segunda-feira, 25 de julho de 2016

A Petrobras ressurge e frustra os seus detratores

Economia

Bolsa

A Petrobras ressurge e frustra os seus detratores

Com recordes de valorização, produção e baixo custo no pré-sal, a empresa mostra a sua força
por Carlos Drummond — publicado 18/07/2016 16h07, última modificação 19/07/2016 15h45

Geraldo Falcão / Agência Petrobras
Plataforma da Petrobras
Apresentada pela mídia como a empresa mais endividada do mundo na campanha pelo impeachment, a Petrobras subiu 157% na bolsa de valores desde o começo do ano até a sexta-feira 15 e agora é a queridinha do mercado.
Apesar de prejudicada pela queda do preço do petróleo, saqueada por uns poucos e com a cadeia produtiva desarticulada pela Lava Jato, mostra força e distancia-se da depreciação almejada pelos detratores, alguns deles interessados em comprá-la a preço de banana.
A produção de óleo e gás atingiu o recorde de 2,9 milhões de barris em junho. A alta produtividade no pré-sal da Bacia de Santos, região de nove dos dez poços com maior produção, permitiu baixar o custo de extração para menos de 8 dólares o barril.
Entre 40 e 50 dólares, já era o mais baixo do mundo, e o novo valor supera as expectativas mais otimistas de redução do custo. A procura no exterior por títulos da empresa no valor de 3 bilhões de dólares superou em 2,3 vezes a oferta. Os seus inimigos não estão contentes.

“Brasil se vê distante da guerra geopolítica, mas está no centro”

Economia

Entrevista - Ronaldo Fiani

“Brasil se vê distante da guerra geopolítica, mas está no centro”

Em meio à discussão sobre o pré-sal, o País ainda se baseia na oposição simplista entre alinhamento aos EUA e antiamericanismo, diz economista da UFRJ
por Carlos Drummond — publicado 25/07/2016 10h27, última modificação 25/07/2016 18h41

Tânia Rêgo/ Agência Brasil/Fotos Públicas
Leilão de libra
Exército brasileiro faz a proteção durante o leilão do campo de Libra, em 2013; chinesas CNPC e CNOOC tem participação de 10% cada no consórcio
 O Brasil estaria na iminência de entregar ao capital externo o seu patrimônio petrolífero incomum e a empresa com a melhor tecnologia do mundo para explorá-lo, acusa a oposição ao governo interino de Michel Temer.
O projeto do senador licenciado e ministro das Relações Exteriores José Serra, de eliminar a participação obrigatória da Petrobras no pré-sal, seria o começo do retrocesso, apontam vários críticos.Os problemas não terminam aí.
Falta ao País uma estratégia diante do confronto geopolítico global, no qual o acesso ou o bloqueio a fontes de energia é um elemento central, ensina o professor de Economia Ronaldo Fiani, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Mais grave ainda: por possuir as reservas da camada do pré-sal, a tecnologia de prospecção e extração de petróleo em águas profundas e ter a China como sócia em uma área de influência dos Estados Unidos, o Brasil está na linha de impacto do megaconflito entre Ocidente e Oriente.
Precisamente, o oposto do sugerido pelo senso comum, de que nada disso nos afeta por ser muito longínquo. Polarizado entre o pró e o antiamericanismo simplistas, evidência da captura das elites pelo confronto geopolítico, o País não conta com um líder como Getúlio Vargas.
Hábil negociador, soube tirar partido de outro conflito global, o da Segunda Guerra Mundial, em benefício do interesse nacional. O choque geopolítico mundial, minimizado ou sequer percebido por aqui, é detalhado pelo professor da UFRJ na entrevista a seguir: 
CartaCapital: O País corre o risco imediato de perder o poder sobre o pré-sal, por conta da escalada acelerada pelo projeto do senador licenciado e Ministro das Relações Exteriores José Serra, de acabar com a participação obrigatória da Petrobras na reserva de petróleo e gás mais produtiva do mundo. É importante manter essa obrigatoriedade?

Ronaldo Fiani: Sim, mas não é suficiente. 

CC: Por que?
RF: No debate político e na maior parte da mídia, a questão é apresentada como se fosse um dilema entreguismo versus soberania nacional. É bem mais complicado do que isso, principalmente quando se considera que a Petrobras está em campos do pré-sal associada com empresas chinesas que já investiram 10 bilhões de dólares na operação. Isso em uma área de influência dos Estados Unidos. É razoável, portanto, avaliar o problema num quadro mais amplo, como um reflexo, na questão do pré-sal e na América do Sul, do confronto geopolítico maior e mais estrutural que nós estamos vivendo. 

CC: A abordagem predominante é de encarar o pré-sal como um assunto estratégico de suprimento de energia.

