segunda-feira, 16 de março de 2015

Os EUA e o EI

OS ESTADOS UNIDOS E O ESTADO ISLÂMICO
Noam Chomsky
Os Estados Unidos são responsáveis pelo surgimento do EI (Estado Islâmico). Longe de ser uma teoria da conspiração, o linguista, filósofo e ativista político norte-americano Noam Chomsky defende, em entrevista ao jornalista David Barsamian que a invasão do Iraque em 2003 provocou as divisões sectárias que instigaram a desestabilização da sociedade iraquiana.
Assim, o resultado foi um clima onde os radicais apoiados pelos sauditas prosperaram. Ele alerta ainda que o grupo ficará ainda mais extremista na medida que o conflito se desenvolva e que os grupos que ganharão predominância serão os mais brutais e mais duros: “se conseguirem destruir o EI, terão de lidar com algo mais extremista”, afirma.
David Barsamian: O Oriente Médio está em chamas, da Líbia ao Iraque. Há novos grupos jihadistas. As atenções focam-se no Estado Islâmico. Que pensa deste grupo e das suas origens?
Noam Chomsky: Há uma entrevista interessante a Graham Fuller, publicada há dias. Trata-se de um ex-agente da CIA, um dos principais analistas do Médio Oriente. O título é “Os Estados Unidos criaram o Estado Islâmico”. Esta é uma das teorias da conspiração, das milhares que há no Oriente Médio.
Mas esta vem de outra fonte: do coração do establishment dos EUA. Fuller apressa-se a esclarecer que não quer dizer que os EUA decidiram dar existência ao EI e depois financiá-lo. O que ele sustenta – e eu acho uma opinião correta – é que os EUA criaram o ambiente do qual nasceu e se desenvolveu o EI. Em parte, a abordagem foi o padrão martelado: esmaga-se aquilo de que não se gosta.
Em 2003, o Reino Unido e os EUA invadiram o Iraque, um grande crime. Ainda esta noite, o Parlamento britânico concedeu ao governo a autoridade para bombardear o Iraque de novo. A invasão foi devastadora. O Iraque já tinha sido virtualmente destruído, em primeiro lugar pela guerra de dez anos contra o Irã, na qual, diga-se de passagem, o Iraque foi apoiado pelos EUA; e logo em seguida, pela década de sanções econômicas.
Estas foram descritas como “genocidas” pelos respeitados diplomatas internacionais que as administraram, e ambos se demitiram em protesto. As sanções devastaram a sociedade civil, reforçaram o ditador, forçando a população a depender dele para sobreviver. Esse é provavelmente o motivo de não ter seguido o mesmo caminho de todo um grupo de ditadores que foram derrubados.
Finalmente, os EUA decidiram atacar o país em 2003. O ataque é comparado por muitos iraquianos à invasão mongol ocorrida mil anos antes. Terrivelmente destrutiva. Centenas de milhares de pessoas mortas, milhões de refugiados, milhões de outras pessoas deslocadas, destruição de riquezas arqueológicas do país dos tempos da Suméria.
Um dos efeitos da invasão foi imediatamente instituir divisões sectárias. Parte do fulgor da força de invasão e do seu diretor civil, Paul Bremer, foi separar as seitas, sunitas, xiitas, curdos e provocar os conflitos entre elas. Num par de anos, havia um enorme, brutal conflito sectário incitado pela invasão.
Para comprovar isto basta olhar para Bagdá. Se virmos um mapa de, digamos, 2002, trata-se de uma cidade misturada: sunitas e xiitas vivem nos mesmos bairros, por vezes nem se sabe quem é sunita ou xiita. É como saber se os seus amigos são de um grupo protestante ou de outro. Havia diferenças, mas não hostilidade.
De fato, durante alguns anos, ambos os lados diziam: nunca haverá conflitos sunitas-xiitas. Estamos demasiado misturados na natureza das nossas vidas. Mas em 2006 já havia uma guerra enraivecida. Esse conflito espalhou-se a toda a região. Hoje, toda ela está dividida pelos conflitos sunitas-xiitas.
A dinâmica natural de um conflito como esse é que os elementos mais extremistas começam a ser predominantes. Tinham raízes. As raízes vêm do maior aliado dos EUA, a Arábia Saudita, que tem sido o principal aliado dos EUA na região desde que Washington se envolveu seriamente, de fato desde a fundação do estado saudita. É uma espécie de ditadura familiar. O motivo é ter uma quantidade enorme de petróleo.
O Reino Unido, antes dos EUA, preferia habitualmente o islamismo radical ao nacionalismo laico. E quando os EUA assumiram o seu papel, na essência seguiram o mesmo padrão. O islamismo radical tem o centro na Arábia Saudita. É o mais extremista, radical estado islâmico do mundo. Faz o Irã parecer um país tolerante e moderno por comparação e, evidentemente, as partes laicas do Médio Oriente árabe ainda mais.
Não só é orientado por uma versão extremista do Islã, a versão salafista wahabista, como também é um estado missionário. Usa os seus enormes recursos do petróleo para promulgar estas doutrinas por toda a região. Cria escolas, mesquitas, clérigos por toda a parte, do Paquistão ao Norte de África.
A doutrina abraçada pelo Estado Islâmico é uma versão extremista do extremismo saudita. Cresceu ideologicamente da mais extremista forma do Islã, a versão saudita, e os conflitos que foram engendrados pelo martelo dos EUA que esmagou o Iraque espalharam-se agora para todo o lado. É o que Fuller quer dizer.
A Arábia Saudita não só fornece o núcleo ideológico que levou ao extremismo radical do EI, como também o financia. Não o governo saudita, mas os ricos sauditas e kuwaitianos e outros dão fundos e apoio ideológico a estes grupos jihadistas que florescem por todo o lado. O ataque à região levado a cabo por britânicos e os EUA é a fonte onde tudo isto tem origem. Foi o que Fuller quis dizer ao afirmar que os EUA criaram o EI.
Pode-se ter a certeza de que à medida que o conflito se desenvolva, eles vão ficar mais extremistas. Os mais brutais, os mais duros grupos vão ganhar predominância. É o que acontece quando a violência se torna no meio de interação. É quase automático. Isto é assim tanto nos bairros quanto nos assuntos internacionais. As dinâmicas são perfeitamente evidentes. É o que está acontecendo. É de onde vem o EI. Se conseguirem destruir o EI, terão de lidar com algo mais extremista.
E os meios de comunicação são obedientes. No discurso de 10 de setembro de 2014, Obama citou dois países como histórias de sucesso da estratégia de contrainsurgência dos EUA. Que países são esses? Somália e Iêmen. Toda a gente devia estar de queixo caído, mas no dia seguinte o silêncio era total, não havia comentários sobre isto.
O caso da Somália é particularmente horrendo. O Iêmen é mau demais. A Somália é um país extremamente pobre. Não vou falar da história toda. Mas um dos grandes sucessos da política antiterrorista da administração Bush foi que conseguiu fechar uma instituição de caridade, a Barakat, que abastecia o terrorismo na Somália. Grande excitação na imprensa. Grande triunfo.
Meses depois, os fatos começaram a ganhar a luz do dia. A instituição de caridade não tinha absolutamente nada a ver com o terrorismo na Somália. Tinha a ver sim com a banca, o comércio, os hospitais. Mantinha de certa forma viva a economia somali, profundamente empobrecida e abalada. Ao fechar a instituição, a administração Bush acabou com isto. Foi a contribuição para a contrainsurgência. Foram-lhe dedicadas poucas linhas, que podem ser lidas em livros sobre finanças internacionais. É o que foi feito à Somália.
Houve um momento em que os chamados Tribunais Islâmicos, uma organização islâmica, tinha conseguido uma espécie de paz na Somália. Não era um regime bonito, mas pelo menos era pacífico e o povo estava mais ou menos propenso a aceitá-lo. Os EUA não o toleraram, e apoiaram uma invasão etíope para destruí-lo e tornar toda a região em uma enorme confusão. Grande sucesso.
O Iêmen tem também a sua história de terror.
www.operamundi.com.br 15/03/2015

