segunda-feira, 25 de abril de 2022

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'Terra' de Sebastião Salgado faz 25 anos, e personagens de livro ainda esperam lote

 

SGeral <sgeral@mst.org.br>
Para:SGeral
seg., 25 de abr. às 17:55

 

'Terra' de Sebastião Salgado faz 25 anos, e personagens de livro ainda esperam lote

Fernanda Canofre

8 - 10 minutes

 

​Em 17 de abril de 1996, milhares de trabalhadores sob a bandeira do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) entraram na fazenda Giacomet-Marodin, no interior do Paraná, com 83 mil hectares, uma das maiores ocupações na história do movimento, com o fotógrafo Sebastião Salgado como testemunha.

 

A cerca de 2.700 km dali, no mesmo dia, em uma curva de Eldorado do Carajás, no Pará, outros sem-terra, que seguiam até Belém, foram atacados pela Polícia Militar em uma ação para desbloquear a rodovia PA-150. A ação deixou 19 sem-terra mortos.

 

Salgado recebeu a notícia ainda no Paraná e viajou em um avião alugado para o sudeste do Pará no dia seguinte. Em meio ao sepultamento coletivo das vítimas, ele fotografou Luiza Alves sentada em uma cadeira, rodeada por pessoas, chorando a morte do filho Oziel, 17, a vítima mais jovem.

 

Meses antes do massacre, ela, o marido e os outros filhos tinham embarcado para Confresa (MT) porque Luiza queria ficar perto da mãe. Deixaram no Pará dois filhos: Oziel, que sonhava com um pedaço de terra que desse sossego aos pais, e Antônio, mais velho que o irmão.

 

"Tem muita coisa que não lembro mais, não. Da hora que eu vi ele, eu não dei conta de nada mais, fiquei por conta dos outros, sabe? Não posso olhar para [a foto], que é uma lembrança muito triste. Olho e fico mal", diz Luiza hoje, aos 71, emocionada.

 

"Eu reconheci ele um pouco pela testinha, o cabelo. O rosto estava diferente. Só reconheci da testa para trás. Era ele mesmo."

 

Os momentos daquele abril, época de mobilização forte do MST pelo país, são alguns dos registros feitos durante cerca de dois anos em que Salgado acompanhou o movimento, reunidos no livro "Terra" (Companhia das Letras), há 25 anos.

 

A ideia surgiu quando o fotógrafo acompanhava o deslocamento de populações pelo mundo e entrou em contato com o MST para entender o abandono do campo em direção às cidades no Brasil, que mudava o desenho do país.

 

As imagens de "Terra", desde a vida comum nos acampamentos à dor da violência, viajaram o mundo com 2.000 kits de exposição impressos, lançamento em cidades como São Paulo, Rio e Lisboa, ajudaram na compra da sede do movimento na capital paulista e com o terreno da Escola Florestan Fernandes, em Guararema (SP).

 

O projeto, com prefácio do português José Saramago e músicas de Chico Buarque, teve ainda uma quarta autoria, lembra Salgado, sua esposa Lélia Wanick Salgado.

 

"O livro é um manifesto político feito por quatro autores. A gente só fala das minhas fotografias, do Saramago e do Chico, mas a Lélia que concebeu o livro, imaginou pela primeira vez na história da fotografia uma exposição tirada em 2.000 exemplares", diz ele.

 

João Pedro Stedile, 68, da direção nacional do MST, participou do lançamento da obra e diz que chegou a acompanhar Salgado em alguns momentos, mas que o movimento não tinha dimensão do que seria o trabalho.

 

O contexto, diz, era um Brasil em crise econômica e social, com grande contingente de sem-terra pelo país, e ao mesmo tempo, com repressão aos movimentos.

 

"O livro, as fotos em cartazes, os eventos, contribuíram para a difusão da luta do MST e também lhe deram uma certa proteção de apoio da opinião pública. A nível nacional, a opinião pública brasileira, e em especial a grande imprensa, se deu conta de que o MST era um movimento justo e necessário para combater o atraso das forças produtivas no campo, gerar emprego e futuro para milhões de brasileiros olvidados", afirma.

 

Entre as fotografias mais conhecidas estão dois retratos de meninas sem-terra, que viviam em acampamentos com as famílias, em busca de terra.

 

Uma delas, Joceli, então aos cinco anos, com olhos claros que encaram a câmera, Salgado encontrou no Paraná. Hoje, ela vive em um pré-assentamento na mesma região, ainda à espera do próprio lote e prefere não dar entrevistas.

