quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

TAXA DE JUROS E A MAQUIAGEM DE 0,75%

Taxa de juros e a maquiagem de 0,75%

Paulo Moreira Leite


Num país onde a taxa de juros é uma indecência legalizada, ninguém tem o direito de criticar a redução de 0,75% anunciada pelo Copom. (Pode-se até reivindicar uma redução maior – mas o debate, aqui, não é este).

Ninguém tem o direito, porém, de imaginar que o caminho para a recuperação do crescimento foi aberto a partir desta decisão. Para começar, a taxa básica de juros – agora em 13% – continua impraticável para servir de estímulo aos investimentos e a criação de empregos.

Outra questão é que mesmo uma taxa de juros muito mais baixa do que 13% está longe de constituir – isoladamente – um remédio infalível para se enfrentar um ambiente de estagnação econômica e destruição do aparato produtivo de um país ou mesmo de uma região econômica. A experiência ensina duas coisas: taxas altas de juros costumam funcionar como um obstáculo intransponível para o crescimento mas a recíproca nem sempre é verdadeira.

O prolongado pântano da economia europeia, principal foco de doença da economia mundial, é um caso didático a esse respeito. Em estagnação permanente desde o colapso dos derivativos de 2008/2009, a União Europeia tem praticado os juros mais baixos de sua história recente – sem resultados significativos.

Entre 2009 e 2011, a taxa de juros europeia ficou em 1%. Caiu para 0,75% no último trimestre de 2012, desceu para 0,5% em maio de 2013 e desde maio de 2016 se encontra em 0%. Salvo pequenas oscilações, estatísticas que nem de longe beneficiaram a maioria das pessoas nem serviram para alterar o quadro geral, nada ocorreu para diminuir o desemprego nem para alterar o ambiente social e muito menos criar um horizonte de confiança. A instabilidade política explica-se por isso.

Com uma imensa quantidade de clientes quebrados, e juros baixos demais, o sistema bancário europeu prefere entesourar os recursos em seu cofres em vez de fazer empréstimos para empresas e correntistas que não transmitem a menor segurança quanto a capacidade de honrar seus compromissos. Neste ambiente, mesmo a Alemanha de Angela Merkel, até há pouco uma potência regional, dá sinais de enfraquecimento.

Este é o curso atual da economia brasileira e nada indica que ela seguirá um rumo diferente, com a dupla Temer-Meirelles no comando do Estado. Juntos, desde maio de 2016 os dois tomaram diversas medidas de política econômica, que nada mais representam do que tentativas de cortar pela raiz todas as possibilidades do Estado contribuir para uma retomada do crescimento através dos investimentos.

Esse é o centro da PEC do teto dos gastos, que simplesmente proíbe o governo de elevar investimentos que poderiam estimular o crescimento – durante 20 anos.

Pela mesma razão, o governo quer aproveitar toda e qualquer oportunidade para esvaziar empresas públicas que poderiam mudar o rumo das coisas, seja no plano do crédito – pela Caixa, Banco do Brasil, BNDES – seja em obras de infraestrutura, a começar pela Petrobras. O estrangulamento dos governos estaduais faz parte do mesmo programa.
Útil para disfarçar momentaneamente a fantasia de um governo que necessita de notícias favoráveis, a redução de 0,75% é parte de um ambiente desesperador e sem perspectivas.

Mesmo a queda da inflação só pode ser anunciada através de sorrisos amarelos – pois os preços caíram pela queda de consumo produzida por uma recessão histórica. Não é a economia que ficou mais equilibrada mas o povo é que está comendo menos.

Coerentes no próprio erro, conduzem o país para um desastre sem saída. Uma das lições da crise de 2008/2009 é que nem mesmo os Estados Unidos, pátria do liberalismo econômico, foi capaz de tirar o pé do atoleiro sem apoio do Estado. Foi assim que, entre outras medidas, Barack Obama realizou uma estatização parcial do setor automobilístico. Apesar de seus vergonhosos momentos de delírio, nem os projetos de Donald Trump ignoram isso.

Esta é a situação real. Sem capacidade para qualquer mudança, o recurso é vestir uma máscara.



BRASIL DE TEMER SERÁ RESPONSÁVEL POR 30% DE DEMISSÕES DO MUNDO EM 2017

Brasil de Temer será responsável por 30% de demissões do mundo em 2017


Neste ano, o Brasil terá o maior aumento no número de desempregados entre as economias do G-20. Depois do golpe, o país será responsável por 30% das demissões do mundo e deve contabilizar mais 1,4 milhão de novos trabalhadores sem emprego até o ano de 2018. De cada três novos desempregados no mundo, um será brasileiro. Os números são da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que divulgou um relatório sobre a ampliação do desemprego e o consequente aumento do risco de “agitação social”.

Segundo a organização, o Brasil terá um total de 13,8 milhões de brasileiros fora do mercado de trabalho até o ano que vem.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o desemprego, hoje, está em 11,9%, com 12,1 milhões de pessoas nesta situação.

Vale ressaltar que há pouco mais de dois anos, o Brasil encerrou 2014 com a menor taxa de desemprego já registrada. Na média daquele ano, ficaram sem trabalho 4,8% dos brasileiros.

A mudança verificada de lá para cá ocorreu sob forte boicote da oposição ao governo da presidenta Dilma Rousseff, com o intuito de desestabilizar seu governo e provocar o impeachment, o que terminou por paralisar o país.
Acuada, a própria presidenta abriu espaço para o ajuste fiscal iniciado por seu ministro, Joaquim Levy, o que só afundou ainda mais a economia do país.

Consolidado o golpe, Michel Temer assumiu o poder com o discurso de que salvaria o país, recuperando a confiança na economia brasileira. Mas o discurso não corresponde à prática a cada dia que passa a retomada do crescimento vai sendo mais e mais adiada.
Determinado a reduzir o papel do Estado, cortando gastos sociais e investimentos e promovendo inclusive a retirada de direitos, Temer apostou tudo na iniciativa privada, que não parece animada com o cenário colocado no horizonte.

E o Brasil vai ficando para trás. Segundo a OIT, o crescimento econômico mundial continua decepcionante, sem motivar a criação de empregos suficientes para compensar o número de pessoas que ingressam no mercado de trabalho.

Com isso, o contingente de desempregados subirá em 3,4 milhões de pessoas na comparação com o ano anterior. Ao todo, serão 201,1 milhões de pessoas sem emprego no planeta neste ano.

Dentro desse cenário já complicado, o Brasil terá o pior desempenho no mercado de trabalho em todo o mundo neste ano. O desemprego aqui, em 2017, será de 12,4%, de acordo com a previsão da OIT, maior do que o dobro da média global (5,5%) e dos países emergentes (5,7%). O índice é quase um ponto percentual maior do que no ano passado.

