sexta-feira, 13 de maio de 2016

O governo usurpador tomou o Palácio do Planalto

O governo usurpador tomou o Palácio do Planalto

A turba golpista que usurpou o Palácio do Planalto tem a cara da FIESP, dos impostores, dos patriarcas, dos 3% que se apropriam de 90% da riqueza nacional.


Jeferson Miola
Lula Marques / Agência PT
Menos de 12 horas depois da decisão majoritária a favor do golpe de Estado no Senado “da Republiqueta de Bananas”, a turba golpista se transferiu do Palácio do Jaburu, a sede da conspiração, para o Palácio do Planalto.
 
Os golpistas já levaram ao Planalto o programa de retrocessos e o slogan do governo usurpador prontos, numa prova de que a farsa vinha sendo preparada há bastante tempo, com a encenação final prevista para este 12 de maio de 2016.
 
Os golpistas entraram clandestinamente pela garagem dos fundos do Planalto, como seria de se esperar de usurpadores que não conseguiram, através do voto popular, a chave da rampa principal e da porta da frente do Palácio do Planalto.
 
O cenário grotesco, visto pelo mundo inteiro, era de um bando de ratazanas tomando conta do porão de um navio. Não escondiam um entusiasmo pueril; pareciam uma horda de formigas encontrando uma montanha de açúcar.

 
Logo no início do discurso depois da posse coletiva dos 24 machos branquelos do ministério do governo usurpador, o conspirador-mor Michel Temer saudou o reencontro da turba golpista de velhos vínculos: “eu vejo o entusiasmo dos colegas parlamentares, dos senhores governadores, e tenho absoluta convicção de que este entusiasmo deriva, precisamente, da longa convivência que nós todos tivemos ao longo do tempo”.
 
Na continuação do discurso, o conspirador cometeu um ato falho e reproduziu, com outras palavras, a senha do golpe lançada ainda em 4 de agosto de 2015, no gesto em que Temer surpreendeu abandonando a coordenação política que a Presidente Dilma inocentemente confiara a ele e a um jagunço seu: “reitero, como tenho dito ao longo do tempo, que é urgente pacificar a Nação e unificar o Brasil”. Naquele inverno de 2015, as palavras que ele usou foram que “o país precisa de alguém que tenha a capacidade de reunificar a todos [sic].
 
O canalha abusou da hipocrisia no primeiro discurso, e mencionou o “absoluto respeito institucional à senhora presidente Dilma Rousseff [sic].
 
O conspirador também apresentou genericamente suas propostas, que incluem um processo selvagem de privatizações, de supressão de direitos trabalhistas, sociais e previdenciários e de recolonização do Brasil.
 
Aquelas ratazanas asquerosas, excitadas com as palavras do conspirador sem-votos que usurpou a cadeira da Presidente Dilma, foi ao delírio. E então o traidor Temer foi ovacionado: “Michel, Michel, Michel ...” – como o conspirador é candidamente chamado pela turba golpista “de longa convivência”.
 
O impeachment sem crime de responsabilidade, que foi a fraude armada pela burguesia para roubar o mandato legítimo conferido à Presidente Dilma por 54.501.118 brasileiras/os, se revelou ao mundo inteiro como golpe de Estado, atentado à Constituição e à democracia.
 
E também revelou o contraste entre o Brasil que quer alcançar a modernidade com políticas de igualdade e direitos, e o Brasil da classe dominante medieval, que insiste em regredir à Idade Média.
 
Este 12 de maio de 2016 entra na história do Brasil como o dia que marca o contraste entre o povo que considera a democracia um valor essencial e que está com Dilma, com a legalidade, com o Estado Democrático de Direito e com a Constituição; e a turba golpista, que se refestela no Planalto depois da consumação do golpe de Estado que tramaram desde o primeiro dia depois da derrota que sofreram na eleição de outubro de 2014.
 
O povo que recepcionava a Presidente Dilma na porta principal do Planalto é a fotografia do Brasil que foi levado ao século 21 pelas mãos generosas de Lula e Dilma: mulheres, negros, juventudes, trabalhadores, estudantes, LGBTs, democratas, camponeses, pobres, ...
 
A turba golpista que usurpou o Palácio do Planalto, por outro lado, tem a cara da classe dominante, da FIESP, da burguesia, dos engravatados brancos, dos impostores, dos patriarcas, dos embusteiros, dos 3% do país que se apropriam de quase 90% da riqueza nacional.
 