RF: É bem mais abrangente que isso. Energia, geopolítica guerra sempre estiveram ligadas. A expressão mais direta e fundamental de poder dos Estados é a capacidade de fazerem guerra. A partir do século 19, houve uma mudança dramática. Com a revolução industrial, começou-se também a fazer guerra em escala industrial. A capacidade de o estado projetar poder passou a depender, essencialmente, da sua produção de armas, munição, navios. Para movimentar essa máquina, há necessidade de energia em quantidade crescente.
No século 20, o próprio ato de guerrear passou a consumir energia de forma fantástica. Foi quando o primeiro-ministro Winston Churchill decidiu mudar o combustível da marinha real britânica, a maior do mundo, de carvão para petróleo.
Ele tomou essa decisão porque os navios movidos a óleo eram mais rápidos e, principalmente, podiam ser abastecidos em alto mar, coisa que no navio movido a carvão era praticamente impossível. Além disso, exigia uma mão de obra menor só para cuidar do combustível. No navio de guerra usual, muito da mão de obra era para cuidar do carvão. A substituição, portanto, liberava soldados para cuidar dos armamentos.
CC: E a marinha ganhava agilidade.
RF: A possibilidade de reabastecer em alto-mar deu uma mobilidade fantástica para a marinha britânica, e depois à dos Estados Unidos, mas criou um problema. A Grã-Bretanha tinha reservas de carvão no seu próprio território, mas naquela época ainda não tinha petróleo, que estava na Ásia Central e depois, no Oriente Médio. Isso criou a questão geopolítica na energia. Porque se você corta as fontes de combustível, paralisa uma máquina de guerra praticamente de imediato.
Pearl Harbour aconteceu porque os Estados Unidos, que produziam seis sétimos de todo o petróleo consumido na Segunda Guerra Mundial, tentaram impor um embargo de petróleo ao Japão.
A decisão de Hitler, considerada um grave erro por analistas menos informados sobre a questão energética, de dirigir as suas tropas para Stalingrado ao invés de ir direto a Moscou, ocorreu porque as forças alemãs precisavam desesperadamente do petróleo do mar Negro e do Cáucaso para se deslocar e resistir em uma guerra prolongada. A substituição do combustível aumentou muito a capacidade da Grã-Bretanha, e depois dos Estados Unidos, de projetar poder naval. 

CC: O acesso à energia é, portanto, crucial.

RF: Sim, mas para fazer guerra hoje, com a indústria moderna, em grande escala, não basta um superávit permanente de energia, é preciso também negar ao inimigo o acesso às fontes de energia. O confronto geopolítico contemporâneo é um gigantesco xadrez que inclui a América do Sul, África Ocidental, Ásia, e consiste na manipulação de fontes de energia, através da construção de oleodutos e gasodutos que integrem países, permitam ter acesso a fontes de energia e eventualmente negá-lo a outros países, hostis. 

CC: Quais são os elementos principais da geopolítica nos dias atuais?

RF: A geopolítica no século 19 visava, basicamente, garantir as rotas navais, por serem o meio de expansão comercial no globo. Na primeira década do século 20, o geógrafo Halford Mackinder, na Inglaterra, e depois o estrategista Nicholas J. Spykman, nos Estados Unidos, perceberam que o poder naval não era mais suficiente.
O desenvolvimento do transporte terrestre, especialmente das ferrovias, podia se tornar uma base de poder muito grande, por permitir o transporte de tropas e armamentos mais rápido que os navios.
E isso se tornava particularmente grave porque, face a possibilidade de integrar Ásia e Europa, fatalmente Grã-Bretanha, Estados Unidos e outros países seriam empurrados para a margem do sistema global. Juntar Ásia com Europa resulta na maior massa de terra, recursos e população do planeta, a chamada Eurásia.
Daí porque toda a estratégia dos Estados Unidos no pós-guerra seria exatamente conter qualquer poder que busque integrar Ásia e Europa. A sabedoria da China, carente em energia, foi usá-la para se expandir 
CC: Qual a importância da China nesse contexto?
RF: É crucial porque, ao contrário dos demais estados e forças políticas, não busca integrar Ásia e Europa politicamente, mas economicamente, através das famosas rotas da seda, eixos de infraestrutura de comunicação, transporte e, principalmente, energia. Há uma série de desdobramentos extremamente importantes. O primeiro tem a ver com a Rússia, essencial no projeto chinês de integrar Ásia e Europa. Decorre daí a escalada de tensão entre a Otan e a Rússia. Sem o apoio desse país, não é possível fazer aquela integração, por causa da posição geoestratégica que a Rússia desfruta nessa união. Na América do Sul, os investimentos chineses buscam integrar os países à rede de interesses em construção para a Ásia e a Europa, com a mesma estratégia. Investe-se em energia, transporte, inclusive há o projeto da estrada de ferro proposta pela China para ligar o Brasil ao Pacífico.
Avanço na Ási Central
CC: Por que a integração de Ásia e Europa através da China é tão importante? 

RF: A maior massa de terra é a junção de Europa e Ásia. Para controlar a Eurásia, é preciso dominar o seu centro, a Ásia Central. Quem fizer isso, controlará o planeta. Essa é a visão de Mackinder. Grã-Bretanha e, de certa forma, Estados Unidos têm uma preocupação muito grande em impedir que outro poder político domine a Ásia Central.
Entretanto, todas as tentativas nesse sentido fracassaram no século 20, por se tratar de um mosaico de culturas e povos que dificulta muito a unificação política da região. O que os chineses estão fazendo agora? Não estão unificando politicamente, mas economicamente. Eles constroem, neste momento, uma monumental infraestrutura de transporte e telecomunicações para ligar a China à Europa, passando pela Ásia Central. Com isso, a energia se transformou num instrumento para controlar aquilo que Mackinder considerou o centro da política no tabuleiro internacional.
A grande percepção da China foi transformar aquilo que em princípio seria uma debilidade da sua estratégia de potência, que é o fato de não dispor de fontes de energia, em um instrumento para unificar e projetar o seu poder economicamente sobre o centro do tabuleiro da Eurásia, com a ajuda inestimável e muito bem-vinda da Rússia. O Brasil se vê distante da guerra geopolítica, mas está no seu centro
CC: Como o Brasil se posiciona no jogo geopolítico?

