segunda-feira, 17 de abril de 2017

Álvaro Lins: o escritor notável e a empatia que virou amizade


Álvaro Lins: o escritor notável e a empatia que virou amizade


Nossa amizade ganhou profundidade quando, no final de 1961, aderi ao PCP, que adotara a estratégia do levantamento nacional, posteriormente condensada no Rumo à Vitória de Álvaro Cunhal
Encontrei pela primeira vez Álvaro Lins em São Paulo, em 1960.
Tinha-lhe escrito quando ele era embaixador em Lisboa e concedera asilo ao general Humberto Delgado. A decisão, tomada sem consulta a Brasília, desagradou ao governo de Juscelino Kubitschek e enfureceu Salazar.
A sua resposta à minha carta comoveu-me. A empatia, quando o abracei pela primeira vez, foi imediata. E evoluiu rapidamente para um sentimento de amizade.
Na época, eu divergia da linha da direção do PCP e era criticado pela sua organização no Brasil. Álvaro Lins não abordou o tema numa visita a São Paulo. No aeroporto, onde o acompanhei à despedida, cruzou-se com a comitiva do presidente e deu um encontrão em Juscelino. A rutura entre ambos consumara-se pouco antes, quando, em artigo no Diário de Noticias do Rio de Janeiro, criticara com dureza o apoio do governo brasileiro ao colonialismo português, ostensivo desde a nomeação para Lisboa do embaixador Negrão de Lima.
Em 1961, quando regressei da aventura do Santa Maria, devolvido a Salazar por Jânio Quadros, fiquei hospedado a convite de Álvaro Lins no seu apartamento das Laranjeiras, enquanto resolvia na cidade problemas ligados à instalação dos combatentes do Diretório Revolucionário Ibérico de Libertação-DRIL, aos quais o governo brasileiro concedera asilo politico.
A nossa amizade ganhou profundidade quando, no final de 1961, aderi ao PCP, que adotara a estratégia do levantamento nacional, posteriormente condensada no Rumo à Vitória de Álvaro Cunhal. Lins felicitou- me com entusiasmo.
O assasínio de Humberto Delgado
En 1965, inesperadamente, recebi em São Paulo, um telefonema de Álvaro Lins, pedindo que me deslocasse ao Rio com urgência. No dia seguinte, - acompanhava-me Bidarra da Fonseca, camarada do Portugal Democrático - o embaixador sugeriu que tomássemos a iniciativa de comunicar ao mundo que Humberto Delgado fora presumivelmente assassinado.
Explicou- nos que na correspondência que mantivera com o general desde a sua saída do Brasil, Delgado lhe dissera que, se o contato cessasse de repente a partir de uma data que indicava, ele estaria certamente morto. Álvaro Lins cumpria o que lhe fora pedido.
Convocamos uma conferência de imprensa na sede do Centro Republicano Português de São Paulo. E divulgamos a notícia, antecipando-nos às informações confusas da polícia de Franco.
Recordo o episódio para relembrar, desmentindo versões falsas amplamente difundidas, que foi através dos comunistas portugueses do Brasil que o mundo tomou conhecimento do assassínio do general Humberto Delgado pela PIDE.
Reprodução

O escritor Álvaro Lins
Com Luiz Carlos Prestes
A amizade forjada com Álvaro Lins adquirira um caracter fraternal quando uma noite em sua casa me convidou para o acompanhar numa visita surpresa. Fomos visitar Luiz Carlos Prestes, que vivia então em rigorosa clandestinidade. 
Prestes, tal como Lins, sabia que eu, a pedido do PCB, me tornara (com autorização do PCP) militante também do Partido brasileiro e colaborava na sua imprensa.

Meio século depois - O Livro, Alexei Tolstoi e a Revolução

Dilma se reúne com Bloco de Esquerda em Lisboa e diz que reforma da Previdência de Temer 'é um absurdo e um crime'

Portugal, sob governo de centro-esquerda, registra menor déficit em 40 anos

 
Somente em 1976 voltei a encontrar Prestes, desta vez em Lisboa, quando saudei a sua chegada com um editorial no Diário. Ele vinha participar num comício de solidariedade com os Povos da América Latina, no Campo Pequeno, com Rodney Arismendi do PC do Uruguai, Samuel Riquelme do PC do Chile, Antonio Maidana, do PC Paraguaio,  e Álvaro Cunhal. No seu discurso fez uma referencia amiga à minha participação nas lutas contra a ditadura brasileira.
O escritor
Álvaro Lins foi um escritor notável, hoje quase esquecido. Destacou-se sobretudo como ensaísta e crítico literário.
Na época ele exerceu, juntamente com Otto Maria Carpeaux, a crítica literária com um desassombro incomum na intelligentsia brasileira. Insensíveis a pressões, não hesitavam em atacar com dureza a obra de monstros sagrados da literatura. Ambos assumiram essa responsabilidade  -apenas um exemplo- em artigos demolidores de romances  de Jorge Amado, então no auge da popularidade.  Não lhe negavam talento, admiravam a sua imaginação prodigiosa e a capacidade de criar personagens que “revelavam” aos leitores o povo da Bahia, do coronel ao jagunço. Mas, para Álvaro Lins era imperdoável a leviandade de Jorge Amado no “tratamento da língua portuguesa”.
Na apreciação dos meus modestos escritos, Álvaro Lins era de uma generosidade imerecida, inseparável da amizade. Em 1967, quando publiquei o meu segundo livro, Opções da Revolução na América Latina*, ouvi dele palavras de estímulo que não esqueci.  
Quando ia ao Rio, a embaixatriz Heloísa Lins, que me tratava como se fosse da família, fazia - me sentir em casa no seu apartamento.
Acompanhei de perto a doença rara, devastadora, que o destruiu rapidamente aos 58 anos, quando muito se podia esperar ainda dele como escritor e ensaísta.
Transcorridos  46 anos sobre a sua morte, recordar o amigo, o patriota, o cidadão exemplar, o intelectual revolucionário é para mim um dever.
___
*Opções da Revolução na América Latina, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro 1968. O livro foi apreendido em 1969 por decisão do ministro Alfredo Buzaid. Felizmente, da edição de 5.000 exemplares, restavam somente 150.