O país terá a terceira maior população de desempregados entre as maiores economias do mundo em termos absolutos, sendo superado apenas pela China e Índia, país com populações cinco vezes maiores do que o Brasil. Nos EUA, com uma população 50% maior do que a brasileira, são 5 milhões de desempregados a menos.

O relatório da organização também demonstra espanto com a rapidez com que o país saiu do pleno emprego, no governo Dilma Rousseff, para o caos atual, e alerta para o risco de convulsão social no Brasil. Um dos temores ainda da OIT é de que a informalidade no mercado de trabalho brasileiro cresça, assim como a taxa de pessoas em empregos precários.

A OIT aponta ainda que a incerteza em relação ao desempenho da economia global tem ampliado o risco de agitação social e descontentamento em praticamente todas as regiões do planeta.

Mas, no Brasil, os índices de insatisfação social estão entre os que mais crescem. Se, no mundo,o Índice de Agitação Social subiu, em média, 0,7 pontos, numa escala de zero a cem, no Brasil o salto foi de 5,5 pontos.

“Trata-se de um dos maiores aumentos do mundo em 2016”, disse o economista-sênior da OIT, Steven Tobin. O índice é medido pela organização com base em informações sobre protestos, manifestações de rua, bloqueios de vias, boicotes e rebeliões e pretende refletir a insatisfação da população com fatores como mercado de trabalho, condições de vida e processos democráticos.


O ISOLAMENTO DOS EUA

O Isolamento dos EUA
Noam Chomsky


A 23 de dezembro de 2016, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução 2334 por unanimidade, com a abstenção dos EUA. A Resolução reafirmou "que a política e as práticas de Israel em estabelecer colonatos na Palestina e outros territórios Árabes ocupados desde 1967 não tem legitimidade legal e constitui uma séria obstrução para alcançar uma paz justa e compreensiva no médio oriente. Chama novamente Israel, como país ocupante, a cumprir escrupulosamente a Quarta Convenção de Genebra (1949), a rescindir as medidas anteriores e a desistir de tomar qualquer ação que possa resultar numa alteração de estatuto legal ou natureza geográfica e afetar materialmente a composição demográfica dos territórios árabes ocupados desde 1967, incluindo Jerusalém, e, em particular, para não transferir parte da população civil para os territórios árabes ocupados."

É importante reconhecer que a Resolução 2334 não tem nada de novo. A citação aqui referida é da Resolução 446, de 12 de março de 1979, reiterada na essência na Resolução 2334. A Resolução 446 passou com 12 votos contra zero e abstenção dos EUA, do Reino Unido e da Noruega. A diferença essencial hoje é que os EUA estão sozinhos contra o resto do mundo, e isso é um mundo de diferença. As violações das ordens do Conselho de Segurança da ONU por parte de Israel, e violações da lei internacional, são hoje bastante mais radicais do que em 1979 e estão a levantar maior repúdio em boa parte do mundo. Os conteúdos da Resolução 446/2334 devem por isso ser levados mais seriamente. Daí a reação intensa contra a Resolução 2334, tanto a cobertura como o comentário; e em Israel e nos EUA, histeria considerável. Estes são indicadores evidentes do isolamento dos EUA no palco mundial, sob Obama. Com Trump, o isolamento dos EUA irá provavelmente aumentar ainda mais, e de fato, já o fez, ainda antes de assumir a presidência.

A iniciativa de Trump que mais contribuiu para aprofundar o isolamento dos EUA aconteceu a 8 de novembro, quando ele obteve duas vitórias. A vitória menor foi nos EUA, onde ganhou o colégio eleitoral. A vitória maior foi no Marrakech - Marrocos, onde quase 200 nações estiveram reunidas para tentar introduzir algum conteúdo nos acordos de Paris de dezembro de 2015 sobre alterações climáticas, acordos que foram deixados como intenções e não compromissos firmes devido à recusa do Congresso dominado pelo Partido Republicano.

Enquanto os votos eleitorais eram contados em 8 de novembro, a conferência em Marrakech afastou-se do seu programa substantivo para a questão de saber se era relevante lidar com uma severa ameaça de catástrofe ambiental agora que o país mais poderoso na história se demitiu das suas responsabilidades. Isso, seguramente, foi a maior vitória de Trump em 8 de novembro, um momento realmente excepcional. O mundo coloca as suas esperanças na liderança da China agora que o Líder do Mundo Livre declarou que não só deixará de cumprir os acordos como, com a eleição de Trump, irá acelerar dramaticamente a corrida para o desastre.

Um espetáculo alucinante, que aconteceu quase sem qualquer comentário.

O fato de que os EUA estejam sozinhos a rejeitar o consenso internacional reafirmado pela Resolução 2334, perdendo o Reino Unido sob a liderança de Theresa May, é outro sinal de crescente isolamento dos EUA.

A razão porque Obama escolheu abster-se em vez de vetar é uma questão em aberto: não temos provas diretas. Mas temos algumas explicações plausíveis. Tinha havido algumas reações de surpresa (e ridículo) após o veto de Obama em fevereiro de 2011 à Resolução da ONU que definia a implementação de política oficial dos EUA, e ele pode ter sentido que seria demasiado repetir um momento semelhante se quer salvar alguma parte do seu legado entre setores da população com alguma preocupação com o direito internacional e os direitos humanos. É útil relembrar que entre os democratas liberais, por oposição ao Congresso, e particularmente entre os jovens, a opinião sobre Israel e Palestina tem evoluído nos últimos anos para a crítica às políticas israelenses de tal forma que o núcleo de apoio a Israel nos EUA transferiu-se para a extrema-direita, incluindo a base eleitoral evangélica do Partido Republicano. Talvez estes tenham sido os fatores que alteraram a posição de Obama.

A abstenção de 2016 suscitou furor em Israel e no Congresso dos EUA também, incluindo Republicanos e Democratas, com propostas para retirar o financiamento à ONU em retaliação pelo "crime". O primeiro-ministro israelense Netanyahu denunciou Obama por suas ações "antissemita". O seu gabinete acusou Obama de "manobrar" nos bastidores esta "emboscada" no Conselho de Segurança, produzindo "provas" que dificilmente poderão ser consideradas sequer humorísticas. O oficial israelense de topo acrescentou que a abstenção "revelou a verdadeira face da administração Obama", e que "agora podemos compreender com o que estivemos a lidar nos últimos oito anos".