RF:
 Essa é uma questão extremamente difícil, porque a inserção do País é muito problemática. O movimento da China para controlar o centro da Eurásia economicamente, inclusive importando energia, não é observado por Estados Unidos, União Europeia e Japão de forma tranquila. Ao contrário, determina um aguçamento do conflito, como se observa na Ucrânia, na Macedônia, na Síria, reflexos do esforço das chamadas potências ocidentais para afastar a possibilidade de unidade entre Ásia e Europa mediada pela China. São conflitos em torno da área de influência de Rússia e China.
É importante entender que a parceria entre Rússia e China não é apenas uma questão de conveniência de dois países que se sentem ameaçados. Ela é geoestratégica, porque a condição necessária para os chineses alcançarem a Europa de modo eficaz é o apoio da Rússia, influente na Europa Central. Do mesmo modo que o respaldo da China é indispensável para a Rússia enfrentar a Otan.
Desde o ano passado, uma ferrovia une Yiwu, próxima a Xangai, a Madri, na Espanha, para transporte de carga em tempo muito inferior ao dos navios. Esse é o pesadelo dos países que perderiam poder em escala global se essa articulação realmente acontecer. O Brasil está exatamente no meio desse conflito entre Estados Unidos e seus aliados e China e Rússia e seus aliados.
CC: Por que?
RF: Porque a questão não é apenas garantir oferta de energia para a capacidade de um país projetar poder, é principalmente negar ao outro que o confronta o acesso a essas fontes de energia.
E nós temos não só grandes reservas no pré-sal como uma empresa brasileira com capacidade de explorar essas reservas, o que nos dá uma notável autonomia para aproveitar esse recurso, e essa empresa se encontra associada às empresas chinesas de petróleo CNOOC e CNPC.
Portanto estamos inseridos num espaço tradicionalmente de influência norte-americana, com uma empresa com capacidade tecnológica de explorar o pré-sal, associada a uma empresa chinesa. Estamos exatamente, digamos assim, na linha de confronto. A situação é agravada ainda mais pelo fato de termos um projeto de submarino nuclear com capacidade de fechar o corredor do Atlântico, por ser muito mais rápido que o convencional.
Há uma crença generalizada no País de que nós estamos fora desse confronto entre Oriente e Ocidente. Devido às reservas energéticas e as matérias-primas que temos, estamos diretamente na linha de frente desse conflito.
A posição oposta, de que isso tudo não nos diz respeito por estar muito longe, é profundamente equivocada e pode ter consequências gravíssimas. E isso me preocupa muito porque eu não vejo por parte dos políticos, das lideranças políticas, e mesmo da maior parte dos intelectuais brasileiros, a percepção desse quadro. Não temos uma liderança extremamente hábil como foi Getúlio Vargas

CC: Seria melhor fazer parceria com a China ou os Estados Unidos? 
RF: Examinada de perto, nenhuma das duas parcerias atende, neste momento, às necessidades do Brasil. O modelo chinês de desenvolvimento é muito parecido com o padrão britânico do século 19, no sentido de que a China consome matérias primas e exporta produtos industrializados e nós exportamos matérias-primas e importamos manufaturados chineses.
Segundo especialistas em comércio exterior, a economia brasileira tem-se tornado progressivamente competidora com a economia norte-americana, por exemplo em soja e automóveis. Fazer exportações significativas desses produtos aos EUA parece pouco provável, pois eles são grandes produtores. Não há, portanto, uma relação de complementaridade. Um alinhamento automático, quer a um lado, quer a outro, provocaria danos irreversíveis na economia nacional.

CC: O que o Brasil deveria fazer nesse contexto?

RF: Falta ao País a formulação de uma estratégia frente a esse confronto geopolítico global. Não percebo, entretanto, em nenhuma força política, a formulação dessa estratégia.

CC: O contexto político-econômico do País é uma complicação adicional.

RF:
 O sistema político do País está se desintegrando e não há nenhuma preocupação em preservar as organizações e instituições. A partir daí, o que vai acontecer é absolutamente imprevisível. 

CC: No período de Getúlio Vargas, o País soube tomar partido do conflito que opunha as forças aliadas e o chamado eixo.

RF: Exatamente. Entre os anos 1930 e hoje, claro que são situações historicamente muito diferentes, mas há um traço comum: tanto naquele momento como agora, o mundo vivia um confronto geopolítico. Só que naquele período tivemos uma liderança extremamente habilidosa, que era o Getúlio Vargas (nota da redação: na Segunda Guerra Mundial, Vargas ameaçou aliar-se ao Eixo Alemanha-Japão-Itália e com isso obteve dos Estados Unidos, através do Eximbank, financiamento para construir a Usina de Volta Redonda, fundamental para a constituição da indústria no Brasil).
Hoje, nós não temos uma liderança semelhante. Como é que o País fica? Ao invés de se pensar uma estratégia, há uma captura das elites políticas no Brasil por esse confronto geopolítico. Há uma polarização antiamericanismo versus alinhamento automático com os Estados Unidos, evidência de que ocorreu uma captura dos agentes pela própria dinâmica do confronto geopolítico. É extremamente preocupante por serem duas saídas muito simplistas.
Na verdade, o Brasil não pode prescindir nem dos Estados Unidos, dada a posição que esse país ocupa no continente e o fato de ainda ser a maior potência global, nem da China, que hoje, de certa forma, sustenta o comércio exterior brasileiro. É preocupante não se discutir alternativas. Há uma captura pela mesma dinâmica de polarização do confronto global. Assim vai ser difícil conferir à economia brasileira o dinamismo necessário para sustentar cerca de 200 milhões de habitantes. A nossa afinidade está muito mais na África do que na América andina. 
CC: Como o senhor vê esse movimento do Ministério das Relações Exteriores que pode resultar no fechamento de representações na África?