 

O local onde vive é uma das 70 comunidades do MST no estado, que lutam pela regularização e formalização das terras, segundo o movimento. Há acampamentos no Paraná onde as famílias esperam há mais de 20 anos por um pedaço de terra.

 

A outra menina, Nete Alves Silva, também de olhar marcante, tímida pela falta de costume com a câmera, posou para ele em uma escola em Barra da Onça, Poço Redondo, no sertão de Sergipe.

 

Hoje, aos 34, Nete está assentada na região com o marido e o filho David Walter, de nove meses.

 

A foto, que ela tem em um quadro em casa, foi usada ainda na Campanha da Fraternidade, da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), em 1998.

 

"Eu lembro que a situação era difícil, a gente comia a merenda da escola, porque não tinha comida em casa", lembra.

 

"Daquela época para hoje, lá tinha muita fome, hoje o governo dá uma ajuda de R$ 400, estou sobrevivendo com esse dinheiro, porque a gente não tem trabalho. Depois dessa pandemia parece que piorou foi tudo."

 

Um quarto de século depois, passados três governos do PT, Salgado avalia que o MST deveria ter sido compreendido como política nacional de retenção da população no campo e que o grande erro histórico petista foi não ter realizado a reforma agrária.

 

"O projeto da agricultura brasileira acabou sendo o agronegócio, que é a expulsão de mão de obra, agricultura em grande escala mecanizada, envenenada. Todo mundo hoje se vangloria de ter um país que tem uma grande agricultura, mas isso teve um custo social brutal, de expulsão de uma grande parte da população brasileira, que poderia ter ficado no campo, vivido de outra forma, e hoje é marginalizada nas cidades", afirma.

 

"É imoral o que passou, o que se passa no campo brasileiro hoje. Tudo isso, toda essa política reacionária do campo, acabou gerando essa monstruosidade que está no poder hoje no Brasil, o Bolsonaro é o fruto de tudo isso."

 

O MST é frequentemente citado pelo presidente em discursos. Stedile responde dizendo que Jair Bolsonaro (PL) defende ideias fascistas e irresponsáveis, que incitam uso de armas e violência, sem resolver questões como produção de alimentos e emprego.

 

"Infelizmente muitas famílias estão acampadas há muitos anos, sobretudo porque, desde a eclosão da crise capitalista em 2014, e depois com o golpe contra a Dilma, o estado brasileiro e os governos existentes abandonaram a reforma agrária e as políticas públicas de apoio ao modelo da agricultura familiar", avalia.

 

Passados 26 anos desde o massacre de Carajás, Antônio, irmão de Oziel, que ficou com ele no Pará, foi assentado, e diz que dói pensar na forma como o irmão morreu.

 

Para Eric Nepomuceno, autor de "O Massacre: Eldorado dos Carajás: Uma história de impunidade" (Record), o episódio mostra como a Justiça brasileira é falha, quando se trata de pessoas poderosas.

 

"Eu definiria o massacre de Eldorado do Carajás como especialmente simbólico. Não apenas pelo número de vítimas: é que ele foi documentado. Houve testemunhas de fora, não apenas entre os sobreviventes. Ficou o registro da barbaridade não só das forças de segurança, mas também dos mandantes e da omissão criminosa de um governo estadual. O mais preocupante é que a violência contra lideranças populares dos sem-terra continua matando gente", diz.

 

Há ainda cerca de 28 pessoas que se denominam mutilados de Carajás, feridos que vivem com sequelas e nunca tiveram reparação, conta Lindomar de Jesus Cunha, o Mazinho, que estava com Oziel no dia do massacre.

 

"Estamos trabalhando para mover uma ação contra o Estado. É uma batalha difícil, porque se passaram 26 anos, prova some, papel se acaba e hoje as pessoas precisam provar que estavam no massacre. Às vezes, a pessoa está na fita, mas como está diferente hoje, a perícia não quer reconhecer", conta ele.

 

"Eu tinha 22 anos, hoje tenho 45. Tenho um pedaço de bala na perna ainda".

 

No Brasil, desde a divisão de terras nas capitanias hereditárias, com a chegada dos portugueses, se perpetuou a ideia da terra como título de nobreza, quando deveria ser usada para trabalho e produção, diz Salgado.

 

"[Carajás é] uma lembrança marcante, mas vi coisas fabulosas em relação ao MST, vi assentamentos em Santa Catarina produzindo erva-mate, assentamentos fantásticos, vi pessoas no interior do Paraná vivendo felizes, vi escolas rústicas, escolas primárias para crianças, vi funcionar os assentamentos e isso para mim foi uma coisa colossal", afirma.