O conspirador terminou o discurso com um “amém”, termo que a turba repetiu com devoção. Como declarou cinicamente Eduardo Cunha, o sócio principal do conspirador no golpe: “que deus tenha misericórdia do Brasil”.


Créditos da foto: Lula Marques / Agência PT
 
Fonte: Carta Maior

13/05/2016 - Clipping Internacional

13/05/2016 - Clipping Internacional

o New York Times comenta que o governo Temer deve promover guinada à direita e é o primeiro em décadas a não ter qualquer mulher entre seus ministros.


Carta Maior
reprodução
O noticiário sobre o processo de impeachment de Dilma no mundo
 
Pagina 12, Argentina
Dilma se afasta da presidência após o senado aprovar a abertura de juízo político e afirma que lutará contra os usurpadores do Planalto: “um governo que nasce de um golpe, de uma eleição indireta”. Michel Temer assume sob o lema “ordem e progresso”.
http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-299235-2016-05-13.html
 
Para o colunista Abilio Boron o afastamento da presidente, sem rodeios, se tratou de um “assalto ao poder” e que “um bando de assaltantes” o cometeu.

http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-299236-2016-05-13.html
 
Eric Nepomuceno comenta a composição do governo Temer: homens, brancos e ricos. Para eles governará.
http://www.pagina12.com.ar/diario/elmundo/4-299237-2016-05-13.html
 
The Guardian, Inglaterra
Em editorial o jornal afirma que o país com o processo de impeachment se colocou numa terrível confusão e é difícil enxergar como sairá dela. E que o que deveria estar em julgamento não seria uma mulher, mas sim o sistema político.
http://www.theguardian.com/commentisfree/2016/may/12/the-guardian-view-on-dilma-rousseffs-impeachment-the-political-system-should-be-on-trial-not-one-woman
 
Dilma é suspensa em votação no senado e entrega a presidência a ex-deputado que, enquanto promete unidade, compõe um ministério apenas de homens brancos.
http://www.theguardian.com/world/2016/may/13/michel-temer-brazil-president-rebuild-impeachment 

Dilma declara seu afastamento uma “injustiça devastadora” e condena a traição de seu vice. O jornal explica que o processo de impeachment levará seis meses ainda para que seu julgamento definitivo se processe
http://www.theguardian.com/world/2016/may/12/dilma-rousseff-brazil-impeachment-vows-fight
 
O jornal pergunta quem é Michel Temer e afirma que ele assume em clima de revolta nas ruas e esperança nos mercados.
http://www.theguardian.com/world/2016/apr/03/brazil-michel-temer-dilma-rousseff-impeachment 
http://www.theguardian.com/world/2015/dec/09/dilma-rousseff-brazil-president-impeachment-pmdb
 
The Independent, Inglaterra
Uma pálida Dilma denuncia o golpe fraudulento e evoca a ditadura militar ao ser suspensa da presidência.
http://www.independent.co.uk/news/world/americas/livid-dilma-rousseff-rails-against-coup-and-evokes-military-dictatorship-as-she-is-suspended-from-a7026681.html
 
O jornal acredita que qualquer chance de que o país se livre da corrupção foi perdida no processo de impeachment da presidente e acredita, o que preocupa mais ainda, que o Judiciário vem tendo práticas pouco louváveis e caminhado por linhas partidárias, o que acredita ser o caso do juiz Moro.
http://www.independent.co.uk/voices/whatever-the-fate-of-president-dilma-rousseff-brazils-chance-to-stamp-out-corruption-has-been-missed-a6988331.html
 
The New York Times, EUA
Novo governo Temer deve promover guinada à direita e comenta ser o primeiro presidente em décadas a não ter qualquer mulher entre suas dezenas de ministros.
http://www.nytimes.com/2016/05/13/world/americas/michel-temer-brazils-interim-president-may-herald-shift-to-the-right.html?ref=world
 
Mostra a apaixonada reação de leitores brasileiros do jornal com diferentes perspectivas. Em relação ao impeachment
http://www.nytimes.com/2016/05/13/world/americas/brazil-dilma-rousseff-reader-comments.html?_r=0
 
O correspondente Andrew Jacobs fala sobre os descaminhos do PT no poder e analisa os benefícios sentidos pela população, mas não contextualiza com as forças econômicas e políticas que estiveram na caminhada do partido e este fica solto no ar como se os descaminhos respondessem apenas a desvios de caráter de seus dirigentes.
http://www.nytimes.com/2016/05/13/world/americas/brazil-workers-party-dilma-rousseff-impeachment-vote.html?ref=world
 
