sábado, 20 de agosto de 2022

Idoso morre vítima de dispositivo de segurança que ele próprio instalou em Araxá (MG)

 

Idoso morre vítima de dispositivo de segurança que ele próprio instalou em Araxá (MG)

Imagem conceito: arma apontada em close-up. (Foto: Getty Creative)
Imagem conceito: arma apontada em close-up. (Foto: Getty Creative)

Um idoso de 60 anos morreu neste sábado (20) vítima de um dispositivo de segurança que ele mesmo confeccionou para proteger a oficina mecânica, da qual era dono.

O caso ocorreu em Araxá, município que fica a 360 km de Belo Horizonte (MG).

De acordo com a Polícia Civil, a vítima montou um aparelho utilizando fio de cobre e uma arma de fogo. A intenção era que o dispositivo de segurança fosse acionado quando alguém entrasse no estabelecimento com intenções de roubo. Para isso, a pessoa teria que esbarrar no fio de cobre, o que acabou ocorrendo quando o próprio dono adentrou ao local. As informações são do G1.

Os agentes disseram que a arma disparou e um tiro atingiu o peito do homem, que morreu no local.

O corpo do idoso foi levado para o IML (Instituto Médico Legal), onde vai passar por um exame de necropsia, sendo depois liberado para a família.

A polícia não informou se o homem tinha porte de arma e se ela estava com a documentação em conformidade.

Registro de armas

O Brasil tem experimentado um aumento expressivo de registro de posse de armas. Em 2021, o número de armas nas mãos de civis atingiu a marca de 204,3 mil artefatos licenciados pela Polícia Federal.

É uma alta de 300% em relação às 51 mil peças registradas em 2018, antes de o presidente Jair Bolsonaro assumir com a promessa de facilitar o acesso a armas para cidadãos comuns.

O levantamento, feito pelo jornal O Globo, mostra que 76% dessas armas foram parar nas mãos de civis e representa representa um aumento sem precedentes.

De acordo com especialistas, o aumento da circulação de armas na sociedade representa um risco para a segurança da população em geral. Daniel Cerqueira, do Fórum de Segurança Pública, afirma que a política do governo Bolsonaro é anticientífica ao estimular o armamento como forma de defesa.

Entrevista ao Brasildefato de Paulo Nogueira Batista Jr. sobre o Brasil e a geopolitica internacional

 https://www.youtube.com/watch?v=P7nEY_5MtVc&list=PLytfbsQYLZpB5uDo8LRdjf9X9RfOlFw4d&t=1s

Ninguém disse que seria fácil

Ninguém disse que seria fácil

Por VALERIO ARCARY*

“Quem não age conforme pensa começa a pensar conforme age. Quem diz a verdade não merece castigo” (Sabedoria popular portuguesa).

Ninguém disse que seria fácil é um livro que foi sendo escrito aos poucos, ao longo dos últimos quatro anos. Estamos, desde 2016, em uma situação defensiva, embora com uma inflexão mais favorável a partir de meados de 2021. Uma situação defensiva se abre quando se acumulam derrotas dos trabalhadores e do povo oprimido que deslocam, qualitativamente, a relação social de forças.

A eleição de Bolsonaro, em 2018, deixou claro que a situação tinha evoluído de forma tão ruim que o cenário já era reacionário, porque a ofensiva estava nas mãos dos inimigos de classe. Derrotas nos deixam mais reflexivos. A militância de esquerda é um compromisso que estimula entusiasmo, mas desafia nossos limites.

Assim que a primeira nota sobre a relação entre militância e amizade foi publicada percebi que havia a possibilidade de um projeto. A recepção daquele texto me surpreendeu. Ativistas de diferentes correntes da esquerda brasileira se interessaram pelo artigo. Descobri que existia uma demanda de reflexão específica sobre o tema da militância socialista.

Embora tenha opiniões muito definidas, depois de quase cinquenta anos na estrada, as questões foram abordadas com distanciamento das minhas preferências programáticas, inclinações ideológicas e alinhamento político. O objetivo era ser útil, desconsiderando as filiações partidárias de cada militante. O nexo do livro foi a problematização da experiência de militância por ângulos muito variados, mas acredito que o fio condutor emerge com clareza. A militância socialista não é um compromisso indolor, mas traz imensas recompensas. Portanto, o resumo é simples.

