segunda-feira, 20 de março de 2017

O PODER JUDICIÁRIO COMO FATOR DE INSEGURANÇA JURÍDICA Imperdível! Constituinte Popular, já!

O Poder Judiciário como fator de insegurança jurídica
Roberto Amaral


O Estado de exceção se instala quando o Supremo Tribunal Federal, partidarizado, adota dois pesos e duas medidas na aplicação da lei.

O que correntemente denominamos ‘Estado de Direito democrático’, pois há ‘Estados’ para todos os gostos e um extenso cardápio de ‘direitos’ - nossa última Ditadura Militar (1964-1985), por exemplo, era um Estado definido como burocrático-autoritário -, distingue-se pelo fato de estar assentado em uma ordem jurídica legítima, isto é, derivada da soberania popular, e democrática, assim caracterizada pelos direitos assegurados, em igualdade de condições, a todos os cidadãos.

Um desses direitos é a existência de uma ordem jurídica conhecida e estável, fundada numa legislação democrática e igualmente conhecida e numa jurisprudência estabelecida, também estável e também conhecida, construída pelo pronunciamento reiterado dos tribunais.

Por trás de tudo isso e dando-lhe fundamentação filosófica, está a clássica divisão tripartite dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), com suas competências privativas que, na democracia, não podem ser invadidas.

A ordem constitucional depende da chamada "harmonia de poderes": compete ao Legislativo formular as leis, ao Executivo aplicá-las e ao Judiciário vigiar sua execução (é o que se chama de controle jurisdicional).

Todo esse mecanismo – cujo objetivo é assegurar a ordem jurídica democrática – assenta-se nos textos constitucionais, cuja legitimidade decorre de sua origem, a soberania popular expressada mediante uma Assembleia Constituinte.

Nessa engrenagem, cumpre a uma Suprema Corte, no topo do Poder Judiciário, assegurar a incolumidade da ordem jurídica constitucional e democrática, que impera sobre todos os poderes e sobre a sociedade e seus agentes.

Quando essa segurança – ditada por um direito (leis e jurisprudência) conhecido e estável – cessa, desaparece com ela o Estado de direito democrático e emerge o Estado de exceção.

Assim, não há mais como falar em Estado de direito democrático quando a Suprema Corte, por ofício guardiã da constitucionalidade, invade a competência dos demais poderes e decide contra a norma constitucional.

Isto vem ocorrendo no Brasil, por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determina a execução de pena privativa da liberdade sem o seu trânsito em julgado, quando a Constituição (inciso LVII do art. 5º) determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença condenatória”.

O STF também investe contra a Constituição quando permite que juízes de piso transformem a prisão preventiva, pela sua duração, em verdadeira pena antes do julgamento. Ele desserve à Justiça quando se atribui o direito de não estar condicionado por prazos.

O Estado de exceção se instala quando o STF, partidarizado, adota dois pesos e duas medidas na aplicação da Lei.

Diante da mesma hipótese legal – as nomeações do ex-presidente Lula e de Moreira Franco para o cargo de ministro de Estado, acusadas ambas de manobra para obtenção do foro privilegiado, tivemos duas decisões antípodas.

Numa delas, o ministro Gilmar Mendes, conhecido pela sua ostensiva parcialidade partidária, decidiu anular a nomeação do ex-presidente Lula para a chefia da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff.

Em outra decisão, diante de pedido de igual arguição, o ministro Celso de Mello sancionou a nomeação de Moreira Franco, acusado nos inquéritos da operação Lava-Jato, para a Secretaria Geral da Presidência de Michel Temer.

Ao rejeitar qualquer irregularidade na nomeação de Moreira Franco, o favorito da Corte, o ministro Celso Mello está, querendo ou não, afirmando que a decisão de Gilmar Mendes contra Lula foi uma exceção à regra. A Justiça desaparece quando emerge o casuísmo.

Entrementes, pouco antes da concessão da liminar pelo ministro Celso de Mello, o Tribunal Federal de Recursos da 2ª Região decidira que Moreira Franco poderia ser nomeado ministro, mas "sem o foro privilegiado" que até o reino mineral sabe que é inerente ao cargo. Estultice ou mais uma incursão legiferante sob pretexto de interpretação imaginosa da Constituição, violando seu texto?

