sexta-feira, 20 de julho de 2018

INVESTIGAÇÃO Bancário visitou o tríplex atribuído a Lula e tirou fotos que comprovam a farsa




INVESTIGAÇÃO

Bancário visitou o tríplex atribuído a Lula e tirou fotos que comprovam a farsa

Se a reforma era propina, pensou o bancário, Lula teria que ser o corrupto mais sem-vergonha do planeta. "Deixaria roubar a Petrobras em troca de algo assim? Não faz sentido"
por Joaquim de Carvalho, no DCM publicado 20/07/2018 16h39
MANUEL MENESES/VIA DCM
manuel visitou triplex
Manuel: soube que ninguém tinha visitado o triplex, não havia nenhum interessado
Diário do Centro do Mundo – O bancário aposentado Manuel Meneses, de Salvador, Bahia, fez o que a velha imprensa deveria ter feito: visitou o tríplex que Sergio Moro atribui a Lula antes que ele fosse vendido e fez registros em fotos e vídeos. A conclusão dele e de qualquer pessoa honesta que veja as fotos é: o tríplex não teve nenhuma reforma digna desse nome.
Manuel Meneses não é filiado a partido político, mas sempre aparece em causas de interesse público na sua região. Também é um homem antenado com as questões de seu tempo. Acaba de voltar de uma viagem à África, onde conheceu pessoas e monumentos que ajudam a contar a história de Nélson Mandela.
Manuel não é rico, se aposentou como funcionário da Caixa, é formado em Direito e Psicologia e aplica seu dinheiro com expedições de interesse histórico. Foi o que viu no caso do tríplex e apresentou-se ao leiloeiro como um interessado na compra do imóvel. Fez o depósito de R$ 1.000 (reembolsado) e marcou uma visita, às vésperas do encerramento do pregão ordenado pelo juiz Sérgio Moro.
Pegou um avião em sua cidade, desceu no aeroporto de Guarulhos. Foi de ônibus até o Guarujá e, na rodoviária, pegou um táxi até o tríplex. Para não ter despesa com hotel, marcou a passagem de volta para o mesmo dia. Ao chegar ao tríplex, teve que esperar algumas horas porque, apesar do agendamento, não havia ninguém para recebê-lo e abrir a porta do apartamento.
“Eu soube que ninguém tinha visitado o tríplex, não havia nenhum interessado. O funcionário do leiloeiro abriu a porta e me deixou sozinho no apartamento. Eu tive tempo para olhar à vontade e vi que não era nada daquilo que a imprensa escrevia, sem mostrar, apenas dizia o que os procuradores falavam. Uma farsa”, afirma.
Para começar, o elevador. “Quando se falava em elevador privativo, imaginava que fosse algo que levasse da garagem ao apartamento, mas não. É um elevador que leva de um piso a outro no tal tríplex, como esses elevadores para cadeirante. Uma coisa mixuruca, que não custa muito”, disse.
“Vi ainda que o piso que teria sido trocado não é porcelanato de primeira linha, é um piso de segunda linha. Não é o pior, mas também não é o de primeira linha. Fiquei pensando: um ex-presidente pode morar num lugar mais bem arrumado”, destacou. Se a reforma era propina, pensou Manuel, Lula teria que ser o corrupto mais sem-vergonha do planeta.
”Deixaria roubar a Petrobras em troca de algo assim? Não faz sentido”, disse.
Viu ainda no apartamento um fogão velho, uma geladeira, um escritório improvisado, beliches, uma piscina com tamanho de uma banheira — “duas braçadas e você chega de uma ponta a outra”.
Também ficou escandalizado com os armários embutidos. “Tudo madeira compensada, MDF, algo assim, uma porcaria, um Minha Casa, Minha Vida, com todo respeito por quem mora no “Minha Casa, Minha Vida, mas Lula, por ser um líder mundial, poderia ter algo melhor, ainda mais em se tratando, como diz o juiz Moro, propina em troca de contratos milionários da Petrobras. Não faz sentido”, disse ele, com ênfase na expressão “Não faz sentido”.
Para não ter dúvida de que seus olhos não o estavam enganando, soube que havia outro apartamento à venda no condomínio e pediu para ver. Não é um tríplex, mas permite concluir, quando comparados, que recebeu reforma. A cozinha tem pastilhas em vermelho e preto, os quartos, com camas, foram decorados. A varanda tem vidros blindex — no tríplex da OAS, que Moro atribuiu a Lula, os vidros da varanda são comuns, assim como as estruturas de alumínio.
“Aquilo sim era reforma. O apartamento estava um brinco, muito superior ao que o juiz Moro atribuiu ao ex-presidente da república”, comentou.
Manuel também constatou que o prédio construído pela OAS é simples, com uma academia de ginástica modesta e uma piscina coletiva pequena, que não oferece nenhuma privacidade. Com a popularidade que tem, Lula jamais poderia frequentar um lugar assim.
Manuel voltou para Salvador convicto da farsa e de que não haveria lance para o leilão. “Aquilo não vale 2,2 milhão de reais”, pensou.
Ficou surpreso quando uma pessoa o arrematou e achou estranho. Quando soube que o imóvel tinha sido comprado por um sócio do primo de Geraldo Alckmin, candidato a presidente pelo PSDB, viu a luz amarela acender.
O comprador, citado em escândalos de corrupção em Brasília e dono de uma offshore que aparece no caso de lavagem internacional de dinheiro Panamá Papers, é Fernando Costa Gontijo, proprietário do Jornal de Brasília.
“Quem comprou pode fazer uma reforma de verdade e fazer desaparecer os vestígios da farsa. Por que alguém compraria o imóvel por um valor superior ao que vale? Não faz sentido, a menos que haja outros interesses”, disse.
Pelo sim, pelo não, ficou ainda mas satisfeito por ter feito o registro fotográfico do tríplex atribuído ao Lula.
“O mundo precisa saber que tudo o que foi noticiado pela imprensa é farsa, processo do tríplex é farsa. Realizei o trabalho de jornalismo investigativo que o o grupo, que eu chamo GEIVEF – Globo, Época, IstoÉ, Veja, Estadão e Folha – não fez”. 
MANUEL MENESES/VIA DCMtriplex.jpg
Portaria, instalações e dependências modestas e nada de reforma
MANUEL MENESES/VIA DCMreformado
Apartamento de fato reformado no mesmo prédio. Outra coisa

