domingo, 28 de junho de 2015

Origens das quadrilhas juninas


 
Quadrilha Junina
 
Lúcia Gaspar
Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco
pesquisaescolar@fundaj.gov.br 

A quadrilha junina, matuta ou caipira é uma dança típica das festas juninas, dançada, principalmente, na regiãoNordeste do Brasil. É originária de velhas danças populares de áreas rurais da França (Normandia) e da Inglaterra. Foi introduzida no Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, possivelmente em 1820, por membros da elite imperial. Durante o Império, a quadrilha era a dança preferida para abrir os bailes da Corte. Depois popularizou-se saindo dos salões palacianos para as ruas e clubes populares, com o povo assimilando a sua coreografia aristocrática e dando-lhe novas características e nomes regionais.
QUADRILHA
No sertão do Nordeste encontrou um colorido especial, associando-se à música, aos fogos de artifícios e à comida da Região. Como as coreografias eram indicadas em francês, o povo repetindo certas palavras ou frases levou também à folclorização das marcações aportuguesadas do francês, o que deu origem ao matutês, mistura do linguajar matuto com o francês, que caracteriza a maioria dos passos da quadrilha junina. A criatividade popular encarregou-se de acrescentar novos passos como Olha a chuva! É mentira, A Ponte quebrou, Nova ponte, Caminho da roça e também outros figurantes como os docasamento matuto: o noivo e a noiva, o padre, o pai da noiva, o sacristão, o juiz e o delegado. O casamento matuto, hoje associado à quadrilha é a representação onde os jovens debocham com malícia da instituição do casamento, da severidade dos pais, do sexo pré-nupcial e suas conseqüências, do machismo. O enredo é quase sempre o mesmo com poucas variantes: a noiva fica grávida antes do casamento e os pais obrigam o noiva a casar. Este se recusa, sendo necessário a intervenção da polícia. O casamento é realizado com o padre e o juiz, sob as garantias do delegado e até de soldados. A quadrilha é o baile em comemoração ao casamento. O enredo é desenvolvido em linguagem alegórica, satirizando a situação com humor e carregando no sotaque do interior.

Os passos e a movimentação dos pares da quadrilha em subgrupo, rodas, filas, travessias e outras figurações são ensaiados nos fins de tarde ou à noite, durante os fins de semana do período preparatório. O marcador da quadrilha, que anuncia os passos, poderá ou não fazer parte da dança. É escolhido entre os mais experientes membros do grupo ou é uma pessoa convidada para esse fim. Rapazes e moças em fila indiana vestidos com roupas típicas do matuto do interior , em pares alternados, braços para baixo, colocam-se frente a frente (vis a vis) aguardam a música da orquestra, que é normalmente composta por zabumba ou bombo, sanfona e triângulo e que o marcador comece a gritar a quadrilha:

Anavantur (em avant tout) - anarriê (em derrière) - balancê (balancer) - travessê de cavalheiros (travesser) - travessê de damas - travessê geral - granmuliné - otrefoá (autrefois) - grande roda - damas ao centro - damas à direta e cavalheiros à esquerda e vice-versa - preparar para a cesta - olha a cesta - desmanchar - grande roda à esquerda - passeio na roça - avanço de damas e cavalheiros - preparar para a chuva - é mentira - olha a chuva - choveu - passou - seus lugares. Balancê - moinho - lacinho do amor à direita e à esquerda - seus lugares - balancê - preparar um pequeno galope - balancê - anavantur - preparar o grande túnel - começar - anarriê - seus lugares. Balancê - preparar para o grande galope - começar - desmanchar - balancê - passeio a dois - retournê - seus lugares. Anavantur - anarriê - passeio na roça pelo meio - damas para um lado - anavantur - preparar para o serrote - passeio na roça com roda - passeio do amor à esquerda - retournê - seus lugares. Preparar para o desfile - primeiro as damas - agora os cavalheiros - seus lugares - preparar para o galope - começar - seus lugares. Changê de damas - changê de cavalheiros - anavantur - anarriê - balancê - grande roda - preparar para o granchê - começar - retournê, grande roda à direita e à esquerda - preparar para o túnel - começar - grande roda - balancê na grande roda - preparar para o caracol - começar - retirê – c’est fini.
Há atualmente uma nova forma de expressão junina, a quadrilha estilizada, que não é uma quadrilha matuta, mas um grupo de dança que tem uma coreografia própria, com passos criados exclusivamente para a música escolhida, como num corpo de balé. O grupo incorpora alguns personagens como Lampião, Maria Bonita, sinhôzinho, espanholas e ciganos. Os seus trajes lembram roupas típicas do folclore dos pampas gaúchos.

Recife, 15 de julho de 2003.
(Atualizado em 16 de setembro de 2009).
 
 
FONTES CONSULTADAS:
 
BRINCANTES. Recife: PCR. Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2000. p.196-102. LIMA, Claudia. História junina. Recife: PCR. Secretaria de Turismo, 1997. Edição especial, p.16-17; 31.
 
PELLEGRINI FILHO, Américo. Danças folclóricas. São Paulo: Universidade Mackenzie, 1980. p.57-66.