Publico, Portugal
Segundo a correspondente Kathleen Gomes, Temer garantiu que o combate à corrupção é para levar até o fim, mas escolheu sete ministros envolvidos com a maior operação, a Lava Jato, para seu governo.
https://www.publico.pt/mundo/noticia/senado-afasta-dilma-e-michel-temer-e-o-novo-presidente-do-brasil-1731831
 
Apresenta os principais ministros e afirma: é um governo apenas de homens
https://www.publico.pt/mundo/noticia/o-novo-governo-temer-1731836 
https://www.publico.pt/mundo/noticia/posso-ter-cometido-erros-mas-nao-cometi-nenhum-crime-diz-dilma-1731777
 
América Latina sente-se desconfortável com o golpe.
https://www.publico.pt/mundo/noticia/america-latina-desconfortavel-com-o-impeachment-de-dilma-1731823
 
E Collor votou pelo impeachment alegando moralidade na coisa pública.
https://www.publico.pt/mundo/noticia/collor-de-vitima-a-apoiante-do-impeachment-1731759
 
Le Monde, França
A deposição da presidente Dilma deixa o país aturdido. A presidente deposta afirma ser uma farsa jurídica.
http://www.lemonde.fr/ameriques/article/2016/05/13/la-chute-de-la-presidente-dilma-rousseff-laisse-le-bresil-sonne_4918662_3222.html
 
La Repubblica, Italia
Matéria com o título: “Diz a presidente deposta: ‘sou inocente, isto é um golpe’”
http://www.repubblica.it/esteri/2016/05/12/news/brasile_impeachment_dilma_rousseff-139618831/
 
Sobre o novo presidente Temer, “o grande mediador obscuro da mulher modelo”
http://www.repubblica.it/esteri/2016/05/12/news/brasile_michel_temer-139623722/
 
Esquerda.net, Portugal
Reproduz artigo de Greenwald em The Intercept mostrando que por mais que o PT cometesse erros o que se anuncia é muitas vezes pior
http://www.esquerda.net/artigo/democracia-brasileira-sofrera-duro-reves-com-posse-de-inelegivel-e-corrupto-neoliberal/42731
 
Reproduz artigo da revista norte-americana The Nation sob o título: “ Um golpe dos donos de escravos no Brasil?”
http://www.esquerda.net/artigo/um-golpe-dos-donos-de-escravos-no-brasil/42722
 
El Pais, Espanha
Sobre o “auge e queda do PT”: “o PT terá que se reconstruir para ganhar a confiança de parte da esquerda que se sentiu traída”.
http://internacional.elpais.com/internacional/2016/05/12/actualidad/1463020685_488509.html
 
Os cinco meses de Dilma antes de seu afastamento
http://elpais.com/elpais/2016/05/12/media/1463047498_681529.html
 
Diário de Notícias, Portugal
Entrevista com o ator e comediante Gregório Duvivier: "Me apavora o Temer. Porque além de corrupto é conservador e autoritário"
http://www.dn.pt/mundo/interior/me-apavora-o-temer-porque-alem-de-corrupto-e-conservador-e-autoritario-5172040.html
 
E se Meirelles acabar por ser o Temer de Temer, se pergunta o jornal na matéria sobre Henrique Meirelles, o novo ministro das finanças que tem ambições presidenciais. 
http://www.dn.pt/mundo/interior/e-se-meirelles-acabar-por-ser-o-temer-de-temer-5172014.html
 
Sobre a votação no Senado
http://www.dn.pt/mundo/interior/novo-presidente--faz-apelo-a-pacificacao-e-a-confianca-5172057.html
 
The Wall Street Journal, EUA
O jornal afirma que a deposição de Dilma longe de permitir celebrações pelos vitoriosos contra ela está longe de promover alívio na difícil situação econômica e no quadro político. A janela aberta para mudanças é estreira sob a liderança de um presidente não menos impopular que a deposta.
http://www.wsj.com/articles/brazil-faces-hard-road-ahead-as-dilma-rousseff-yields-presidency-to-michel-temer-1463088184 
http://www.wsj.com/articles/brazils-acting-president-michel-temer-inherits-a-country-in-turmoil-1463072474
 