Suspeitas contra Aécio Neves na Lava Jato vão muito além de Caixa 2

13/04/2017 14:38 - Copyleft

Suspeitas contra Aécio Neves na Lava Jato vão muito além de Caixa 2

Aécio é suspeito não só de conseguir dinheiro indevido para campanhas (suas e de aliados), mas de ter recebido propina diretamente, sem contexto eleitoral


Alline Magalhães, Jéssica Sbardelotto, Rodrigo Menegat - The Intercept Brasil
Getty Images
"É preciso salvar a política", disse há pouco mais de um mês o senador mineiro Aécio Neves, presidente nacional do PSDB e derrotado nas eleições presidenciais de 2014 por uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos. Numa mesa com outros sete políticos em volta, num restaurante de Brasília, Aécio prosseguiu no raciocínio, alertando para o risco do surgimento de um “salvador da pátria” em 2018:

“Um cara que ganhou dinheiro na Petrobras não pode ser considerado a mesma coisa que aquele que ganhou cem pratas para se eleger”, disse Aécio, segundo reproduzido por repórteres que testemunharam a cena.

De fato, são coisas diferentes. Mas ambos são crimes. A situação de Aécio, no entanto, é curiosa não apenas por ele ser alvo de cinco inquéritos instaurados pelo ministro do STF Edson Fachin. Mas especialmente porque, os casos que agora serão investigados pela Procuradoria-Geral da República podem contradizer diretamente o discurso que o tucano  mantinha.

Aécio é formalmente suspeito não apenas de conseguir dinheiro indevido para campanhas (suas e de aliados), mas de ter recebido propina diretamente, sem contexto eleitoral. Segundo delatores, ele atuou em benefício de empresas do grupo no setor elétrico em troca de “prestações” milionárias e “informou”, num encontro reservado com um dos executivos da Odebrecht, que a empreiteira venceria uma licitação bilionária que ainda sequer tinha sido anunciada publicamente:  a construção da nova sede do governo de Minas Gerais.
Aecio-1492024905
Trecho de despacho de ministro Edson Fachin sobre senador Aécio Neves. Reprodução



Os cinco inquéritos a que Aécio agora responde o colocam como um dos políticos com foro privilegiado mais visados nas investigações decorrentes das delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht. Ele está empatado com o senador Romero Jucá (PMDB-RR), com cinco inquéritos cada.

Até agora, Aécio vinha fazendo coro com expoentes do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (e tantos outros políticos ameaçados pela Lava Jato que entoaram o lema do “separar o joio do trigo”). Em essência, eles defendiam a diferenciação entre agentes públicos que cometeram crime de corrupção ou enriqueceram de modo ilícito e aqueles que “somente” usaram recursos não declarados para financiar campanhas eleitorais.

Em termos penais, é tudo crime. O uso de recursos não contabilizados para financiar campanhas é crime previsto no Código Eleitoral (artigo 350), mas tem pena muito menor do que crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de cartel e fraudes em licitação. A pena máxima é de cinco anos, o que faz com que condenados por crimes do tipo sequer cumpram pena em regime fechado.

O entendimento que a PGR tem adotado na Lava Jato é que, mesmo que o dinheiro pago pela Odebrecht tenha como fim o financiamento de campanha, o caso tem de ser enquadrado como corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos em que há indício de que políticos usaram seu poder para defender interesses da empresa.

No caso de Aécio, as acusações mais graves feitas pelos delatores, considerando o que foi divulgado até aqui nos despachos do ministro Fachin, envolve favorecimento do grupo Odebrecht em obras de usinas hidrelétricas e na construção da Cidade Administrativa.





Fotos Aerea da Cidade Administrativa.Credito: Renato Cobucci/Imprensa-MG.Local:MG-Belo Horizonte.Data:13-011-2013.
Cidade Administrativa de Minas Gerais, que teria processos de licitação fraudados. Foto: Renato Cobucci/Imprensa-MG

Empresas tiveram de pagar entre 2,5% e 3% de propina por obra bilionária
Em declaração gravada em vídeo, Benedicto Barbosa da Silva Júnior contou que, “no início de 2007”, quando Aécio iniciava seu segundo mandato como governador mineiro, o tucano chamou BJ, como o delator é conhecido, para dar uma boa notícia para a Odebrecht: a empreiteira participaria da obra de construção da faraônica Cidade Administrativa, a nova sede do governo mineiro. “As tratativas”, prossegue o delator, deveriam ser feitas com seu homem de confiança, Oswaldo Borges, o “Oswaldinho”, apontado como tesoureiro informal das campanhas de Aécio.