Como tirar daí uma regra, um precedente para julgar hipótese futura?

As duas liminares concedidas monocraticamente, ainda não foram (serão um dia?) levadas ao pleno do Supremo, e assim produzem efeitos e prejuízos irreparáveis antes de terem o mérito julgado.

O STF, a despeito da Constituição, interfere no Legislativo, seja impondo procedimentos que não lhe cabe ditar, seja legislando.

Recentemente, o ministro Luiz Fux concedeu liminar - sempre elas! - para escancarar o ativismo de juízes e ministros, e mandou o Senado da República devolver à Câmara dos Deputados o famoso pacote de medidas autoritárias elaborado por jovens procuradores, jejunos em História e Sociologia.

Refiro-me às “10 medidas para acabar com a corrupção”, entre as quais está a aceitação, contra o réu, de provas mesmo ilícitas, desde que ‘obtidas de boa-fé’.Segundo o ministro, o Congresso havia alterado dispositivos do projeto original.

Ou seja, senadores e deputados estão acusados de haver legislado, função precípua para a qual foram eleitos e da qual não podem declinar!

Não estamos em face de casos isolados. O ministro Roberto Barroso, tido como bom constitucionalista e liberal, mas exorbitando de sua competência, determinou que a Lei Geral de Telecomunicações, aprovada no Senado, não fosse enviada à sanção presidencial, até que todos os recursos apresentados contra a tramitação da lei fossem apreciados.

Em dezembro último, o ministro Marco Aurélio Mello mandou afastar o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado, sabendo, pois não é analfabeto, que essa decisão só poderia ser tomada pelo plenário do Senado.

E há outros procedimentos irmãos de velhos expedientes de reles chicana, como o do ministro Gilmar Mendes, o inefável, segurando por quase dois anos a decisão (já aprovada por maioria) do STF de proibir o financiamento empresarial das eleições, cujo potencial de corrupção está escancarado pelas investigações da Lava-Jato.

Mas o ministro não se emenda e em entrevista recente, falando como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (STE), volta a defender o financiamento privado do processo eleitoral.

Na mesma sequência, e em casuísmo inaceitável, o STF, por decisão de sua Segunda Turma, decidiu que o ex-presidente José Sarney (PMDB-MA), sem mandato eletivo, seja, em processo aberto pela Lava-Jato, protegido pelo foro privilegiado.
E mais recentemente decidiu que a doação legal a partidos ou políticos pode ser considerada legal ou não. Fica ao critério do Procurador Geral, do relator, ou do Olimpo.

Ao protagonismo do STF, como coletivo, soma-se o ativismo individual de ministros e juízes de primeira instância.

O juiz Sérgio Moro, autoinvestido no papel de advogado de defesa do ainda presidente da República, opôs censura, por ‘impertinentes’, a 21 das 41 perguntas formuladas pelo seu comparsa Eduardo Cunha.

Essas mesmas perguntas, por exemplo: “Qual a relação de Vossa Excelência com o senhor José Yunes? O senhor José Yunes recebeu alguma contribuição de campanha para alguma eleição de Vossa Excelência ou do PMDB?”, foram aceitas, porém, em outro processo, corrente em Brasília, por outro juiz federal, Vallisney de Souza Oliveira.

Entrementes, uma quase delação do advogado José Yunes, amigo íntimo de Temer e seu ex-assessor na Presidência, revelariam a procedência das insinuações de Eduardo Cunha.

Como é sabido, Yunes confessou haver desempenhado o papel de mula (termo retirado da gíria dos narcotraficantes) na intermediação de milhões de reais entre o doador (Odebrecht) e o receptador, o hoje ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS), alvo de dezenas de citações dos delatores da Lava-Jato.

A transação teria sido acordada em 2014, em jantar no Palácio Jaburu, onde morava o então vice-presidente da República e presidente do PMDB, que teria presidido o convescote.

A ausência de critério alimentada pelo histrionismo de juízes ávidos de notoriedade se caracteriza pela corrente de decisões que se atropelam e se contradizem em todas as instâncias.