A luta vale a pena.

A luta vale a pena por muitas razões. Em primeiro lugar, porque o mundo não vai mudar, se não houver quem lute por isso. Mas vale a pena, também, porque ao longo do caminho para transformar o mundo em que nos coube viver, nós mesmos nos transformamos. Gosto de acreditar que para melhor. O hino da esquerda mundial, A Internacional, registra nos versos do refrão uma ideia poderosa. Bem unidos façamos desta luta final, uma terra sem amos, a Internacional. Acontece que não sabemos quando será a hora da luta final. O engajamento na luta socialista exige a tempera de corredores maratonistas. Esta resiliência favorece um intenso amadurecimento, o sentido de responsabilidade e, mais importante, a solidariedade como vivência.

A aposta na militância é uma escolha compartilhada em que fazemos camaradas. O que são camaradas? Camaradas são aqueles que, na tradição socialista, compartilham uma visão de mundo comum, o igualitarismo, e uma prática de doação voluntária e despojada de seu tempo e energia para a vitória das lutas justas que abrem um caminho para uma maior igualdade social. A visão do mundo socialista se fundamenta, em primeiro lugar, no reconhecimento de que todos os seres humanos têm necessidades comuns, ainda que capacidades, preferências, temperamentos e vocações diferentes.

Ser socialista significa uma ruptura ideológica com a ordem do mundo. Ser socialista é uma adesão ao movimento dos trabalhadores e dos oprimidos, uma aposta no projeto de transformação anticapitalista, e uma aspiração internacionalista por um mundo sem dominação imperialista. Nas sociedades em que vivemos, ser socialista exige, portanto, uma escolha de classe. Não importa a classe social na qual nascemos. O que importa é a classe com a qual unimos nosso destino.

Essa escolha pelo ativismo é uma opção que incide em todas as dimensões subjetivas da vida. Acontece que nem todos os nossos amigos são camaradas, e nem todos os camaradas são amigos. Porque amigos podem ter visões de mundo diferentes. Amizades não devem ter como condição uma mesma visão de mundo. Por outro lado, e, talvez mais importante, podemos ser camaradas de militantes que não conhecemos tão bem.

Confiança em um projeto não é o mesmo que lealdade pessoal aos membros da mesma organização ou movimento. A confiança pessoal é diferente da confiança política. A primeira se constrói como intimidade pessoal. A segunda como a defesa de um programa comum. Quando somos, além de camaradas, amigos de alguém, estabelece-se um vínculo muito forte. Muito forte, mesmo. Mas é perigoso não saber distinguir a diferença dos dois laços. Porque a perda da confiança política não deve, necessariamente, contaminar a relação pessoal.

O que são adversários? Adversários são aqueles contra os quais lutamos em uma disputa. Não é possível viver sem ter adversários. Porque a vida é uma sequência de lutas. Mas os conflitos têm diferentes naturezas e graus de importância. Saber ponderar, calibrar, medir, avaliar a gravidade das diferenças, das polêmicas, dos debates e das rivalidades é indispensável. Porque nem todos os adversários são inimigos. Depende de qual é a natureza do conflito. Adversários podem ou não se tornar desafetos, ou seja, a disputa de ideias pode degenerar em antagonismo pessoal. Mas nem todos os nossos adversários são nossos inimigos.

O que são inimigos? Inimigos são os adversários que enfrentamos em lutas incontornáveis, porque correspondem a interesses de classe irreconciliáveis. As hostilidades com os inimigos são inevitáveis, pois eles são nocivos aos interesses da classe que representamos.

Na história da esquerda ocorrem rachas, separações e divisões em função de distintas percepções da situação política que, por sua vez, expressam diferentes pressões sociais e políticas. Diferenças sérias de projeto justificam rupturas políticas, mas não devem transformar necessariamente os antigos camaradas em inimigos.

Em qualquer coletivo humano há, com maior ou menor ardor, conflitos pessoais. Algumas pessoas são especialmente conflituosas. Refletimos pouco sobre a importância estratégica da paciência. No engajamento socialista, valorizamos muito a honestidade de caráter, a personalidade corajosa, o brilhantismo da inteligência, a erudição dos estudiosos e a paixão dos carismáticos.