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Jose Pepe Mujica na comemoração dos 35 anos do PT


No dia 10 de fevereiro deste ano, o Partido dos Trabalhadores comemorou seu aniversário de 35 anos em Belo Horizonte. No encontro, falaram a presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Uruguai, José Pepe Mujica.

No vídeo, a fala de Mujica começa em 1h09min08seg.

Leia abaixo a transcrição do discurso na íntegra, traduzido ao português pelo Instituto Lula:
Companheiros... Companheiros, vou falar devagarinho, para que consigam entender. Eu trago um abraço da Central dos Trabalhadores do Uruguai, dos meus companheiros da Frente Ampla. Mas, mais que isso, trago dois abraços: de todos os pobres da América Latina e de todos os negligenciados deste rico continente injusto. E trago um abraço dos velhos lutadores da década de 50, de 60, que já se foram, e alguns que temos como relíquias.
Nunca pensamos, no meio de tanta derrota, que, na história da América, íamos nos deparar com a mudança que nós vivemos. Vocês, companheiros do PT, estejam conscientes... Pelo que o Brasil... Da responsabilidade que tem o rumo do Brasil para o rumo da América, da nossa América do Sul, de nossos povos. Tenham consciência... Eu dizia, há um momento, a Lula, que estou velho, à beira dos 80 anos, e que, entretanto, não pude encontrar a Deus... Mas cada dia que passa, vivo cada vez mais, as classes sociais em sua luta. E quando se luta pela igualdade, quando se luta para que os pobres deixem sua condição, e quando se luta para se repartir os bens da sociedade, inevitavelmente, se podem afetar interesses poderosos que resistem. Há duas forças: o egoísmo (que também às vezes é um motor de progresso), buscando a ganância; mas há um dever humano: a solidariedade.
O que pensamos na Esquerda, pensamos com o coração e não podemos deixar, jamais, de pensar na solidariedade. Por isso... Por isso, companheiros, esta é uma luta muito dura, muito difícil, sempre foi... Tem momentos de esplendor e de vitória, tem momentos de derrota e tem momentos de recomeçar. Os únicos derrotados são os que deixam de lutar, os que se acomodam. Mas quando colhem vitórias, não se esquecem jamais da humildade. Os militantes, a alma do partido, não deixem enganar a alma pelos usos e abusos da sociedade de consumo. Aprendam a viver com bagagem leve, aprendam a viver com pouco compromisso material. Aprendam a viver semeando a alma do povo. 
Já não é suficiente lutar por uma reivindicação econômica. Deve-se lutar contra a violência. Deve-se lutar para que os homens não batam nas mulheres. Deve-se lutar para que as crianças estudem. Deve-se lutar para repartir o pouco que temos. Deve-se lutar... Deve-se lutar para ser dignos, para ser direitos. Deve-se lutar para ter partidos sadios, porque somente os partidos podem conduzir longo processo de uma libertação que não se consegue de um dia para o outro, nem com 20, nem com 30 anos. Porque no fundo, não se deve apenas mudar a economia, queridos companheiros do PT, deve-se mudar o mais difícil: a cultura. A cultura dos trabalhadores, todavia, não está 100% completa, porque os trabalhadores têm que consumir a cultura dos seus dominadores. Todavia, leva tempo a mudança cultural.
Por isso, cuidem do partido, cuidem da alma do partido com compromisso, mas não se sintam nunca patrões do Brasil. São a alma do Brasil. São a alma. E saibam que, humildemente, os povos indígenas da Cordilheira... Os velhos são metidos, os descendentes de escravos... Os descendentes de nossos gaúchos... Os conterrâneos do pampa argentino... Os patagônios... Enfim, os habitantes da Cordilheira... A gente da América Central, os cultivadores de milharais, todos precisam de um abraço. Pertencemos a uma única nação, não construída, que fala dois idiomas e tem um único coração. Temos que nos integrar, nem que isso demore 50 anos, talvez um século, companheiros. O mundo está se juntando. A Amazônia deve ser para os povos e não para as empresas capitalistas.