Uma das características dos Estados de exceção é a facilidade com que o direito – a norma — é alterado pela ordem dominante. Assim, nada obstante haver ditado por intermédio de um Congresso ilegítimo uma Carta Constitucional, a ditadura militar conservou, até seus últimos vagidos, o poder de criar novas normas (Atos institucionais e, deles derivados, Atos Complementares) através dos quais fazia face aos fatos novos que se interpunham ao seu império.

Mutatis mutandi essa adaptação do Direito à nova ordem, autoritária, se faz, presentemente, pelo STF, "adequando" sua jurisprudência, suas falas e seus silêncios aos interesses hoje hegemônicos.

Assim está a revogação do princípio da presunção da inocência, conquista do mundo civilizado, transformada em convicção preconcebida da culpa. O princípio segundo o qual o ônus da prova cumpre ao acusador – apotegma que remonta ao Direito mais remoto – transformou-se numa expressão vazia, sem sentido.

Na ditadura franca dos militares não havia, como há nas democracias, a exigência de sentença transitada em julgado para que o acusado fosse considerado culpado e, assim, condenado.

Naquela altura, o inimigo era culpado pelo simples fato de ser inimigo do regime, e assim, antes de julgado, era preso; só então, após sua confissão, obtida sob tortura, era aberto o processo que formalizaria a pena já em curso, a cadeia ou o ‘desaparecimento’.

Mas então estávamos em uma ditadura.

Diante de um Congresso que não honra o mandato da soberania popular, empenhado em limitar direitos de toda ordem; de um Executivo ilegítimo gerido por agentes da corrupção; diante de um STF partidarizado e casuísta, arbitrário na medida em que avança sobre as competências privativas dos demais Poderes; diante do discurso da ordem autoritária; a batalha que se oferece às forças progressistas é a defesa da ordem constitucional e democrática, a batalha pelos direitos e pelas igualdades.

* Jornalista, professor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia


Fonte: Blog do Roberto Amaral

ALOYSIO “300 MIL” ESTÁ VALORIZADO: JÁ É O BRUCUTU DE R$ 1 MILHÃO

Aloysio “300 mil” está valorizado: já é o brucutu de R$ 1 milhão

Fernando Brito


Aloysio Nunes Ferreira, o ministro das Relações Exteriores que vê ditadura no vizinho mas é ceguinho para golpe em casa, está, finalmente, sendo valorizado.

Já se lhe punha o apelido de “300 mil” por conta do inquérito que o falecido Teori Zavascki mandara abrir em setembro de 2015 – e que permanece em misterioso segredo de justiça – por conta da delação do empresário Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC,que disse ter doado, entre caixa 1 e 2, parcelas de R$ 300 mil e R$ 200 mil ao então candidato ao Senado

Agora, é o ex-diretor da Odebrecht Carlos Armando Paschoal, que, no lote de delações premiadas que está para sair do forno, quem relata o pagamento de R$ 500 mil por meio de caixa dois para a campanha ao Senado de Aloysio.

Segundo a Folha, o empresário conta que “o pedido por dinheiro foi feito pelo próprio Aloysio e as entregas foram realizadas em duas ou três parcelas em hotéis na zona sul da capital paulista.” Diz o jornal que aos procuradores, Carlos Armando Paschoal relata que “o tucano designou uma pessoa de sua confiança com quem foram combinadas senhas e endereços de entrega dos recursos”.
Mas isso ainda não é tudo, porque ainda tem a delação da OAS que o Ministério Público não quer ouvir, na qual Aloysio e Serra aparecem na farra do Rodoanel, aquela que o Paulo Preto está querendo delatar, depois de ser colocado no fogo pelo doleiro Adir Assad.

Que maravilha para o nosso país ter à frente de sua Chancelaria um homem assim, não é?

Só se recomenda aos repórteres cuidado ao tratar do tema com o ministro, porque ele é dado a incontinências verbais e a dizer que vai, sem diplomacia, passar das relações exteriores para as interiores.