A servidão moderna

https://www.youtube.com/watch?v=mP3YVjQR49c

Educação Projeto Escola Sem Partido: quando o interesse privado sufoca a esfera pública

Educação

Projeto Escola Sem Partido: quando o interesse privado sufoca a esfera pública

Entrevista especial com Fernanda Moura

 
18/07/2018 09:08
 
 
Numa semana em que o Brasil ainda rescaldava o resultado de sua seleção de futebol, o clima estava quente na Câmara Federal. Apesar de gritos e trocas de ofensas, o tema não era futebol, assunto que muitas vezes esquenta os ânimos. Tratava-se de mais uma sessão da comissão especial que discute o Projeto de Lei 7180/14, apelidado de Escola Sem Partido. Na última quarta-feira, 11-07, foram três horas de discussão – na comissão especial, instância que antecede a votação em plenário –, até a suspensão do debate, deixando o assunto “de molho”. “O que vemos é uma reação a um processo de democratização da sociedade brasileira que tem sido marcado pelo avanço dessa onda conservadora”, avalia a professora Fernanda Pereira Moura. Ela desenvolveu uma pesquisa de mestrado que buscou entender o que é o Escola Sem Partido, projeto que tem um autor na Câmara, Erivelton Santana - PSC/BA, mas que também “pipoca” desde a Câmara Federal até Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

Embora tenha se detido na esfera federal, a professora, que atua na rede pública, considera que projetos como esse visam subverter a ideia de Estado, aquele que provê a educação como um bem público e visa à formação integral de seus jovens. “A esfera privada toma a esfera pública. Os direitos das famílias sobre seus filhos se tornam mais importantes do que o dever do Estado de formar seus cidadãos para o convívio em sociedade”, destaca, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-LineFernanda ainda reflete que o próprio direito da individualidade infantilnão é respeitado. “A criança perde seu direito à educação, que é substituído pelo direito dos pais a que seus filhos tenham a educação que esteja de acordo com suas próprias convicções”, resume.