No Brasil, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro, diz Rafael Guimaraens

 


ENTREVISTA

No Brasil, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro, diz Rafael Guimaraens

No Dia Mundial do Livro, o escritor comenta o desafio de escrever e editar em um país que não lê

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
 
Rafael Guimaraens, um escritor e editor de seu tempo - Larissa Ferreira

Rafael Guimaraens começou como jornalista transitando por várias redações, entre elas a do lendário Coojornal, virou assessor de imprensa e descobriu-se escritor para, em nova autodescoberta, tornar-se editor, ao lado de sua companheira Clô Barcellos. É a dobradinha que, pilotando a editora Libretos, há mais de 20 anos escava, esmiuça e mapeia a história política, social e cultural de Porto Alegre.

Nesta jornada, todos nós ficamos sabendo mais sobre a enchente que arrasou a cidade em 1941, a efervescência local do movimento estudantil sob a ditadura, o levante dos gaúchos contra o fracassado golpe militar urdido pelos militares contra João Goulart em 1961, a trajetória dos teatros de Arena e de Equipe, a epopéia de quatro anarquistas que assaltaram uma casa de câmbio em 1911 deixando a provinciana capital em polvorosa e muitos outros episódios, instituições e personagens.

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Para marcar o Dia Mundial do Livro, 23 de abril, o Brasil de Fato RS conversa com Rafael Guimaraens. Na pauta, o duplo ofício de escritor e editor, o baixo índice de leitura nacional, a ascensão dos e-books, a extinção das políticas de apoio ao livro, a privatização acelerada dos espaços públicos de Porto Alegre, o apagamento seletivo da memória da cidade e os ataques à Cultura no país.

Brasil de Fato RS - Que papel tem o livro na sua vida?

Rafael Guimaraens - Cresci num quarto com uma estante de livros que ocupava toda a parede, que pertenceram ao meu avô, o poeta Eduardo Guimaraens, e ao meu pai, jornalista e intelectual. Com tantos livros, aprendi a ler sozinho, aos quatro anos. Desde então, houve época em que eu lia muito e outras em que eu lia menos, por falta de tempo. Trabalhei como jornalista, mas só comecei a escrever livros depois dos 40 anos. Hoje, estou sempre envolvido em projetos literários. Termino um livro e já tenho outro em mente, e isso tem sido a minha vida.

 

Vemos os influencers produzindo conteúdos irrelevantes para milhões

 

BdF RS - Na história da humanidade, o livro teve o papel de guardar a memória e contar as histórias dos que os escreviam, mas o acesso era restrito porque se tratavam de manuscritos. Com o advento da imprensa houve uma democratização da leitura?

Rafael Guimaraens – O livro é um fabricante de memória, assim como os jornais. A questão da efetiva democratização da informação, nos dois casos, é mais complicada. Os livros ainda são restritos e os jornais, no caso do Brasil, são vinculados a grupos com interesses econômicos e políticos bastante específicos. Muitas vezes, misturam a informação jornalística, que é de interesse público, com os interesses do proprietário. Talvez por isso estejam perdendo leitores para as redes sociais, o que é preocupante. Vemos os tais influencers, muitos sem qualquer preparo, produzindo para milhões de pessoas conteúdos irrelevantes, que muitas vezes reforçam preconceitos, ou atuam na área da fofoca e do culto a celebridades fabricadas pelos escritórios de gestão de imagem.

BdF RS - Como define a tarefa de editar livros em um país que não lê?

Rafael Guimaraens – Um desafio enorme. Estamos sempre atentos ao segundo “L”, o da Leitura, ou seja, o acesso ao livro como direito de cidadania. Participamos de feira, realizamos doações a bibliotecas comunitárias, promovemos ações de contação de histórias e, para cada livro lançado, realizamos eventos abertos sobre o tema tratado. Também procuramos manter uma política de preços mais acessíveis, mesmo que isso signifique diminuição da nossa margem. E, como editora, nos envolvemos em ações promovidas por entidades da área e frentes parlamentares em defesa do livro.

 

No Brasil, 30% da população nunca comprou um livro na vida

 

BdF RS - De acordo com a publicação Retratos da Leitura no Brasil, 52% (ou 100,1 milhões de pessoas) dos brasileiros, dedica-se à leitura, sendo a bíblia e jornais os mais lidos. A que se deve esse percentual aquém do ideal?

Rafael Guimaraens – É baixíssimo. Por exemplo, os franceses leem 21 livros por ano, cinco vezes mais do que os brasileiros. No Brasil, 44% da população não lê e 30% nunca comprou um livro na vida. E o pior: o país vem perdendo leitores a cada nova pesquisa.