A realidade é um pouco diferente. De fato, Obama ultrapassou todos os recordes no apoio a Israel, tanto diplomaticamente como financeiramente. A realidade é descrita com precisão pelo especialista do Financial Times no Oriente Médio, David Gardner: "As relações pessoais entre Obama e Netanyahu podem ter sido venenosas, mas ele foi o mais pró-Israel de todos os Presidentes dos EUA: o mais pródigo com ajuda militar e consistentemente utilizando o veto dos EUA no Conselho de Segurança. A eleição de Donald Trump até agora trouxe pouco mais do que tuites virulentos sobre alguns assuntos geopolíticos. Mas os augúrios são ominosos. Um governo irredentista em Israel e inclinado para a extrema-direita é agora apoiado por uma administração populista e islamofóbica em Washington."

Num comentário interessante e revelador, Netanyahu denunciou a "emboscada" do mundo como prova de "preconceito do velho mundo contra Israel", uma frase reminiscente dos comentários de Donald Rumsfeld sobre a distinção entre a "Velha Europa - Nova Europa", em 2003.

Devemos relembrar que os estados da Velha Europa eram os maus, os principais estados europeus, que se deram à arrogância de respeitarem a esmagadora maioria da opinião das suas populações recusando juntar-se aos EUA no crime do século, a invasão do Iraque. Os estados da Nova Europa eram os bons, que ignoraram uma maioria de opinião ainda maior e obedeceram ao seu dono [os EUA]. O mais digno dos "bons" foi José Maria Aznar, primeiro-ministro de Espanha, que ignorou oposição popular unânime contra a guerra e foi recompensado com a honra de participar no anúncio da invasão em conjunto com Blair e Bush.

Esta demonstração transparente de total desprezo pela democracia passou virtualmente sem cobertura noticiosa, compreensivelmente. A tarefa na altura era glorificar Washington pela sua apaixonada dedicação pela democracia, como ilustrado pela "promoção da democracia" no Iraque, que subitamente se tornou na linha correta após a "única questão relevante" (vai ou não Saddam entregar as armas de destruição maciça?) ter sido respondida no sentido inverso ao desejado.

Netanyahu está a adotar muito da mesma posição. O velho mundo que tem um preconceito contra Israel corresponde a todo o Conselho de Segurança da ONU; mais especificamente, corresponde a qualquer pessoa no mundo com o menor respeito por lei internacional e direitos humanos. Para sorte da extrema-direita israelita, isso exclui o Congresso dos EUA e - publicamente - o Presidente-eleito e os seus associados.

O governo israelita está, obviamente, consciente destes desenvolvimentos. Por isso, está ativamente a procurar transferir a sua base de apoio para estados autoritários como Singapura, China ou a Índia da direita nacionalista Hindu, que se torna agora um aliado natural com a sua deriva para o ultranacionalismo, políticas internas reacionárias, e ódio ao Islão.

As razões pelas quais o Estado de Israel procura apoio são explicitadas por Mark Heller, principal analista associado em Tel Aviv no Instituto de Estudos de Segurança Nacional. "No longo prazo," explica, "haverá problemas em Israel nas suas relações com a Europa ocidental e os EUA", enquanto que em contraste, os países asiáticos importantes "não apresentam grande interesse na forma como Israel se relaciona com os Palestinianos, árabes, ou quem quer que seja." De forma breve, a China, Índia, Singapura e outros aliados favoritos são menos influenciados pelos tipos de liberalismo e preocupações humanas que representam uma ameaça crescente para Israel.

As tendências dos países em desenvolvimento merecem alguma atenção. Como notado, os EUA estão a tornar-se cada vez mais isolados nos últimos anos, quando sondagens dirigidas pelos EUA - não noticiadas nos EUA, mas seguramente conhecidas em Washington - revelaram que a opinião mundial olhava para os EUA como a maior ameaça mundial à paz, ninguém sequer se aproximava. Sob Obama, os EUA estão agora sozinhos na abstenção sobre os colonatos israelitas, contra a unanimidade do Conselho de Segurança da ONU.

Com Trump e os seus apoiantes de ambos os partidos no Congresso, os EUA ficarão ainda mais isolados no mundo no apoio aos crimes israelitas. Desde 8 de novembro, os EUA isolaram-se no assunto ainda mais importante de aquecimento global. Se Trump cumpre a sua promessa de quebrar o acordo com o Irã, é provável que os outros participantes persistam, deixando os EUA ainda mais isolados em relação à Europa.

Os EUA estão igualmente mais isolados do seu "quintal" da América do Sul do que no passado, e estarão mais isolados se Trump recuar nos passos de normalização das relações com Cuba lançado por Obama, passos tomados para evitar a provável exclusão de todas as organizações do hemisfério por causa do seu assalto continuado a Cuba, em total isolamento internacional.

O mesmo se passa na Ásia, onde mesmo aliados próximos dos EUA (exceto o Japão), mesmo o Reino Unido, se juntam ao Banco de Desenvolvimento Asiático de Infraestruturas, com sede na China, e à Parceria Econômica Regional liderada pela China e, neste caso, incluindo o Japão. A Organização de Cooperação de Shanghai (OCS) (chinesa igualmente) incorpora os estados centro-asiáticos, a Sibéria com os seus recursos, a Índia, o Paquistão e, mais tarde ou mais cedo, o Irão e mesmo a Turquia. A OCS tem rejeitado os pedidos dos EUA para obter estatuto de observador e exigiu que os EUA removam todas as suas bases militares da região.

Imediatamente após a eleição de Trump, testemunhamos o espetáculo curioso da Chanceler Angela Merkel a tomar a liderança numa lição a Washington sobre valores liberais e direitos humanos. Entretanto, desde 8 de novembro, o mundo olha para a China para liderança em salvar o mundo da catástrofe mundial, enquanto os EUA, em esplêndido isolamento novamente, se prepara para minar estes esforços.

O isolamento dos EUA não está completo, obviamente. Como foi deixado claro na reação de Trump à vitória eleitoral, os EUA apoiam entusiasticamente a extrema-direita na Europa, incluindo elementos neofascistas. O retorno da extrema-direita em partes da América do Sul oferece oportunidades de aliança também. E, claro, os EUA mantêm uma aliança sólida com as ditaduras do Golfo e com Israel, que também se separa dos setores mais liberais e democráticos na Europa e se aproxima de regimes autoritários que não estão preocupados com as violações de Israel sobre lei internacional ou ataques ferozes a elementares direitos humanos.

Os últimos desenvolvimentos sugerem a emergência de uma Nova Ordem Mundial, totalmente diferente dos retratos usuais dentro das doutrinas em vigor.



ATAQUE A SAMBA-ENREDO DA IMPERATRIZ É MAIS UMA FACE DO GOLPE

Ataque a samba-enredo da Imperatriz é mais uma face do golpe

 
O secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Gilberto Vieira dos Santos, o Giba, afirmou hoje (13) que a perseguição de lideranças do agronegócio à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, do Rio de Janeiro, é reação exagerada.