A presidente deposta chama de ilegítima sua saída e permanece em desafio à decisão de afastá-la.
http://www.wsj.com/articles/brazils-dilma-rousseff-repeats-claim-impeachment-process-is-coup-detat-1463069342
 
El Espectador, Colômbia
Países da ALBA apoiam Dilma e rechaçam “golpe de Estado” no Brasil;
http://www.elespectador.com/noticias/elmundo/paises-del-alba-apoyan-dilma-rousseff-y-rechazan-supues-articulo-632048
 
The Economist, Inglaterra
Para a revista conservadora e neoliberal e porta voz dos interesses da Finança, Temer tem melhores idéias que Dilma, mas isso não significa que será um presidente bem sucedido. A matéria deixa claro o apoio dos grandes interesses financeiros no novo governo, até pelos elogios à postura pessoal de Temer e seus cabelos sempre bem penteados.
http://www.economist.com/news/americas/21698719-michel-temer-has-better-ideas-dilma-rousseff-does-not-mean-he-will-be-successful
 
Deutsche Welle, Brasil
Unasul expressa preocupação após afastamento de Dilma Rousseff.
http://www.dw.com/pt/unasul-expressa-preocupa%C3%A7%C3%A3o-ap%C3%B3s-afastamento-de-dilma-rousseff/a-19254990
 
“Dilma, a tecnocrata sem paciência para a política”
http://www.dw.com/pt/dilma-a-tecnocrata-sem-paci%C3%AAncia-para-a-pol%C3%ADtica/a-19252777
 
El País, Brasil
Editorial: “A destituição de Dilma Rousseff não soluciona nada e aumenta a instabilidade do país”
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/12/opinion/1463073412_341127.html
 
Ministério de Temer mira mercado e premia pivôs do afastamento de Dilma
http://brasil.elpais.com/?cp=3
 
Sombras sobre Temer: ficha-suja, 7 ministros citados na Lava Jato e à espera do TSE. Interino foi condenado pelo TRE-SP e foi citado por delatores assim como três de seus ministros
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/12/politica/1463082911_999303.html
 
Os ministros de Temer
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/05/11/politica/1463002527_366931.html
 
BBC, Brasil
Todos os homens do presidente.....e nenhuma mulher. São 23 ministros.
http://www.bbc.com/portuguese/brasil/2016/05/160511_aliados_temer_ms_cc


Créditos da foto: reprodução
 
 
 

Milhões de amigos tristes

Milhões de amigos tristes

Os conservadores do Brasil, diferente dos argentinos, sequer esperaram as próximas eleições para tentarem chegar ao poder: o tomaram de assalto.


Martín Granovsky
Elza Fiuza
A queda de Dilma Rousseff tem dois efeitos sobre a Argentina. No campo das ideias, o fato é, sem dúvidas, um reforço à aposta conservadora ou neoconservadora do presidente Mauricio Macri. No campo da economia e do comércio, pode dificultar ainda mais as condições materiais dessa aposta. Ao menos que alguém acredite nos milagres, a troca de um governo frágil porém legítimo por outro frágil e ilegítimo não parece ser a melhor forma de retomar o crescimento a curto prazo – algo que certamente não acontecerá neste segundo semestre, apesar das esperanças do governo argentino. Já estamos no dia 12 de maio, e faltam apenas cinquenta dias para a segunda metade do ano.
 
Para a Argentina, o problema de um Brasil em crise não é uma simples questão de tipo de câmbio. Inclusive nas piores condições cambiárias, os empresários argentinos têm melhores chances de exportar para o Brasil quando o vizinho cresce. O crescimento é a mola que move qualquer círculo virtuoso. Nos últimos anos, esse crescimento vem sendo pobre no Brasil, com um Produto Interno Bruto que se reduziu em 3% em 2015, tendência que deve se repetir em 2016, com uma cifra próxima dos 5%, segundo as projeções. Consideremos ainda o volume de comércio, que em 2015 alcançou somente 23 milhões de dólares, ficando muito longe dos 40 bilhões de 2011. O problema do país de Macri também é qualitativo, já que o Brasil compra a metade das exportações industriaisMade in Argentina.
 