Os oradores despertam entusiasmo, porque falam o que gostaríamos de ser capazes de dizer, e os agitadores nos representam em público. Os propagandistas são admirados porque explicam as ideias do programa que defendemos, e nos educam. A paciência é a primeira qualidade dos organizadores, aqueles que têm a habilidade necessária para nos manter unidos. São os facilitadores da ação coletiva que nos protegem dos nossos excessos, que nos ajudam a não brigar uns com os outros por qualquer diferença tática, que defendem a confiança mútua, indispensável para uma fraternidade de lutadores.

Quem se pensa sempre com razão não tem muita paciência para tentar entender o argumento dos outros. Camaradas assim podem ter qualidades extraordinárias, mas não se adaptam à militância em um coletivo. Ter paciência política é inteligência emocional.

Paciência política não é resignação. É resiliência, serenidade e equilíbrio. Paciência não é indiferença, nem frieza, nem mansidão. Paciência política é autocontrole, disciplina e comedimento. É domínio de si próprio, discrição e despojamento. É aceitar que cada um de nós é diferente um do outro, porém imperfeito à sua maneira. Ninguém é omnipotente. É uma reconciliação com nossas ilusões juvenis imaturas e intempestivas, e com as organizações igualmente imperfeitas.

Ser paciente é compreender que a dinâmica da luta de classes é condicionada por fatores que vão muito além de nossa vontade, que a urgência dos tempos da luta de classes pode nos desgastar, e a espera pode não ser breve. É acolher no coração a ideia de projeto revolucionário como uma aposta que se renova em cada luta na qual depositamos a esperança estratégica.

Não é possível uma militância sem a experiência da frustração pessoal. Não há como não sofrer decepções. Trata-se de articular a função da individualidade dentro de um coletivo. Há lugar para todos na luta contra o capitalismo. Mas encontrar o nosso lugar não é simples. Quando somos jovens, não nos conhecemos a nós mesmos. Não sabemos do que somos capazes. A própria militância nos ajuda nessa descoberta. Mas ninguém faz a si mesmo sozinho. Aprendemos uns com os outros.

Nunca podemos esquecer que a militância honesta precisa ser um ato de doação. Valorizar a cooperação e agradecer àqueles que lutam ao nosso lado não diminui ninguém, ao contrário, engrandece. O coletivo é sempre uma totalidade maior que a soma de cada um de seus militantes. A paciência política é o cimento que mantém a unidade de um coletivo.

*Valério Arcary é professor aposentado do IFSP. Autor, entre outros livros, de O encontro da revolução com a história (Xamã).

Referência bibliografica


Valério Arcary. Ninguém disse que seria fácil. São Paulo, Boitempo, 2022, 160 págs.

POR QUE FAZ TODO SENTIDO FALAR EM “TCHUTCHUCA DO CENTRÃO”?

 POR QUE FAZ TODO SENTIDO FALAR EM “TCHUTCHUCA DO CENTRÃO”?


Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 20 de agosto de 2022

“Desde o início da tarde de ontem [18/08/2022], explodiu nas redes sociais o vídeo publicado pelo G1 que mostra o presidente Jair Bolsonaro tentando agarrar pela camisa o youtuber Wilker Leão e avançando para tomar o celular que o rapaz usava para gravar o encontro. O assunto tomou conta das plataformas digitais e chegou aos trend topics com o termo que Leão usou para se referir a Bolsonaro: ‘tchutchuca do centrão’ ” (fonte: uol.com.br).

O termo “Centrão” foi utilizado para designar um grupo suprapartidário de parlamentares, com claro viés de direita, criado no final do primeiro ano da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. O agrupamento político em questão assegurou ao então presidente da República José Sarney a manutenção do sistema presidencialista e o mandato de cinco anos.

Um dos líderes do antigo Centrão cunhou a famosa máxima “é dando que se recebe”. Em outras palavras, como identificou a imprensa na ocasião, o “dando” significava apoio parlamentar e o “recebe” dizia respeito à indicação de cargos  no Executivo e o “recebimento” de verbas orçamentárias.

Todos, insisto, todos, os governos posteriores à ditadura militar conviveram, com intimidade maior ou menor, com um Centrão de nova roupagem. O novo Centrão tem uma compulsão irresistível pela presença no governo de plantão, qualquer que seja ele. As principais lideranças desse grupo integraram praticamente todos os últimos governos da República, independentemente de colorações político-ideológicas.