Mas será difícil, será difícil e longo. Não há nenhum triunfo de tamanho que mude a história da humanidade: simples. Por isso, cuidem do partido, porque se irá esta geração de militantes e terá sucesso, não só pelo que fez: por ter sido capaz de deixar outra geração melhor e maior e mais forte que esta. Adeus, companheiros, um abraço de todos para todos vocês, para o Brasil, por nossa América Latina, por todos os que sonham com um mundo melhor, que não é só possível, mas imprescindível e necessário.

Golpismo sim, senhor

         Golpismo sim, senhor

As manifestações do dia 15 são uma marcha golpista, antidemocrática, hipócrita, financiada empresarialmente e comandada por aqueles que perderam a eleição.


Antonio Lassance (*)

reprodução
Era uma vez uma manifestação que se dizia em defesa do Brasil, da democracia e contra a corrupção. Aconteceria em várias capitais do país e reuniria todos os cidadãos de bem, honestos e interessados em lutar contra os desmandos e malfeitos que tomavam conta do país.

Era um movimento apartidário, de pessoas indignadas que abominavam a política como ela é e que resolveram tomar uma atitude em defesa da moral e dos bons costumes na política e na sociedade.

Palavras de ordem pediam a renúncia ou afastamento (o que hoje se chama pelo nome técnico de impeachment) de quem ocupava a Presidência da República. Uma minoria mais afoita pedia abertamente um golpe militar para varrer a sujeira que contaminava as instituições.

A imprensa golpista deu a essa iniciativa e a seu espírito aguerrido a mais ampla divulgação - antes, durante e depois. Celebridades se manifestaram, como que tomadas por imperioso e urgente esforço de emprestar um pouco de seu brilho àquele espetáculo.

Empresários benevolentes patrocinaram os gastos como quem paga um banquete caro, mas que vale a pena pelo que pode proporcionar num futuro próximo.

O evento foi um sucesso de público e crítica. Levou milhões às ruas. Se não levou, a imprensa golpista falou que levou e reproduziu imagens de aglomerações de centenas e mesmo milhares de pessoas que fariam os milhões parecerem verdade. Até mesmo expressões do tipo 'o país inteiro está com a gente' e 'ninguém aguenta mais' tornariam-se mentiras muito sinceras.

Um detalhe importante é que as pessoas se manifestavam por meio de cartazes que diziam 'queremos governo honesto', 'verde e amarelo, sem foice e sem martelo' e também pediam políticos no xadrez - não todos, só os que incomodavam. Afinal, é para isso que servem as prisões, para colocar lá as pessoas que não toleramos, não é mesmo?

A primeira daquelas marchas aconteceu há cerca de meio século - tempo suficiente para que muitos jamais tenham ouvido falar dela e outros a releguem ao esquecimento. Tempo suficiente para que a fórmula gasta possa ser reprisada sem que alguém pense já ter visto esse filme.

A primeira dessas manifestações ocorreu em São Paulo, a 19 de março do ano de 1964. A marcha apartidária era organizada por políticos reacionários de partidos de direita.

O combate à corrupção tinha o apoio entusiasmado do governador de São Paulo, Adhemar de Barros, talvez o primeiro político brasileiro associado ao epíteto "rouba, mas faz".

Foi apelidada de Marcha da Família com Deus, pela Liberdade, um slogan impositivo e bastante eficiente; afinal, quem não está com Deus, pela família e pela liberdade bom sujeito não é.

Nas manifestações de 1964, quando as pessoas 'de bem' chegavam, ao invés de Deus, família e liberdade, se deparavam com cartazes um pouco diferentes, do tipo 'tá chegando a hora de Jango ir embora', 'Brizola no xadrez' e 'intervenção militar, já!'. Faz parte da democracia cada um dizer o que quer, não é mesmo?

O espírito cívico e democrático do evento foi saudado como o primeiro passo para um golpe que, em 1º de abril daquele ano, instaurou uma ditadura. O trabalho de limpar o país da corrupção foi tão bem feito que nos deixou de legado, como maiores referências da política nacional de então, figuras como Paulo Maluf, José Sarney e Antônio Carlos Magalhães.