E que demonstra a contrariedade de um setor que investe pesado em propaganda para construir e vender uma imagem ameaçada pelo samba-enredo deste ano – Xingu, O Clamor Que Vem da Floresta –, que expõe os conflitos agrários e a produção baseada no uso de agrotóxicos. Para o Cimi, órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o estardalhaço encontra terreno fértil devido à atual situação política do país.

Em nota, a diretoria da Imperatriz afirma que vai manter o enredo escolhido. Lembra que o homem do campo é presença e a contribuição da agricultura para a economia já foram temas da escola. “No ano passado, adentramos no universo rural, trouxemos algumas riquezas do estado de Goiás e dedicamos um setor inteiro de nosso desfile à agricultura, por entendemos a importância deste segmento para nossa economia”, afirma o texto assinado pelo presidente da agremiação, Luiz Pacheco Drumond.

“Comprometida em dar voz à diversidade, a Imperatriz Leopoldinense (...) decidiu levar para a Marquês de Sapucaí em 2017 o enredo Xingu – O Clamor Que Vem da Floresta (...) A produção muitas vezes sem controle, as derrubadas, as queimadas e outros feitos desenfreados em nome do progresso e do desenvolvimento afetam de forma drástica o meio ambiente e comprometem o futuro de gerações (...)”, diz a mensagem da Imperatriz, observando que carnaval e samba também têm um compromisso com o social e o desenvolvimento sustentável.

"Essa questão que está sendo abordada pela escola de samba já é bem conhecida no mundo todo. Não é novidade. Mas os ruralistas, que se sentem 'imexíveis", aproveitam desse momento atual, com a democracia ferida de morte, para criticar e ameaçar o que vem contra os seus interesses", disse.

Giba destacou que, ao contrário do que afirma a propaganda do agronegócio, o setor não é responsável pela produção de alimentos para o mundo, e sim pela monocultura visando a produção de grãos para ração animal e obtenção de combustíveis. Atualmente, conforme lembrou, em muitas regiões brasileiras está sendo cultivado milho destinado à produção de etanol nos Estados Unidos para abastecimento da sua frota.

"E em meio a tudo isso está a questão da terra, da demarcação de terras indígenas que não ocorre por pressão da bancada ruralista. Essa disputa está por trás das causas da violência no campo e por ações contra setores que defendem as nações indígenas", disse, mencionando a CPI da Funai e do Incra, que segundo ele é mais um palanque para o setor.

Em novembro passado, foi criada uma nova CPI para apurar possíveis irregularidades na demarcação de terras originárias dos povos tradicionais. Uma comissão formada no final de 2015 havia sido paralisada sem a edição de um relatório final.

Giba acredita ainda que o episódio sinalize que este ano será difícil para as populações indígenas e outras tradicionais, já que a bancada ruralista apoia projetos que avançam no Congresso, como o Projeto de Lei 3.200 – o "PL do Veneno" – que visa a revogar a atual Lei de Agrotóxicos e instituir a Lei de Defensivos Fitossanitários, e a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que retira do Executivo federal, e transfere para o Legislativo, o poder de demarcar de terras indígenas. Atualmente, as terras são demarcadas mediante um histórico das áreas e elaboração de pareceres técnicos por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai), subordinada ao Ministério da Justiça.

A julgar pela histórica aliança entre a Rede Globo, que transmite os desfiles de carnaval, e os interesses do agronegócio, Giba receia que a emissora boicote o desfile da Imperatriz. No ano passado, a escola Vila Isabel, que homenageou Miguel Arraes (1916-2005), foi prejudicada com a decisão de atraso na transmissão. Primeira a desfilar naquela noite, a Vila teve trechos de seu desfile excluídos do compacto exibido nos noticiários.

Samba-enredo será mantido

À tarde, a Imperatriz Leopoldinense soltou nota em que expressa seu compromisso com o social e o desenvolvimento sustentável apesar da campanha difamatória empreendida desde que veio a público que no desfile a escola denunciará o uso irresponsável de agrotóxicos.

A RBA procurou a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que ainda não se manifestou.

Leia a nota da Imperatriz Leopoldinense:

O carnaval é uma festa popular e o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí, considerado o maior espetáculo a céu aberto do mundo, é um patrimônio da cultura brasileira. Um dos principais atrativos turísticos da cidade do Rio de Janeiro, o carnaval carioca atrai visitantes de diversas regiões do Brasil e do mundo inteiro.

A festa emprega milhares de trabalhadores nos mais diversos setores, gerando desenvolvimento e oportunidades de negócio, além de injetar dinheiro em nossa economia. Só no carnaval de 2016 foram arrecadados mais de 3 bilhões de reais, segundo dados da Empresa de Turismo do Rio de Janeiro – Riotur.

Seja nos ranchos, nos blocos, nos salões ou na avenida, o carnaval, mesmo terminando na quarta-feira de Cinzas, desperta sonhos e paixões nos foliões. As escolas de samba são um capítulo à parte, um espaço democrático que liga os todos os cantos da cidade e celebra a diversidade. E falar de diversidade é falar da Imperatriz Leopoldinense.

Considerada uma das escolas de samba mais tradicionais do carnaval carioca e uma das maiores campeãs da Era Sambódromo, a Rainha de Ramos – como é carinhosamente chamada por seus torcedores e comunidade –, tem na sua essência um compromisso com a cultura. Os enredos sobre a formação do povo brasileiro estão enraizados em nossa história. Aliás, gostamos muito de contar boas histórias.

Orgulhamo-nos de nossa trajetória de grandes enredos com temática cultural, inclusive fomos a primeira agremiação a fundar um departamento cultural, prática posteriormente adotada por todas as nossas co-irmãs, cujo propósito é preservar nossas raízes e memórias. Colecionamos desfiles inesquecíveis e sambas que são considerados verdadeiros clássicos do carnaval, que nos renderam prestígio, reconhecimento de importantes setores da sociedade e, claro, muitos campeonatos.

Temos a marca do pioneirismo em nosso pavilhão, conquistamos oito vezes o título de campeã do carnaval carioca no Grupo Especial, além de importantes prêmios nacionais e internacionais. Nestes quase 60 anos de fundação e de bons serviços prestados à cultura brasileira, a Imperatriz Leopoldinense teve em seu quadro grandes mestres do carnaval, já celebrou importantes vultos de nossa rica Literatura, juntou o erudito com o popular, uniu o sagrado e o profano, cantou a nossa mestiçagem e a fé de nossa brava gente brasileira espalhada por todos os rincões deste país de dimensões continentais.

O homem do campo é presença constante em nossos desfiles e exaltamos por muitas vezes na Avenida o solo brasileiro, este chão abençoado por Deus onde tudo que se planta, dá. No carnaval de 2016, ano em que, vencendo preconceitos, homenageamos a dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, adentramos no universo rural, trouxemos algumas riquezas do estado de Goiás e dedicamos um setor inteiro de nosso desfile à agricultura, por entendemos a importância deste segmento para nossa economia .