O objetivo do esquema era receber propinas oriundas das obras realizadas pelo consórcio formado por Odebrecht, Queiroz Galvão e OAS. A sede acabou custando cerca de R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos e as obras foram concluídas em 2010, com mais de 250 mil metros quadrados de área construída. Aécio teria recebido por esse esquema, somente da Odebrecht (outras empreiteiras também participaram da obra), R$ 5,2 milhões.

De acordo com a Folha de S.Paulo, Benedicto Júnior detalhou o esquema em seu depoimento ao Ministério Público. Os pagamentos seriam equivalentes a um valor entre 2,5% e 3% do total de cada contrato. Os repasses eram, segundo esse relato, operacionalizados por Oswaldo Borges, o “Oswaldinho”, apontado como tesoureiro informal das campanhas de Aécio.

Fachin autorizou abertura de inquérito para investigar suspeitas de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro, formação de cartel e fraude de licitações.

O presidente do PSDB também teria recebido “parcelas” entre R$ 1 milhão e R$ 2 milhões em “vantagens indevidas” para facilitar a construção de duas das maiores hidrelétricas do país, Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, em Rondônia. A acusação foi feita por Marcelo Odebrecht e pelo ex-vice presidente da Odebrecht S.A., Henrique Serrano do Prado Valladares.

Odebrecht ainda aponta na delação que “Mineirinho”, codinome usado nas listas do Setor de Operações Estruturadas do grupo, “detinha forte influência na área energética, razão pela qual o Grupo Odebrecht concordava com expressivos repasses financeiros em seu favor”. Não foram mencionados os valores totais, nem a frequência com que os pagamentos aconteciam.

Em 2008, a hidrelétrica Santo Antônio recebeu financiamento de R$ 6,1 bilhões do BNDES, maior valor na história do banco até o período. O consórcio incluiu a construtora Andrade Gutierrez, a Caixa FIP Amazônia Energia (que tem como acionistas Odebrecht e FGTS), a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e Furnas.

A usina Jirau, por sua vez, recebeu R$ 7,2 bilhões do banco de desenvolvimento em 2009, além de financiamento suplementar de R$ 2,3 bilhões, em 2012. Atualmente, o empreendimento é gerido pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), parceria entre a empresa belga Engie (antiga GDF Suez) Eletrobras Sul, Eletrobras Chesf e a japonesa Mitsui. Outro inquérito investiga suposto pagamento de R$ 5,5 milhões da Odebrecht para o senador Edison Lobão (PMDB/BA), que se comprometeu a tentar reverter a derrota da empreiteira nessa licitação – sem sucesso, porém.

Para Aécio, sua conduta foi absolutamente correta
No contexto eleitoral, outro inquérito trata de pagamentos feitos a pedido do líder tucano para a campanha do então candidato ao governo de Minas Gerais, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). De acordo com os delatores Benedicto Barbosa da Silva Júnior e Sérgio Luiz Neves, a Odebrecht teria repassado um total de R$ 7,27 milhões, dividido em duas parcelas, a primeiro de R$ 1,8 milhão, em 2009 e a segunda, de cerca de R$ 5,47 milhões, no ano seguinte. No caso, ambos os políticos foram indiciados pelos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

O despacho também determina a investigação de Oswaldo Borges, tesoureiro informal das campanhas de Aécio, e de Paulo Vasconcelos do Rosário Neto, publicitário que trabalhou nas campanhas de Anastasia ao Senado, em 2010, e de Aécio à Presidência, em 2014.

Além deste episódio, em mais um inquérito, Aécio Neves é acusado, desta vez junto ao deputado federal Dimas Fabiano Toledo (PP/MG), de solicitar e receber o pagamento de “vantagens indevidas”. Benedicto Júnior, Sérgio Luiz Neves e Marcelo Odebrecht afirmam que repassaram valores para a campanha presidencial do tucano em 2014. Outros políticos, como Anastasia e João Pimenta da Veiga Filho (PSDB/MG) também teriam recebido dinheiro da empreiteira.

Aécio Neves afirmou, por meio de nota, a importância do fim do sigilo sobre o conteúdo das delações. Segundo ele, só assim será possível desmascarar as “mentiras” e demonstrar a “absoluta correção de sua conduta”.

Colaboração: Bruno Pavan, Guilherme Zocchio, Kleyson Barbosa, Lúcio Lambranho, Reinaldo Chaves e Renan Antunes de Oliveira.




Créditos da foto: Getty Images

Carta ao leitor: 'A urgência brasileira'

17/04/2017 15:29 - Copyleft

Carta ao leitor: 'A urgência brasileira'

Acreditar na emergência de uma sociedade virtuosa, feita de cidadãos virtuosos sem instituições virtuosas, é abraçar uma concepção religiosa da história


Joaquim Palhares
.
A crise bruta que sacode a nação brasileira não pode ser subestimada nos seus desdobramentos.

Ela encerra perigos e seduções que podem ser fatais a uma democracia descarnada de credibilidade e esperança, mas, sobretudo, de mecanismos dotados da prontidão necessária para escrutinar respostas institucionais e econômicas a uma transição de ciclo desesenvolvimento, como é o caso, que cobra a repactuação da sociedade com seu projeto de futuro.

Ademais dos riscos que avultam a cada dia, a natureza ciclópica e catártica do que se vive hoje oferece ao discernimento da sociedade um aliado poderoso e inédito: a transparência histórica dos nossos desafios.

