O país assistiu, hoje, a uma verdadeira operação de guerra para evitar que, mesmo por algumas horas, o ex-presidente fosse colocado em liberdade.
Um tempo curto, pois ninguém poderia acreditar que a sua ordem de soltura pudesse prevalecer, embora o absurdo é que prevaleça sua prisão antes do trânsito em julgado de decisões absurdas como foram as que o condenaram.
Em poucas horas, três juízes – e nenhum deles competente para isso – interroperam seu “domingão” e correram para dar suporte ao “quarto juiz”, a Polícia Federal, para descumprir uma ordem judicial de soltura.
O último deles, o reacionaríssimo e autoritaríssimo Carlos Eduardo Thompson Flores, que nem a vergonha de fingir neutralidade teve, meses atrás, quando o recurso de Lula chegou ao TRF-4, que preside, dizendo para quem quisesse ouvir que a sentença de Sérgio Moro era “tecnicamente irretocável”.
A novela, certamente, irá seguir nos tribunais superiores e no Conselho Nacional de Justiça, onde a intromissão de Sérgio Moro diante da decisão do desembargador Rogério Favreto será analisada e, apesar de tudo, repercutiu mal, porque foi por demais insolente.
Mas, como disse Lula, moderem suas esperanças de que haverá ao caso reações como a que mereceria um juiz de piso insurgir-se contra um superior.
Os três Poderes da República estão destruídos e já é a própria república quem segue pelo mesmo caminho.
As decisões judiciais só valem se agradarem os que querem excluir Lula e sua liderança do processo político-eleitoral e as que não estiverem de acordo com isso serão, ainda que “a tapa”, revogadas.
Dificilmente haverá juízes como Rogério Favreto dispostos a sustentar os restos de senso de Justiça e o respeito à autonomia de suas decisões e, se houver, a Polícia Federal, órgão supremo do poder Judiciário, não as cumprirá, “fazendo hora” até que apareça um juiz “adequado”.
Nada diferente, afinal, do que faz a própria Presidente do STF, Cármem Lúcia, ao não colocar em pauta, à espera de um placar favorável, da decisão sobre a prisão antes do trãnsito em juízo.
Como o Brasil já não tem Constituição, seria absurdo pensar que pudesse ter um Judiciário harmônico.
“Lula não é um preso. Lula, hoje, é um sequestrado”, afirma o jurista e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão sobre o não cumprimento da decisão assinada pelo desembargador federal plantonista Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que determinou a soltura imediata do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na manhã deste domingo (8).
Após o questionamento da competência de Favreto pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, que está de férias em Portugal, mas foi notificado pela Polícia Federal da decisão, o alvará de soltura foi cassado pelo relator da Lava Jato no Tribunal, o desembargador João Pedro Gebran Neto.
Em resposta à cassação de Gebran Neto, Favreto voltou a determinar a soltura de Lula com um prazo de uma hora em despacho publicado às 16h12.
Sobreposição de poder
“Moro não detém nenhuma jurisdição para se intrometer, muito menos de peitar o desembargador de um tribunal ao qual ele se subordina. Ele não tem esse poder”, critica Aragão.
Na avaliação do jurista, nenhum juiz de recesso ou de férias, muito menos de primeira instância, tem autoridade para chamar outra decisão que não seja a da liminar. “É um absurdo o que está acontecendo”, afirma o ex-ministro. “Só a mobilização popular para podar esse tipo de comportamento. Estamos todos escandalizados”, acredita.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) concorda com a afirmação de Aragão de que Lula é um sequestrado da própria Justiça, já que mesmo com a decisão que o liberta, Lula não saiu da cela.
Anarquia jurídica
“Há uma decisão mandatária, uma decisão clara de liberdade, que não se cumpre. É um sequestro ilegal. Ele está ilegalmente preso. De fato sequestro é um nome que cabe concretamente nesse momento”, disse Jandira em entrevista à Rádio Brasil de Fato.
O prazo da segunda decisão de Favreto para que Lula fosse solto esgotou antes das seis da tarde deste domingo (8) e não havia sido cumprido até o encerramento desta matéria.
A decisão do desembargador Thompson Flores, presidente do TRF-4, evidencia o movimento em curso por setores do Poder Judiciário: hoje, só valem decisões contrárias ao presidente Lula.
Vamos recapitular:
Na manhã de hoje, a Superintendência da Polícia Federal em Curitiba recebeu o alvará de soltura do ex-presidente Lula, assinado pelo desembargador Rogério Favreto, que atendeu ao habeas corpus apresentado pelos deputados Paulo Pimenta, Paulo Teixeira e Wadih Damous.