CALOTEIRO DO INSS COMANDA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

CALOTEIRO DO INSS COMANDA A REFORMA DA PREVIDÊNCIA


Um dos argumentos dos críticos à proposta de reforma da Previdência de Michel Temer (PMDB) é de que o governo que diz que o sistema é deficitário deveria cobrar os deveres do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Entre os quais, o relator da reforma na Câmara dos Deputados, Arthur Maia (PPS-BA), que é sócio de uma empresa que está na lista de devedores.

Segundo matéria publicada pelo site UOL, o débito da empresa de Maia é estimado em R$ 151,9 mil, se refere a tributos previdenciários não pagos por uma distribuidora de combustíveis da qual Maia é sócio no interior da Bahia.

O deputado afirma que parcelou a dívida em 2013 e que, desde então, vem pagando seus débitos em dia. Mas não é o que diz a Receita Federal, que informa que o parcelamento de dívidas não muda a condição de devedor de um contribuinte.

"Os débitos ainda estão devedores em nossos sistemas, mas isso não impede que o contribuinte obtenha sua Certidão Positiva com Efeitos de Negativa após a análise de regularidade do pagamento das parcelas", disse a Receita Federal por meio de sua assessoria de imprensa.
A reportagem informa ainda que este não é o único parcelamento feito pela Lapa Distribuidora. Anos antes, a empresa havia aderido a outro programa, mas, diante das vantagens apresentadas pelo Refis de 2013, o comando da empresa decidiu abandonar o antigo parcelamento.

Enquanto parcela as dívidas tributárias das suas empresas, Maia defende na Câmara leis mais duras para devedores da Previdência.

"A minha ideia como relator é que possamos endurecer as normas contra aqueles que deixam de pagar o INSS, inclusive as empresas privadas", disse durante uma audiência pública da comissão da Reforma da Previdência.


NÃO HÁ COMO DEIXAR DE CHEGAR AO PSDB

Não há como deixar de chegar ao PSDB


Convidada para participar do Festival Internacional de Filmes de Direitos Humanos, em Genebra, a presidenta eleita Dilma Rousseff rebateu a declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, que, agora com delatores citando o envolvimento de membros da cúpula do PMDB e PSDB, diz que doações em caixa dois podem não configurar corrupção.

"Por que será que ele fala sobre isso agora?", questiona Dilma. E completa: "Acho isso muito interessante. Passei toda uma campanha eleitoral e nunca ouvi isso. Acho que uma coisa está mudando. Não há como deixar de chegar ao PSDB", afirmou Dilma com ironia aos jornalistas no evento.

Dilma enfatizou que foi vítima de uma conspiração política que não trouxe paz nem desenvolvimento ao Brasil. "Vivemos uma situação indefinida no Brasil e ninguém sabe como as coisas vão se desenrolar", afirmou.

Ela também defendeu o legado de seu governo e destacou os programas sociais, citando ainda a transposição do Rio São Francisco como um legado deixado pelo ex-presidente Lula.

Nesta sexta (10), a obra do trecho leste foi inaugurada por Michel Temer.

Se referindo a ele como "presidente ilegítimo", Dilma disse que Temer não pode buscar melhorar sua popularidade "em cima da obra alheia".

Sem citar o nome de seu sucessor, a quem chamou de "presidente ilegítimo", Dilma afirmou que Temer não pode tentar melhorar sua popularidade "em cima da obra alheia".

Ainda segundo a presidenta, o governo atual representa uma ameaça ao conjunto de políticas sociais implementadas durante o seu mandato. Ela também atribui a Temer a degradação do cenário econômico brasileiro. "Embora a imprensa diga que a situação econômica esteja melhorando, tanto a crise econômica quanto a crise política se aprofundaram", afirmou.

Perguntada sobre Lula, ela afirmou que o maior objetivo político no Brasil no momento é garantir que ele se candidate nas eleições de 2018. “Assegurar que Lula seja candidato é fundamental”, disse Dilma. Segundo ela, Lula atravessou um período no qual todos os meios de comunicação estavam contra ele, mas, apesar de tudo que fizeram contra o presidente Lula, “ele é o primeiro nas pesquisas”.