O que ela mostra, apesar da resistência, ainda, do dispositivo de comunicação conservador, é a necessidade de uma solução diamentralmente oposta às alternativas que pulsam no repertório autoritário e pseudoliberal.

A crise evidencia a urgência de se construir no país um sistema político mais aberto, com maior participação e vigilância da sociedade, dotado de canais expeditos de consultas populares que se sobreponham aos  acertos de gabinete onde chocam as soluções antidemocráticas, antissociais e antinacionais --como as que são excretadas nesse momento  sobre a nação pela agenda do golpe.

Sobretudo,porém, a transparência vertiginosa da crise expõe as sequelas estruturais da pandemia neoliberal dos anos 70.

Ela  marcaria a subjetividade e o relevo da sociedade e o do capitalismo em todo o mundo, e aqui também, com o recuo imposto à democracia em favor do mercado, a fragilização do Estado pelo agigantamento do poder desregulado das grandes corporações, ademais do seu vórtice silencioso, porém mais destrutivo: a desterritorialização da riqueza financeira, embarcada na liberalização imposta às contas de capitais.

Esse bombardeio atingiu em cheio o Estado brasileiro no ciclo de governos do PSDB nos anos 90.

O desmonte deixou cicatrizes que nunca mais se fecharam.

Um exemplo resume todos os demais: até meados dos anos 60, as estatais do setor elétrico nacional detinham a liderança mundial em planejamento de grandes hidrelétricas.

Hoje quem é capaz de fazer isso?






A Odebrecht.

Nas últimas décadas, o ministério do Planejamento amarrotou-se no papel de um anexo das políticas de arrocho fiscal ditadas pela Fazenda e o Banco Central --este sim, um enclave de planejamento do interesse financeiro num aparelho público capturado pela lógica privada.

O que se perdeu na sofreguidão privatista e no sucateamento deliberado nunca mais se recuperou.

Prova-o a incapacidade fiscal permanente, fruto do endividamento público retroalimentado pelo garrote asfixante dos juros, a imobilizar um Estado tangido a emprestar de quem deveria taxar.

O conjunto da anemia democrática e fiscal consagra a ausência de capacidade de indução e planejamento para a retomada do desenvolvimento brasileiro.

Esse é um dos entraves mais sérios ao passo seguinte da nossa história.

O ciclo de governos do PT mitigou essa fragilidade. A regeneração do BNDES é um bom exemplo. O fortalecimento da capacidade indutora do Estado com a regulação soberana do pre-sal, outro.

Ambos, não por acaso, desmontados agora pelo golpe.

Foram, de qualquer forma, avanços circunscritos, diluídos na rendição a práticas tradicionais, como mostra a naturalização do caixa 2 na esfera eleitoral.

A esfera do poder ficou intocada naquele que se revelou, agora de forma exclamativa, o pecado capital de todo o processo.

Carta Maior sempre criticou a adesão progressista a práticas eleitorais  'consagradas'. Não por qualquer moralismo de convento, mas porque manietavam o salto de autonomia decisória e participativa, indispensável à construção de uma verdadeira democracia social no país.

É forçoso reconhecer, porém, e o golpe é a prova cabal disso, que a resistência do dinheiro e de sua artilharia midiática a um avanço mais audacioso das práticas democráticas, da socialização da riqueza, bem como do restabelecimento de mecanismos de indução e planejmento públicos, sempre foi feroz, articulada, implacável, asfixiante.

A hipertrofia de uma Odebrecht --que planejava o país e o sistema político, no miúdo e no graúdo-- é fruto dessa fragilização geral da sociedade brasileira, descarnada de instrumentos públicos para exercer os consensos das urnas, graças ao desmonte imposto ao setor público pela agenda do Estado mínimo.

O conjunto deslocou o eixo das decisões, da democracia para os gabinetes das megcorporações e bancos -- onde o país é planejado com a ajuda técnica, o capital indisponível pelo Tesouro público e o filtro de interesses dos Odebrechts. Ou Alstons. Ou Chevrons e assemelhados.

Não é uma degeneração brasileira: é o estágio atual da democracia fraca, do Estado anemico e do poder ubíquo do mercado criado pelo neoliberalismo em todo o mundo.

A novidade é que a crise brutal permite agora à sociedade enxergar aquilo que a mídia sempre ocultou de forma cúmplice.

O Brasil precisa de uma democracia forte e de Estado capaz de assegurar a finalidade social do desenvolvimento.

Para ser um contraponto efetivo à espiral descendente vivida pela nação, a eleição de 2018 deve servir a esse debate e à organização correspondente que ele cobra da rua.

No mais, é imperioso lembrar certas lições da história num momento em que a perplexidade e as sombras são alimentadas diuturnamente para gerar prostração, divisionismo e renúncia nas forças progressistas.

Acreditar na emergência de uma sociedade virtuosa, feita de cidadãos virtuosos -- de lideranças e governantes virtuosos!-- sem instituições virtuosas, é abraçar uma concepção religiosa da história.

A experiência mostra que ela produz idolatria seguida de flagelo.

Mas não produz a cidadania plena, direitos sociais inegociáveis e o florescimento ecumênico da criatividade humana no acesso convergente aos frutos da civilização, pelos quais vale a pena continuar lutando.