Ao longo de sua pesquisa, a professora detecta no projeto a forte incidência dos parlamentares mais conservadores, atrelados às chamadas bancas “da Bala” – defensora do armamento e ações mais duras das polícias –, “do Boi” – ligado a ruralistas e setores do agronegócio – e “da Bíblia” – ligada a alas religiosas mais conservadoras. “Não devemos atrelar o projeto apenas aos evangélicos. O criador e coordenador do movimento e autor dos projetos de lei, Miguel Nagib, se declara um cristão conservador”, alerta. Para Fernanda, o grande alvo do Escola Sem Partido é “o combate às desigualdades de gênero, sexualidade, raça, racismo religioso e classe”. E acrescenta: “o discurso defendido por eles é que essas desigualdades são naturais e que defender igualdade é ir contra a própria doutrina cristã”.

Fernanda Pereira Moura possui mestrado em Ensino de História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, especialização em Gênero e Sexualidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ e graduação em História também pela UERJ. Atualmente é professora da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Ainda atuou como professora da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro e da rede particular de ensino. É autora da dissertação Escola Sem Partido: Relações entre Estado, Educação e Religião e os impactos no Ensino de História, com a qual obteve o título de mestre em 2016.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que revela a volta de discussões de projetos como o “Escola sem Partido”?

Fernanda Pereira Moura – O Escola Sem Partido e o seu combate ao comunismo e a sua tentativa de censurar a educação não nos permitem esquecer que há muito pouco tempo vivíamos em um regime ditatorial. O que vemos é uma reação a um processo de democratização da sociedade brasileira que tem sido marcado pelo avanço dessa onda conservadora.

IHU On-Line – Uma das medidas previstas no projeto Escola sem Partido trata da afixação de placas e cartazes que defendem a “não doutrinação ideológica”. Como analisa medidas como essa? E que outras medidas desse tipo, que revelam a fragilidade da proposta, você destaca?

Fernanda Pereira Moura – A respeito do cartaz, três coisas precisam ficar claras. A primeira é que um dos itens do cartaz diz que os pais têm direito a que seus filhos recebam educação moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções. E que, a respeito deste item, o criador do movimento e do projeto de lei, o procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, diz que não inventou, mas que apenas copiou o que já constava na convenção americana de direitos humanos. O que o procurador não menciona é que o item citado não se refere à educação escolar, e sim à educação moral dada em casa pelos pais, o que está claro pelo artigo mencionado encontrar-se no capítulo sobre religião e não em um capítulo sobre educação.

Inclusive, nesta convenção não há nem mesmo um capítulo sobre o tema. As questões relativas à educação são tratadas em um protocolo adicional no qual está dito com todas as letras que a educação de todos os países signatários deve ser voltada para a defesa dos direitos humanos.

A segunda coisa que precisa ficar clara é que não se trata apenas de um cartaz. Segundo o PL, os princípios do Escola Sem Partido valeriam não apenas para as práticas de professores em sala de aula, mas para os conteúdos trazidos em materiais didáticos e paradidáticos, para o Exame Nacional para o Ensino Médio - Enem e para os concursos de acesso à carreira docente. Ou seja, o Escola Sem Partido agiria sobre a totalidade das políticas públicas para a educação.

Por fim, é necessário destacar também que, apesar dos projetos de lei trazerem o combate à suposta doutrinação, em nenhum momento eles conceituam o que seria essa doutrinação. Isso já foi apontado por diversos pareceres jurídicos como sendo mais um dos traços claros de inconstitucionalidade do projeto: proibir algo que ele não esclarece o que é. De forma que a interpretação de que se alguma denúncia seria ou não doutrinação ficaria a cargo apenas de quem fosse julgá-la.

IHU On-Line – Você fez um mapeamento de todos os projetos de lei que tramitam em torno dessa mesma ideia da “escola sem partido”. O que esses seus estudos revelaram?