Em prol da liberdade se fez o Estado de sítio, a censura e a tortura em larga escala. Os que invocaram o nome de Deus transformaram os verbos roubar, matar e odiar em política de Estado.

A velha história de sempre se repete, ou quase. Da mesma forma como um filósofo barbudo e genial do século XIX nos alertava: da primeira vez, como tragédia; da segunda, como farsa.

Sabedores que somos da tragédia que se abateu sobre o país quando o golpismo e a intolerância se fingiram de espírito cívico e democrático, não devemos ter com a manifestação do dia 15 qualquer condescendência. Meias palavras servem apenas para raciocínios pela metade. 

Que eles todos, sem exceção, sejam tratados da forma como bem merecem e homenageados pelo papel histórico que pretendem cumprir, como todos aqueles que marcharam contra Jango em 1964.

As manifestações do dia 15 são uma marcha golpista, antidemocrática, hipócrita, financiada empresarialmente, comandada pelos partidos que perderam as eleições e coalhada de gente irritada que quer apenas desabafar, mas não faz a menor ideia dos interesses que estão por trás do convite que receberam para protestar.

Falar de impeachment não é golpismo, certo? Certíssimo. Mas falar de impeachment de uma presidente da República eleita sobre a qual não pesa, em qualquer inquérito, a mínima evidência de qualquer envolvimento com crimes de corrupção é golpismo sim, senhor. Golpismo da pior espécie.

As manifestações de 2015 pelo impeachment são tão democráticas e inofensivas para as instituições quanto foram aquelas que serviram de mote para o golpe de 1964.

Quinze de março é dia do desfile da hipocrisia. Feito por gente que quer o impeachment de Dilma, mas gastou seu tempo no Congresso, nesta última semana, defendendo Eduardo Cunha (presidente da Câmara) e Renan Calheiros (presidente do Senado) contra a ação do Procurador-Geral da República no escândalo da Lava Jato.

O senador Aécio Neves diz que o ato, do qual fala como um verdadeiro porta-voz, é contra o estelionato eleitoral, assunto no qual é um especialista, basta ver os resultados de seu choque de gestão em Minas Gerais. Se for isso mesmo, no domingo se pedirá, em São Paulo, a cabeça do governador Geraldo Alckmin; em Curitiba, a de Beto Richa; no Rio Grande do Sul, a de José Ivo Sartori.

As manifestações de domingo são tão apartidárias quanto o ilustre candidato a vice-presidente na chapa de Aécio Neves, o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), que já confirmou presença. São tão éticas e probas quanto era o ex-senador Demósthenes Torrres (DEM-GO), que ainda não confirmou presença, anda até meio sumido, mas certamente torce pelo sucesso de mais essa empreitada.

Dessa vez, a marcha do dia 19 de março cairá no dia 15, mas saberemos, assim como há 50 anos, o tamanho do golpismo no Brasil. E teremos a chance de ver sua face mais obtusa e saliente. Pena que não a fizeram já no ano passado. Poderiam ter comemorado bodas de sangue.

A tragédia golpista se repete agora como farsa golpista. Marte, o deus da guerra, virá platinado por um rio de panelas de alumínio, tão vazias de espírito cívico e democrático quanto as cabeças dos que as empunharão. Quanto mais ocas, mais estridentes.


Dia 15 passará para a posteridade como o dia em que a oposição, cansada de perder eleições, teve uma vitória de Pirro, mas saiu derrotada ao assumir de vez seu espírito antidemocrático, golpista, hipócrita e irresponsável diante das instituições do país. 

Aqueles que querem fazer parte da história do golpismo no Brasil poderão estrelar seu álbum de fotos. Que façam bom proveito de seu domingo.

A virada paulista

A virada paulista

As mobilizações desta sexta-feira mostraram que o PT deve perder o medo das ruas. Mais que perder o medo. Apostar nelas.
Saul Leblon

Se existe aprendizado em política, a passeata dos 50 mil na Avenida Paulista, em São Paulo, debaixo de um temporal diluviano nesta sexta-feira, não deve ser tratada com negligência. Forças que se imaginava menos mobilizáveis e mais frágeis ergueram-se pelos próprios cabelos para devolver a bola do jogo ao governo e ao PT. Cabe-lhes não desperdiçar o espaço reconquistado. Um bom começo é perder o medo da rua. Mais que perder o medo.  Apostar nela. Como fizeram os homens e mulheres que vieram das periferias dispostos a sair na chuva para se molhar, pelo bem do Brasil.

Nem pela direita.

Quanto mais pela esquerda.

A manifestação robusta que irrompeu no coração do conservadorismo brasileiro surpreendeu o mundo político, surpreendeu a mídia conservadora, surpreendeu os sindicalistas, surpreendeu um PT, de lideranças graúdas inexplicavelmente ausentes, e certamente surpreendeu também o golpismo, assim como não era esperada tampouco pelo governo.

Quem esteve lá sabe do júbilo estampado nas faces de homens e mulheres de origem predominantemente popular que ali se reuniram vindos de pontos distantes da Grande São Paulo, igualmente deslumbrados ao se identificarem com a alma e o corpo lavados como protagonistas de um acontecimento ímpar.

Uma virada paulista.

O ato que se estendeu pelos três quilômetros da avenida, de dimensões absolutamente impensáveis horas antes, desafiou todas as circunstâncias adversas que o cercavam.

Tinha tudo para dar errado.