A forte presença do Centrão nos vários governos das últimas décadas “coincide” com o frequente envolvimento de seus integrantes nos principais esquemas de corrupção que vieram a público (imagine os que permaneceram nas sombras). O “mensalão” e o “orçamento paralelo” (ou secreto) são dois exemplos típicos, um mais “antigo” e o outro mais recente (atual).

Quando essa turma se junta a um governo minimamente disposto ou vocacionado ao “toma-lá-dá-cá” a “festa” está armada. Infelizmente, é uma festa ou farra com o dinheiro público e que produz invariavelmente corrupção e malversação em níveis consideráveis e crescentes.

Vale uma palavra acerca da vocação do atual núcleo político do governo federal para as práticas suspeitas ou desonestas. Imagine, só imagine, uma família com atuação política regional e limitada pelo raio de ação do “baixo clero”. As presepadas foram efetivadas com o que estava ao alcance: a) milícias (com integrantes homenageados e incorporados como assessores); b) rachadinhas (repartição de remunerações de servidores dos gabinetes); c) frequentes operações com imóveis (com uma curva ascendente) e d) lavagem de dinheiro em empresas de menor expressão (comércio varejista de chocolates, por exemplo). O envolvimento em corrupção “grossa” ou “pesada” dependia da ação numa arena política mais ampla e com o concurso dos parceiros certos e experientes.

Portanto, somente a cegueira seletiva ou a ingenuidade em alta dose pode alimentar alguma ilusão acerca da incolumidade do núcleo familiar que conduz, de forma atabalhoada (para dizer o mínimo), os destinos políticos do País. Na atualidade, a desenvoltura com que o Centrão ocupa espaços na Administração Pública e no trânsito financeiro-orçamentário das verbas públicas acende todos os sinais vermelhos das preocupações com a probidade administrativa. Não parece razoável imaginar que os integrantes desse aglomerado político tenham sido convertidos, com entusiasmo, para o lado bom/positivo da Força. Quem teria sido o autor de tamanha façanha? Alguém apelidado, de forma jocosa, de “tchutchuca do Centrão”?

O combate à corrupção é crucial, independentemente das colorações político-partidárias. Pelo menos quatro cautelas devem estar presentes nessa cruzada. São elas: a) não gastar a maior parte das energias nas medidas repressivas ou punitivas (os instrumentos preventivos são muito mais eficientes, embora nada pirotécnicos); b) compreender que a combate às malversações é um processo demorado e penoso protagonizado pelo conjunto da sociedade e voltado para eliminar o oxigênio institucional que mantém essas malsinadas práticas (não se trata de conversão de almas ou ação de vestais ou paladinos da ética); c) não considerar que a corrupção é o principal problema do Brasil (a profunda e inaceitável desigualdade socioeconômica ocupa esse posto) e d) a corrupção sistêmica existente no Brasil por décadas (e séculos) continua operando em todos os níveis governamentais, com novos e velhos atores, com novos e velhos métodos.

Tenho, na linha exposta, trabalhando em vários postos de controle da Administração Pública e formulado dezenas de propostas específicas de combate, notadamente preventivo, às várias formas de malversação da coisa pública. Essas reflexões e proposições podem ser encontradas no meu site no seguinte endereço eletrônico: aldemario.adv.br.  

Assim, em certa medida é possível afirmar: os governos passados estavam envolvidos com a corrupção, o atual está envolvido com a corrupção e o próximo estará envolvido com a corrupção (independentemente de quem seja eleito). Enquanto boa parte do mundo político (a maioria dos eleitos, notadamente nos parlamentos) forem useiros e vezeiros de fisiologismos e clientelismos de todos os tipos, formas e intensidades as práticas corruptas estarão presentes, em maior ou menor intensidade, em todos os governos.

Preste muita atenção nessa notícia acerca das eleições do dia 2 de outubro de 2022 (e suas consequências, se concretizado o “planejamento” nela contido): “Centrão lança 1,5 mil candidatos e quer dominar metade da Câmara” (fonte: estadao.com.br).