RF: Alguns dizem que o Brasil é o país mais ocidental da África, em tom crítico. Não vejo necessariamente como crítica ou elogio. Houve uma dinâmica muito forte de expansão de representações brasileiras na África com base em um desejo de ampliar a participação e a credibilidade do País no cenário global, torná-lo um player efetivo nas relações internacionais. No quadro de confronto geopolítico mencionado, essa perspectiva não é errada, mas precisa ser situada em um contexto.
Hoje a economia brasileira não encontra solução no alinhamento automático em nenhum dos dois lados do confronto global e é necessário estabelecer vínculos comerciais com países que são também uma alternativa para o avanço da nossa economia. Essas representações devem ser avaliadas da perspectiva daquilo que a relação entre os países pode gerar para dinamizar a economia brasileira. Visar simplesmente a projeção do Brasil no cenário internacional, num clima de confronto, é muito difícil.
CC: Qual é a relação entre geopolítica e a questão da energia?

RF:
 Um dos enganos mais comuns é considerar a energia como uma questão isolada. Energia, ao menos desde o início do século 20, é uma questão geopolítica. Pensá-la isoladamente como um problema em si leva a não perceber que a questão energética sempre estará inserida num contexto geopolítico e será determinada por injunções geopolíticas, ainda mais no momento atual. 

CC: Como ficam a América Latina e a África no conflito geopolítico descrito?

RF:
 Essa é uma pergunta que também me obriga a ir contra a crença geral. Muito da geopolítica brasileira foi pensada numa espécie de extrapolação do Tratado de Tordesilhas. Como nós empurramos a linha de Tordesilhas para o Oeste, o destino brasileiro seria os Andes, seria chegar no Pacífico. É possível ver uma retomada disso naquele projeto mencionado de ferrovia ligando o Brasil ao Pacífico e chegando no Peru, que os chineses estão propondo. Mas é importante ter uma outra dimensão, que é social e cultural, da geopolítica.
Na verdade, nós temos profundas, fortes e muito sólidas raízes africanas. A nossa afinidade está muito mais na África do que na América andina. Na verdade, nós temos que nos orgulhar disso, porque a nossa afinidade está na África, a nossa facilidade de diálogo está na África. Então, novamente, as potências que estabelecerem uma aliança com o Brasil terão um pé na África.
Daí vem também uma outra dimensão que não tem necessariamente a ver com energia, tem mais a ver com história e geografia, da nossa importância geopolítica nesse conflito, que é o fato que o Brasil é uma ponte para a África.
Portanto controlando este lado do tabuleiro, você cria afinidades com outro lado do tabuleiro também. Ajuda nesse movimento. Além, é claro, de você controlar o Atlântico Sul.

CC: Todos esses fatores, conclui-se da sua análise, tornam a questão energética uma arma geopolítica. 

RF: E é por isso que hoje pensar a questão energética do País como um problema única e exclusivamente econômico, como um problema de ‘como fica o custo de extração do pré-sal com a manipulação de preços dos sauditas’, é pensar de uma forma totalmente errada. Até porque, como os sauditas estão mostrando, energia sempre foi e sempre será, uma arma de luta política e geopolítica.
O que mais me preocupa neste momento é que não parece existir, nem das lideranças políticas nem na intelectualidade de uma forma geral, a percepção da gravidade do posicionamento brasileiro nesse conflito geopolítico internacional. Não adianta o domínio do pré-sal se não houver uma estratégia definida a partir da percepção desse contexto

A equipe de Temer sinaliza as primeiras investidas contra a CLT ATENÇÃO TRABALHADORES: TEMER E CIA. QUEREM RETIRAR TODOS OS SEUS DIREITOS

Política

Trabalho

A equipe de Temer sinaliza as primeiras investidas contra a CLT

A regulamentação das terceirizações figura entre as propostas a serem enviadas ao Congresso até o fim do ano
por Rodrigo Martins, com Miguel Martins — publicado 22/07/2016 11h30, última modificação 23/07/2016 08h07