É disso que trata o nosso editorial: 'Odebrecht é o outro nome do Estado mínimo'.

À luta, greve geral dia 28; e boa leitura.


Joaquim Palhares
Diretor Presidente de Carta Maior

ODEBRECHT JOGA FHC E GLOBO NA CLOACA

Odebrecht joga FHC e Globo na cloaca
Globo queria privatirizar tudo!

Paulo Henrique Amorim
Na tarde de ontem (14), a página do ex-presidente Lula no Facebook publicou a seguinte nota, assinada pelo advogado Cristiano Zanin Martins:

"Delações são versões unilaterais de réus que buscam sair da prisão ou obter benefícios pessoais. Todas as referências contidas nas delações devem ser investigadas com isenção e imparcialidade não apenas em relação ao ex-Presidente Lula, mas também em relação a todos os que foram citados, incluindo a sociedade que a Globo manteve com o Grupo Odebrecht, citada na delação de Emílio Odebrecht.

Lula sempre atuou para promover o Brasil no exterior, e não para promover determinadas empresas ou empresários"

O que seria essa “sociedade” mencionada por Zanin?

Em vídeo publicado pelo portal Congresso em Foco, o empresário Emílio Alves Odebrecht, patriarca da empreiteira que leva seu nome, menciona uma “sociedade privada” com o objetivo de “buscar todas as informações” e o “embasamento” para justificar, junto ao governo do FHC, a quebra de monopólios estratégicos.

Uma das participantes dessa sociedade, segundo Emílio Odebrecht, seria a Rede Globo.
“Inclusive, sobre a parte de comunicações, de telecomunicações, nós chegamos a montar uma sociedade privada… Se não me engano, três ou quatro empresas, uma delas era até a Globo fazendo parte. Contratamos alguém de lá, de Minas Gerais, para ser o presidente dessa entidade, para criar tudo, buscar todas as informações, embasamento do que acontecia no mundo, para que isso acontecesse, para que isso facilitasse aquilo que era decisão de governo, de quebra do monopólio da telecomunicação, da parte da Petrobras, de petróleo, e outras coisas. Fizemos essas coisas.”

Em outras palavras: a Globo e a Odebrecht atuaram juntas, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, para fazer lobby pela privatização das estatais de telefonia e da Petrobras.

O vídeo foi gravado no dia 13/XII do ano passado e trata das relações de Emílio Odebrecht com FHC e a atuação da empresa durante a presidência do príncipe da privataria. Em outros momentos da gravação, o empresário também cita as doações às campanhas eleitorais.

“Eu não tenho dúvida que houve alguma coisa que teve caixa dois e caixa oficial”, diz Emílio Odebrecht.


SÓ UM JUDICIÁRIO BURRO OU CÍNICO NÃO CASSA MICHEL TEMER

SÓ UM JUDICIÁRIO BURRO OU CÍNICO NÃO CASSA MICHEL TEMER


O jornalista Leandro Fortes afirmou que a confissão de Michel Temer na entrevista à Band News, de que a presidenta deposta Dilma Rousseff foi vítima de um golpe parlamentar por não ter cedido chantagem do então presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB), não resulta na cassação do seu mandato apenas se o Judiciário for aliado.

"JE M'ACCUSE!

Um presidente burro ou cínico (fico com a primeira hipótese) o suficiente para confessar, na TV, o golpe de Estado do qual fez parte, só permanece onde está se houver um Legislativo e um Judiciário dominados por gente do mesmo nível, disse Leandro Fortes em sua página no Facebook.

Com frieza e demonstrando tranquilidade, deixando claro que considera o episódio absolutamente normal, Michel Temer narrou a operação com riqueza de detalhes:

"Em uma ocasião, Eduardo Cunha foi me procurar. Ele me disse 'vou arquivar todos os pedidos de impeachment da presidente, porque me prometeram os três votos do PT no Conselho de Ética'. Eu disse que era muito bom, porque assim acabava com essa história de que ele estava na oposição.
Naquele dia eu disse a Dilma: 'Presidente, pode ficar tranquila, o Eduardo Cunha me disse que vai arquivar todos os processos d impedimento'. Ela ficou muito contente e foi bem tranquila para a reunião.

No dia seguinte, eu vejo logo o noticiário dizendo que o presidente do PT e os três membros do partido se insurgiam contra aquela fala e votariam contra Cunha no Conselho de Ética.

Mais tarde, ele me ligou e disse 'tudo aquilo que eu disse, não vale, vou chamar a imprensa e vou dar início ao processo de impedimento'.

“Que coisa curiosa!

Se o PT tivesse votado nele naquele comitê de ética, seria muito provável que a senhora presidente continuasse.

E quando eu conto isso eu conto para revelar, primeiro, que ele não fez o impedimento por minha causa. E, segundo, que eu não militei para derrubar a presidente."


Desabafo de Luis Nassif


https://www.facebook.com/gleisi.hoffmann/videos/753172184860037/

PARA EVITAR UM IMINENTE NOVO GOLPE DE ESTADO

Para evitar um iminente novo golpe de Estado
Leonardo Boff*


O eminente jurista Fábio Konder Comparato numa entrevista na Carta Capital de 12 de abril de 2017 ponderou que face à desmoralização dos dirigentes políticos e da corrupção generalizada "é bem possível outra intervenção extralegal para impedir a continuação disso tudo; não está fora de cogitação um novo golpe de Estado".