Comprometida em dar voz à diversidade, a Imperatriz Leopoldinense, que já cantou em carnavais anteriores o descobrimento do Brasil e celebrou as raízes africanas através da figura e do legado de Mandela, decidiu levar para a Marquês de Sapucaí em 2017 o enredo "Xingu - o clamor que vem da Floresta", de autoria do carnavalesco Cahe Rodrigues.

Vamos falar da rica contribuição dos povos indígenas do Xingu à cultura brasileira e ao mesmo tempo construir uma mensagem de preservação e respeito à natureza e à biodiversidade.

Segundo relato da própria população que vive ali, a região do Xingu ainda é alvo de disputas e constantes conflitos. A produção muitas vezes sem controle, as derrubadas, as queimadas e outros feitos desenfreados em nome do progresso e do desenvolvimento afetam de forma drástica o meio ambiente e comprometem o futuro de gerações vindouras. Os resultados, como sabemos, são devastadores e na maioria das vezes irreversíveis.

Acreditamos que, para além do entretenimento, o carnaval e a escola de samba – levando em consideração que os olhos do mundo se voltam para nossa festa – têm um compromisso com o social e o desenvolvimento sustentável.

Após a divulgação de nossas fantasias, algumas delas denunciando o uso irresponsável de agrotóxicos, fomos alvo de uma intensa campanha difamatória. Embora não seja nossa intenção generalizar, importantes pesquisas científicas apontam os diversos males que o agrotóxico traz para o solo, para o alimento e consequentemente para a saúde de quem o consome. Este é apenas um aspecto do nosso rico e imenso enredo, mas desde então temos recebido críticas e inúmeras notas de repúdio dos mais diversos setores do agronegócio.

Até em função de certa confusão registrada em algumas dessas falas, ressaltamos e esclarecemos que no trecho de nosso samba “o Belo Monstrorouba a terra de seus filhos, destrói a mata e seca os rios” estamos nos juntando às populações ribeirinhas, às etnias indígenas ameaçadas, aos ambientalistas e importantes setores da sociedade que se posicionaram contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Não é uma referência, portanto, ao agronegócio, como alguns difundiram. Os impactos negativos desta obra ao meio ambiente serão imensuráveis, estão constantemente nas pautas de debates, são temas de discussões recorrentes em audiências públicas e foram amplamente divulgados pela imprensa nacional e estrangeira.

Em nenhum momento atacamos o setor do agronegócio e seus trabalhadores. A sinopse de nosso enredo está disponível para consulta pública em nossos canais oficiais de comunicação. Mesmo depois de todos os esclarecimentos prestados por nosso carnavalesco aos mais diversos veículos de comunicação, temos sido atacados com críticas injustas e até com ofensas ao samba, importante matriz de nossa cultura, e ao carnaval, a maior festa popular do planeta.

Por fim reforçamos que o nosso enredo não versa contra esta importante cadeia produtiva de nossa economia nem desqualifica os seus incansáveis trabalhadores. Como poderíamos exaltá-los de forma grandiosa num carnaval para em seguida criticá-los no outro?

A nossa mensagem é de preservação, respeito, tolerância e paz. Todos os que acreditam nesses valores estão convidados a celebrar conosco.

Salve o verde do Xingu, viva o carnaval, a Imperatriz Leopoldinense e todos os trabalhadores do Brasil!

Luiz Pacheco Drumond

Presidente


INCÊNDIOS ADORMECIDOS

Incêndios adormecidos

Luis Felipe Miguel


A noite que desce sobre o Brasil se anuncia longa. Não se vê na conjuntura atual qualquer caminho para brincar do jogo do contente. O golpe de maio e agosto mostrou que o movimento popular e o campo progressista são ainda mais frágeis do que temíamos. Enquanto a coalizão regressista no poder impõe com rapidez seu programa antipopular e antinacional, a resistência engatinha. No momento, ainda não é possível sequer vislumbrar qual saída conseguiremos construir. É possível que o golpe nunca acabe, que simplesmente deslize para uma “normalização” cujos limites só conheceremos quando forem testados, ou que acabemos chegando a uma transição ainda mais ambígua e limitada do que aquela que nos tirou da ditadura militar.
Com tudo o que vem acontecendo no Brasil, não conseguimos sequer nos desvencilhar por completo de velhas ilusões. Nos lados da esquerda, ainda se alimenta muita esperança no processo eleitoral, como se uma eventual maioria conquistada em 2018 tivesse o condão de dissipar o golpe. E ainda há muita crença no poder da lei – crença que há, de fato, um limite ao retrocesso, imposto pelo arcabouço institucional que se consolidou no país a partir da carta constitucional de 1988. No entanto, se há algo que o golpe demonstrou com clareza é que os limites legais à reação foram destroçados pela voracidade com que o programa antipopular se faz implantar.

A retirada da presidente escolhida pelo voto popular, sem respaldo na legislação, é grave em si mesma. Mostra que as classes dominantes brasileiras decidiram que não vale mais a pena respeitar os rituais da democracia eleitoral – que assumem a prerrogativa de tutelar a escolha das urnas. Não se trata, como o governo do usurpador demonstra todos os dias, apenas de definir quem ocupa uma cadeira no Palácio do Planalto. Retirar do voto popular seu poder é retirar a chance de que os governantes respondam, um pouco que seja, aos interesses das maiorias.

Em menos de nove meses de desgoverno, Michel Temer já acumula uma longa folha de serviços prestados ao retrocesso no Brasil. A emenda constitucional que congela o investimento social é o item mais impactante. Sem ter obtido a legitimidade para governar por um mandato, tomou decisões que valem por cinco e que, prejudicando gravemente a educação, a saúde, a cultura e a ciência, preservam o orçamento público para a remuneração do rentismo. A emenda põe o investimento social no freezer e, no mesmo movimento, reafirma que a dívida pública é intocável. Em suma, aponta para um país em que todos pagam impostos, mas o retorno em serviços públicos é minguado, para garantir que quem ganha com a especulação financeira não tenha o risco de perder. É a tributação a serviço da concentração da riqueza.

Em paralelo, há o anunciado desmonte do SUS e o estrangulamento da educação pública – com o subfinanciamento das universidades e a reforma do ensino médio. É um modelo em que o trabalhador deve comprar, de provedores privados, saúde e educação de qualidade precária, assim devolvendo ao capital uma parcela maior de seus ganhos. A projetada criação de “planos de saúde populares”, com baixíssima proteção a seus clientes, faz parte do cenário.