Rovena Rosa/Agência Brasil
Ronaldo Nogueira
“O trabalhador não será traído pelo seu ministro do Trabalho”, promete Ronaldo Nogueira
O governo do presidente interino Michel Temer pretende encaminhar ao Congresso Nacional três propostas de alteração na legislação trabalhista até o fim do ano: a regulamentação da terceirização, a conversão do Programa de Proteção ao Emprego (PPE) em política permanente, além de propor mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
“A CLT será atualizada com o objetivo de simplificar, para que a interpretação seja a mesma para o trabalhador, o empregador e o juiz”, anunciou o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, na quarta-feira 20, durante um café da manhã com jornalistas.
No dia seguinte, durante um evento na sede do Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano em São Paulo, no centro da capital paulista, ele buscou atenuar as naturais desconfianças: “O trabalhador não será traído pelo seu ministro do Trabalho”.
De acordo com Nogueira, a proposta de reforma trabalhista a ser elaborada pelo governo vai valorizar a negociação coletiva e tratar de assuntos como salário e jornada de trabalho, mas não vai permitir, por exemplo, o parcelamento de férias ou do décimo terceiro salário.
O governo pretende, ainda, perenizar o PPE. Atualmente, o programa tem prazo de adesão até o final de 2016, com término previsto para 2017. Ele permite que empresas reduzam a jornada de trabalho em até 30%, com diminuição proporcional do salário do empregado. A União compensa 50% dessa redução salarial, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador, até o limite de 900 reais.
No caso da terceirização, Nogueira não entrou em detalhes. Antecipou que deve incorporar sugestões de diversas propostas em tramitação no Congresso, entre eles o projeto aprovado na Câmara em 2015, a liberar as subcontratações para quaisquer atividades.
Esquivou-se, porém, das indagações sobre a abrangência da proposta do governo. “Estamos falando em contrato de serviço especializado. Você tem de observar a cadeia produtiva e, dentro dessa cadeia, quais são os serviços que podem ser considerados como especializados e poderão ser objeto de um contrato. Nesse conceito você não entra na discussão do que é atividade-meio e do que é atividade-fim”.
Resistência do Movimento Sindical
Em entrevista a CartaCapital, Sérgio Nobre, secretário-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), manifestou contrariedade às iniciativas anunciadas pelo ministro Nogueira, além de reforçar que as seis principais centrais do País – CUT, Força Sindical, UGT, NCST, CSB e CTB – devem realizar uma plenária nacional no próximo dia 26 de julho, para organizar a resistência às tentativas de reduzir direitos trabalhistas.
Centrais Sindicais
As centrais vão definir a estratégia de resistência em 26 de julho (Foto: Jaélcio Santana/Força Sindical)
“Em primeiro lugar, um governo provisório, que não tem garantia da própria continuidade, nem deveria tocar nesses temas. Causa preocupação essa sanha em mexer na legislação trabalhista”, diz Nobre. “Não faço ideia do que vão mudar no PPE, isso não foi discutido com o movimento sindical. A Alemanha tem um programa desses criado há 50 anos, mas só usado em tempos de crise. Agora, sabe-se lá o que Temer pensa”.
De acordo com João Carlos Gonçalves, o Juruna, da Força Sindical, a conversão do PPE em política permanente pode ser positiva, desde que a adesão das empresas continue condicionada a um acordo com os trabalhadores impactados e com o sindicato local. Da mesma forma, considera as negociações coletivas uma conquista do trabalhador, desde que seja para ampliar direitos, jamais para suprimi-los ou reduzi-los.
“Durante a ditadura, eram os tribunais que determinavam os acordos e reajustes salariais. Após muita luta do movimento sindical conseguimos furar esse bloqueio no fim dos anos 1970, quando conquistamos o direito de negociar diretamente com os empregadores”, diz. “Hoje, acredito que as negociações podem ser valorizadas, mas não para suprimir os direitos básicos assegurados pela CLT. Isso jamais seria aceito pelas centrais”.
O movimento sindical tem razões para estar ressabiado. O momento de crise pode não ser propício para a adoção desse modelo, comum em países desenvolvidos. A valorização da negociação requer um fortalecimento dos sindicatos nos locais de trabalho.
A ameaça das terceirizações
Dos 48 milhões de trabalhadores formais do Brasil, estima-se que 25% atuem em empresas prestadoras de serviços subcontratadas por outras. Pela atual legislação, a terceirização só pode ser adotada para funções acessórias, como serviços de limpeza e vigilância, embora as fraudes abundem no mercado.
O PL 4330 poderia regular melhor a situação de ao menos 12 milhões de brasileiros que atuam nessa modalidade. Mas, após uma sessão comandada com mão de ferro pelo então presidente da Câmara, o peemedebista Eduardo Cunha, restou aprovado um texto que libera as terceirizações mesmo para as atividades-fim, e abre a porta para os outros 36 milhões serem convertidos em subcontratados.
Um dossiê preparado pela CUT, em parceria com técnicos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), revela o tormentoso cenário das terceirizações no Brasil. Com dados de 2013, o estudo mostra que os terceirizados recebem salários 24,7% menores que os dos efetivos, permanecem no emprego pela metade do tempo, além de ter jornadas maiores.
Desemprego
A crise passa, as mudanças na legislação trabalhista ficam (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)
“A terceirização indiscriminada gera, necessariamente, precarização dos contratos de trabalho”, alerta Ana Cláudia Rodrigues Monteiro, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT). “Se não ficar restrita apenas aos serviços realmente especializados, que exigem conhecimento técnico, a terceirização se converte em mero instrumento de intermediação da mão-de-obra”.
De acordo com a procuradora, é perceptível, nos processos trabalhistas, que os terceirizados estão mais expostos a condições degradantes, que levam ao adoecimento físico e psíquico, além de ter maior propensão a acidentes laborais e calotes trabalhistas. “Por vezes, as empresas terceirizadas são de fachada, criadas para suprir a demanda de mão-de-obra de uma firma específica. Quando o contrato termina, a empresa fecha as portas e nem sempre cumpre as suas obrigações trabalhistas”.
Juruna, da Força Sindical, assegura que as centrais não vão aceitar propostas que liberem a terceirização para as chamadas atividades-fim. “Precisamos, sim, regulamentar melhor a situação dos trabalhadores que já operam nesse regime, mas não abrir a porteira. Até porque há o risco de perda de direitos e de achatamento dos salários nessa transição”.
Na avaliação da procuradora Monteiro, as crises não são totalmente imprevisíveis no sistema capitalista, por isso não deveriam servir de justificativa para reduzir direitos. “Uma hora a economia volta a crescer, mas as mudanças na legislação trabalhista vão continuar”.

UM PAÍS QUE PRENDE SUPLICY E DEIXA SOLTO CUNHA ESTÁ DOENTE

Um país que prende Suplicy e deixa solto Cunha está doente




Paulo Nogueira

O crime dele é defender os oprimidos

Não poderia haver nada mais simbólico que a prisão de Suplicy hoje em São Paulo num de seus melhores papeis, o de ativista social.

Criou-se uma situação que ilustra o Brasil destes tempos.

Um país que prende Suplicy e deixa solto Eduardo Cunha é um país doente.

Não me venham com sofismas. Não me venham dizer que são situações diferentes. Tudo isso é nada diante da simbologia do caso.

Suplicy vai preso porque defende os oprimidos. Cunha está solto porque defende os plutocratas.