Desde as 6 horas da manhã, Paulo Pimenta e Wadih Damous, um advogado experiente e respeitado, ex-presidente da OAB do Rio de Janeiro, permaneceram na Superintendência, à espera que a decisão fosse cumprida.
A PF não cumpriu a decisão e, no início da tarde, foi divulgado despacho do juiz Sergio Moro, que está de férias, no sentido de que a decisão não fosse cumprida.
Moro entendeu que Favreto não tem competência para decidir sobre a soltura de Lula, pois este pedido já tinha sido negado pela 8a. Turma do TRF-4.
Talvez tenha sido primeiro caso na história da magistratura em que um juiz de primeira instância revisou decisão de um desembargador.
No Brasil, se ainda vigora a Constituição, são os desembargadores que revisam decisões de magistrados de primeira instância e as corrigem, se necessário.
Moro avançou o sinal e o fez no período de férias, e sem que tenha sido formalmente provocado. Havia um alvará de soltura, que tinha de ser cumprido, e Moro interveio para que a decisão não fosse cumprida.
Moro não é juiz da vara de execução penal, responsável pelo acompanhamento do cumprimento da pena.
Quem o avisou de que havia o alvará de soltura? Com que autoridade tomou a decisão que inviabilizou o cumprimento do alvará?
Quem é o policial que se recusou a cumprir a ordem do desembargador Favreto?
São questões que precisam ser respondidas, com a punição dos responsáveis, para que o Brasil saia da escuridão institucional em que a Lava Jato colocou o país.
Não é preciso ser um especialista para verificar a autoridade do desembargador Favreto para conceder habeas corpus a Lula.
Diz o artigo 92 do regimento interno do Tribunal Regional Federal da 4a. Região:
“Nos sábados, domingos e feriados, nos dias em que não houver expediente normal, e fora do horário de expediente, haverá plantão no Tribunal, mediante rodízio de Desembargadores, em escala aprovada pelo Plenário.”
Este era o fim de semana do desembargador Favreto.
Entre as atribuições do desembargador plantonista, está a de tomar decisões sobre habeas corpus, exatamente o caso de Lula.
Favreto tinha, portanto, poder constitucional para emitir o alvará de soltura, decorrência natural do habeas corpus deferido.
Essa ordem, no entanto, deixou de ser cumprida por uma cadeia de insubordinados, que não agiram de acordo com a lei.
A Policia Federal ignorou a ordem, Moro se manifestou e, em consequência, o desembargador João Pedro Gebran Neto, amigo do juiz, cassou a decisão de outro desembargador.
Favreto, com a autoridade que lhe confere o regimento interno do TRF-4, mandou buscar o processo que envolve Lula e, de novo, mandou soltá-lo, e deu prazo para isso.
Mais uma vez, a insubordinação em cadeia se fez presente.
A PF se recusou a cumprir o alvará de soltura e informou que aguardaria a decisão do presidente do TRF-4, Thompson Flores.
Flores é o mesmo que, em agosto de 2017, antes que o tribunal recebesse o processo em que Moro condenou Lula, considerou a sentença dele “tecnicamente irrepreensível”, uma “exame minucioso e irretocável da prova dos autos”.
O processo do triplex tem cerca de 250 mil páginas, e como Thompson chegou à conclusão de que a sentença de Moro era “um exame minucioso e irretocável da prova dos autos” é um feito que desafia as leis da natureza.
Ele não tinha o processo em mãos e, mesmo que tivesse, como poderia lê-lo em tão pouco tempo e fazer um elogio tão definitivo ao juiz que condenou Lula?
Esta é a autoridade que a Polícia Federal do Brasil escolheu atender. Para os policiais, a decisão de Favreto não tinha valor. Mas a de Thompson Flores sim.
Claro, a PF no Paraná sabia qual seria a decisão do presidente do TRF-4. Todos sabiam.
Que escândalo!
E ainda tem gente que acredita na falácia de que as instituições funcionam no país.
O vaivém do HC de Lula hoje é mais uma demonstração gritante da parcialidade de setores do Judiciário contra Lula.
Como duvidar daqueles que dizem que o ex-presidente já estava condenado antes mesmo que o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, apresentasse a célebre denúncia em power point?
A Justiça já o tinha condenado, o processo se transformou em uma mera formalidade.
Para aqueles que ainda tinham alguma dúvida sobre a condição de perseguido político de Lula, ela não existe mais.
Mas ainda há muitas perguntas a serem respondidas:
Por que temem tanto o ex-presidente?
Por que setores do Judiciário agem com tanta parcialidade?