Outra prioridade do governo, a reforma da previdência social retira direitos de praticamente todos, em variados graus. Determina o fim da aposentadoria do trabalhador rural, que foi um dos principais ganhos sociais da ordem instituída com a Constituição de 1988. Amplia o tempo de contribuição e faz a esperança da aposentadoria encostar na expectativa de vida. Reduz os benefícios. Retira a compensação a que as mulheres fazem jus pela dupla jornada de trabalho – exatamente no momento em que a retração do gasto público faz com que aumente a parcela de responsabilidades assumida pela família, isto é, pelas mulheres.

Está no forno a reforma das relações de trabalho que, na prática, decreta o fim de toda a legislação trabalhista. O monopólio estatal sobre o petróleo foi quebrado. Avançam os projetos de criminalização da docência. A repressão policial está em alta. Projeta-se a revisão da concessão de terras aos povos indígenas. Nem vale a pena fazer uma lista completa: o governo Temer nos leva a uma espiral de depressão. E mesmo da bandeira que levou tantos a desejarem a queda de Dilma Rousseff, a luta contra a corrupção, não sobra nada. Em maio de 2016 já era difícil que alguém não visse a sujeira que cercava Michel Temer, seu círculo íntimo (Geddel, Yunes, Moreira Franco, Jucá, Padilha) e seus aliados do PSDB. Hoje, nem a velhinha de Taubaté pode dizer que não sabe.

A reação nas ruas é fraca. Os longos anos de desmobilização deliberada dos governos petistas estão cobrando caro a fatura. Isso não quer dizer que não exista uma insatisfação crescente com o governo que nasceu do golpe. Mesmo a enorme cortina de desinformação que cercou a emenda de congelamento do gasto público não foi capaz de evitar que se construísse uma sólida maioria contra ela. O gigantesco descontentamento com a reforma da previdência é evidente para qualquer um que converse na feira, no ônibus, na fila do banco. De maneira geral, tudo o que o governo Temer está fazendo já foi recusado pelo povo brasileiro quando ele pôde opinar: entrega do petróleo, desproteção ao trabalho, renúncia do Estado ao combate à desigualdade.

Essa insatisfação popular crescente é como um incêndio adormecido. Que neste 2017 o movimento popular saiba alimentar as chamas da revolta e fazê-las tomar as ruas do Brasil, de norte a sul.


NOTA


NOTA

Nota do MTST – Movimento dos Trabalhadores sem Teto sobre o Despejo de 700 famílias da ocupação colonial e a injusta prisão de Guilherme Boulos.

No despertar da manhã de hoje, centenas de policiais do batalhão de choque da polícia militar de São Paulo cercaram o terreno onde mais de 700 famílias estão ocupadas a mais de um ano no Jardim. Colonial, zona leste de São Paulo.

Cerca de 3 mil pessoas: homens, mulheres, crianças, idosos, deficientes que foram jogados na rua por uma decisão judicial que considerou apenas os interesses do proprietário de um latifúndio urbano que só servira antes das pessoas morarem ali para especulação imobiliária..

A todo o momento, o MTST – Movimento dos Trabalhadores sem Teto procurou alternativas para evitar o despejo, evitando assim um massacre de pessoas pobres que nada mais estavam que lutando pelo direito constitucional da moradia.

Infelizmente, nossos esforços foram em vão e a PM do governador Geraldo Alckmin (PSDB) levou a frente uma ação desumana contra as famílias da ocupação do Jardim Colonial.

Sem respostas favoráveis do poder público e do judiciário, os moradores se viram sem alternativas e partiram para a resistência à ordem de despejo.

Mesmo a ocupação Colonial não sendo uma ocupação do MTST, o companheiro Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do MTST – Movimento dos Trabalhadores sem Teto, acompanhou o processo desde o início a convite dos representantes da ocupação Colonial, na tentativa de encontrar um desfecho favorável para as famílias da ocupação.

No entanto, a PM de Alckmin, de forma autoritária, resolveu prender o companheiro Guilherme Boulos sob a acusação de desobediência civil e por participar e organizar manifestações contra as medidas de retirada de direitos do governo ilegítimo de Michel Temer.

A prisão do Guilherme Boulos, assim como o despejo das famílias da ocupação Colonial são uma demonstração do modus operandi político criminalizatório em voga contra os movimentos sociais, contra os pobres, contra os direitos sociais e os serviços públicos.

Um verdadeiro absurdo, uma vez que Guilherme Boulos esteve o tempo todo procurando uma mediação para o conflito.

Neste momento, o companheiro Guilherme continua detido no 49ª DP de São Mateus.

Não aceitaremos calados que além de massacrarem o povo da ocupação Colonial, jogando-os nas ruas, ainda queiram prender aqueles que tentaram ajudá-los.

Continuaremos acompanhando as famílias e lutando contra esse despejo injusto.


São Paulo, 18 de janeiro de 2017


Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

O MUNDO CAMINHA PARA RUPTURAS

O Mundo caminha para rupturas

Revista do Brasil entrevista Boaventura de Sousa Santos



A peleja entre ideais democráticos e capitalismo em crise levará a rupturas do calibre das revoluções do século 20. 'Esperemos que menos violentas'.

Pouca gente no planeta observa a geopolítica mundial com a lucidez de Boaventura de Sousa Santos. Catedrático aposentado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal, e professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos, Boaventura é também profundo conhecedor da realidade do Brasil, onde passou a ser mais conhecido no início deste século, ao organizar e participar de edições do Fórum Social Mundial, e onde esteve recentemente para lançar seu novo livro, A Difícil Democracia (Editora Boitempo).

Ao analisar o complexo cenário político e econômico global, o professor Boaventura de Sousa considera incompatível a coexistência entre a democracia e as modernas sociedades capitalistas. Para ele, a democracia, limitada ao nível do sistema político, sempre sucumbe, na prática, aos três modos de dominação de classes: capitalismo, colonialismo e patriarcado. O resultado, com alguma variação de tons aqui e ali, é a prevalência de um fascismo social. Tome-se o caso brasileiro no qual, segundo Boaventura de Sousa, a democracia tinha mais intensidade antes do “golpe parlamentar-midiático-judicial” do que tem agora. Agora, a simples composição do governo mostra como a democracia está mais capitalista, colonialista e patriarcal. E o que tem o fascismo social a ver com isso?

Sua definição das situações em que o fenômeno ocorre soará familiar: quando uma família tem comida para dar aos filhos hoje, mas não sabe se a terá amanhã; quando um trabalhador desempregado se vê obrigado a aceitar as condições ilegais que o patrão impõe; quando uma mulher é violada a caminho de casa ou é assassinada em casa pelo companheiro; quando povos indígenas são expulsos de suas terras ou assassinados impunemente por capangas a serviço de latifundiários; quando jovens negros são vítimas de racismo e de brutalidade policial nas periferias das cidades.