Dilma negou ter recebido propina da construtora ou de outras empresas em suas campanhas. “Nunca pedi propinas, nunca recebi propinas, e, de fato, nunca falei com todos aqueles que agora estão sendo investigados ou presos por terem pago propinas”, afirmou ela, que foi citada na delação premiada da Odebrecht.

Sobre a crise, Dilma também citou fatores externos como "a queda mundial do preço das commodities e o fim do afrouxamento monetário nos EUA", como alguns dos responsáveis pela crise econômica no Brasil. Dilma também fez uma autocrítica sobre suas políticas no governo.

"Achei que, diminuindo impostos do setor privado, teria um aumento dos investimentos. Arrependo-me disso. Fragilizei o lado fiscal e, em vez de investirem, eles aumentaram a margem de lucros", refletiu a ex-presidente.

Após o festival, Dilma deve se encontrar com parlamentares suíços e relatores de direitos humanos, além de participar de uma reunião na sede da Organização Internacional do Trabalho e de uma palestra no GraduateInstituteofGeneva, um centro de estudos de Ralações Internacionais, para falar sobre o futuro da luta contra o neoliberalismo.


REVOLUÇÃO FRANCESA NO BRASIL

Revolução francesa no Brasil

Saul Leblon



A eleição de 2018 pode ser a derrubada da Bastilha. Mas as sirenes da história impõem requisitos inéditos para isso.

Limada pelo bisturi conservador, a espantosa violência econômica imposta à população brasileira, neste momento, é confinada no calendário dos eventos pré-golpe.

Algo que ‘passou’, martelam autoridades e seus autofalantes de aluguel e fé.

‘Culpa da Dilma’, sintetiza o decano da indignação seletiva da Folha, cuja argúcia econômica foi apurada em Davos.

É assim que o “colunismo isento” esclarece uma nação afogada em desemprego recorde, cuja indústria retrocedeu ao tamanho de 2009, o investimento foi empurrado ao nível mais baixo em vinte e dois anos e a renda per capital diminuiu 9% em relação a 2014, amarrotando o consumo no patamar de 2011.

‘Culpa da Dilma’... Uma guerra aberta de interesses naquela que talvez seja a transição de ciclo de desenvolvimento mais profunda vivida pelo país, em meio à deriva da ordem neoliberal no mundo, condensada na maior crise do capitalismo depois de 1929, reduzida a isso.

Para consertar ‘a culpa da Dilma’ é preciso, primeiro, ‘purgar a imundícia’, diz o martelete especializado em divulgar a economia como um sistema hidráulico em equilíbrio, desde que dissociado da carne humana enervada nos esqueletos dos pobres.

A expressão é emprestada do presidente norte-americano Herbert Hoover, que ocupou a Casa Branca nos primeiros quatro anos da quebradeira iniciada em outubro de 1929.

O esfarelamento econômico e social, então, era encarado pelo contemplativo Hoover como uma ação autolimpante dos mercados, da qual o Estado deveria manter distância.

O povo norte-americano foi salvo da faxina suicida por Franklin Roosevelt.

Quatro anos depois de Hoover deixar uma sociedade convulsionada por acampamentos de desemprego que acossavam a Casa Branca e precisavam ser contidos pelo Exército, seu sucessor desativou a engrenagem infernal da autorregulação dos mercados.

Trocou-a por um poderoso programa de obras públicas e controle estatal do mercado de dinheiro, logrando tirar a economia das mãos dos coveiros e os chefes de famílias, do cemitério do desemprego.

No caso brasileiro a ordem dos fatores alterou dramaticamente a soma do produto.

Aqui, ‘Hoover veio depois de ‘Roosevelt.

Este instalou com a determinação de ‘purgar’ um ciclo de traços rooseveltianos, ainda que imperfeitos, porque borrados de juros altos, liberdade para a conta de capitais, câmbio valorizado e, sobretudo, seu pecado capital: descaso com o papel fiador dos assalariados, do qual o criador do New Deal norte-americano nunca se descuidou.

Mesmo acusado de comunista pelo “colunismo isento” da época, Roosevelt não abriu mão de promover a sindicalização em massa dos trabalhadores que recuperaram seu emprego no New Deal.

