quarta-feira, 23 de setembro de 2020

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Não verás país nenhum

 

Não verás país nenhum

Imagem: Paulinho Fluxuz

Por MIGUEL ENRIQUE STÉDILE*

O capitalismo do século XXI, dirigido pela efemeridade e pela busca fugaz de lucros instantâneos, prescinde de qualquer compensação humana

Uma das características da política na era da financeirização é o abandono de qualquer projeto de Nação ou sentido civilizatório. Se para Marx o capitalismo do século XIX possuía, colateralmente alguma qualidade civilizatória, o capitalismo do século XXI, dirigido pela efemeridade e pela busca fugaz de lucros instantâneos, prescinde de qualquer compensação humana. De certa forma, esta ideia está expressa no comportamento econômico global após a crise de 2008 e agora, em tempos pandêmicos e após a queda abrupta das bolsas no primeiro trimestre isto fica ainda mais evidente, quando nenhuma medida foi tomada para corrigir, bloquear ou impedir que o sistema financeiro causasse os mesmos prejuízos novamente. Ou ainda, como assinalou o professor José Fiori[i], na forma como o “National Security Strategy of the United States of America” do Governo Trump abdica de qualquer projeto global, de qualquer oferta universalizante de um “american way of life” como ocorreu no pós II Guerra Mundial, para afirmar apenas que sua posição de força é suficiente para validar seus interesses nacionais.

No caso brasileiro, a composição do governo Bolsonarista, seu comportamento errático, a incompetência em realizar seus próprios projetos, assim como o aspecto folclórico dos seus membros (um capitão expulso do exército assessorado pelo segundo escalão do sistema financeiro e por um astrólogo) pode sugerir o erro de que o Bolsonarismo não possui um projeto para o país. Para além da satisfação dos interesses imediatos de sua base social, seja o agronegócio, as igrejas neopentecostais conservadoras ou a base militar, o projeto bolsonarista é bem claro: retirada imediata do Estado de todas as dimensões da vida, com exceção das forças armadas e policiais – seja na economia, no meio ambiente, na educação, na saúde – para que o espaço vazio deixado seja ocupado pelo capital internacional, por ONGs e igrejas neopentecostais na saúde pública (aborto) e educação (home schooling), pelo próprio braço policial (escolas cívico-militares), por exemplo. Neste caso, a renda básica e universal não é mais um, senão o único benefício social existente, exatamente como preconizou o economista liberal Milton Friedman, em “Capitalismo e sociedade” (1962), em que este programa universal eliminaria todos os outros benefícios do Estado.

A ausência de projeto nacional pelas elites brasileiras também não se trata exatamente de uma novidade. Ao contrário, este talvez seja seu verdadeiro modo de operação. As elites que conduziram a emancipação política do Brasil em relação a Portugal, em 1822, lutaram até onde foi possível para manter o território vinculado à Coroa portuguesa, desde que com seus direitos econômicos garantidos. Um país que emergiu saudoso de subordinação europeia e ignorando seu povo e seu continente. As oligarquias militares e latifundiárias que dirigiram a República Velha eram movidas, como agora, por interesses pessoais e exportadores primários, em que projetos regionais eram mais importantes que quaisquer projetos de nação. Não se trata de coincidência que o projeto operado na Era Vargas implicasse tanto em discussão de um projeto Nacional, quanto na necessidade de um Estado forte que o operasse. Em condições dependentes e periféricas, um Estado fraco socialmente e atuante apenas no seu aspecto policial é mais funcional aos projetos de subordinação internacional. Não é coincidência, portanto, que as discussões de Projeto Nacional, sejam por parte da elite ou pelas classes subalternas, tenha ganho impulso neste período.

Portanto, primeiro, o que aparenta ser a ausência de um projeto, social e nacional, é justamente o projeto. Segundo, ele não se limita às hostes bolsonaristas. E, independentemente de qual seja a encarnação eleitoral ou sob qual legenda se apresente, em 2018 ou em 2022, este é o projeto da financeirização em escala global. Vale para Trump, vale para Bolsonaro, valeu para Temer e valeria para qualquer um que ganhasse as eleições em 2018 pela direita. A condição ultraliberal desta década exige Estados reduzidos a pó para que não possam bloquear a pulsão destrutiva do Capital financeiro, especulativo e parasitário. Tomemos por indicador o comportamento de Rodrigo Maia, por exemplo: em algum momento, o presidente do Congresso tomou medidas cabíveis contra a acelerada destruição do Pantanal ou da Amazônia? Ou a restrição de gastos em plena pandemia? Lembremos que os R$600 do auxílio emergencial são toleráveis, justamente se considerarmos como único benefício. Maia, ao contrário, tratou de colocar seu capital político a serviço das reformas que o Bolsonarismo não era capaz de realizar, a da Previdência no ano passado e de pautar a reforma administrativa neste ano, quando o próprio bolsonarismo havia desistido, além de considerar a proposta de reforma tributária do governo muito tímida em relação a do próprio Congresso. Talvez escutemos gemidos de “o horror, o horror” vindos de algum apartamento em Higienópolis diante dos excessos verbais de Bolsonaro. Mas alguém acredita que sob um hipotético governo de Geraldo Alckmin, João Dória, Luciano Huck ou João Amoedo não teríamos estas mesmas reformas exigidas pelo capital financeiro, bem como o sucateamento dos órgãos ambientais e a subordinação aos Estados Unidos? Não é possível pensar no acordo da base de Alcântara em nenhum destes nomes? O comportamento vassalo aos Estados Unidos já não estava presente no governo Temer? O fim do isolamento social é produto de uma leitura terraplanista ou uma exigência da Faria Lima verbalizada por Paulo Skaf e Abílio Diniz? E, o quanto os governadores tucanos não têm insistido no retorno às aulas sem que a pandemia tenha de fato sido controlada?

Se há fissuras na elite brasileira diz respeito à moral e aos bons modos. Não a política econômica e nem o projeto de país. Prova disto é que a combinação entre a convicção austericida e a incompetência da equipe econômica, num quadro de crise econômica global, a insistência em não acionar o Estado como instrumento de políticas econômicas progressistas, conduzirá o país nos próximos meses a um profundo colapso econômico e social.

Por sua vez, o campo popular e progressista também está em dívida com a apresentação de um projeto nacional. A nostalgia não pode fundamentar um projeto político. É preciso responder com parâmetros do futuro e do presente à questões contemporâneas: como bloquear a ação parasitária e destrutiva do capital financeiro, sem considerar o tripé macroeconômico como um cânone sagrado? Como proteger os trabalhadores e trabalhadoras socialmente, considerando a desorganização a que o mundo do trabalho foi submetido, e que, portanto, exige medidas que devem ser universais e não restritas à forma do contrato de trabalho? Como reconstruir um Estado duramente atacado nos últimos anos para que seja ferramenta de operação destas ações e promotor de um desenvolvimento ambientalmente sustentável, socialmente justo e direcionado ao mercado interno, sem a subordinação aos interesses políticos e econômicos do agronegócio e sem naturalizar a reconversão do país a neocolônia exportadora? É a capacidade efetiva de responder estas questões e transformá-la num programa e em bandeiras de luta que pode definir o campo popular e progressista e recolocá-lo na disputa política.

*Miguel Enrique Stédile é doutorando em História na UFRGS e integrante do Front – Instituto de Estudos Contemporâneos.

Nota


[i]      FIORI,José Luís. A síndrome de babel e a nova doutrina de segurança dos Estados Unidos. Revista Tempo Do Mundo, v. 4, n. 2, p. 47-56, 2018.