Somos uma sociedade que pune quem se coloca ao lado dos excluídos e protege os fâmulos da plutocracia. Por isso somos um dos países mais brutalmente desiguais do mundo.

Veja Cunha.

Ele roubou, mentiu, ameaçou, mudou projetos de lei para beneficiar empresas que patrocinaram sua eleição a deputado federal.

Chamou os brasileiros de débeis mentais ao negar contas milionárias na Suíça provadas pelas autoridades locais. Escarneceu de todos ao fabricar lágrimas e se fazer de coitadinho depois de agir como gangster a carreira toda.

Inventou uma palavra, estatutário, para trapacear sobre a propriedade das contas. Depois se saiu com um golpe semântico de bandido ao dizer que não eram contas, mas trusts — como se isso mudasse qualquer coisa relativa ao dinheiro escondido na Suíça.

Fez um pau mandado seu na Caixa assinar antecipadamente uma carta de demissão para a eventualidade de ele não praticar as roubalheiras ordenadas.

Eduardo Cunha fez tudo isso, e muito mais. E está aí, sem ao menos sequer uma tornozeleira que preservasse parcialmente a indignidade que é ele permanecer livre.

Bastou a Suplicy agir pelos oprimidos que foi carregado por policiais de Alckmin como se fosse um saco de lixo rumo à detenção. Aos 75 anos.

E, no entanto, brutalizado por agentes da plutocracia, mesmo sem pisar no chão, Suplicy protagonizou uma marcha gloriosa.

Ele escancarou o que é o Brasil real, a terra selvagem em que um homem puro como ele é preso enquanto um canalha corrupto como Eduardo Cunha é recebido pelo presidente interino num palácio.


Paulo Nogueira

APOSTAS GOLPISTAS CAUSARÃO EXPLOSÕES SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA

Apostas golpistas causarão explosões sociais na América latina
Darío Pignotti

Ela promete lutar todos os dias, com todas as suas forças, contra este golpe de Estado em curso, que provavelmente se definirá no final de agosto, após os Jogos Olímpicos, quando o Senado, dominado pela oposição, votará pela continuidade ou pelo fim do seu mandato.

Dilma acaba de chegar a um amplo salão de paredes de cristal, um dos mais deslumbrantes da residência oficial que ocupa, por sua condição de Chefe de Estado, apesar de estar suspensa do cargo enquanto o impeachment tramita e o governo está nas mãos do mandatário interino Michel Temer, o principal responsável, junto com o poderoso deputado Eduardo Cunha, da ofensiva parlamentária iniciada em abril.

Ao lado da anfitriã, sobressai um quadro de traços modernistas – “Colhendo Café”, da pintora Djanira – onde três camponesas trabalham, uma ao lado da outra, numa fazenda.

Dilma Rousseff nos recebe sem protocolos e ajeita o blazer cinza claro, com um gesto de quem diz “mãos à obra”. Antes de começar a gravação da entrevista exclusiva, ela recorda sua viagem ao México, em maio de 2015, e comenta: “gostaria de voltar com mais tempo para visitar museus e ver o quadro sobre Emiliano Zapata que, pelo que sei agora, está na sala de reuniões do La Jornada”.

Dilma abandona o tom afável quando se refere à traição do agora governante interino Michel Temer, cuja gestão está dominada pelo corrupto Eduardo Cunha, sobre quem paira a suspeita – embora sem denúncia específica – de ter subornado dezenas de parlamentares para que votassem a favor da abertura do processo de impeachment.

A presidente conta alguns pitorescos episódios diplomáticos e questiona o atual governo por sua disposição em se alinhar com Washington, enterrando a política com ênfase na integração latino-americana, que foi promovida pelos governos do Partido dos Trabalhadores (PT).

Já quase meio-dia, o sol domina por completo a Sala do Estado, sobre a ala oeste do palácio, avivando os vermelhos e amarelos das flores e dos tucanos que se espalham pelo quadro do artista chileno Kennedy Bahia.

“Podemos começar a gravar, presidenta?”. Sim, ela autoriza a entrada da equipe de documentaristas que a segue, faça chuva ou faça sol, para que também registre este momento histórico, no qual o gigante latino-americano enfrenta sua crise política mais grave desde o fim da ditadura militar, no ano de 1985.

Dilma Rousseff fala sobre a conspiração da qual é vítima, e a situa no contexto de um subcontinente que vislumbra confrontações políticas e sociais, e democracias cada vez mais debilitadas.

Considero importante estudar as raízes desta nova forma de golpe que ocorre na América Latina. O primeiro que vemos é o comportamento das elites, formando alianças amplas para derrotar os governos populares, para impedir que continuem com seus programas sociais e de impulso ao desenvolvimento.

Vemos também que o padrão de golpe mudou. Nos Anos 60 e 70, o paradigma era o golpe militar, com as oligarquias utilizando as Forças Armadas para separar os governos legítimos do poder.

O mais estranho é que este novo paradigma golpista procura manter uma aparência institucional. Estou falando dessa modalidade iniciada em Honduras, quando derrubaram o presidente Manuel Zelaya (2009), e que depois se impôs no Paraguai, com a queda de Fernando Lugo (2012), e que agora chegou ao Brasil. Sem esquecer as tentativas de desestabilização contra os governos de Evo Morales e Rafael Correa.

·         Em 2012, a senhora repudiou o golpe contra Fernando Lugo. Imaginou que seria a próxima vítima?