Fernanda Pereira Moura – Minha dissertação foi defendida em dezembro de 2016. Analisei os textos de todos os PLs federais e observei quem eram os proponentes dos projetos de censura à atuação docente, do tipo Escola Sem Partido, mas sem receber o nome ou projetos voltados especificamente para barrar as discussões relativas ao gênero nas esferas municipal, estadual e federal. Naquela época, eram por volta de 50 PLs. Como faço parte do Professores Contra o Escola Sem Partido, continuo atualizando o mapeamento em conjunto com a Renata Aquinoe o Diogo Salles, que também fazem parte deste coletivo. Nossa última atualização foi em janeiro deste ano, quando constatamos que já eram mais de 150 PLs apresentados. Claro que já foram apresentados novos projetos, mas não muitos mais. O momento de maior crescimento no número de PLs foi o segundo semestre de 2017, devido ao dia nacional pelo Escola Sem Partido que foi promovido pelo Movimento Brasil Livre - MBL em 15 de agosto.

Alguns dos PLs sofreram mudança de status depois de janeiro, mas, de maneira geral, a maioria dos PLs está no Sul e Sudeste, especificamente em São PauloParanáRio de Janeiro e Santa Catarina. Com relação ao total, 12 eram federais, 21 estaduais e 114 municipais. Desses quase 150 projetos, 40 tratavam especificamente da questão de gênero. Quanto ao status, 103 ainda estavam em tramitação, 26 haviam sido rejeitados e 18 estavam em vigor. Destes em vigor, sete eram Escola Sem Partido ou tipo Escola Sem Partido e 11 específicos sobre gênero, o que mostra a grande disponibilidade dos parlamentares em aprovar projetos desse tipo. A minha pesquisa focou bastante no perfil dos proponentes.

IHU On-Line – Qual o perfil dos parlamentares que propõem projetos como esses?

Analisando os proponentes, apenas na esfera federal, é possível observar que, em sua maioria, eles pertencem a três bancadas simultaneamente, a do Boi, a da Bala e a da Bíblia” - Fernanda Pereira Moura

Fernanda Pereira Moura – Os parlamentares proponentes do Escola Sem Partido estão distribuídos entre inúmeros partidos, mas a maioria concentra-se no PP, no PSC, no MDB [antigo PMDB] e no PSDB. Ou seja, o Escola Sem Partido não tem a adesão de um partido, no sentido de uma sigla partidária. Ele tem um partido no sentido de ser um projeto de um grupo que defende determinados interesses.

Analisando os proponentes, apenas na esfera federal, é possível observar que, em sua maioria, eles pertencem a três bancadas simultaneamente, a do Boi, a da Bala e a da Bíblia. Ou seja, são da bancada BBB, a mais reacionária, antidemocrática, e a maior ameaça aos direitos humanos que temos no nosso congresso. Foi possível observar que praticamente todos os proponentes do Escola Sem Partido votaram a favor do impeachmentda presidenta Dilma Rousseff, o que não causa nenhum espanto uma vez que o movimento responsabiliza o governo do PT pela suposta doutrinação nas escolas.

IHU On-Line – Que associações podemos fazer entres os projetos em torno das ideias do Escola Sem Partido com a religião?

Fernanda Pereira Moura – A ligação do Escola Sem Partido com a religião é total. No entanto, não devemos atrelar o projeto apenas aos evangélicos. O criador e coordenador do movimento e autor dos projetos de lei, Miguel Nagib, se declara um cristão conservador. Ele é católico como o vice-coordenador do movimento e professor da Universidade de Brasília - UNBBráulio Porto de Mattos. No Congresso Federal, os proponentes estão divididos entre os pertencentes à bancada evangélicae à bancada católica. Entre os proponentes, é comum membros da Renovação Carismática Católica - RCC. A RCC é um movimento neopentecostal dentro da Igreja Católica, tanto que a doutrina e forma de atuação são muito similares à dos evangélicos.

Como destaca o professor Luiz Antônio Cunha, a bancada da Bíblia tem um projeto reacionário para a educação que procura frear a laicidade do estado e a secularização da cultura. Esse projeto se daria em duas frentes, uma seria caracterizada pela contenção, impedir que discussões cheguem à escola. Essa frente teria como arma o Escola Sem Partido. E, em outra frente, haveria uma imposição da moral cristã aos estudantes. Essa teria como arma o Ensino Religioso e a Educação Moral e Cívica.