Cumpre ressaltar que a corrupção (em sentido estrito, localizada nas esferas político-administrativas) tem sido instrumentalizada para esconder os mecanismos de efetivação de uma sociedade extremamente injusta. É preciso uma grande conscientização, organização e mobilização populares para que o espaço da política, intermediação entre as estruturas socioeconômicas e a sociedade civil (considerados todos os seus segmentos, classes e diversidades), possa ser utilizado, de forma ética, para desenvolver uma governança institucional que ataque as raízes da abissal e vergonhosa desigualdade presente na sociedade brasileira.


A voz doce do ódio DOCE? MENTIROSA, FORA DA REALIDADE, NÃO FALA DOS PROBLEMAS(fome, desemprego, fila do osso, violência, destruição do País...)


Sábado, 20 de agosto de 2022
A voz doce do ódio

Michelle vira protagonista da campanha de Jair.

Eram por volta de 12h30 da terça-feira passada quando Jair Bolsonaro, encarando a pequena multidão reunida num trecho de menos de 100 metros de extensão do calçadão da rua Halfeld, centro de Juiz de Fora, disparou: "Vamos deixar ela falar? As pessoas mais importantes falam por último, e a regra vai ser respeitada. A pessoa mais importante deste momento não é o presidente ou o candidato: é a senhora Michelle Bolsonaro".

Todos os olhos se concentraram na esposa dele. Carismática, Michelle já enviava acenos em resposta a apoiadores enquanto o marido e candidato discursava. 

Até ali, o evento que marcava o lançamento da candidatura à reeleição de Bolsonaro corria morno. Havia, segundo vários juiz-foranos com quem conversamos, menos gente que em 6 de setembro de 2018. Naquele dia, o candidato a presidente surfava nas costas de uma multidão quando foi golpeado no abdome pela faca empunhada por Adélio Bispo da Silva. Lançar na cidade mineira a busca pela reeleição era uma tentativa óbvia de recriar a comoção causada pelo atentado. Mas a voz cansada e o discurso desanimado traíram a decepção presidencial com o público relativamente pequeno e a organização confusa do evento.

"Nós sabemos que o inimigo, ele só quer roubar, matar e destruir, e manter as pessoas em cativeiros, cegas, mas nós pedimos para Deus essa libertação para nossa nação", Michelle disparou. "É um país rico, um país próspero, que precisa ser liberto, que precisa sair dessas amarras de mentira, de mendigagem. A nossa terra é uma terra próspera, produtiva, abençoada. E nós não aceitamos mais esse espírito de miséria no nosso Brasil".

'Bem contra o mal'

Até há alguns anos, "inimigo" era um termo inaceitável num discurso político. Na democracia, em tese a política é campo de disputa de grupos adversários, com ideias opostas. Só que não é mais assim. A onda de extrema direita que varre o mundo e se materializou no Brasil em Jair Bolsonaro naturalizou o ódio e a hostilidade com ferramentas para a guerra – e não mais a disputa de ideias – da política.

Em 2018, a repulsa à política fomentada pelos cruzados fanáticos da Lava Jato bastou para que Jair Bolsonaro, sem disfarces, vencesse a mais improvável eleição presidencial da história brasileira. Em 2022, o presidente de extrema direita e seus novos-velhos aliados do Centrão sabem que não será assim.

Na mansão no Lago Sul em que se reúne em Brasília, a coordenação da campanha de Jair Bolsonaro decidiu que era hora de tirar das sombras a esposa do presidente, uma mulher nascida e criada em Ceilândia, uma das cidades mais pobres do Distrito Federal, e evangélica batista como Deltan Dallagnol. Como nos disse um participante das decisões que norteiam a campanha bolsonarista – todos homens, como o senador e filho 01 Flávio Bolsonaro, o ministro da Casa Civil Ciro Nogueira e o marqueteiro Duda Lima –, Michelle é uma aposta para gerar “emotividade” e conseguir criar alguma conexão com as mulheres, algo que o marido-presidente misógino e machista é incapaz de fazer.

Em Juiz de Fora, a estratégia se provou acertada. No aeroclube, enquanto esperávamos que Bolsonaro e seu grupo desembarcassem para dar início à motociata que os levaria ao centro da cidade, ouvimos a seguinte conversa: "Uma coisa é verdade, a Michelle tem ajudado muito. Ela fala bem, é bonita, bem mais moça do que ele", disse um apoiador do presidente, vestido com a camisa da seleção brasileira de futebol, a um amigo.