“Em todos estes casos, as vítimas são formalmente cidadãos, mas não têm realisticamente qualquer possibilidade de invocar eficazmente direitos de cidadania a seu favor”, define o professor. As vítimas de fascismo social, portanto, não são consideradas plenamente humanas, como ele resume. Boaventura de Sousa vê ainda nos planos do atual governo um potencial devastador, de definhamento da democracia e de um aumento brutal do fascismo social. Confira entrevista para a Revista do Brasil.

·        É possível funcionar uma democracia plena em um sistema capitalista globalizado, neoliberal e com mídia oligopolizada?

Nas sociedades capitalistas em que vivemos e que, aliás, além de serem capitalistas, são colonialistas e patriarcais, não é possível democracia plena porque ela só opera (e mesmo assim com muitos limites) ao nível do sistema político, enquanto as relações sociais diretamente decorrentes dos três modos de dominação (capitalismo, colonialismo e patriarcado. Ou seja, as relações patrão/trabalhador, branco/negro ou indígena, homem/mulher) só muito marginalmente podem ser democratizadas a partir do atual sistema político. Aliás, torna-se virtualmente impossível quando o sistema político é, ele próprio, dominado por patrões, por homens e por brancos. Ao deixar um vasto campo de relações sociais por democratizar, a democracia é sempre de baixa intensidade. Mas obviamente há graus de intensidade e os graus contam muito na vida das pessoas. A democracia brasileira tinha mais intensidade antes do golpe parlamentar-midiático-judicial do que tem agora. A simples composição do governo mostra como a democracia é agora mais capitalista, colonialista e patriarcal.

·        O que seria a democracia do futuro? Em que ela precisa romper com a democracia que temos hoje?

A democracia que temos não tem futuro, porque as forças sociais e econômicas que atualmente a dominam e a manipulam estão possuídas de tal voracidade de poder que as impede de aceitar os resultados incertos do jogo democrático sempre que estes não lhes convêm. A manipulação midiática e a fraude eleitoral (constitutiva no caso dos Estados Unidos) vão acabar por retirar qualquer vestígio de credibilidade à democracia. Nessas condições, a luta pelo ideal democrático vai implicar, no futuro próximo, uma ruptura do mesmo calibre das revoluções da primeira metade do século 20. Esperemos que menos violenta. Será uma democracia de tipo novo que procurará garantir o máximo de autonomia do sistema político em relação aos três modos de dominação acima referidos – para o que será necessária uma Assembleia Constituinte originária – para, a partir desse sistema político: a) pressionar até o limite a dominação capitalista em nome da igualdade socioeconômica por via da redistribuição da riqueza, dos direitos laborais, do acesso à terra, da tributação progressiva, do reconhecimento de outras formas de propriedade para além da privada; e b) pressionar até ao limite a dominação colonialista e patriarcal em nome do reconhecimento da igual dignidade das diferenças raciais, etnoculturais e de gênero. Ao contrário do que aconteceu até agora, as duas pressões são igualmente importantes e têm de ser simultâneas. Na medida em que tiverem êxito, as duas pressões irão deixando emergir outra matriz social e política que muitos chamarão socialismo, se por socialismo entendermos democracia sem fim.

·        E como isso seria possível?

O sistema político terá de combinar democracia representativa e participativa, o pluralismo econômico será o outro lado do pluralismo político, a ecologia será a medida do crescimento econômico e não o contrário, como acontece agora, e a educação será a prioridade das prioridades, orientada para democratizar, desmercantilizar, descolonizar e despatriarcalizar as relações sociais. As condições para ruptura são imprevisíveis e podem implicar muito sofrimento humano injusto. O importante é ter ideias para colocá-las em prática quando o momento chegar e convicções para distinguir rupturas dos novos disfarces da continuidade. Até agora, as ideias de ruptura estão vindo da direita e não da esquerda, como bem ilustra a eleição de Donald Trump e o crescimento da extrema-direita na Europa. O sistema disfarça-se de antissistema para aprofundar o seu domínio e a sua capacidade de exclusão.

·        No livro A Difícil Democracia, o senhor observa que temos uma democracia de baixa intensidade e que “vivemos em sociedades politicamente democráticas e socialmente fascistas”. Que impactos isso causa no funcionamento da sociedade e por que chegamos nesse ponto?

As situações de fascismo social ocorrem sempre que pessoas ou grupos sociais estão à mercê das decisões unilaterais daqueles que têm poder sobre eles. Exemplos de fascismo social: quando uma família tem comida para dar aos filhos hoje, mas não sabe se a terá amanhã; quando um trabalhador desempregado se vê na contingência de ter de aceitar as condições ilegais que o patrão lhe impõe para poder sustentar a família; quando uma mulher é violada a caminho de casa ou é assassinada em casa pelo companheiro; quando os povos indígenas são expulsos das suas terras ou assassinados impunemente por capangas ao serviço dos agronegociantes e latifundiários; quando os jovens negros são vítimas de racismo e de brutalidade policial nas periferias das cidades. Em todos estes casos, estou me referindo a situações em que as vítimas são formalmente cidadãos, mas não têm realisticamente qualquer possibilidade de invocar eficazmente direitos de cidadania a seu favor. A situação agrava-se quando se trata de imigrantes, refugiados etc. Por exemplo, a situação de trabalho escravo de milhares de imigrantes bolivianos nas fábricas de São Paulo. As vítimas de fascismo social não são consideradas plenamente humanas por quem impunemente as pode agredir ou explorar.

Mas o fascismo não tem apenas a face violenta. Tem também a face benevolente da filantropia. Na filantropia quem dá não tem dever de dar e quem recebe não tem direito de receber. Em tempos recentes, a classe alta e média alta do Brasil ressentiu muito que as empregadas domésticas ou os motoristas já não precisavam dos favores dos patrões para comprar um computador aos filhos ou fazer um curso. Ressentiam o fato de os seus subordinados se terem libertado do fascismo social. Quanto mais vasto é o número dos que vivem em fascismo social, menor é a intensidade da democracia.

·        O senhor classifica como esquerda um conjunto de teorias e práticas que resistiram ao capitalismo e à crença em um futuro pós-capitalista, mais justo, centrado na satisfação das necessidades dos indivíduos e da liberdade. O quanto a esquerda de hoje se aproxima desse conceito?