É importante lembrar que o Ensino Religioso é o único componente curricular previsto na nossa Constituição e que ele pode ser oferecido de maneira confessional a critério das redes de ensino. Outro destaque importante é que há inúmeros projetos para a volta da disciplina Moral e Cívica.

IHU On-Line – Durante o período do regime militar, os anos de redemocratização, chegando até a década de 1990, as escolas brasileiras continham disciplinas como Educação Moral e Cívica e Organização Social Política Brasileira - OSPB. Como analisa o teor e o propósito dessas disciplinas? Em que medida podemos associar a lógica de disciplinas como essas com o Escola Sem Partido?

Fernanda Pereira Moura – O professor Luiz Antônio Cunha destaca que a moral da Moral e Cívica sempre foi a moral cristã. Mesmo nos períodos em que o Estado brasileiro não tinha o Ensino Religioso como disciplina, a moral cristã (mormente católica) continuava a ser imposta.

OSPB tinha o objetivo de estimular o nacionalismo e incutir um sentido de civismo ligado ao respeito às instituições, e não a “capacitação” para lutar por instituições justas. Quando o Escola Sem Partido diz que os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções e deixam claro que essa precisa ser uma moral conservadora cristã, quando chamam uma educação voltada para a cidadania de doutrinação, vemos que o Escola Sem Partido entende que a educação atual deve ter os mesmos objetivos que tinha durante a ditadura militar.

IHU On-Line – Quais são os maiores alvos do “escola sem partido”. Por quê?

Fernanda Pereira Moura – O maior alvo é o combate às desigualdadesde gênero, sexualidade, raça, racismo religioso e classe. O discurso defendido por eles é que essas desigualdades são naturais e que defender igualdade é ir contra a própria doutrina cristãGênero devido à complementaridade dos papéis de homens e mulheres; sexualidade por apenas a heterossexualidade ser aceita. Assim, a tentativa de discutir estas questões se configuraria em uma tentativa de destruição da família tradicional. A valorização da cultura negra e indígena e a discussão sobre a intolerância religiosa é apontada como tentativa de doutrinação em umbanda e candomblé.

Qualquer discussão a respeito das desigualdades de classe são marxismoe o marxismo enquanto materialismo se oporia à espiritualidade cristã, logo uma tentativa de destruí-la. São muitas as falácias utilizadas. Tenta-se difundir um pânico moral. Minorias são vistas como ameaças. Mas, realmente, a maior ameaça de todas é representada pelo espantalho da “ideologia de gênero”. Foi a maneira que eles encontraram de associar as discussões de gênero com uma suposta tentativa de transformar as crianças em gays e lésbicas.

IHU On-Line – Em que medida o “escola sem partido” reconfigura a ideia de Estado?

Fernanda Pereira Moura – A esfera privada toma a esfera pública. Os direitos das famílias sobre seus filhos se tornam mais importantes do que o dever do Estado de formar seus cidadãos para o convívio em sociedade. O direito da família, na verdade, do homem que é o pai nesta família, é mais importante que o direito de quaisquer outros sujeitos desta família, como as mulheres e as crianças. Os direitos delas não devem ser discutidos nas escolas. O direito das crianças, inclusive, desaparece por completo uma vez que a criança perde seu direito à educação, que é substituído pelo direito dos pais a que seus filhos tenham a educação que esteja de acordo com suas próprias convicções.

IHU On-Line – Pensando em termos de aprendizagem e desenvolvimento humano integral dos alunos, como a implantação de projetos como o Escola sem Partido pode incidir na formação dos alunos?

Fernanda Pereira Moura – A nossa Constituição diz que a educação brasileira deve ter por finalidade formar a pessoa, o cidadão e o trabalhador. É o que Gert Biesta chama do caráter de subjetivação, socialização e qualificação da educação, respectivamente. Mas, para o Escola Sem Partido, o professor não é um educador. É um técnico, um burocrata que deve apenas ensinar o conteúdo e preparar para o mercado de trabalho. No fim vemos que nenhuma das dimensões da educação é respeitada uma vez que o educador tem por trabalho muito mais do que capacitar as pessoas para o mercado de trabalho que, aliás, prefere que este trabalhador permaneça incapaz de reconhecer que seu trabalho é alienado.

IHU On-Line – Especificamente sobre o campo da História, quais os impactos do Escola sem Partido?

