-se à vitória da legalidade.
Em 1961, não podendo de novo impedir a posse de Jango, impuseram o parlamentarismo, com o inefável e decidido apoio do Congresso nacional. Os militares de 1964 encontraram convocadas as eleições de 1965 para os governos estaduais, e as mantiveram, e as perderam. A resposta veio a galope com o fim das eleições diretas.
Hoje, qualquer alternativa serve à direita, menos eleições, a não ser eleições de cartas marcadas, ou sem adversário, daí, como prévia condição, a tentativa de aniquilamento do PT e a destruição moral e política de Lula, em que se empenha a articulação reacionária.
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Fonte: Carta Capital