Desde a queda do Muro de Berlim, a esquerda mundial perdeu a memória e a aspiração de uma sociedade pós-capitalista. Na América Latina, os movimentos indígenas vieram trazer para a agenda política, sobretudo na primeira década do século 21, uma alternativa vibrante ao socialismo, o buen vivir (sumak kawsay em quíchua, “bom viver”) dos povos andinos como matriz de desenvolvimento não capitalista. Essa nova matriz foi consagrada nas Constituições do Equador de 2008 e da Bolívia de 2009. Infelizmente, a prática política tem vindo a contradizer a Constituição. No fundo, a esquerda latino-americana foi sempre muito eurocêntrica e, por vezes, racista, sobretudo em relação aos povos indígenas e quilombolas. O problema da esquerda neste momento é não ter uma resposta progressista para a crise do neoliberalismo que se avizinha. A eleição de Donald Trump e o crescimento da extrema-direita na Europa mostram que as forças de direita estão mais bem posicionadas para impor uma resposta reacionária.

·        Por que o senhor afirma em seu livro que Cuba se transformou em um problema para a esquerda?

Quando, na primeira década do novo milênio, se começou a discutir no continente o Socialismo do Século 21, algo inédito em nível mundial, muitas vozes (a minha incluída) advertiram que tal discussão só faria sentido se primeiro discutíssemos os erros do socialismo do século 20. Acontece que Cuba era um dos socialismos do século 20 e haveria de incluí-lo na crítica. Muitos companheiros acharam que tal crítica acabaria por vulnerabilizar ainda mais a corajosa luta do povo cubano ante a agressão do imperialismo norte-americano e o infame embargo. O capítulo do livro a que se refere foi escrito a partir de uma perspectiva socialista e solidária para com a luta do povo cubano. O texto foi muito bem recebido em Cuba por intelectuais que muito respeitamos, mas a publicação foi embargada por ordens superiores. Como vai a esquerda reagir se Cuba caminhar para uma solução de capitalismo de Estado à la chinesa ou à la vietnamita? Mas, mais problemático ainda é como a esquerda reagirá a algo que tem vindo a querer desconhecer: como reagir ao fato de em vários países da Europa Oriental as sondagens de opinião revelarem repetidamente que a maioria da população desses países considera que vivia melhor no tempo do socialismo de Estado?

·        O Brasil da era Lula é citado como nova potência “benévola e inclusiva”. Quais foram os limites desse modelo? Como o Brasil pode ser classificado agora?

O Brasil de Lula foi o produto de uma conjuntura que dificilmente se repetirá nos próximos tempos. Tratou-se da alta dos preços dos recursos naturais e agrícolas impulsionada pelo desenvolvimento da China (e também por especulação). Permitiu que se realizasse uma notável diminuição da pobreza sem que os ricos deixassem de enriquecer, sem que o sistema político e a prática política fossem democratizados, sem que se fizesse reforma tributária, do sistema financeiro e dos meios de comunicação. E sem que se pusesse em causa, e antes se aprofundasse, um modelo de crescimento assentado na desindustrialização, na destruição do equilíbrio ecológico do país e na imposição de sofrimento injusto e ilegal (à luz do direito interno e internacional) aos povos indígenas, aos camponeses e às populações ribeirinhas. Todas estas omissões foram os limites do modelo do período Lula, um modelo tão brilhante nos êxitos do curto prazo, como leviano no descuidar das suas condições de sustentabilidade. O Brasil de agora é politicamente uma sociedade mais capitalista, mais colonialista e mais patriarcal do que era antes do golpe, e por isso menos democrática e com mais fascismo social.

·        Se o futuro da esquerda não será uma continuação linear do seu passado, como será esse futuro?

Estamos num período de bifurcação política, uma conjuntura altamente instável que pode caminhar em uma de duas direções opostas: ou o fascismo social se expande e se transforma em fascismo político; ou as forças democráticas prevalecem antecipando-se às forças de direita que se posicionam para “resolver” a crise do neoliberalismo que se avizinha – uma crise que elas próprias criaram com a colaboração ativa de alguma esquerda rendida à “evidência” do pensamento único. A esquerda só tem futuro no segundo caso, e para isso tem de se refundar numa dupla crença: os grandes empresários, os banqueiros e a mídia corporativa a serviço dele nunca aceitarão a “paz e amor” com as forças de esquerda. Quem governa à direita tem não só o controle do governo, como também o do poder social, econômico e político no seu sentido mais amplo. Quem governa à esquerda só tem o controle do governo e o tem de usar para neutralizar os outros poderes fáticos. Perante essa assimetria, governar à esquerda é sempre governar contra a corrente, com tolerância zero com a corrupção e dando prioridade à reforma do sistema político de modo a torná-lo autônomo mais possível em relação aos poderes que reproduzem a dominação capitalista, colonialista e patriarcal. Os lideres adequados a essa esquerda terão de ser muito diferentes dos atuais, centrados em ampliar e manter autônomas e ativas as organizações de cidadãos e cidadãs, segundo mecanismos de democracia participativa. O poder político das forças de esquerda será tanto maior quanto mais amplamente for partilhado por quem não se considera “político”.

·        Há também um refluxo do neoliberalismo em toda a América Latina. Como a esquerda reagirá a esse contexto?

A esquerda latino-americana perdeu uma grande oportunidade histórica. Na primeira década do novo milênio o neoliberalismo estava na defensiva no continente devido à guerra no Iraque. Os governos de esquerda fizeram sonoras declarações contra o neoliberalismo e o imperialismo, mas não se envolveram com entusiasmo (sobretudo os países maiores como o Brasil) na implementação de políticas regionais que blindassem o continente depois da exaltante vitória da luta continental contra a ­ ALCA e tornassem a solidariedade regional numa prática consistente. Organizações como a ALBA, UNASUR, Banco do Sul foram sendo negligenciadas, tal como o próprio MERCOSUL.

·        Os erros da esquerda explicam a retomada neoliberal?

Hoje, o neoliberalismo na América Latina tem dois nomes: o imperialismo norte-americano e o imperialismo da União Europeia. A esquerda latino-americana está despreparada para combater eficazmente esse perigo para as forças progressistas. Desde que a Teologia da Libertação foi praticamente banida por papas reacionários, a esquerda deixou de saber onde moram os desgraçados, condenados, excluídos, silenciados, ressentidos do continente. E se soubesse onde moram, não saberia como falar com eles. Parafraseando um grande marxista deste continente, José Carlos Mariátegui (pensador peruano), o pecado capital da esquerda latino-americana é ter-se esquecido dos desgraçados e desgraçadas do continente, levada pela miragem da conquista de supostas classes médias que no continente sempre estiveram ao lado das oligarquias.

·        Quais podem ser os impactos de uma medida que limita gastos públicos por 20 anos para a democracia brasileira e para a sociedade?

Devastador. Anuncia um brutal aumento do fascismo social e o consequente definhamento da democracia. Trata-se de uma medida provocatória destinada a mostrar às classes populares que não poderão mais acreditar nas promessas da esquerda e que o pouco que poderão esperar do Estado é o que lhes for dado pela direita. Espero que os brasileiros e as brasileiras tornem o país ingovernável aos poderes que os querem governar com tais medidas.