Fernanda Pereira Moura – Sem possibilidade de crítica, voltamos a uma história baseada em decorar nomes e datas. Podemos inferir que a história pretendida pelo Escola Sem Partido é a velha história política. Aquela das grandes narrativas nacionais e dos grandes homens. Sem luta de classes, sem questões identitárias e que não permite que os alunos se reconheçam como sujeitos históricos.

IHU On-Line – Como projetos como o Escola sem Partido repercutem nas escolas? Como tem observado a forma como esse debate tem se dado entre professores e alunos?

Fernanda Pereira Moura – Mesmo sem se tornar lei, o discurso do Escola Sem Partido vem conquistando adeptos. Em todo o Brasilprofessores vêm sendo expostos nas redes sociais, ridicularizados, sendo denunciados como criminosos por falarem sobre questões de gênero ou debaterem assuntos importantes do presente. Muitos professores já têm medo de abordar determinados temas em sala de aula. Inclusive temas que até bem pouco tempo atrás eram vistos como temas absolutamente normais na escola, como teoria da evolução e nazismo.

IHU On-Line – Que relações podemos estabelecer entre a nova Base Comum Curricular e as ideias em torno do Escola sem Partido?

Fernanda Pereira Moura – As relações são muitas. Primeiro que o Escola Sem Partido cria um discurso de ódio aos professores, como explica o professor Fernando Penna, ao mesmo tempo a Base Nacional Comum Curricular - BNCC foi formatada para tornar possível avaliações educacionais em larga escala que em todo o mundo têm sido utilizadas não para melhorar a educação, mas para responsabilizar o professor sobre o suposto fracasso escolar. Gert BiestaDiane Ravitch e Luiz Carlos de Freitas há muito se dedicam a explicar essas políticas de responsabilização que recebem o falacioso nome de meritocracia.

Por fim, vemos o professor sendo apresentado não apenas como incompetente e mal formado – como se isso não fosse ruim o bastante –, mas também como alguém que não ensina porque não quer, uma vez que está preocupado apenas em doutrinar os seus alunos. Mas essa é apenas uma questão com relação à Base de maneira geral. Existe uma relação muito estreita do Escola Sem Partido com a última versão da BNCC de ensino fundamental. Um grupo chamado professores contra a ideologia de gênero – que faz parte das redes do Escola Sem Partido e cujo líder é um dos intelectuais orgânicos do ESP – produziu uma BNCC alternativa e fez pressão sobre o ministro da Educação com o apoio da bancada evangélica e conseguiu fazer com que a terceira e, supostamente, última versão da BNCC fosse tão modificada que não pode nem ser considerada ainda a terceira versão, sendo na verdade uma quarta.

IHU On-Line – Diante de um contexto de polarizações e disputas violentas, que vazam do mundo virtual ao mundo real, quais os maiores desafios do campo da Educação?

Fernanda Pereira Moura – É preciso combater o Escola Sem Partido, mas não apenas os projetos de lei. É preciso combater também o seu discurso e discutir que educação, que escola e que sociedade queremos. É preciso lutar por uma educação democrática. Precisamos de uma educação que combata os discursos de ódio e que seja voltada para o respeito aos direitos humanos.

Saiba mais sobre o Projeto Escola Sem Partido que tramita na Câmara Federal

*Publicado originalmente na IHU On-Line

Favreto e a câmera escura de Marx

Estado Democrático de Direito

Favreto e a câmera escura de Marx

Assim como na câmera escura as imagens que estão à direita do cenário fotografado passam à esquerda na imagem projetada (e vice-versa) a ideologia provoca inversão similar - fazendo com que o sujeito perceba como verdadeiro aquilo que é falso ou distorcido; bem como considere como seu o interesse que, na verdade, lhe é oposto, titulado por seu dominador