Os agentes desse novo golpe seriam, segundo Comparato, "os empresários (a minoria rica) e os proprietários por um lado, e por outro, os principais agentes do Estado”.

Para agentes de Estado deduzo que se trataria do Ministério Público, da OAB e acrescentaria ainda a Polícia Federal e alguns ministros do STF.

Meu temor é que os grupos acima citados utilizem a mesma estratégia que vigorou em 1964: as oligarquias usaram o poder militar para dar um golpe de classe como foi mostrado de forma irrefutável por René Dreifuss: na sua tese de Glasgow: "A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe" (Vozes 1981, 841 pp.): o que houve no Brasil não foi um golpe militar, mas um golpe de classe com uso da força militar" (p.397).

A barafunda total da atual política, corroída pela corrupção de cima abaixo, desmascarada pelas delações da Odebrecht (outras ainda virão) torna a continuidade do atual governo altamente problemática.

A ilegitimidade do presidente e de grande parte dos parlamentares das duas Casas, sob acusação de graves delitos, torna vergonhosa a celeridade conferida às mudanças, claramente antipopulares e até anticonstitucionais.

Esse golpe pode ser dado a qualquer momento, pois os empresários estão, eles mesmos, se sentindo prejudicados especialmente nos níveis costumeiros de alta acumulação.

Resta saber se os militares aceitariam tão espinhosa tarefa.

Mas eles se sentem os guardiões da República, pois foram eles que puseram fim à Monarquia. Em momentos tão graves como os atuais, poderão se sentir urgidos, mesmo a contragosto, a assumir esta responsabilidade nacional.

Se isso ocorrer, provavelmente um triunvirato de generais assumiria o poder, fecharia o Congresso, mandaria prender os principais políticos acusados de corrupção, não poupando, apenas dando uma forma privilegiada ao presidente Temer, aposentaria coercitivamente Gilmar Mendes o mais parcial dos ministros do STF, obrigaria a renúncia dos governadores implicados em corrupção e instauraria um regime de "purga" dos corruptos e de seus aliados e empresários corruptores e contaria, seguramente, com o apoio da imprensa conservadora que sempre apostou num golpe.

Isso não é contraditório com a política dos órgãos de segurança dos USA, especialmente sob Donald Trump, pois estaria a serviço "full spectrum dominance".

O que viria depois, seria uma incógnita, pois o poder é um dos arquétipos mais tentadores da psiqué humana. Os militares poderiam não querer mais sair do poder assumido.

Outra saída, ainda dentro do marco democrático, seria a convocação, para esse ano ainda, de eleições gerais, pois o sujeito originário do poder é o povo que, ao escolher seus politicos, lhes conferiria legitimidade.

A Lava-Jato continuaria com sua devassa enchendo os tribunais de processos, nas várias instâncias do judiciário.

Outra via seria a anulação pelo TSE da candidatura Dilma-Temer, seguida de uma eleição indireta pelo Parlamento de um novo Presidente. Não saberíamos que força teria ele, uma vez que foi eleito de forma indireta, com uma base parlamentar amplamente desmoralizada e sob vários processos criminais.





Inspiração na África do Sul

Uma terceira via, mais radical, seria inspirada pela Comissão da Verdade da Reconciliação da África do Sul, coordenada pelo bispo Desmond Tutu que aqui apresento como viável. Ai se tratava de conhecer a verdade sobre os crimes cometidos contra a população negra por dezenas de anos não excluídos também crimes perpetrador por negros.

Três eixos estruturavam o processo: a verdade, a responsabilização e a justiça restaurativa e curativa. Tudo era feito sob o arco de um valor cultural comum que nos falta: o Ubuntu que significa: eu só posso ser eu através de você. Esse valor conferia e confere coesão à sociedade da África do Sul, pois de saída supera o individualismo, típico de nossa cultura ocidental.

A verdade tinha a dimensão factual: conhecer os fatos como se passaram. Outra dimensão era a pessoal: como a pessoa subjetivamente sentia o crime cometido. A terceira era a social: como a sociedade interpretava e discutia a gravidade dos crimes. Por fim, a verdade restaurativa e criativa: reprovação moral do passado e disposição de construir uma nova memória.

A anistia era concedida àqueles que reconheciam publicamente a responsabilidade pelos crimes cometidos. A confissão pública de seus atos era a grande punição moral. É a anistia pela verdade que possui uma função restaurativa e curativa: refazer o tecido social e dispor-se a não mais cometer os mesmos crimes sob o lema: "para que não se esqueça e para que nunca mais aconteça". Para crimes contra a humanidade havia a punição legal conveniente e não vigorava a anistia.

Discutia-se então e ainda hoje se discute: se a lei não pune os que transgrediram, não desvalorizaria a própria noção do império de lei, base de um Estado de direito?

Aqui, em vista do Ubuntu, de manter a coesão e não deixar chagas abertas chegou-se a um compromisso pragmático entre a dimensão política e a dimensão do princípio.

Logicamente, existe uma ordem legal, necessária sem a qual a sociedade se torna caótica. Mas ela repousa sobre uma ordem ética e axiológica. Esta foi invocada. Isso implica ir além do discurso jurídico e político e entrar no campo antropológico profundo, dos valores que dão um sentido transcendente à vida pessoal e social. Trata-se de um ato de confiança no ser humano de que ele é resgatável. Foi o que mostrou Hannah Arendt em Jerusalém por ocasião do juízo e condenação de Eichmann, o exterminador de judeus sob o regime nazista. Ela arrolou o valor do perdão, não propriamente como valor religioso, mas como capacidade humana de poder livrar-se da dependência do passado, e inaugurar uma nova página da história coletiva.