Só assim o líder democrata resistiu a Wall Street e aos viúvos dos mercados desregulados.

No Brasil, todo o aparato público, incluindo-se o Judiciário e o Legislativo, mas também a mídia e os sindicatos dos patrões, condensam-se no jato de um imenso wap (Protocolo para Aplicações Sem Fio) de desinformação, ‘desinfecção’ e desemancipação, sem o contraponto organizado dos  principais alvos do wap regressivo.

É disso que trata a faxina em curso.

Não de recuperar.
 Mas de produzir ruínas.

Para soterrar com elas o pacto social desenhado na Carta de 1988.

E impor no seu lugar outro, oposto, sem a devida consulta à sociedade.

Na linha do jato desinfetante encontram-se o pleno emprego, a maior participação dos assalariados no fluxo da renda (mas não no estoque), o espraiamento dos direitos sociais, a multiplicação das oportunidades ascensionais pela educação, as iniciativas de afirmação cidadã e os instrumentos endógenos de comando do desenvolvimento, como o Pré-sal, o BNDES, o banco dos BRICSe a UNASUL.

Enfim, a ‘imundícia’ toda que aguçou um conflito de classes protelado, inicialmente, por um desequilíbrio fiscal e monetário decorrente da elevada taxa de juro paga pelo Estado para tomar emprestado aquilo que deveria ser taxado.

Era uma corrida contra o tempo hipotecada na hipótese de uma recuperação saneadora do comércio internacional, que afinal não veio.

Os efeitos colaterais dessa corrida para frente assumiriam,assim, contornos de novos círculos de ferrocada vez mais estreitos.

Inclua-se aí o custo desindustrializante do real valorizado para atenuar outra expressão da escalada do conflito, a inflação, mitigada com importações.

Mas também a asfixia do investimento público e privado no tríplice garrote de juro alto, subsídios inúteis ao investimento produtivo num ambiente rentista e desequilíbrio progressivo nas contas externas.

Não, senhores colunistas, não estamos diante do cqd (culpa da Dilma).

O nome disso é luta de classes.

Condicionada, no caso, por uma correlação de forças na qual a desorganização popular, de um lado, e a reengenharia midiática, de outro, engessariam o poder de iniciativa do governo.

A distinção é preciosa.

Não tanto para expor ao sol a toxidade da narrativa conservadora.

Mas, sobretudo, para evidenciar os desafios - graúdos-no passo seguinte da luta pela construção de uma verdadeira democracia social no país.

‘A culpa da Dilma’, na verdade, camufla dois incômodos com uma só cajadada.

De um lado, releva a força determinante da sabotagem golpista, que semeava a ingovernabilidade já em 2013 para colher frutos nas urnas de 2014 -ou fora delas, se necessário, como foi.
 De outro, dribla a fragilidade crucial decorrente da ausência de organização popular compatível com a transição de ciclo de desenvolvimento vivida pelo país.

Mais que isso.

Coloca as forças progressistas diante de uma realidade histórica com a qual tem evitado se defrontar, mas que não poderá mais postergar na corrida para 2018.

Não é uma referência nova: 1964 já o havia demonstrado.

Mas se reafirmou agora com virulência dos rebotes históricos, para sacudir a memória adormecida.

Ao primeiro sinal de aguçamento da disputa pela riqueza, a elite brasileira recusa-se terminantemente a discutir soluções coletivas para os gargalos da sociedade e do seu desenvolvimento.

Opta pelo golpe em defesa do interesse unilateral.

Os fatos são autoexplicativos, mas não custa rememorar o abc dos mandatos históricos em nosso tempo.

A verdade é que mesmo aquelas tarefas denominadas genericamente de ‘revolução democrática’, constituídas basicamente da universalização do acesso aos marcos da civilização, não tem mais sujeito histórico nas elites.

A liderança do processo terá que ser assumida por uma frente política solidamente capilarizada em organização popular de base, aliada a blocos de identidades minoritárias, assentada em respostas à emergência climática, à desigualdade alarmante nas esferas da riqueza e da tecnologia, abraçada a novas formas de viver e de produzir e fortemente comprometida em traduzir tudo isso numa desassombrada estratégia de inovação em políticas públicas que, de fato, democratizem e valorizem o bem comum.