 
18/07/2018 14:39
 
Carlos Frederico Barcellos Guazzelli (*)
Em “A Ideologia Alemã”, obra que só veio a público após sua morte, Marx, cujo bicentenário de nascimento é comemorado neste ano, se utiliza de interessante metáfora para explicar o efeito de reconhecimento ideológico – mecanismo essencial para a submissão dos sujeitos a um sistema de representação (idéias, valores, crenças), qualquer que seja ele. Homem atento e admirador das vertiginosas transformações tecnológicas da Revolução Industrial, ele se utilizou do funcionamento da câmera fotográfica para explicar aquele processo (lembre-se que a fotografia já existia e se aperfeiçoava desde a primeira metade do século XIX, quando o grande pensador era jovem).
Assim como, explica ele, na câmera escura as imagens que estão à direita do cenário fotografado passam à esquerda na imagem projetada (e vice-versa); as que estão ao alto ficam embaixo (e vice-versa); o claro torna-se escuro (e vice-versa); a ideologia provoca inversão similar – fazendo com que o sujeito perceba como verdadeiro aquilo que é falso ou distorcido; bem como considere como seu o interesse que, na verdade, lhe é oposto, titulado por seu dominador.
Posteriormente, tanto na tradição marxista (por exemplo, Gramsci e Althusser, entre outros), como fora dela (Freud, Lacan, etc), vários pensadores seguiram a trilha aberta pelo extraordinário filósofo, enriquecendo as descobertas sobre como os destinatários se reconhecem no discurso ideológico. Já nos tempos que nos cabe viver, sob o incessante bombardeio das diferentes mídias, a transformação dos membros da massa aturdida em robôs manipulados, torna-se tarefa essencial para a preservação e reprodução das dominações de classe, gênero e etnia – e os novos aportes trazidos pela semiologia e pela teoria do discurso têm servido para desvendar as formas pelas quais se opera esta manipulação, na constituição do imaginário dos sujeitos.
A lembrança da antiga metáfora da inversão da imagem na câmera escura, no entanto, impõe-se diante dos espantosos acontecimentos que se precipitaram a partir, e em virtude da decisão proferida, no domingo retrasado, pelo desembargador então responsável pelo plantão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) – acolhendo pedido de liminar em habeas corpus impetrado em favor do ex-presidente Lula, no sentido de lhe conceder liberdade provisória.
Como se sabe, mesmo diante da reiteração da decisão por seu prolator, em novo despacho e também por via telefônica, os agentes da polícia federal de Curitiba, ao invés de cumprir a ordem de soltura do paciente, preferiram obedecer a determinação contrária que lhes foi transmitida, desde Portugal, onde gozava férias, pelo onipresente juiz Moro, e tergiversaram até que o presidente daquele tribunal interveio e cassou a decisão do desembargador plantonista.
Embora diversos juristas já o tenham feito, é preciso insistir, de novo e sempre: o magistrado camisanera, transformado pelos oligopólios midiáticos em herói das chamadas elites, bem como de seus apoiadores nos extratos médios e baixos da população, não tinha e não tem competência – no sentido jurídico de atribuição legal – para tomar decisões acerca da execução da pena que Lula cumpre provisoriamente na sede curitibana da polícia federal. A juíza competente para tanto é sua colega da 12ª Vara Criminal Federal da capital paranaense, a quem, justamente, os impetrantes do pedido de habeas corpus apontaram como autoridade coatora – ou seja, aquela de quem emanou a coação ilegal que buscavam debelar com a medida postulada.
O fato de que, apesar disso, um juiz absolutamente desprovido de competência, ademais em férias, e ainda por cima no estrangeiro, articule o descumprimento de ordem judicial emanada do tribunal ao qual é subordinado, apenas explicita, mais uma vez, e de forma escandalosa, o estado de exceção instituído no país, desde a eclosão do golpe parlamentar, em 2016. De se destacar, a propósito, que durante os períodos previstos em lei para seu funcionamento – nos finais de semana, por exemplo – o responsável pelo plantão da corte é o seu representante legal, a quem cabe precipuamente decidir sobre as questões emergenciais que lhe são trazidas, como habeas corpus, mandados de segurança e pedidos de cautelares.
Portanto, nada, absolutamente nada justificava o ato de avocação praticado pelo presidente daquele colegiado, que desautorizou, sem base legal para tanto, o único representante indicado, legal e regimentalmente, para decidir ali sobre as medidas de urgência naquele dia – substituindo-se ao mesmo, com o propósito de retirar-lhe o caso e submetê-lo, desde logo, ao membro da Turma à qual, somente depois do plantão, caberia regularmente apreciá-lo.