O cenário se repete para os demais sócios do Mercosul (Venezuela, Uruguai e Paraguai), para Bolívia e Colômbia. Depende de cada caso, mas o fato é que um Brasil sólido pode jogar um rol de sócio principal, de garantia da estabilidade em situações de crise interna, como aconteceu com a Bolívia anos atrás, e como acontece com a Venezuela atualmente, com apoio a projetos de longo prazo, como a paz na Colômbia, e de contrapeso aos objetivos dos Estados Unidos no continente. Não que o Brasil busque ser uma alternativa a Washington – carece de poder militar e financeiro, além de não ter a maquininha de imprimir dólares. Desde o dia 1º de janeiro de 2003, Brasília passou a exercer uma política exterior que o chanceler de Lula, Celso Amorim, definia como “ativa e altiva”. Não procurava um choque com a Casa Branca, mas encontrou a noção do seu próprio poder relativo, e o utilizou sem exageros. A grande jogada norte-americana para impulsar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) era ter o Brasil dentro de um bloco que seria não só comercial mas sim geopolítico, e que seria encabeçado por Washington. O Brasil de Lula não quis ser parte desse bloco, porque entendeu que perderia margem de negociação internacional, e se aliou à Argentina de Néstor Kirchner e à Venezuela de Hugo Chávez, para terminar com o plano da ALCA, o que se concretizou na Cúpula das Américas de Mar del Plata, em 2005.
 
Com o Brasil como locomotiva, a América do Sul apostou na diversificação e a multipolaridade. Multiplicou suas relações com a China, com a Rússia e com a Índia, três dos cinco países dos BRICS, junto com o próprio Brasil e com a África do Sul.

 
Diz um mito argentino que o Estado brasileiro tem uma só política exterior, e que essa diplomacia permanece inalterável, governe quem governe. Falso. Nas últimas duas eleições brasileiras (2010 e 2014), a relação com o Mercosul, com a Venezuela e com os Estados Unidos foram parte do debate e dividiram as opiniões. Em 2010, o candidato opositor José Serra chegou a dizer que o Mercosul era “uma farsa”. Dilma, como o resto dos seus colegas da América do Sul, foi rotulada como “chavista”, como se fosse o pior insulto possível – aliás, como se fosse possível ser chavista fora da Venezuela.
 
Na Argentina, o golpe escravocrata contra Dilma também dividiu opiniões. Macri não expressou simpatia pelas manobras do vice-presidente Michel Temer, do agora suspenso presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do ex-candidato neoliberal Aécio Neves, presidenciável derrotado em 2014. Os três foram as principais figuras políticas que atuaram no golpe, dentro de uma constelação que incluiu os grandes bancos internacionais, os grandes meios de comunicação, uma facção ativa do Poder Judiciário e da Polícia Federal, e da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Entretanto, essa postura de distanciamento de Macri se choca com um antecedente que cada vez ganha maior contexto: como presidente eleito, ele visitou a FIESP, no dia 4 de dezembro, logo depois de visitar Dilma, e foi condecorado com a medalha da Ordem do Mérito Industrial do Estado de São Paulo. “Sua vitória foi celebrada por milhões de brasileiros convencidos de que com você se inicia um novo ciclo em nosso continente”, disse o presidente da FIESP, Paulo Skaf, na ocasião.
 
Ou por realismo ou porque não quer irritar ninguém, em seu provável caminho em direção à candidatura para a Secretaria-Geral da ONU, a chanceler Susana Malcorra se apegou a uma frase desde que assumiu: “se o Brasil espirra, a Argentina pode ter pneumonia”. Repetiu a frase na semana passada, num encontro com os senadores da Comissão de Relações Exteriores.
 
Dois ex-presidentes argentinos, Cristina Fernández de Kirchner e Eduardo Duhalde, apoiaram um documento de repúdio à detenção forçada de Lula. O kirchnerismo, em todas as suas variantes, se mostrou contrário ao impeachment contra Dilma.
 
Mas nesse contexto de grande simpatia pelo Partido dos Trabalhadores, a atual oposição argentina foi bastante módica em termos de presença física ao lado dos agredidos no Brasil. Apesar de que há somente três horas de voo entre Buenos Aires e Brasília, e menos ainda com relação a São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre, poucos foram os que se animaram a tomar um avião e ir ao Brasil para confortar Dilma, abraçar Lula ou tomar parte nos atos públicos. Entre esses poucos figuram o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, que esteve com Dilma e enfrentou os senadores golpistas brasileiros na própria câmara alta, o ex-chanceler Jorge Taiana, representando o Parlasul, o secretário da Central de Trabalhadores Argentinos (CTA), Hugo Yasky, e o juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Raúl Zaffaroni.
 