Ou isso, ou a queda da Bastilha nunca ocorrerá por essas bandas.

Partidos progressistas de massa e comitês de base espalhados por todo o país, se existissem de fato, teriam impedido a reengenharia midiática de acuar a nação na encruzilhada da falsa disjuntiva que hoje opõe a purga de direitos ao caos econômico.

Houvesse a organização requerida, a alternativa crível ao desmonte seria a taxação fiscal da riqueza, não a privação adicional cobrada da pobreza.

É a consciência desse fio da navalha que explica a virulência recessiva imposta à sociedade brasileira nesse momento, como um instrumento funcional de desmobilização política e desarticulação ideológica enfeixadas no grito de guerra conservador: ‘Culpa da Dilma’.

Ou seja, um dos mais violentos programas de ‘desemancipação’ social já registrados em tempos de paz e por um período tão longo de duas décadas seguidas.

‘Significa que toda uma futura geração está condenada, o que é inaceitável’.

É assim que o relator das Nações Unidas para Pobreza Extrema, Philip Alston, qualificou a PEC do Teto, em dezembro do ano passado, antes ainda dos desdobramentos atuais nas esferas da previdência e pensões rurais, do salário mínimo e dos direitos trabalhistas (pela terceirização).

Só uma recessão diluviana poderia escorar um projeto de poder dessa natureza, atado a vinte anos de concordata social, durante os quais os detentores da riqueza –e agora do poder - avocam-se a prerrogativa de desativar todo o aparato de direitos sociais e trabalhistas arduamente acumulados pelo povo brasileiro desde Vargas.

A abrangência e a brutalidade do que está em curso corresponde a uma ruptura do pacto da sociedade - sem consultá-la, repita-se, o que dificilmente se completará sem atingir o núcleo duro das garantias individuais, as liberdades civis e os direitos políticos.

Os liberais que hoje se oferecem à barganha com o golpe, incluindo-se um pedaço da classe média que supõe assim garantir suas ‘liberdades’ individuais, rapidamente serão afrontados pela violência de uma lógica que tem na ganância do mercado, sobretudo financeiro, o único compromisso sagrado de liberdade a preservar.

De certa forma, o que se assiste hoje no Brasil, já se disse aqui, é a viagem de volta ao coração liberal reinante no ventre do capitalismo selvagem dos séculos XVIII e XIX. 

O termo ‘desemancipação’, cunhado pelo filósofo marxista italiano, Domenico Losurdo, descreve o moedor de carne humana em ação nesses tempos pioneiros.

Mais que negar novos direitos, o que ressalta do bordão atual das reformas é a mesma determinação de ‘desemancipar’.

Ou seja, devolver ao absoluto desamparo a parcela majoritária da sociedade, privada dos meios pelos quais se reproduziam as relações de poder e produção no capitalismo.

É disso que se trata no caso das reformas trabalhista e previdenciária anunciadas pelo golpe no Brasil. O mesmo se pode dizer das consequências da PEC 55 no acesso a direitos públicos essenciais -a escola e a saúde, entreoutros.

O conjunto requer uma ruptura de ciclo histórico para se instalar. Mais que um golpe parlamentar, o regime da ‘desemancipação ‘ no século XXI exige a fascistização dos instrumentos de Estado.

A escalada policial de um Ministério Público e de um juiz que assombra a cidadania brasileira ao subordinarem o Estado de Direito a conveniências partidárias ilustra o calibre da espiral em marcha.

Dela não escapará a classe média. Hoje simpática ao regime, amanhã será ela também tragada no arrastão de direitos e escolhas individuais, pela anemia das instituições e a desativação de sistemas regulatórios imiscíveis com a supremacia dos mercados entregues a sua própria lógica.

A lavagem ideológica promovida pela reengenharia midiática inocula na sociedade a anestesiante ampola da naturalização de uma ruptura que hoje a imobiliza, amanhã a escravizará.

A receita do Estado mínimo suprime do arsenal público não apenas as regulações que asseguram os diferentes espaços de escolha e liberdade, como a estabilidade da taxa de investimento na economia.