O estímulo à leitura só pode ser feito através de políticas consistentes de acesso, redução do preço de capa, estímulo a programas de leitura nas escolas e comunidades, incentivo a bibliotecas, promoção de eventos. Essa é uma tarefa da sociedade e do poder público, que, obviamente, não será assumida pelo atual Governo. Não vamos esquecer as palavras do atual mandatário a respeito dos livros didáticos: “Um montão de amontoado de muita coisa escrita”.

 

Parece que a cidade perdeu sua alma

 

BdF RS - A pesquisa aponta também Porto Alegre como a 14ª capital no quesito leitura, mesmo abrigando a maior feira a céu aberto da América Latina. A que se atribui isso?

Rafael Guimaraens  – É um dos efeitos do processo de apagamento da memória do período áureo que a cidade vivenciou durante a década de 1990 e início dos anos 2000, quando Porto Alegre chamava a atenção do mundo por soluções democráticas originais que combinavam participação popular com maior qualidade de vida, com ênfase na Cultura.

Para os interesses econômicos que passaram a mandar na cidade, era necessário desmobilizar a cidadania, através de um lento e proposital esvaziamento dos processos de participação popular, o sucateamento dos órgãos de defesa do meio ambiente e a extinção de políticas culturais de apoio aos artistas e democratização da Cultura – cito, como exemplo o fim do Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural).

Fico com a impressão de que a cidade foi anestesiada por uma sucessão de ações desmobilizadoras das administrações seguintes, que, embora de partidos diferentes, seguiram e seguem a mesma política. Parece que a cidade perdeu sua alma. Aquela cidadania viva, atuante e participativa tornou-se desanimada e conformista. Evidentemente que há bolsões de resistência, especialmente pelo trabalho dos artistas, dos lutadores sociais, e a transformação da cidade, na minha opinião, passará por eles.

 

Estamos vendo coisas que nem a mente mais tresloucada poderia imaginar

 

BdF RS -  "Quando ouço alguém falar em cultura, puxo o meu revólver". A frase atribuída tanto a Himmler quanto a Goebbels, ministros de Hitler, ganhou uma atualização inesperada com a decisão da Secretaria da Cultura de Bolsonaro de recomendar o uso da Lei Rouanet para incentivar a adoção de armas pela população como acaba de ser denunciado. Qual a sua opinião enquanto escritor e editor?

Rafael Guimaraens – “Abaixo a inteligência, viva la muerte!”, diziam os fascistas espanhóis. Essa proposta é uma caricatura bizarra e indecente deste governo, a Cultura instrumentalizada não para o prazer e o esclarecimento da cidadania, mas para estimular a indústria da morte. Estamos vendo coisas que nem a mente mais fértil e tresloucada poderia imaginar. Me parece que na reta final, Bolsonaro toma medidas ou faz acenos para, mesmo que não ganhe a eleição – e não ganhará -, consolidar o bolsonarismo como força política. Este será seu único e indesejável legado para a História do Brasil.

BdF RS - Como foi ser escritor nesses dois anos de pandemia?

Rafael Guimaraens – Meus livros têm o perfil de construção da memória. Assim, no meu caso, além da revolta, como cidadão, por assistir, impotente, ao extermínio de milhares de cidadãos pela covid somada à irresponsabilidade criminosa do governo, a pandemia dificultou o acesso aos locais de pesquisa.

BdF RS – Qual o papel do livro em sua vida? Fale também sobre a sua parceria com a Clô Barcellos na editora Libretos.

Rafael Guimaraens - A Libretos foi criada há pouco mais de 20 anos e se mantém no mercado como uma editora reconhecida por seu catálogo de obras relevantes. Ao longo deste tempo, busca se aperfeiçoar, principalmente por iniciativa da Clô, que está sempre ligada nas questões do mercado editorial. Não editamos todos os livros que gostaríamos, mas todos os que editamos nos orgulham. A Clô dirige a Libretos e é responsável pelo design de quase todos os livros que publicamos neste período – e já são mais de duzentos. Além disso, me garante todas as condições para que eu possa trabalhar com tranquilidade.

 

Uma assinatura de streaming custa metade do preço de um livro

 

BdF RS - Neste século, com as novas mídias, o papel do livro continua o mesmo?

Rafael Guimaraens – O papel do livro é o mesmo: uma fonte de prazer que provoca a reflexão e estimula a imaginação de forma mais completa do que outras formas de expressão artística. Em relação às outras mídias, bem, e-book é livro. Em outro formato, mas é livro. Sua evolução, de início, foi mais lenta do que o anunciado, mas cresceu muito durante a pandemia. Hoje, vende-se um e-book a cada 42 livros no Brasil, mas três anos atrás a relação era um e-book para cada 95 livros físicos vendidos.