Uma agenda ambígua de apoio e crítica ao governo, a convocação confusa, quase revogada no meio do caminho, o distanciamento desencorajador do governo, o vai não vai das lideranças do PT – que, ao final, não vieram,  o fim de tarde de uma sexta-feira, ainda por cima 13, a chuva - imprevista pela meteorologia, que para cúmulo das provações desabou como um temporal copioso na descida da Consolação, ademais do medo de enfrentamentos com a direita, martelado insistentemente pela mídia etc.

Enfim, só um milagre autorizava apostar no êxito de um ato num quadro político até então tomado por uma vertiginosa e aparentemente incontrolável escalada golpista.

Daí o olhar cúmplice do tipo ‘nós fizemos’’ que os marchadores trocavam em meio à cortina de água que chicoteava de cima e gelava os pés a caminho da Praça da República, na altura do Cemitério da Consolação, quando a culatra da passeata ainda deslizava sua grandiosidade pela Paulista.

Alguns preferiram não acreditar no que viam.

Caso escandalosamente deliberado de O Globo, por exemplo.

Incapaz de explicar o que deu errado com a sua esférica avaliação de um governo Dilma crepuscular e isolado, o jornal dos Marinhos, sapecou em seu site um irrisório ‘atos pró-governo reúnem 33 mil em 24 estados’.

Assim, numa aritmética sem pejo, sonegou aos heróis da virada paulista uma existência física, mas sobretudo política, inscrita no caudal sem fim que o seu telejornalismo não teve a coragem de mostrar em perspectiva e tampouco nas imagens aéreas feitas e  sonegadas aos seus telespectadores.

A blindagem cognitiva fica escancarada quando a própria e insuspeita Datafolha, de conhecidas tradições, reconhece o que era ostensivamente incontornável: havia mais de 40 mil pessoas emendando toda a extensão dos três quilômetros da Avenida Paulista até as proximidades da Igreja da Consolação, mais dois quilômetros abaixo.

Alguns, os mais entusiasmados, falavam em 100 mil lavadas pelas águas de março na descida da Consolação, rumo à Praça da República.

Que tenham sido 50 mil. Ou, por baixo, os 41 mil do Datafolha.

A verdade é que depois de aguaceiro humano e político desta improvável sexta-feira 13, o Brasil não é o mesmo.

E o Brasil não é o mesmo porque em São Paulo a rua não é mais da direita.

Não sendo mais da direita no coração do conservadorismo brasileiro, a agenda política nacional mudou.

E de tal forma que não importa o que acontecer domingo na mesma avenida porque ela já não é mais o balneário da reação.

Poucas vezes foi tão importante a presença das forças progressistas e democráticas nas ruas como aconteceu nesta sexta-feira.

Não importa o que ocorrer dia 15, a virada já aconteceu.

A agenda do golpe foi maciçamente afrontada – no seu núcleo duro e em mais 23 cidades brasileiras.

Mas o que se deu em São Paulo foi adicionalmente significativo por enviar um recado de uma parcela específica da população para o centro da disputa política.

O que se via debaixo do aguaceiro era maciçamente um painel do rosto da periferia brasileira.

Um rosto de maciça composição popular que demonstrou o poder de mobilização da CUT e dos movimentos populares.

O rosto de um personagem que não tocou panelas no levante da varanda gourmet no domingo anterior.

Mas que agora mandava um recado líquido e pluvial a quem possa interessar.

A contrapelo de muitos, São Paulo provou que o capital político do governo Dilma é maior do que diz o agendamento conservador. Maior do que o próprio governo e o PT supõem.

Resta não desperdiçá-lo.

Um bom começo é aprender a lição do poder que tem o desassombro político.

A política não é uma equação estática.

A mudança de uma peça altera o equilíbrio de todo o tabuleiro.

A pretensão tucana de sangrar o governo Dilma até 2018 e assim ferir de morte também uma eventual candidatura de Lula, só ganha aderência real se o outro lado se enquadrar no figurino da paralisia política.

A prostração pode mudar com uma iniciativa que inaugure uma nova referência política.
 Ou não foi a versão extremada disso que aconteceu em 24 de agosto de 1954?

O sacrifício pessoal de Vargas e uma carta testamento memorável escancaram a natureza antipopular do cerco conservador ao seu governo incendiando a revolta nas ruas contra os adversários golpistas.

Não é preciso o gesto extremo, porém, para reverter a escalada de um golpe de Estado.

O importante a reter – que a virada paulista desta sexta-feira reafirmou — é a coragem da iniciativa política.

Em 1961, a mesma cepa que hoje se propõe a sangrar o Brasil tentou impedir a posse de Jango, após a renúncia de Jânio Quadros.

Só uma resistência organizada – é oportuno escandir a palavra  or-ga-ni-za-da – impediria  a consumação do golpe branco.

Mas ela tardava.

Foi então que Leonel Brizola mexeu uma peça no tabuleiro do xadrez político.

Em 27 de agosto, ele personificou o gesto redefinidor com a criação da ‘Cadeia da Legalidade’.

De início, formada por uma rede de rádios gaúchas, a resistência operava do porão do Palácio Piratini, para onde o líder gaúcho requisitara os transmissores da rádio Guaíba, de Porto Alegre.

As tropas da Brigada Militar protegiam o Palácio em vigília diuturna.

Através das ondas médias e curtas ocupava-se o noticiário 24 horas por dia.

Brizola conclamava o povo a ir às ruas em defesa da legalidade democrática, contra o golpe da junta militar que, em Brasília, recusava  autorização para Jango, em viagem oficial ao exterior,  retornar ao país.