Tais procedimentos poder-se-iam aplicar ao caso brasileiro. Marcelo Odebrecht e seu pai Emílio Odebrecht reafirmaram que praticamente todos os políticos (com exceções conhecidas por sua inteireza ética) se elegeram pela via do caixa 2. O caixas 2 é tipificado como crime pelo artigo 350 do Código Eleitoral e pelo artigo 317 do Código Penal. Foi o que tem repetido muitas vezes a Presidente do STF.

Pelo fato, porém, de a corrupção ter-se generalizado e afetado a grande maioria dos partidos, poder-se-ia aplicar uma anistia nos moldes da Comissão da Verdade e da Reconciliação da África do Sul. Todos os que se valeram do caixa 2 viriam a público, confessariam tal crime e manifestariam o propósito de não mais recorrer a este expediente para eleger-se. A revelação de seus nomes e sua confissão pública seria uma verdadeira punição moral.

Outra coisa, entretanto, é a propina recebida de empresas com promessa de dar-lhes vantagens legais e a corrupção como desvio de dinheiro público, aos milhões e milhões, a ponto de levar à falência um estado como o Rio de Janeiro. Aqui se trata diretamente de crimes que devem ser adequadamente julgados e punidos e mais que tudo recuperar para os cofres públicos o dinheiro roubado. Neste âmbito ocorreram crimes de lesa-humanidade como os 300 milhões desviados da Saúde do Rio de Janeiro que, obviamente, tem prejudicado milhares de pessoas, levando muitas à morte. Para esses cabem as penas mais severas.

Este caminho seria altamente humanitário, reforçaria nossa democracia que sempre foi de baixa intensidade e traria uma atmosfera moral e ética para o campo da política, como busca comum do bem comum.

A atual crise da política brasileira, obnubilando qualquer futuro esperançador, nos obriga a pensar e a buscar saídas possíveis que evitem uma convulsão social de consequências imprevisíveis. É o sentido destas minhas reflexões.

*  Leonardo Boff é ex-professor de ética da UERJ e Doutor em Ciência Política pela Universidade de Turim, título concedido por Norberto Bobbio.


Construção

17/04/2017 15:56 - Copyleft

Construção

Atividades da construção refletem deformações setoriais, como a ambição de construir a maior hidroelétrica do mundo ou uma estrada que liga o nada ao nada


Ladislau Dowbor
Acervo Histórico IPT
O Setor de construção, em termos de organização e planejamento, apresenta a particularidade de constituir uma dimensão de outros setores: constroem-se hidroelétricas para o setor energético, escolas para a educação, hospitais para a saúde,  residências para a habitação e assim por diante. As atividades da construção vão assim refletir as eventuais deformações setoriais, como a ambição de construir a maior hidroelétrica do mundo em Itaipu, ou de se realizar uma estrada do nada para o nada como a Transamazônica.
 
A existência de subsistemas profundamente diferenciados é claramente aparente no setor da construção. Particularmente significativo é o universo das grandes empreiteiras como Andrade Gutierrez, Camargo Correa, Mendes Júnior, OAS, Odebrecht e outras, especializadas em grandes obras de infraestruturas. Como este tipo de obras é em geral financiado por recursos públicos, já que se trata de mega-investimentos com retornos difusos e de longo prazo, estas empresas desenvolvem um sistema de apropriação dos mecanismos políticos de decisão, visando obter acesso privilegiado aos contratos. Não se trata aqui de uma particularidade do Brasil.  Estimativas relativas ao México, por exemplo, avaliam em algo como um bilhão de dólares o que as empreiteiras transferem anualmente para os bolsos dos políticos. No caso brasileiro, foi amplamente documentada a “folha de pagamentos” das empreiteiras, sustentando funcionários públicos, deputados e senadores, gerando na realidade um sistema paralelo de poder. Como as empresas estão estreitamente articuladas entre sí, praticando o rodízio de acesso a  contratos, com regras do jogo bem definidas, as diversas proteções tradicionais como os mecanismos de licitação tornam-se inúteis. Os resultados práticos são obras cujos custos são onerados não por 10 ou 12% de dinheiro de propinas como acontece frequentemente nos próprios países desenvolvidos, mas por valores que frequentemente ultrapassam em 300 ou 400% o custo real da obra.[1]
 
Os custos são absolutamente gigantescos. Para dar um exemplo, duas operações da Andrade Gutierrez com a Companhia de Energia do Estado de São Paulo, Cesp, resultaram numa dívida de US$11 bilhões: “Por trás de cada dólar que compõe essa dívida é possível encontrar histórias de relações incestuosas entre governantes, banqueiros e empreiteiros de obras públicas, pontuadas por suspeitas de corrupção, superfaturamento e privilégios negociais...Canoas é uma das obras públicas mais caras feitas no País. Cada um dos 154 megawatts projetados já custou US$3.032, 40% além do previsto e praticamente o dobro do gasto em hidrelétricas de médio porte”.[2] Exemplos como estes abundam nas diversas áreas, levando ao desvio de dezenas de bilhões de dólares. Os fantásticos recursos levantados permitem alavancar a nomeação de testas-de-ferro das próprias empreiteiras nos diversos departamentos do Estado, e a eleição de candidatos com campanhas milionárias, gerando um círculo vicioso extremamente difícil de se romper. E tratando-se, como neste exemplo, de uma  empresa Estatal, buscar-se-á a sua quebra e ulterior privatização, gerando novos lucros.
 