Os motivos dessa ausência física mais quantitativa podem ser diversos. Uma possibilidade é que os dirigentes acabaram não entendendo algo que Lula diz com frequência: “a confiança e a política não se constroem por celular, mas sim tocando o outro e olhado nos olhos, com uma taça de vinho na meda”. Outro motivo a explorar é a divisão entre as forças políticas ligadas ao kirchnerismo na Argentina, por efeito da derrota para Macri.
 
Com Temer provisoriamente no Palácio do Planalto, o Brasil terá por diante um longo ciclo de transição. Pode ser que, depois dos 180 dias de suspensão, Dilma seja afastada definitivamente. Pode ser que Temer seja quem vai completar o período, ou que, num cenário muitíssimo menos provável, mas não impossível, o país se veja forçado a realizar eleições gerais adiantadas.
 
Seja qual for o resultado final, está claro que o ciclo lulista de reparação social, responsável por integrar milhões de brasileiros à educação, ao consumo, dando autoestima a toda essa população, será interrompido antes de se consolidar. Não que o ideal fosse a perpetuação indefinida do PT, mas sim, como argumentou o analista político André Singer, ex-porta-voz do governo de Lula, que esse ciclo perdurara inclusive com o PT fora do poder. Claro que esse objetivo só poderia ser alcançado com tempo e estabilidade.
 
Tempo e estabilidade para avançar sobre os problemas que deixavam pessoas às margens da justiça social. Problemas que a elite brasileira quer tirar do tabuleiro das políticas públicas, satanizando medidas afirmativas no Brasil e em toda a América do Sul. Os conservadores do Brasil, diferente dos argentinos, sequer esperaram as próximas eleições, programadas para outubro de 2018.
 
Que os escravocratas triunfem ou não, e que lhes custe muito ou pouco, são coisas que dependem também do grau de divisão que exista, daqui por diante, entre o PT e seus amigos na região. Os que hoje estão tristes, e são milhões.
 
Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Elza Fiuza
 
Fonte: Carta Maior

Nota do MST sobre afastamento da presidenta Dilma Rousseff

Nota do MST sobre afastamento da presidenta Dilma Rousseff

Esse é um golpe institucional e anti-democrático, que desrespeitou a vontade de 54 milhões de eleitores.


Coordenação Nacional do MST
Paulo Pinto
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) vem a público manifestar seu repúdio e inconformismo em relação à decisão do Senado Federal, dessa quinta-feira (12), de admitir o processo de Impeachment contra a Presidenta Dilma Roussef e afastá-la do cargo temporariamente. Temos certeza, como afirma o texto do processo, que a Presidenta não cometeu nenhum crime com as pedaladas fiscais. Se assim fosse, o processo deveria atingir também o vice que ora assume, Michel Temer, e o senador Anastasia, ex-governador de Minas. 
 
Esse é um golpe institucional e anti-democrático que desrespeitou a vontade de 54 milhões de eleitores e foi orquestrado pelos setores mais conservadores da sociedade, em especial o empresariado neoliberal e subserviente aos interesses das empresas Estadunidenses. Um golpe sustentado por uma campanha permanente dos grandes meios de comunicação – em especial, a Rede Globo –, e pela ação seletiva e midiática de setores do poder judiciário.

O golpe referendado pelo Senado não desrespeita apenas a opinião da população sobre quem deve ser o Chefe de Estado, mas, como anunciado pelo Vice usurpador, pretende aplicar um programa recessivo, neoliberal, de tristes lembranças para o povo brasileiro nos tempos dos governos Collor-FHC. Ele será anti-popular e um retrocesso social que diversas vezes foi rejeitado pela maioria da população nas urnas. Incapazes de conviver com a democracia e de se submeterem a vontade popular, as elites afastam a Presidenta sem qualquer comprovação de crime, apenas para que seu projeto de cortes sociais, desemprego e privatização seja levado a cabo.

A “Ponte para a recessão”, do golpista Michel Temer, só levará à acentuação da crise social e econômica e ampliará a instabilidade política do país. O novo governo que se anuncia, por seu histórico, tampouco representa ruptura com os métodos corruptos, que todos denunciamos nas ruas.


Esperamos que o Senado se redima, quando tiver que julgar o mérito. E se assim não proceder, as forças partidárias democráticas e contrárias ao Golpe devem recorrer ao STF. A sociedade brasileira sabe que estamos enfrentando uma crise econômica, política, social e ambiental. Essa crise não se supera com golpes. Ela necessita de um amplo debate na sociedade que aglutine a maior parte das forças populares e sociais, para buscarmos construir um novo projeto de país que enfrente as crises. 