Aos poucos, outras emissoras de Porto Alegre e do interior do Estado uniram-se à Rede, que chegou a cravar 100% de audiência no Estado.

O efeito contagiante da resistência romperia a fronteira gaúcha para  formar uma cadeia com 104 emissoras de todo o Brasil e de países vizinhos.

Boletins noticiosos em inglês, espanhol e alemão passaram a ser emitidos.

Foram 10 dias que abalaram o Brasil.

Finalmente, o III Exército rachou e declarou solidariedade ao movimento.

O conjunto forçou o Congresso conservador a buscar uma solução negociada.

Em 7 de setembro de 1961, Goulart receberia a faixa presidencial.

O inusitado ocorrido na Avenida Paulista nesta sexta-feira 13 contém a contagiante vitalidade dos gestos que devolvem o poder de iniciativa ao campo progressista.

Forças que se imaginava menos mobilizáveis e mais frágeis ergueram-se pelos próprios cabelos para devolver a bola do jogo ao governo e ao PT.

Cabe-lhes não desperdiçar o precioso espaço reconquistado.

Um bom começo é perder o medo da rua.

Mais que perder o medo.

Apostar na rua.

Nas próximas manifestações – porque serão necessárias - seria interessante que lideranças do partido, inclusive as mais graúdas, voltassem a essa origem.

E marchassem ao lado do povo.

Esse povo ‘pago’, segundo a mídia, que veio das periferias distantes tem algo a ensinar às suas lideranças.

Em defesa da democracia, do pré-sal e do Brasil é preciso sair na chuva para se molhar.


Afinal, do que se trata? Simples: destituir Dilma e liquidar o PT


 

14/03/2015 - Copyleft

Afinal, do que se trata? Simples: destituir Dilma e liquidar o PT.

O governo cometeu erros, alguns muito graves, não há como negar. Mas surge um sentimento injustificável de ódio. E não é um ódio banal: é ódio de classe.


Eric Nepomuceno
Roberto Stuckert Filho / PR
Não há como negar que existe uma concreta e substantiva dose de insatisfação geral, inclusive em parcelas significativas, talvez majoritárias, do eleitorado de Dilma Rousseff. Saber que a verdadeira situação da economía foi camuflada não apenas durante a campanha eleitoral, mas ao longo de todo o ano, é causa de frustração e inquietude. Ver como rápidamente – e da maneira mais torpe possível – foram anunciadas medidas restritivas, que durante a campanha eran imputadas ao adversário, caso alcançasse a vitória, também levou milhões de brasileiros a se sentirem enganados.

A – digamos – pouca hablidade de Dilma ao armar seu ministério, um dos mais formidáveis desfiles de mediocridades num país que já viu, entre outras bizarrices, Renan Calheiros ser ministro de Justiça, foi a sequência do mal estar.

E então vieram os índices de inflação, que ainda estão longe de ser efetivamente graves e dramáticos, mas são, sim, preocupantes. O passo seguinte, nesse mostruário de pequenos (embora sanáveis) desastres, foi a articulação absolutamente desarticulada entre o governo, o Congresso e os aliados. E, como se tudo isso fosse pouco, continua em curso outro escândalo, graças às denúncias concretas de corrupção, desta vez na Petrobras.

Ou seja: foram oferecidos todos os ingredientes para uma receita de crise política de bom tamanho.

Acontece que o verdadeiro problema é outro. Pela primeira vez desde a retomada da democracia, em 1985 e depois de 21 anos de benefícios para os mesmos grupos econômicos e midiáticos que agora clamam pelo Estado de Direito, surge em pleno esplendor um sentimento que andou bem distanciado do cenário político, e que é o ódio.

Assim de fácil, assim de simples: o ódio. Mais que a fúria de um Carlos Lacerda, que em última instância era um orador brilhante, o que temos é um ódio rasteiro, sem pena nem glória.

E não é um ódio banal: é ódio de classe. Preconceito de classe. As elites e as classes médias tradicionais, que invejam as elites enquanto a elas se submetem, se lançam com fúria desatada não exatamente contra o alvo de seus preconceitos, mas contra seus promotores.

O alvo é essa nova classe ignara e bruta que de repente ocupa aeroportos, gente ralé que viaja em avião usando sandálias de borracha e deixam perfeitamente claro que não sabem como se portar à altura de ambientes seletos como os aeroportos; essa gentalha que compra geladeiras e nos obrigam, digo, nós, brancos, que só soubemos o que é ter fome quando a empregada atrasou o almoço, pois nos obrigam a esperar pela entrega de um novo modelo de tanto que compram; enfim, essa turba que de repente começa a exigir melhor qualidade na educação, na assassina saúde pública, no humilhante transporte público.

A essa gente, o verdadeiro alvo, o desprezo. Aos que promoveram essa gente a ponto de nos perturbar, o ódio.

Da mesma forma que o Brasil soube disfarçar doses colossais daquele preconceito racial que os cínicos mais indecentes negam existir, a questão agora é tentar disfarçar o preconceito de classe. Porque as elites brasileiras que odeiam os pobres e, mais ainda, os que deixaram de ser pobres, se dizem defensoras da justiça social – desde que, claro, seja feita de acordo com seus criterios esdrúxulos. Porque as elites brasileiras exigem, em primeiro lugar e acima de tudo, a preservação de seus privilégios de sempre, agora ameaçados por uma crise econômica provocada, dizem, por governos irresponsáveis e inconsequentes, que gastaram rios de dinheiro para que os miseráveis passasem a ser pobres, e os pobres passassem a integrar a mesma economia de mercado, de consumo, que alimenta esas mesmas elites.  