A quem interessa esse movimento golpista, que não prejudica apenas Lula, mas todos os brasileiros que amam a justiça e não desistiram de lutar por uma terra democrática e soberana?
Quem está por trás dessa cadeia de insubordinados?
Moro, que hoje se transformou numa espécie de líder de facção, já não escondia a parcialidade, e duas atitudes recentes dele são muito eloquentes, entre tantas outras.
Há pouco tempo, o juiz abriu mão do inquérito que envolve o tucano Beto Richa, ex-governador do Paraná, sob alegação de que tem excesso de trabalho.
Hoje, ele interrompeu as férias para, de maneira que o Código de Processo Penal não prevê, impedir a soltura de Lula.
Ou seja, se o caso envolve Lula, ele não mede esforços para agir. Se o político é de outro grupo, alega excesso de trabalho.
Moro, com seu empenha hoje, lembrou carcereiros e torturadores dos porões da ditadura que faziam de determinados presos propriedade deles.
Sobre esses presos, tinham poder de vida e morte, de decidir sobre dor e sofrimento. Sem dúvida, eram casos patológicos.
O fato novo que fica desse dia vergonhoso para a Justiça é que Moro não está sozinho, nessa tarefa que também não deixa de ser sádica. Há um grupo organizado que atua com ele.
O escritor Fintan O’Toole, colunista do Irish Times, fez um belo artigosobre Donald Trump.
Trump, diz O’Toole, está realizando ensaios fascistas que servem a dois propósitos.
“Eles acostumam os indivíduos a algo que inicialmente rechaçariam; e também permitem que se refinam e calibrem as ações”, escreve.
“O fascismo não surge de repente em uma democracia consolidada. Não é fácil convencer as pessoas a desistirem de seus ideais de liberdade e civilidade”.
Segundo O’Toole, “é preciso enfraquecer as barreiras morais, acostumar as pessoas a aceitarem fatos de extrema crueldade. Como os cães de caça, é preciso acostumá-las ao gosto do sangue. Elas precisam experimentar a selvageria.”
Isso vale para Jair Bolsonaro.
Bolsonaro foi acostumando os ouvidos da audiência com ignomínias sobre negros, gays, mulheres.
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A mídia ajudou a normalizar seu discurso incivilizado. Sequer é chamado de extrema direita.
O sujeito foi aplaudido numa sabatina da Confederação Nacional da Indústria — não pelas ideias, que ele não as tem, mas pelas bravatas.
“Não quero botar um busto do Che Guevara no Palácio do Planalto”, falou, como se isso fizesse algum sentido.
“Hoje estão tirando nossa alegria de viver, não podemos mais contar piadas de afrodescendentes, de cearenses, de goianos”. Palmas para ele.
Na entrevista a Mariana Godoy na RedeTV, Bolsonaro passeou à vontade com seu terno fascista.
Arrancou, no máximo, risadas da entrevistadora e de seu estafeta quando defendeu, na maior, que Vladimir Herzog tinha cometido suicídio.
“Lamento a morte dele, em que circunstância, se foi suicídio ou morreu torturado. Suicídio acontece, pessoal pratica suicídio”, afirmou.
Herzog era “um colaborador” (do quê?) e esse pessoal se “vitimiza”. A Anistia já resolveu tudo: “Essa é uma história que passou”.
Há dias, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado brasileiro apure, julgue e, se for o caso, puna os responsáveis pela execução de Herzog.
Em outubro de 1975, o jornalista, membro do Partido Comunista Brasileiro, apresentou-se voluntariamente para depor no DOI/CODI, em São Paulo.
Foi interrogado, torturado e finalmente executado. Tinha 38 anos.
Uma farsa foi montada para simular um suicídio. Daí a famosa foto de Herzog “enforcado” a uma altura de 1,68. O laudo foi forjado. Seu corpo estava coberto de hematomas. O horror, o horror.
A viúva está viva. O filho, Ivo, também.
Essa excrescência proferida por JB deveria provocar uma onda de indignação na sociedade. Não aconteceu nada.
A começar por Mariana e seu ajudante, que tocaram seu barquinho como se tivessem ouvido daquele tiozão a piada do pavê.
Milhões estão aprendendo a pensar o impensável, aponta Fintan O’Toole em seu texto.
“Eles já cruzaram, em suas mentes, os limites da moralidade. Eles são, como Macbeth, ‘aprendizes nesse ofício’. Entretanto, esses testes serão refinados, os resultados analisados, os métodos aperfeiçoados, suas mensagens acentuadas. Só então suas façanhas poderão ser realizadas”, avisa.