Sem financiamento público, grandes obras e orçamentos sociais, o futuro do mundo do trabalho, inclusive o da classe média, insista-se, será debulhado num angu de terceirizações, precarizado e ‘bicos’, que podem até receber denominações em inglês, mas nem por isso serão outra coisa que não o declive social depressivo e aterrador.

Esse é o preço oculto naquilo vendido pela mídia nesse momento como o repto redentor ao lulopopulismo. Ou seja, uma subordinação escravizante do desenvolvimento, da democracia, da política e demais instâncias da sociedade –inclusive a subjetividade do nosso tempo, aos impulsos irrefletidos dos mercados ordenados pelo retorno especulativo incompatível com a sobrevivência da economia, da sociedade e da natureza.

A estagnação atual nas economias ricas deveria servir de alerta ao evidenciar a falta que faz tudo aquilo que a democracia e o Estado cederam ao mercado nessas sociedades nos anos de apogeu do neoliberalismo.

É nesse deserto do real que o conservadorismo brasileiro se inspira para golpear a democracia e reproduzir aqui receita que estrebucha no planeta.

O que as ressurgências do capitalismo selvagem oferecem à classe média brasileira agora - como o fazem os ideólogos da terceirização e da prevalência do negociado sobre o legislado na CLT- é a premiação do mérito individual sobre o direito social universal.

A platitude baseia-se na crença de que a construção da sociedade é movida pelo interesse egoísta extrapolado, mecanicamente, na rudimentar ilação de que a luta individual pela felicidade leva ao fastígio coletivo.

Aclamados pensadores liberais, como Adam Smith, condicionavam na verdade a centralidade do interesse próprio à irrepreensível obediência a referências morais e religiosas.

Esse corpo moral percorreria um trilho ético rigoroso, rumo a uma comunidade de laços e valores impecavelmente compartilhados.

Nesse ambiente sacro o papel profano do Estado seria mínimo. 

No capitalismo realmente existente as coisas se dão de forma algo diversa.

Não é difícil - aliás, é muito fácil - deduzir o resultado da supremacia do interesse egoísta em sociedades nas quais, ao lado da luta desesperada de milhões de indivíduos desvalidos, avultam interesses corporativos desmesurados, sobretudo aqueles cujo produto é o dinheiro, sua reprodução e as suas consequências.

A crise do nosso tempo é obra dessa assimetria leonina, vendida aqui como solução.

A inexcedível capacidade das grandes corporações submeterem indivíduos atomizados deixa pouco espaço à acomodação espontânea dos interesses contrapostos em uma sociedade onde tudo, rigorosamente tudo, passa a ser objeto de compra, venda e lucro.

Não há mais espaços sagrados.

Ou a regulação democrática impõe limites à sede do capital, ou a sociedade toda desidratará em servidão e catatonia.

É sob esse pano de fundo que a ‘desemancipação’ toca as trombetas do apocalipse social no Brasil, cujo Estado foi assaltado pelos mordomos dos mercados.

A marcha dos acontecimentos não mente.

A estratégia de ‘desemancipação’ não se satisfará em extorquir uma década de ganhos reais de poder de compra dos salários.

A faxina requerida é tão virulenta que convoca o árduo trabalho do escovão repressivo e do detergente ideológico para dissolver qualquer traço de resistência indevidamente alojado em estruturas de produção, consumo, serviços, meio ambiente e participação política.

As sirenes da história anunciam confrontos intensos no front da liberdade e da economia.

A eleição de 2018 pode ser a derrubada da Bastilha.

Mas para isso as forças progressistas terão que se convencer, de uma vez por todas –e convencer parte da classe média- que direitos clássicos das revoluções burguesas do século XVIII, hoje, só tem viabilidade amarrados a uma poderosa alavanca de organizações sociais, que subordinem a força criativa dos mercados aos projetos, metas e direitos pactuados pela democracia.

Revolução Francesa no Brasil é igual a Lula nos comitês de base.

Ou isso, ou a restauração em curso.

Com a violência neoliberal ungida em Imperador do Brasil.