No fundo, é esse o motor que gera o cenário que vivemos.

O governo é inábil, com certeza. Cometeu erros, alguns muito graves, não há como negar. Há muita culpa no cartório da corrupção, claro.


Mas não é disso que se trata. Do que se trata é de fazer o Estado dismilinguir, retomar o domínio do país. Devolver às margens o que é marginal, aos subúrbios o que é suburbano, ao pé do chão o que se atreveu a andar de avião.

De destituir Dilma, liquidar o PT, enterrar Lula da Silva. Que, claro, cometeram erros e equívocos, mas, acima de tudo, cometeram um pecado capital, imperdoável: levar adiante um projeto de país, e não um projeto de preservação dos beneficios de determinada classe.

E isso, vale repetir, é crime imprescritível. Pecado imperdoável.

Para os porta-vozes e porta-silêncios das elites preconceituosas, Dilma merece o direito de escolha. Os mais educados dizem que não é o caso de impeachment, e oferecem a ela o nobre gesto da renúncia. Os mais desembestados sentenciam que a saída é deixá-la – e a seu governo – sangrar. Os mais energúmenos preferem diretamente destituí-la.

Será que não há uma única alma capaz de convencê-la de que é preciso se defender?  E não apenas se defender, mas defender um projeto de país?

Por que ela, que em seus anos jovens soube resistir a tudo, superar tudo, não dá um passo concreto, não faz um único gesto viável para reagir a uma conspiração baseada no mais vil dos sentimentos, que é o preconceito?







Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho / PR

Acreditar que a mídia tradicional se abrirá para o contraditório é ilusão

Acreditar que a mídia tradicional se abrirá para o contraditório é ilusão

A desproporção entre o ataque da mídia e a possibilidade de resposta através dela mesma é brutal.



Na primeira reunião ministerial do segundo mandato a presidenta Dilma Rousseff convocou seus auxiliares para a “batalha da comunicação”. Foi enfática: “Nós devemos enfrentar o desconhecimento, a desinformação sempre e permanentemente. Vou repetir: sempre e permanentemente”.

Nada mais justo. A desinformação contrária ao governo campeia pelo país, orquestrada pelos grandes meios de comunicação. A reação da presidenta é justificável. Resta saber quais são as armas que ela e seus ministros possuem para essa batalha. Se esperam contar com a benevolência dos meios tradicionais podem tirar o cavalo da chuva. A batalha estará perdida antes de ser travada.

Não passa de mera ilusão acreditar que a grande mídia oferecerá espaços para o contraditório nas mesmas proporções abertas aos temas de seu próprio interesse. Alguns veículos até publicam o que chamam de “outro lado”, mas sempre de forma discreta e submissa à pauta criada para fustigar o governo.

A desproporção entre o ataque da mídia e a possibilidade de resposta através dela mesma é brutal.

Constata-se uma grave falha da democracia ao exigir que governantes eleitos pelo voto popular sejam obrigados a se dirigir à sociedade através de meios privados, controlados por minorias que os querem ver apeados do poder.

Além disso a participação do governo na batalha da comunicação não pode ser apenas reativa aos ataques da oposição midiática. É preciso tomar a iniciativa e buscar canais despoluídos para que as mensagens cheguem ao público sem ruídos.

Para ampliar a liberdade de expressão uma lei de meios é fundamental, embora não seja o único caminho. Outro, de construção mais rápida, é o da comunicação pública, indispensável para o jogo democrático.

Dela já há o embrião constituído pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), com suas duas emissoras de televisão, oito de rádio, duas agências de notícias e um portal na internet. Resta tirá-la da irrelevância. Não para se tornar porta-voz do governo mas para fazer jornalismo de qualidade, livre de ingerências partidárias e comerciais.

A primeira medida é dar a esses veículos abrangência nacional, atendendo a um dos princípios básicos da comunicação pública que é o do acesso universal. Toda pessoa tem o direito, em qualquer parte do país, de receber os sinais desses meios de forma rápida e fácil.

A TV Brasil, por exemplo, deve ser sintonizada em qualquer lugar da mesma forma com que hoje sintonizamos a Globo ou a Record. 

Com a digitalização e a consequente multiplicidade de canais, torna-se possível segmentá-los constituindo um conjunto formado pelo canal generalista já existente, ao lado do infantil e do noticioso. Seria o núcleo básico ao qual poderiam ser agregados canais de filmes, de música, de arte e esportes.

Quanto ao rádio, cabe lembrar que ele continua sendo a segunda fonte mais utilizada para a informação e o entretenimento no Brasil. Ao controlar um leque de emissoras que vai da histórica Rádio Nacional do Rio de Janeiro à estratégica Rádio Nacional do Alto Solimões, o serviço de rádio da EBC tem potencial para se tornar uma alternativa importante em relação ao que hoje é oferecido ao público.

Necessidade imediata nesse sentido é a constituição de emissora noticiosa 24 horas no ar, capaz de produzir uma narrativa distinta das produzidas pelas rádios comerciais que tornam homogênea a informação radiofônica em circulação pelo país.

No caso da internet, a Agência Brasil já exerce um papel importante voltado para o público leitor e para o municiamento informativo de um número expressivo de veículos em todo o território nacional. Cabe popularizar e ampliar esse serviço tendo como uma das janelas o portal da EBC, dando a ele formas de acessibilidade e fidelização semelhantes as obtidas pelos portais informativos vinculados à mídia comercial.