Sinceramente, jamais imaginei, não acreditava que se chegaria a violar, no Brasil, a cláusula democrática estabelecida dentro do MERCOSUL e da UNASUL, para preservar os governos constitucionais. Jamais pensei que se orquestraria um ataque contra mim, que fui eleita por mais de 54 milhões de cidadãos, numa conspiração liderada por alguém (Michel Temer), que não tem um voto sequer. Além disso, ver como estão ferindo seriamente a democracia que tanto nos custou recuperar, este golpe nos desprestigia perante o mundo. Do ponto de vista estritamente jurídico, este impeachment existe sem que haja nenhum delito imputado contra a minha pessoa. E isso não sou eu que digo, foi a conclusão de um grupo de peritos convocados pelo Senado, e depois confirmado pela Procuradoria Geral da República.

México 1968, Rio 2016

Assim como nas vésperas dos Jogos Olímpicos do México, em 1968, o Brasil enfrenta um clima político enrarecido nas semanas prévias ao começo do evento esportivo que se iniciará com a cerimônia no legendário estádio do Maracanã.

No Brasil, e especialmente no Rio de Janeiro, se respira um ar político contaminado. Com um presidente em exercício questionado por sua falta de legitimidade e rejeitado por 87% dos brasileiros, segundo uma pesquisa de junho deste ano.

As favelas em pé de guerra contra a polícia e dezenas de milhares de efetivos militares convocados para ocupar os morros e impedir qualquer revolta popular.

Alguns ministros avisam que haverá mão dura contra os inconformados com a nova administração, que são comparados com guerrilheiros urbanos, uma forma de intimidar os ativistas do PT e os camponeses sem terra que convocaram mobilizações em defensa da democracia.

·         Acredita que os Jogos possam ser marcados pela repressão?

Em primeiro lugar, quero dizer que não há nenhuma hipótese de que haja um massacre, como o que houve em Tlatelolco, em 1968, mas, lamentavelmente, há sim uma forte tendência a uma maior presença policial e militar nas ruas, durante os Jogos. Não creio que o Brasil seja objeto de um ataque terrorista, mas é necessário ter cautela, não podemos descartar as ameaças, então é preciso que haja controles, porque vemos o que ocorreu em Paris e em Nice, por exemplo. No Brasil, há uma preocupação nesse sentido, eu entendo as autoridades, mas é preciso avaliar se depois das Olimpíadas se mantém o mesmo aparato, o que seria algo inadmissível.

Repressão política

A presidenta Dilma não acredita “que as Forças Armadas se prestem a esse papel. O rol delas e o de dissuasão, não de entrar em confronto direto. Quem deve atuar é o aparato policial. Além disso, manifestação não é terrorismo. É um direito legítimo”.

·         A CUT e o MST foram os que convocaram os protestos?

Nós não controlamos esses movimentos. Não somos responsáveis por eles. Agora, creio que é lógico que haja manifestações durante as Olimpíadas.

·         O presidente da CUT foi acusado de incitação à violência.

Isso é um erro grave, porque a defesa da democracia jamais pode ser confundida com incitação à violência. Nós jamais permitimos que se reprimam as manifestações em favor do impeachment.

·         A senhora teme que haja repressão contra as mobilizações convocadas durante os Jogos?

Seria grave se o interino Ministério da Justiça, ou qualquer outro, agisse para criminalizar as mobilizações. Lamento imensamente que o ministro interino da Justiça (Alexandre de Moraes) equipare as manifestações com uma forma de guerrilha urbana. Isso compromete a democracia. É algo típico, ver como esses processos golpistas buscam calar as manifestações, que os governos que não têm a legitimidade do voto sejam intolerantes. Golpistas sempre querem o silêncio. Por outro lado, nós jamais criminalizamos as mobilizações pelo impeachment, porque a legitimidade que um governo eleito possui nos permite escutar todas as vozes e conviver com as manifestações contrárias.

Democracias desvalorizadas

·         Imagina explosões sociais em cadeia na América Latina?

Creio que aqueles que estão apostando nesses golpes na América Latina correm o risco de causar uma desestabilização profunda. Esses processos golpistas podem trazer consequências imprevisíveis. É provável que haja (explosões sociais). Parece-me que nem os próprios golpistas sabem o que poderá se desencadear no futuro. Lamentavelmente, o preço a se pagar será bem alto. Você pode tentar esconder as coisas, mas, no fim das contas, um golpe é um golpe. Ninguém pode ser tão ingênuo em achar que se dá um golpe e tudo fica tal como estava. Ninguém pode supor que esses processos ilegítimos não deixam suas marcas.

·         Uma paisagem regional sombria, num mapa global incerto.

Veja o que está ocorrendo no mundo, com esta globalização, que beneficiou as grandes empresas oligopólicas, enquanto originou um retrocesso para o conjunto da população, que está padecendo as consequências sem que ninguém ofereça nenhuma compensação. Nos Estados Unidos, nós temos cidades imensas que estão afundadas na decadência e na pobreza. É um quadro tão grave que até a imprensa neoliberal reconhece que é um problema grave, que haja uma desigualdade crescente e a concentração chegue a um ponto em que um 0,01% da população acumule quase 40% da renda.

Se os lucros aumentam em mais de 300% e o salário cresce 10% ou 12% durante um período bastante extenso, é sinal de que em breve teremos conflitos. É inexorável que haja consequências graves num sistema onde a maioria perde seus direitos básicos. Esses processos, ademais, são os que acabam gestando o surgimento de soluções raras, os que permitem que apareçam fenômenos como o de Donald Trump.

·         Os salvadores da pátria.

