terça-feira, 1 de agosto de 2017

1576: Morre Hans Staden, autor de relato de viagem sobre Brasil

1576: Morre Hans Staden, autor de relato de viagem sobre Brasil
Deutsche Welle
Felipe Tadeu | Deutsche Welle | Bonn - 30/07/2017 - 10h46
Em 30 de julho de 1576, o alemão Hans Staden, autor de um importante relato de viagem sobre o Brasil pós-descobrimento, morria em seu país natal
  

Em Wahrhaftige Historia, o alemão Hans Staden relata duas viagens que realizou ao Brasil entre os anos de 1548 e 1555. Quatrocentos e cinquenta anos depois de sua primeira edição, o livro permanece um dos mais curiosos documentos sobre a cultura dos índios brasileiros, especialmente os tupinambás, que aprisionaram o navegante e mercenário alemão e, segundo ele próprio, quase o devoraram em seus rituais canibalescos.
 

Os homens do outro lado do Atlântico

O relato de Hans Staden (1525–1579) está para os alemães assim como a carta de Pero Vaz de Caminha para os reis de Portugal. Em Verdadeira História dos Selvagens, Nus e Devoradores de Homens, Encontrados no Novo Mundo, A América, a reportagem feita por Staden é a descrição de um homem simples, de forte fervor religioso, sobre a natureza e a paisagem do Brasil e os costumes de seus habitantes.

Uma aventura onde se revelam também as questionáveis formas de colonização empregadas pelos europeus na conquista de outros continentes e o inevitável choque cultural entre os chamados "selvagens" e "civilizados".

Segundo a Brasiliana da Biblioteca Nacional, de 2001, o livro de Staden foi determinante para os europeus: "A sua influência no meio culto da época ajudou a criar, no imaginário europeu quinhentista, a ideia da terra brasílica como o país dos canibais, devido às ilustrações com cenas de antropofagia".

Monteiro Lobato foi taxativo ao estimar o valor dos escritos do autor alemão: "É obra que devia entrar nas escolas, pois nenhuma dará melhor aos meninos a sensação da terra que foi o Brasil em seus primórdios."

Em suas próprias palavras, Staden não pretendia se vangloriar de suas experiências junto a um povo tão exótico para ele. "O porquê de ter escrito este livrinho foi enfatizado por mim em diversos trechos. Todos nós devemos louvar e agradecer a Deus por ter-nos protegido desde o nascimento até os dias de hoje, ao longo de uma vida inteira."

Gemeinfrei

Relato de Hans Staden revela também as questionáveis formas de colonização empregadas pelos europeus na conquista de outros continentes

 
"Assim como os portugueses, franceses, espanhóis e holandeses, os alemães também participaram da exploração do Brasil no início do século 16. Minha primeira viagem para a América foi em uma nau portuguesa. Éramos três alemães a bordo, Heinrich Brant von Bremen, Hans von Bruchhausen e eu. A segunda viagem ia de Sevilha, na Espanha, para o Rio de La Plata", conta o autor, que na segunda expedição era o único alemão presente. "Acabamos sofrendo um naufrágio em São Vicente. Trata-se de uma ilha que fica bem próxima à terra firme brasileira e é habitada por portugueses."

O livro revisitado

Os nove meses em que Hans Staden ficou em poder dos tupinambás renderam um relato impressionante em nível antropológico, sociológico, linguístico e cultural que é constantemente revisitado.

O livro, considerado um sucesso editorial, já inspirou montagens teatrais pelo mundo afora, semeando a imaginação dos modernistas Raul Bopp e Oswald de Andrade na criação da Revista de Antropofagia, de 1928, onde foi publicado o substancial Manifesto Antropofágico, de Oswald: "Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comi-o".

A aventura de Hans Staden acabou sendo levada às telas pelas mãos do cineasta brasileiro Luiz Alberto Pereira em Hans Staden, um dos poucos filmes na história do cinema em que a língua falada pelos atores é, predominantemente, a tupi, e que conquistou diversos prêmios no Brasil e nos Estados Unidos.


O livro ganhou em 1998 uma primorosa edição da Dantes Editora e Livraria, do Rio de Janeiro, em tradução de Pedro Süssekind, que traz, além das ilustrações originais, desenhos e gravuras de Theodoro de Bry, Roque Gameiro, Van Stolk, entre outros.