Com a existência de canais públicos fortes, abertos aos interesses mais gerais da sociedade, a batalha da comunicação seria travada em termos um pouco mais equilibrados, dando ao público o direito de uma escolha real.

Eles querem sangrar o Brasil


 

12/03/2015 - Copyleft

Eles querem sangrar o Brasil

O objetivo que move os Aloysios da vida não é o de se opor democraticamente ao governo, mas de paralisá-lo, impedi-lo de cumprir as sua funções.


Sebastião Velasco
Gerdan Wesley / Liderança do PSDB no Senado
Deu no jornal: o Senador Aloysio Nunes Ferreira disse que não defende o impeachment de Dilma Roussef; o que ele quer é sangrá-la.

Mas o que ele quis dizer com isso?

Ora, é óbvio atalhará o leitor. E com toda razão. Com efeito, o Senador acha que foi claro, e todos parecem concordar com ele: ninguém duvida do significado de sua afirmação.

Entretanto, o espanto diante do óbvio costuma ser uma atitude intelectualmente produtiva. Quando submetemos um enunciado óbvio à dúvida metódica muitas vezes descobrimos que ele diz muito mais do que o seu autor pretendia.

Insisto, portanto, na pergunta: o que o prócer tucano tem em mente quando expressa seu desejo de sangrar a Dilma?

Não vale aplicar ao caso o tratamento cretino que seus pares dão às afirmações de inimigos -- como quando tomam ao pé da letra a menção de Lula ao “exército de Stédile”, e sugerem que o ex-presidente deveria responder na justiça por esse ato subversivo.  O senador tucano tem fama de violento, mas não é razoável imaginar que -- tendo saído ileso do país para um exílio parisiense, em sua juventude -- tantos anos depois ele queira devolver a antiga companheira de armas às câmaras de tortura.

A palavra sangrar foi usada em sentido figurado, e é isso que justifica a pergunta. Mas não a responde. Sangrar, mas de que maneira, em que sentido?

Podemos supor que Aloysio tenha recorrido a uma metáfora terapêutica. “Sangria: modalidade de tratamento médico que estabelece a retirada de sangue do paciente como tratamento de doenças. Pode ser feita de diversas maneiras, incluindo o corte de extremidades, o uso de sanguessugas ou a flebotomia.”

Mas, ainda que o senador seja muito mais cordato do que parece, sua boa vontade não chega a tanto. Ele não quer ver Dilma curada, muito pelo contrário. Pelo menos, do ponto de vista político.

Aí a obviedade. O que a oposição deseja é debilitar o governo, bloquear suas políticas, negar-lhe os meios necessários para por em prática o seu programa. E convencer a opinião pública de que ela, oposição, tem um programa melhor, somente ela pode realizá-lo a contento. É isso que a oposição faz nas democracias, e é esse o intuito  que se expressa na fala do senador.

Mas, se é assim, a metáfora sanguinária não tem cabimento.

E há ainda um outro problema. A oposição acusa a presidente de ter traído o seu eleitorado, de aplicar agora o receituário de política econômica que antes criticava. Austeridade fiscal, realismo tarifário, saneamento das contas públicas -- remédios amargos para corrigir as distorções criadas pelos seus seus próprios erros. Essas medidas eram pregadas pelo adversário.  Nisso, o PSDB e seus aliados convergem com muitos críticos na esquerda: o governo adotou o programa econômico da oposição.

Não penso assim, mas isso é o de menos. O importante é que se esta avaliação é sincera e o mote ”sangrar a Dilma”  é absurdo. Muito ao contrário disso, a oposição deveria apoiar as iniciativas do governo -- contra as resistências de muitos dos partidários deste! -- ao menos naquilo que elas coincidissem com as suas próprias propostas.

Ora, a oposição vem se aplicando sistematicamente ao trabalho de “sangrar a presidenta” muito antes do anúncio de seu ministério e das metas de seu segundo governo. Fez isso quando desqualificou o voto que lhe garantiu a vitória. Fez isso quando tentou impugnar a sua diplomação. E voltou a fazê-lo, com maior empenho, ao convocar manifestações de rua para repudiá-la, poucas semanas depois de sua eleição.

Quando levamos em conta esse padrão de conduta  -- confirmado a cada dia, desde então, e intensificado agora, na preparação do ato de 15 de março, puxado pela palavra de ordem “fora Dilma!” --  percebemos que a frase em causa envolve duas metáforas.

O objetivo que move os Aloysios da vida não é o de se opor democraticamente ao governo, mas de paralisá-lo, impedi-lo de cumprir as sua funções constitucionais. Se este caminho levar a um impeachment, muito bem. Se não, tanto faz. O importante é evitar que o governo possa ser exercido em sua plenitude, que ele volte a operar em condições de normalidade.

Para isso é preciso que a situação econômica se agrave, a inflação aumente, o desemprego campeie, setores produtivos inteiros entrem em colapso. E que a convivência política no país seja degradada pela intolerância, traduzida em manifestações cotidianas de ódio.

Por enquanto a oposição tem tido algum sucesso nessa empreitada. Mas estamos apenas no começo da história. Para o que vem a seguir, é fundamental entender que quando falam de Dilma é o Brasil que eles querem sangrar.

Créditos da foto: Gerdan Wesley / Liderança do PSDB no Senado

Golpistas não têm escrúpulos!