Realmente ajudou. Não na motociata, uma constrangedora demonstração de macho power em que homens geralmente barrigudos aceleram motos importadas até o limite dos motores de forma a intimidar quem está por perto. Já no caminhão-palanque da rua Halfeld, a primeira-dama pegou o microfone das mãos do marido e, falando de improviso, reanimou os apoiadores após a fala morna de Bolsonaro. Com a habilidade de quem dá testemunhos nos cultos evangélicos, Michelle discursou em tom manso e pausado enquanto caminhava pelo palco do trio elétrico. 

A voz é tão doce que quase faz esquecer as palavras que carrega. "Que Deus dê sabedoria e discernimento ao nosso povo brasileiro, para que não entregue o nosso país, a nossa nação tão amada por Deus, nas mãos dos nossos inimigos. Nesse momento, vamos rezar o Pai Nosso, que é a oração universal. Vocês concordam?"

Ao contrário do marido, Michelle não havia recebido da campanha nenhuma orientação sobre o que ou como falar em Juiz de Fora. A equipe que cerca Bolsonaro sabe que a presença de Michelle é fundamental para a reeleição. Mas também que convencê-la disso é algo que cabe estritamente a Bolsonaro. Nem mesmo Flávio se dispõe a abordá-la para pedir que atue como cabo eleitoral do marido. Para quem atua na campanha, está claro que a relação entre Michelle e a reeleição se mistura ao relacionamento de ambos como casal. Ninguém mais se mete, para o bem ou para o mal.

Isso ajuda a entender por que a fala dela em Juiz de Fora foi recebida com tanta alegria e alívio pela campanha, que tenta a todo custo suavizar a imagem de Bolsonaro e, assim, buscar os votos de que ele precisa para além da bolha de fanáticos que o idolatra.

Até mesmo parte da imprensa parece ter se encantado. Para a Folha de S.Paulo, por exemplo, Michelle "roubou a cena e foi ovacionada em Juiz de Fora". Não que esteja errada a leitura – os aplausos, que se seguiram à oração do Pai Nosso, foram muitos, de fato. O problema é que Michelle, apesar da voz melíflua e da fala tranquila, no fundo repete o que o marido diz há décadas, ainda que embalado numa roupagem bíblica. 

"Não negociem com o mal. Essa luta não é contra homens e mulheres, é contra potestades e principados", ela falou, em julho, para finalizar o discurso de mais de 10 minutos com que abriu o grande momento da convenção nacional do PL, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Principados e potestades, na Bíblia, são termos usados para se referir a reis, governantes e demônios. E, se o seu adversário político (aliás, inimigo) é o próprio cramulhão, que mal há em mandar fuzilá-lo?

Guilherme Mazieiro
Repórter Contribuinte
Rafael Moro Martins
Editor Contribuinte Sênior

Destaques

O Intercept entrou com tudo na cobertura das eleições mais importantes das nossas vidas: contratamos colunistas, criamos novas news e um programa ao vivo, botamos nossos repórteres no encalço dos principais candidatos. Tudo isso tem um custo alto para uma redação independente. Precisamos de você agora. Pode nos ajudar? 
 
QUERO AJUDAR O INTERCEPT A CONTINUAR →  

Cruzada contra sistema eleitoral isolou Bolsonaro
João Filho
Ao seu lado só restam meia dúzia de empresários falastrões, uma base eleitoral lobotomizada e generais de pijama.

LEIA MAIS →

 

Café com bolo em alta para tirar votos de Bolsonaro
Xico Sá
Encher a garrafa térmica e buscar o eleitor mais próximo em 2022 é uma atitude bem mais promissora do que na reta final da campanha de 2018.
LEIA MAIS →

 

Governo Bolsonaro ignorou 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami
Carol Castro

Funai, Exército, Polícia Federal e Ministério Público Federal receberam dezenas de relatos de ataques de garimpeiros e pedidos de reforço na segurança.

LEIA MAIS→


Recebeu este e-mail encaminhado por alguém? Assine nossa newsletter! É grátis
Mudou de ideia e não quer receber?
Clique aqui para cancelar a inscrição.
Obrigado por nos ler! Que tal nos dizer o que achou?
Nosso e-mail é: newsletter.brasil@emails.theintercept.com

Acompanhe o TIB nas redes sociais:
Facebook
Twitter
Instagram
YouTube

As principais notícias desta manhã no Brasil 247