Boaventura de Sousa Santos: Em defesa da Venezuela

Boaventura de Sousa Santos: Em defesa da Venezuela
Boaventura de Sousa Santos | Lisboa - 29/07/2017 - 17h14
Os desacertos de um governo democrático se resolvem pela via democrática, que será mais consistente quanto menor seja a interferência externa
  

A Venezuela vive um dos momentos mais críticos de sua história. Acompanho de maneira crítica e solidária a Revolução Bolivariana desde o início. As conquistas sociais das últimas décadas são indiscutíveis. Para comprovar, basta consultar o último relatório da ONU de 2016 sobre a evolução do Índice de Desenvolvimento Humano.
Diz o relatório: "O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Venezuela de 2015 foi de 0.767 - o que colocou o país na categoria de alto desenvolvimento humano - posicionando-o no 71º lugar entre 188 países e territórios. Tal classificação é compartilhada com a Turquia." De 1990 a 2015, o IDH da Venezuela aumentou de 0.634 a 0.767, um aumento de 20,9%. Entre 1990 e 2015, a expectativa de vida no nascimento aumentou para 4,6 anos, o período médio de escolaridade aumentou para 4,8 anos e o período de escolaridade média geral aumentou para 3,8 anos.A renda nacional bruta per capita aumentou cerca de 5,4% entre 1990 e 2015. Nota-se que estes progressos foram obtidos na democracia, interrompida somente durante a tentativa de golpe de Estado em 2002 e protagonizada pela oposição com o apoio ativo dos Estados Unidos.
A morte prematura de Hugo Chávez em 2013 e a queda do preço do petróleo em 2014 causaram uma comoção profunda nos processos de transformação social que estava em curso. A liderança carismática de Chávez não possuía um sucessor, a vitória de Nicolás Maduro nas eleições seguintes se deu com uma pequena margem de diferença, o novo presidente não estava preparado para as complexas tarefas do governo e a oposição (muito dividida internamente) percebeu que seu momento tinha chegado. Novamente foi apoiada pelos Estados Unidos, sobretudo quando, em 2015, e novamente em 2017, o presidente Obama considerou a Venezuela como uma “ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos”, uma declaração que foi considerada exagerada, se não ridícula, mas que, como explicou posteriormente, tinha uma lógica (de acordo com o ponto de vista dos Estados Unidos, claro).
A situação passou a piorar, até que, em dezembro de 2015, a oposição conquistou a maioria na Assembleia Nacional. O Tribunal Supremo de Justiça suspendeu quatro deputados, alegando fraude eleitoral, a Assembleia Nacional desobedeceu. A partir daí, a confrontação institucional se agravou e foi progressivamente se espalhando pelas ruas, alimentada também pela grave crise econômica e de abastecimento que eclodiu no país. Mais de cem mortos, uma situação caótica.
No entanto, o presidente Maduro tomou a iniciativa de convocar uma Assembleia Constituinte, a ser eleita no dia 30 de julho, e os Estados Unidos ameaçam com mais sanções se as eleições acontecerem. Sabe-se que esta iniciativa busca superar a obstrução da Assembleia Nacional dominada pela oposição.
No último dia 26 de maio, assinei um manifesto elaborado por intelectuais e políticos venezuelanos de diferentes tendências políticas, solicitando que os partidos e os grupos sociais em conflito interrompessem a violência praticada nas ruas e iniciassem um debate que permitisse encontrar uma saída não violenta, democrática e sem a intervenção dos Estados Unidos. Decidi então não voltar a me pronunciar sobre a crise venezuelana.
Por que o faço hoje? Porque estou assustado com a parcialidade da comunicação europeia, incluindo a portuguesa, sobre a crise na Venezuela, uma distorção a qual recorrem todos os meios de comunicação para demonizar um governo eleito legitimamente, causar um incêndio social e político e legitimar uma intervenção estrangeira de consequências incalculáveis.
A imprensa espanhola beira a pós-verdade, divulgando notícias falsas sobre a posição do governo português. Me pronuncio movido pelo bom senso e pelo equilíbrio que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, demonstrou sobre o tema. A história recente mostra que as sanções econômicas afetam mais aos cidadãos inocentes do que aos governos.
Basta lembrar das mais de 500 mil crianças que, segundo o relatório das Nações Unidas de 1995, morreram no Iraque como resultado das sanções impostas depois da Guerra do Golfo. Recordemos também que na Venezuela vivem meio milhão de portugueses ou lusodescendentes. A história recente também ensina que nenhuma democracia sai fortalecida de uma intervenção estrangeira.
Agência Efe / Arquivo