Em relação à crise política instaurada, defendemos com os demais movimentos populares, que somente uma reforma política profunda, que devolva ao povo o direito de escolher seus representantes legítimos, pode ser uma saída verdadeira. O atual congresso não tem condições e nem vontade política. Daí a necessidade do senado aprovar a realização do plebiscito que dê ao povo o direito de convocar uma assembleia constituinte, que culmine numa reforma política com a realização de eleições gerais em condições democráticas.

O MST permanecerá mobilizado em defesa da democracia e dos direitos sociais, ao lado da Frente Brasil Popular e dos milhares de trabalhadores e trabalhadoras que não aceitarão o golpe. Seguiremos sempre em luta, contra o latifúndio e o agronegócio, pela reforma agrária popular e pelo direito constitucional de todos os trabalhadores rurais terem terra e vida digna no campo. 

Não ao golpe! Fora Temer!
 
Coordenação Nacional do MST
Brasília, 12 de maio 2016


Créditos da foto: Paulo Pinto

Democracia sem democratas

Democracia sem democratas

O afastamento da presidenta Dilma de seu cargo simboliza a hipócrita, espúria e impiedosa virada de mesa do incipiente processo democrático no País.


José Carlos Peliano*
José Cruz / Agência Brasil
O afastamento da Presidenta Dilma do cargo não apenas retira temporariamente seu mandato concedido por 54 milhões de eleitores, ele simboliza hipócrita, espúria e impiedosamente a virada de mesa do incipiente processo democrático no País.
 
O subterfúgio usado pelos parlamentares de se valerem de procedimentos de gestão orçamentário-financeira não contemplados por lei, as chamadas pedaladas fiscais, para afastar do poder as marcas e os tentáculos do PT foi a bola da vez da conspiração. Ação igualmente usada por outros governadores na cobertura das dívidas estaduais foi apenada no foro político somente para a Presidenta. 
 
A tropa oposicionista não se olhou no espelho. Baixou a cabeça, tapou os ouvidos e seguiu a vingança de Eduardo Cunha - acusado de vários processos de corrupção, hoje afastado para julgamento no STF. 
 
A fúria concentrou-se em recorrer a expediente legislativo, embora previsto na Constituição, para justificar um ato ilegítimo, ilegal, inconstitucional. Este foi-lhe assegurado por uma maioria oportunista no Congresso Nacional. Os capa-pretas do STF se calaram de verde e amarelo.

 
Os advogados se valem muitas vezes dos meandros das leis, seus artigos mal redigidos, suas interpretações possíveis, suas combinações duvidosas, para defenderem suas partes e seus processos. Mas não usam do engano, do cinismo e da fraude para levar à frente seus intentos.
 
É a primeira vez na capenga democracia brasileira que a representante política maior do povo é afastada por interpretação leviana dos regramentos legais e em proveito próprio de suas excelências. Com esse expediente, a dita Casa do Povo retira desse mesmo povo seu poder constitucional e soberano de serem válidos seus votos, 367 votos contra 54 milhões.
 
Isso não é democracia, esses não são democratas! O governo do povo, pelo povo e para o povo, defendido tão bravamente por Rui Barbosa, não inclui somente o Poder Executivo. O Legislativo e o Judiciário também fazem parte solidária. Não cabe a nenhum deles extrapolar seus mandatos, direitos e obrigações sob pena de ferir a democracia, quiçá mortalmente.
 
Desafortunadamente os pretensos democratas legislativos parece não lerem notícias vindas do exterior. A social democracia europeia igualmente faz uma inflexão à ré em praticamente todo seu território, em especial na Grécia, Portugal, Espanha e França. Os ajustes econômicos neoliberais destroem os avanços obtidos pelo trabalho em prol do todo-poderoso capital. Empresas ganham, trabalhadores perdem e com eles suas famílias, boa parte da população.
 
Enganaram seus representantes, sim, dos gregos, portugueses, espanhóis, franceses e dos demais pela venda enganosa de programas econômicos de ajuste salvadores das pátrias. Como o interino Temer internam-se os mesmos princípios e ações nos seus 180 dias de experiência como presidente não eleito pelo povo.
 