É importante notar que o que aqui enfrentamos não constitui uma “lamentável exceção”, mas uma deformação sistêmica. Trata-se da articulação duradoura do monopólio estatal de decisão com um cartel de empresas de grande porte – as empresas pequenas são por definição excluidas deste tipo de empreendimento – e que ocorre em muitíssimos países. Constatamos assim que esta área essencial do desenvolvimento econômico não pode ser regulada pela “mão invisível”, através de fictícias licitações e de aparências externas de concorrência. Pelo contrário, torna-se necessário um sistema particular de regulação que deve envolver auditorias externas, acesso público à contabilidade dos projetos e conselhos inter-institucionais com forte participação da sociedade civíl  para avaliação política das opções. Considerando os custos que este setor representa para o país, tanto o custo das obras, como o impacto estrutural negativo de obras mal concebidas – veja-se Angra dos Reis – e a deformação das práticas políticas originada pelo sistema, a criação de um sistema de regulação diferenciado para as grandes obras é indispensável.
 
Abaixo deste setor de ponta, ficam milhares de pequenas e médias construtoras com atividades centradas em geral no âmbito municipal, realizando tanto pequenas infraestruturas como programas de habitação. De forma geral, empresas deste tipo tanto podem reproduzir ao nível local o sistema de corrupção praticado pelas grandes empreiteiras, como podem gerar um clima de concorrência efetiva e contribuir fortemente para a economia local. De toda forma, o corporativismo que existe na área da construção sugere que se aplique aqui o conceito de “managed market”, ou mercado administrado, com um sistema específico de regulação baseado na transparência das informações e na participação de segmentos diferenciados da sociedade civil no controle.
 
No caso da construção de habitações, é particularmente interessante organizar um contrapeso ao poder das empreiteiras através de grupos organizados de consumidores. Em São Paulo, por exemplo, 14 familias de professores se juntaram para comprar um terreno, deram o terreno de garantia para um banco que financiou a construção: a construtora executou apenas a obra, sob controle e segundo especificações dos maiores interessados em preço e qualidade que eram os futuros proprietários. A obra, sem os costumeiros atravessadores, administradores e outros penduricalhos, custou a metade do preço de mercado. Na Polônia se utilizam sistemas semelhantes em grande escala, sempre na visão de maior poder de organização dos próprios consumidores, quer as empresas de construção sejam privadas ou estatais. 
 
O setor informal de construção representa um gigantesco potencial. Se a construção de edifícios modernos apresenta problemas técnicos complexos, o mesmo não é o caso da residência térrea, que constitui no caso brasileiro mais de tres quartos das habitações. Há um gigantesco potencial de motivação em torno da casa própria, o que torna perfeitamente possível as pessoas construirem as suas próprias casas, com um pouco de ajuda técnica, e a preços incomparavelmente mais baratos do que os das construtoras. Ainda há algum tempo olhados com certo desprezo pelos economistas e pelos arquitetos, os sistemas baseados em lotes urbanizados, auto-ajuda, mutirões, crédito comunitário e outras formas de acesso dos pobres à habitação tornaram-se técnicamente excelentes e economicamente superiores às soluções tradicionais. Parcerias e apoio organizado das prefeituras, incorporando às áreas de habitação as infraestruturas de lazer, escolas, pequeno comércio e espaço para oficinas e micro-empresa, podem levar a resultados nítidamente superiores aos absurdos mega projetos de milhares de casas identicas e distantes das necessidades cotididianas das populações que se vêm em torno das grandes cidades, com as inevitáveis placas do político interessado.
 
Finalmente, é preciso mencionar o amplo sistema ilegal de ocupação de solo e construção que se constata em tantos municípios do país. Ocupando encostas sujeitas a deslizamentos, áreas de mananciais, áreas sujeitas a indundações ou zonas de preservação ambiental, os pobres buscam simplesmente zonas mais baratas, já que as áreas mais adequadas para a habitação são mais caras ou se encontram nas mãos de grandes empresas de “engorda” do valor dos terrenos. Aqui melhor do que em outras áreas se constata a que ponto a atividade ilegal pode se articular com grupos de deputados, partidos políticos, empresas. Deixar aqui agir o “mercado” e esperar que resulte outra coisa do que um desastre social e ambiental é pura ingenuidade. Mas também mostram-se pouco operantes os esquemas baseados em leis e fiscais, se não forem apoiados em sólidas organizações da sociedade civil.  Aqui ainda, a alternativa não é setor privado ou Estado, mas um sistema mais democrático e participativo de gestão pela própria comunidade organizada.
 
_____________
 
[1]  - Para dados sobre o México, ver Business Week, 13 de maio de 1996; as “folhas de pagamentos” e cerceamento de concorrência utilizados por empreiteiras no Brasil foram amplamente documentadas em numerosos artigos da imprensa, particularmente Folha de São Paulo.
 
[2]  - José Casado, Arquivos mostram corrupção na Cesp, O Estado de São Paulo, 12 de maio de 1996







Créditos da foto: Acervo Histórico IPT

Fonte: Carta Maior