O que já sabemos é que, em todos os lugares que observamos, os salvadores da pátria, na verdade, não fazem outra coisa senão comprometer a sorte de quem eles supostamente salvam. Não tenho dúvida de que se todo este processo de exclusão causa semelhante impacto na economia mais desenvolvida do mundo, como a dos Estados Unidos, é porque estamos diante de um fenômeno que também repercutirá no Brasil. Essa repercussão econômica se verá agravada pela crise política e institucional que temos por causa do golpe.

·         Os Estados Unidos apoiaram o golpe?

Creio que nestes golpes não existem essas interferências externas tão claras, como nos golpes militares. Agora são as próprias forças internas as grandes responsáveis. As elites dos nossos países não requerem dos Estados Unidos.

·         Não houve nenhuma interferência externa?

Agora, se você me pergunta sobre os que se beneficiaram do golpe, eu digo que há vários, em diversos graus. Então, se poderia dizer que, em favor do golpe, estão aqueles grupos interessados em pôr as mãos na Petrobras, com suas imensas reservas na área do Pré-Sal (águas ultraprofundas).

Em favor do golpe, podem estar aqueles que não querem ter a concorrência das grandes empresas construtoras brasileiras no mercado internacional. Temos que recordar que, nos últimos anos, tivemos empresas brasileiras que estavam se internacionalizando, a um ritmo muito significativo, e conquistando espaços. Estou me referindo à construtora Odebrecht, que participou na obra de Mariel, (o novo porto cubano), e que também atua em Miami, no México e em outros países. Há outras companhias nacionais com forte presença internacional, como poderia ser o caso da Andrade Gutiérrez. Enfim, são várias participando em diferentes áreas, e com sucesso, e isso afeta interesses. Pode-se supor que alguns concorrentes dessas empresas brasileiras que citei têm peso político em nosso país, e pode ser (que tenham participação no golpe).

Banalidade do mal

Já se passaram 13 anos desde que Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder no Brasil, em janeiro de 2003, para um mandato que, com a revalidação na reeleição de 2006, se estendeu até o dia 31 de dezembro de 2010, véspera do dia em que sua companheira e ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, o sucedeu.

Aos verdadeiros poderosos, aqueles que sobrevivem às administrações presidenciais, sempre pareceu inaceitável ter que suportar a presença do PT no comando do Estado.

No recente dia 12 de maio, pouco depois de se apossar do Palácio do Planalto, o mandatário interino Michel Temer suprimiu as imagens publicitárias e os slogans da era petista, para estabelecer, como novo lema oficial, o antigo “Brasil, ordem e progresso”, que evoca a simbologia militar.

Paulatinamente, o novo governo interino foi desalojando toda a iconografia da era petista. Inclusive, despediu o garçom que serviu café a Dilma e Lula durante anos, acusado de ser petista.

Talvez Temer ainda não tenha retirado os quadros de mulheres trabalhadoras do pintor modernista Di Cavalcanti, que Dilma ordenou que fossem colocados próximos ao seu escritório, no terceiro andar do Planalto, mas provavelmente o fará caso seja finalmente confirmado no cargo para o qual não foi eleito.

Em sua última trincheira, o Palácio da Alvorada, Dilma Rousseff fala sobre continuar lutando todos os dias, com o mesmo otimismo, e de sua admiração pela pintora surrealista espanhola Remedios Varo, uma lutadora.

Ela liga seu tablet para mostrar pinturas de Varo.

“Adoro suas obras. Foi uma artista ma-ra-vi-lho-sa, que lutou pela República na Espanha, e depois teve que se asilar no México. Quando voltar ao México, quero ir a alguma de suas exposições”.

A conversa retoma o teor político, e volta a abordar o impeachment que se tramita no Senado – que hoje é integrado por 81 legisladores, a maioria opositores à presidenta eleita e ao PT. Para ser absolvida e poder voltar ao seu cargo, ela necessita contar com o apoio de 27 congressistas, número que, no momento, parece improvável.

·         Ainda é possível vencer no Senado?

Creio que vale a pena citar a Antonio Gramsci, que nos dizia que temos que ser pessimistas com a razão, e otimistas em nossas vontades. Sou muito otimista em minha vontade, porque creio que esta luta é fundamental para o Brasil e para a América Latina, e ao mesmo tempo faço uma análise realista sobre os pros e contra da realidade de cada dia.

·         A senhora tem falado com os senadores?

Sem dúvida. Converso com eles habitualmente, mas não vou dizer o número de legisladores que nos apoiam hoje.

·         Políticos e meios de comunicação tentam impor a ideia de que tudo acontece dentro da lei. O Brasil vive uma cotidianidade anormal?

Vou tomar emprestada sua definição para descrever o momento que vivemos no Brasil. Na verdade, estamos diante de uma cotidianidade anormal, na qual os que deram o golpe querem escondê-lo atrás do processo de impeachment, da tramitação formal no Senado e do aparato institucional, com todo o seu ritual. O que estamos vivendo é um quadro de tranquilidade aparente, que cedo ou tarde terminará por colapsar, porque não se pode se sustentar indefinidamente, esse ocultamento da realidade, e a realidade é o golpe. Quem melhor descreveu este tipo de fenômeno foi a filósofa Hanna Arendt, através da ideia da banalidade do mal. Não quero ser exagerada nas comparações, mas quando vemos a forma como se está encobrindo a realidade de forma premeditada, isso me lembra outras situações mais extremas, como as que tratou Arendt quando escreveu sobre o processo contra o criminoso de guerra nazi Adolf Eichmann. Ali, ela nos ensinou como é possível que o mal conviva tranquilamente com o cotidiano, como o mal se esconde debaixo do aspecto neutro de um burocrata da morte. Como Eichmann era capaz de chegar a sua casa e beijar os seus filhos, como se não acontecesse nada de mais nos campos de concentração.


Fonte: Carta Capital