Além do mais, não haveria necessidade alguma de adotar essa manobra desastrada – voltada exclusivamente para impedir algumas horas de liberdade provisória do ex-Presidente da República – pois, à toda evidência, conhecendo-se os precedentes da atuação da 8 ª Turma do TRF-4, em todos os recursos relativos aos processos a que ele reponde, a decisão do plantonista seria revogada imediatamente, assim que se encerrasse o plantão e os autos do habeas corpus lhe fossem remetidos.
Mesmo assim, preferiu-se agir da forma escancaradamente ilegal como se agiu, ao custo de expor a visível parcialidade do juízo para com este réu excepcional: cabe recordar aqui que, em decisão proferida, há pouco mais de um ano, este mesmo tribunal assentou que, nos processos aos quais ele responde, as regras legais, a princípio incidentes, poderiam ser validamente afastadas, devido às excepcionalidades das situações neles tratadas…
Aliás, naquela ocasião, o único a discordar de tão lamentável decisão, foi o desembargador Rogério Favreto, o plantonista que agora ousou conceder o habeas corpus impetrado a favor de Lula. E que o fez, deve-se ressaltar, em despacho bem fundamentado, ao longo de dezesseis laudas, à vista de fatos novos trazidos pelos impetrantes, ainda não apreciados nos acórdãos anteriores proferidos no TRF-4 e nos Tribunais Superiores em relação ao paciente, e com base em pesquisa da jurisprudência sobre os casos similares. Malgrado isso, inexplicavelmente, a Procuradora Geral da República (PGR) ofereceu representação contra ele, perante o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), imputando-lhe o crime de prevaricação – que consiste, segundo o artigo 319 do Código Penal, na conduta do funcionário ou agente público que deixa de praticar ato de seu ofício, ou o pratica “…contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal…”.
Ora, é simplesmente de pasmar: imputa-se este delito ao julgador que, no exercício estrito de sua competência, em decisão motivada, simplesmente…julga! A chefe do ministério público federal, alinhada às barbaridades e tropelias que o sistema de justiça brasileiro vem praticando, desde que se colocou no centro do debate político nacional, acaba de propor a punição de um magistrado pelo crime de exercer a judicatura!
Neste ínterim, outro juiz, sem competência no caso, desde o exterior, articula publicamente manobra tendente a impedir o cumprimento de decisão legalmente proferida, por autoridade de tribunal ao qual está subordinado – ao que tudo indica, para satisfazer seu interesse pessoal em impedir a liberdade, por horas que seja, do personagem contra o qual comanda verdadeira perseguição judicial, em caso típico de lawfare, como mundialmente reconhecido.
Só o fenômeno da inversão das lentes ideológicas, na câmera escura dos tribunais, pode explicar tamanho despropósito: aquele que age regularmente dentro de sua esfera de atribuição, proferindo decisão motivada, é acusado de prevaricar – enquanto é considerada legítima, e até mesmo louvada a atitude de quem, sem jurisdição, se atravessa ao cumprimento de ordem judicial emanada de autoridade competente, de órgão que lhe é superior!
Não se pode perder de vista que, quando magistrados e tribunais se portam como partes, assumindo posições e valendo-se de seus poderes no jogo político, perdem a condição essencial para o exercício legítimo de sua atividade, decorrente de sua posição em princípio estranha aos conflitos sociais – condição esta que é decorrente do que chama de “autonomia”. Em decorrência, a percepção desse ativismo judicial pela população, de que já há vários sintomas, seguramente levará à desmoralização institucional do sistema de justiça, contribuindo para a situação de anomia social que estamos vivendo.
Por fim, diante desse quadro absurdo, resta apelar aos democratas de todos os quadrantes, atônitos diante dos abusos acenados contra um magistrado corajoso, que atuou e atua estritamente sob os ditames legais que regem seu ofício, para que cerrem fileira na sua defesa – como mais um gesto imprescindível em favor da restauração da convivência social civilizada, e de repulsa ao avanço fascista que nos ameaça.
(*) Defensor Público aposentado, Coordenador da Comissão Estadual da Verdade/RS (2012/2014).
Publicado originalmente no Sul 21