Manifestantes opositores em Caracas, na Venezuela, no dia 27 de maio

Os desacertos de um governo democrático se resolvem pela via democrática, que será mais consistente quanto menor seja a interferência externa. O governo da Revolução Bolivariana é um governo eleito democraticamente. Ao longo de muitas eleições durante os últimos vinte anos, nunca deu sinais de não respeitar os resultados eleitorais. Perdeu eleições e pode voltar a perder a próxima, e seria condenável somente se não respeitasse os resultados.
Mas não se pode negar que o presidente Maduro tem legitimidade constitucional para convocar a Assembleia Constituinte. Evidentemente que os venezuelanos (incluindo muitos chavistas críticos) podem, legitimamente, questionar sua ocasião, sobretudo considerando que dispõem da Constituição de 1999, promovida pelo presidente Chávez, e dispõem de meios democráticos para manifestar este questionamento no próximo domingo. Mas nada justifica o clima de insurreição que a oposição tem radicalizado nas últimas semanas, cujo objetivo não é corrigir os erros da Revolução Bolivariana, mas decretar seu fim e impor as receitas neoliberais (como está ocorrendo no Brasil e na Argentina), com tudo que representará para a maioria pobre da Venezuela.
O que deve preocupar os defensores da democracia, ainda que isto não preocupe os meios de comunicação globais que tomaram partido pela oposição, é a forma como os candidatos estão sendo selecionados. Se, como se suspeita, os aparatos burocráticos do Governo sequestraram o impulso participativo das classes populares, o objetivo da Assembleia Constituinte de ampliar democraticamente a força política da base social de apoio à revolução estará frustrado.
Para compreender por que provavelmente não haverá uma saída não violenta à crise da Venezuela, é conveniente saber o que está em jogo no plano geoestratégico mundial. O que está em jogo são as maiores reservas de petróleo do mundo. Qualquer país, por mais democrático que seja, que possua este recurso estratégico e não o torne acessível às multinacionais, em sua maioria norteamericanas, está sob a mira de uma intervenção imperial.
A ameaça à segurança nacional sobre a qual falam os presidentes dos Estados Unidos, não está somente no acesso ao petróleo, mas também no fato de que o comércio mundial de petróleo se organiza em dólares estadunidenses, o verdadeiro núcleo do poder dos Estados Unidos, já que nenhum outro país tem o privilégio de imprimir as notas que considere sem que isso afete significativamente seu valor monetário.
Por esta razão, o Iraque foi invadido e o Oriente Médio e a Líbia foram arrasados (neste último caso, com a cumplicidade ativa de França de Sarkozy). Pelo mesmo motivo, houve ingerência, hoje documentada, na crise brasileira, pois a exploração das jazidas petrolíferas do pré-sal estava nas mãos dos brasileiros. Pela mesma razão, o Irã voltou a estar em perigo. Do mesmo modo, a Revolução Bolivariana tem que cair sem ter a oportunidade de corrigir democraticamente os erros graves que seus dirigentes cometeram nos últimos anos.
Sem intervenção externa, estou seguro de que a Venezuela saberia encontrar uma solução não violenta e democrática. Infelizmente, o que está em curso é usar todos os meios disponíveis para colocar os pobres contra o chavismo, a base social da Revolução Bolivariana e aqueles que mais se beneficiaram dela. E, paralelamente, provocar uma ruptura nas Forças Armadas e um consequente golpe militar que derrube Maduro. A política exterior da Europa (se fosse possível falar em tal) poderia constituir uma força moderadora se, no entanto, não tivesse perdido a alma.
*Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático aposentado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Este artigo foi publicado originalmente em espanhol no portal Aporrea e traduzido para o português por Luiza Mançano para o site do Brasil de Fato.

OS FRACASSOS DO GOLPE SÃO O SEU SUCESSO

Os fracassos do golpe são o seu sucesso
Emir Sader


O Congresso está pronto, alegremente, para absolver a Temer. Tudo está devidamente acertado, comprado, com recibo e tudo, aos olhos de todos. Mas interessa o numero magico de parlamentares que receberam as vantagens que o governo golpista lhe deu, para absolverem o Temer, talvez mesmo à luz das câmaras da TV Globo.