Mas os representantes europeus não se valeram de suas propagandas enganosas para provocarem a destituição de quem quer que seja. Sobrou um mínimo de vergonha e lucidez política para ainda defenderem e hastearem bandeiras rotas de democracia.
 
Em especial no caso grego, o então presidente Tsipras chamou ele mesmo por nova eleição presidencial diante da imposição pela Troika de um programa draconiano de ajuste econômico. Quis ouvir seu povo diretamente, não seus representantes legislativos. Não foi preciso que o parlamento grego criasse uma artimanha política qualquer para ameaça-lo ou retira-lo do poder como ocorreu aqui no planalto central.
 
O que de fato iguala nossa republiqueta de bananas às repúblicas europeias é a cartilha econômica neoliberal. Esta sim que, ao fim e ao cabo, expressa a derrocada da democracia na prática por envenenar o tecido econômico e retirar mais uma vez do ganha pão do trabalho os frutos para serem acumulados pelo capital. Ou como diria Thomas Piketty, aumentar mais ainda os ganhos do 1% em detrimento dos restantes 99%.
 
Comentarista político e diretor do grupo de pressão inglês Compass, Neal Lawson, afirma ver aquique no continente europeu a crença na social democracia, segundo a qual um partido possa através do estado criar as bases que favoreçam os interesses do trabalho sobre o capital, está à morte como prática política. Acredita que a social democracia venha a se juntar ao comunismo somente como um termo de relevância histórica.
 
Há uma urgente relevância histórica, no entanto, prestes a ocupar o vazio da democracia brasileira e da social democracia europeia. As manifestações populares arregaçam as mangas e partem para a tomada das ruas como espaço público de suas reivindicações e lutas políticas.
 
Não as manifestações de apoio irrestrito aos políticos antidemocráticos, como se viu desde a eleição e posse da Presidenta até seu afastamento. Essas manifestações não mudam nada, não avançam a democracia, não hasteiam a bandeira das lutas e conquistas sociais. Apenas apoiam suas vantagens já adquiridas e rechaçam as conquistas sociais dos mais pobres.
 
Mesmo nos EUA, considerado o país mais afluente e democrático do mundo, manifestações públicas tomaram corpo com o movimento Occupy Wall Street e agora no apoio sistemático ao candidato anti-neoliberal à presidência, Bernie Sanders. Inquietações políticas variadas ocorrem igualmente nas ruas europeias.
 
Embora seja humanamente trágica a contradição entre a tomada avassaladora do neoliberalismo nas economias dos continentes e as manifestações de inúmeros grupos dos respectivos povos em direção a direitos sociais melhores e perenes, até mesmo básicos, o quadro de crise é digno de priorização, avaliação e enfrentamento.
 
O avanço das garras do capital sobre os necessários ganhos do trabalho demonstra no fundo a ansiedade daquele em ocupar espaço antes de um provável recuo futuro. Risco e oportunidade na crise servem tanto para o capital quanto para o trabalho. Se este souber aglutinar suas sabedoria, força e energia tem tudo para reconquistar espaços perdidos e ganhar outros, hoje capitalizados. É questão de tempo, tática e estratégia. E união entre visões politicas diferentes.
 
A própria quadra brasileira de democracia sem democratas enseja uma reação por igual das ruas. Até mesmo para aqueles que apostaram na queda da Presidenta, quando verão que o autoritarismo político, a restrição às liberdades individuais, a falta total de criatividade educacional, cultural e ambiental, e o retrocesso econômico e social, fazem parte do receituário do grupo do governante de plantão.
 
O segundo mandato da Presidenta não começou nem andou bem, não por sua decisão pessoal, tampouco ministerial, ela não pode governar com o Congresso nas mãos de maioria denunciada ou com processos já formados na Justiça e STF. Suas propostas ali encaminhadas eram sufocadas, além de ver em seu lugar outras para derrubar suas pretensões.
 
Os mesmos que não a deixaram governar, a afastaram. Para por o que em seu lugar? Outro condenado por ficha suja. Golpista que retirou seu partido do apoio ao governo mas lá ficou como figurante à espera do golpe final.
 
O momento é de reflexão, redefinição de atuações, manifestações às ruas. Que possamos refundar nossa democracia com verdadeiros democratas, não com oportunistas de ocasião, descompromissados políticos, mercadores do templo.
 
*colaborador da Carta Maior


Créditos da foto: José Cruz / Agência Brasil
 
Fonte: Carta Maior