Os leitores jovens, em geral, estão aderindo ao livro digital, portanto é natural que essa relação se torne equilibrada. Além disso, o livro físico enfrenta um momento delicado. Os custos gráficos aumentam em patamares superiores à inflação. No caso do papel, estão vinculados ao dólar – e essa é uma vantagem dos digitais. O preço de capa do livro físico não consegue acompanhar os custos, pois as vendas diminuiriam. Tivemos um momento grandioso em 2005, com a Lei do Livro que desonerou o IOF (12%) da cadeia produtiva do livro e provocou um aumento excepcional no número de obras editadas e nas vendas de livros. Essa iniciativa do Governo Lula era complementada com uma série de iniciativas de estímulo à cadeia dos três “L”s (livro-economia, leitura-direito de cidadania, literatura-estímulo aos escritores).

Em relação a outras mídias de entretenimento, há uma relação desigual. Por exemplo, a mensalidade de uma assinatura de streaming, em muitos casos, é a metade do preço de um livro. Em outros países com mais tradição, o livro sobrevive com vigor. No Brasil, sem uma ação governamental mais consistente, o problema do livro irá se agravar.

 

A paisagem da cidade vem sendo violentada por uma enxurrada de torres e espigões

 

BdF RS - Seus livros trazem como ambiente a cidade de Porto Alegre. A cidade está passando por transformações, com a orla sendo renovada, a Redenção ganhando um espaço gourmet, o centro cultural do Gasômetro abandonado, o anúncio da demolição do anfiteatro Por do Sol, o encaminhamento das privatizações do DMAE e da Carris. Como vê este momento em que os projetos da cidade em andamento são aqueles que envolvem a iniciativa privada?

Rafael Guimaraens - Porto Alegre, na minha opinião e na de muita gente, está sendo descaracterizada de forma abrupta e acelerada. A paisagem da cidade vem sendo violentada por uma enxurrada de torres e espigões que põem abaixo o casario tradicional da cidade e sequestram da população as paisagens mais nobres, deixando os graves problemas da cidade à sua sombra.

Aos exemplos mencionados na pergunta, acrescento a situação do Cais do Porto, a área mais importante da cidade do ponto de vista histórico, fechado há mais de dez anos, com seus armazéns abandonados pelo descaso e sendo corroídos pela ferrugem. Este é o resultado de uma privatização irresponsável na qual o poder público cedeu a área, não se sabe em troca de quê, para a instalação de torres e de um shopping center no local. O projeto fracassou e a carta de concessão do cais tornou-se uma espécie de moeda, passando de mão em mão para grupos cada vez mais desqualificados e sem compromisso com o patrimônio histórico. A prometida revitalização transformou o Cais em escombros. O governo estadual foi obrigado a retomar a área, a contragosto, mas não adotou nenhuma iniciativa no sentido de recuperá-la. O Cais Embarcadero, instalado entre o Cais e a Usina é uma espécie de maquiagem para esconder a colossal incompetência para enfrentar o problema.

Qual a cidade do mundo que permitiria que seu cartão postal, um de seus espaços mais importantes, fosse tratado desta forma? O movimento Cais Cultural Já é uma iniciativa importante no sentido forçar a abertura os portões e destinar a área para atividades artísticas e da economia solidária, o que, na minha opinião, é uma solução natural e inteligente.

 

Hoje, não se proíbe a impressão, mas se extingue políticas de apoio ao livro

 

BdF RS - O Brasil tem uma história de proibição e da impressão e da manutenção do analfabetismo como política de governo durante a maior parte de sua história. O que representa isso na indústria do livro?

Rafael Guimaraens – Manter o povo na ignorância é o recurso mais óbvio utilizado pelos dominadores. Hoje, não se proíbe a impressão, mas se extingue políticas de apoio ao livro, como, por exemplo, o fim ou a redução das compras de livros pelo governo, que garantiam o acesso dos leitores e devem fôlego às editoras. Aliás, a extinção do Ministério da Cultura – ou sua transformação em secretaria no âmbito do Ministério do Turismo -  demonstra o enorme receio dos governos déspotas em relação à potência da Cultura como ferramenta para o esclarecimento das massas.

BdF RS – O que está lendo no momento?

Rafael Guimaraens – Estou lendo Quatorze camelos para o Ceará, do jornalista Delmo Moreira, e recomendo com muito entusiasmo.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Ayrton Centeno