Tudo pareceria absurdo, se não fizesse parte do projeto do golpe. Desmoralizar definitivamente a politica – governo, Congresso, partidos, eleição – é parte da politica de Estado mínimo e centralidade do mercado no seu lugar. Quanto mais débil o governo, mais exulta o mercado, porque impõe seus interesses com maior facilidade. Se o governo topa, tudo bem. Senão, impõe pela via dos fatos, pela financeirização da economia, seus interesses.

A economia do país está parada. E' exatamente o que o capital especulativo quer. Inviabilizar qualquer projeto de desenvolvimento econômico para o país, mostrar que seu destino é a estagnação.

Destruir o Estado é parte inerente do projeto de restauração neoliberal. Liquidar com o patrimônio público, com qualquer capacidade de regulação estatal, de proteção que o Estado oferecia aos trabalhadores, resguardando seus direitos, é o sonho do grande empresariado nacional e estrangeiro desde 2003.

Promover o maior desemprego a historia do país é indispensável para deixar os trabalhadores desamparados e na defensiva para defender seus direitos, disponíveis para o que quer a nova legislação do trabalho – negociar em quaisquer condições, aceitar salários miseráveis por promessas de manutenção do emprego.

Terminar com as politicas sociais, culpando a utilização desses recursos pelos problemas das finanças públicas. Deixar de novo abandonada a maioria da população, sem direitos básicos, entregue à sanha do mercado, em quaisquer condições de sobrevivência.

Enfraquecer a educação publica para fortalecer a educação privada. Deixar o SUS com ainda menores recursos, para desmoralizar a saúde pública e favorecer, para quem possa, o acesso a planos privados de saúde.

Deixar os trabalhadores rurais indefesos diante da ferocidade brutal dos proprietários rurais, para tentar derrotar o MST e todos os trabalhadores do campo, assassinados semanalmente de forma totalmente impune. Para mostrar que quem manda no campo é quem se vale da violência para implantar seus interesses.

Deixar os trabalhadores sem mecanismos de defesa diante da superexploração da sua força de trabalho, disponíveis para adaptar suas vidas aos horários e tempos do capital. Sem jornadas de trabalho fixas, sem carteira de trabalho, sem ferias, com horários de refeição reduzidos, sem proteção alguma que lhe garanta um salario minimamente digno e perspectiva de direitos básicos.

Desmoralizar a imagem do Brasil no mundo é outro fracasso que ao mesmo tempo é sucesso do golpe. Mostrar que o país nada tem a fazer no mundo, rebaixar sua atuação a ser figurante envergonhado dos circos armados pelas potencias dominantes. E' a politica de vira-latas a politica externa oficial do governo golpista.

Ter um Judiciário submetido ao monopólio privado da mídia, cometendo toda sorte de arbitrariedade contra a oposição e, em particular, seu líder maior, Lula. E' parte do golpe mostrar que se pode dar um golpe impunemente, com o silencio cumplice do STF. Que se pode desrespeitar a vontade majoritária do povo sem que qualquer instância do Judiciário zele pela Constituição.

Mostrar que pode se condenar sem prova alguma ao maior líder popular da nossa história, o presidente de maior sucesso da nossa história, que o povo quer de volta para resgatar tudo o que está perdendo, é possível, pelas arbitrariedades de um clown vestido de toga, sob os olhos cumplices do STF. Judicializar a política no que interessa ao golpe – condenar as lideranças democráticas e deixar impunes os corruptos da direita.

Estado fraco, economia estagnada, desemprego recorde, desmoralização do Estado, dos governos, dos parlamentos, da politica, dos partidos, povo sem emprego, sem casa, sem proteção social, sem segurança, sem esperança. Tudo faz parte do golpe, que foi dado exatamente para isso.

Faz parte do golpe absolver  Temer ou trocá-lo por um sucedâneo, para seguir com o pacote que destrói o país, a democracia, os direitos das classes populares, que liquida a educação e a saúde publicas, que joga a autoestima dos brasileiros no chão, que tenta demonstrar que nenhuma esperança é possível, nem que ela se chame Lula e se proponha o resgate do direito de todos, a volta da democracia, da autoestima e da imagem do Brasil no mundo.


O fracasso do país é o sucesso do golpe: liquidar o país, para que não incomode mais ao império e às multinacionais. Para que não ameace voltar e desta vez democratizar os meios de comunicação, terminar com a festa que os bancos privados fazem com os recursos públicos do País, eleger um Congresso que seja a cara do povo, um presidente que fale como o povo e com o povo, um Brasil democrático, justo e soberano.

Fonte: Brasil247