QUADRILHA junina (foto no Destaques do Mês). Disponível em: <http://www.rocinhense.com.br/2011/05/20/festa-junina/>. Acesso em: 8 junho 2011.
 
COMO CITAR ESTE TEXTO:
 
Fonte: Gaspar, Lúcia. Quadrilha JuninaPesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: dia  mês ano. Ex: 6 ago. 2009.

Serra quer ultrapassar FHC como o maior entreguista do Brasil

28/06/2015 - Copyleft

Escândalo: o lobby das petroleiras que se transformou em projeto de lei

Plano do lobby das petroleiras estrangeiras revelado pelo Wikileaks mostra o entreguismo de José Serra: senador quer dar de bandeja o pré-sal.


Antonio Lassance (*)
Moreira Mariz/Agência Senado
Entreguismo juramentado
 
O senador José Serra (PSDB-SP) transformou interesses do lobby das petroleiras estrangeiras em projeto de lei. Com o apoio de vários congressistas, conseguiu aprovar requerimento de urgência para que o projeto seja votado o quanto antes.
 
A proposta (Projeto de Lei do Senado 131/2015) permite excluir a Petrobrás do pré-sal e deixar a exploração do petróleo brasileiro exclusivamente por conta de empresas estrangeiras. 
 
Na justificativa de seu projeto, ruge e urge o Senador: 
 
“Torna-se imprescindível então a revogação da participação obrigatória da estatal no modelo de exploração de partilha de produção, bem como da condicionante de participação mínima da estatal de, ao menos, 30% da exploração e produção de petróleo do pré-sal em cada licitação.”
 
O entreguismo sequer nos poupou do sarcasmo. Bafeja que a permissão para excluir a Petrobras é para "ajudá-la" nesse momento difícil. O empurrãozinho é para tirá-la do jogo. Os campos podem vir a ser explorados com 100% de participação estrangeira e zero de presença da empresa brasileira.
 
Para os setores nacionalistas, a participação, mesmo que minoritária (30% da Petrobrás, no mínimo, e até 70% de outras empresas), é considerada essencial para se ter um mínimo controle sobre o real volume de Petróleo extraído, além do domínio fundamental que a Petrobrás exerce sobre a tecnologia de extração. 
 
O regime de partilha também garante o conteúdo nacional que alimenta uma ampla rede de empresas brasileiras relacionadas direta ou indiretamente à economia do petróleo e gás. A mudança nas regras do jogo pode tirar de cena essas empresas e os respectivos empregos mantidos em nosso território. 
 
É disso que se trata: manter ou entregar. É resgatar e fortalecer a Petrobras ou dela subtrair uma importante fonte de recursos.
 
Serra e as petroleiras estrangeiras: “nós”
 
Um vazamento feito pelo grupo Wikileaks (o Cable 09RIODEJANEIRO369) revelou que o lobby das empresas petrolíferas estrangeiras atuou pesadamente para, desde 2009, derrubar a proposta encaminhada pelo presidente Lula ao Congresso e aprovada sob muita polêmica, mas com uma correlação de forças, na época, mais favorável aos interesses nacionais. A correlação de forças agora mudou, e o lobby estrangeiro voltou à carga com toda força.
 
No Cable (a mensagem descoberta e vazada pelo grupo Wikileaks), José Serra aparece como interlocutor privilegiado do lobby petrolífero. O Cable tem origem no Consulado dos Estados Unidos, no Rio de Janeiro. É classificado como confidencial seguindo o código 1.4(B) das regras de classificação de documentos do Departamento de Estado. O código é usado em informações relacionadas a governos de outros países e cujo vazamento possa significar "dano aos interesses nacionais" - dos Estados Unidos, bem entendido.
 
O Cable revela detalhes de conversas tidas com Serra quando este era, pela segunda vez, pretendente à Presidência da República. Serra já anunciava o mesmo simulacro de seu projeto atual no Senado: não se colocar publicamente contra o regime de partilha, mas apresentar emendas que, na prática, significassem sua reversão.
 
A julgar pelas mensagens reveladas, Serra fez mais do que apenas expressar sua posição. Agiu quase como um consultor das petroleiras estrangeiras, ao sugerir que uma boa saída seria boicotar os leilões do pré-sal. Se elas não fizessem ofertas, o modelo de partilha se revelaria um fracasso e forçaria o retorno ao antigo modelo de exploração. 
 
Diz o texto em inglês, atribuindo a Serra a estratégia: "There will be no bid rounds, and then we will show everyone that the old model worked… And we will change it back". Um detalhe importante que não pode passar desapercebido, estampado na mensagem do Cable atribuída a Serra: ele se refere às petroleiras e ao PSDB como "nós". "Não haverá ofertas" (obviamente, ofertas das petroleiras estrangeiras nos leilões) "e então nós mostraremos a todos que o velho modelo funcionava… e nós vamos fazê-lo voltar."
 
Os ventos mudaram e o lobby quer ir à forra
 
Ao contrário da aposta do tucano e da maioria das empresas associadas ao lobby petrolífero estrangeiro, quando se fez o leilão do Campo de Libra (2013), localizado no litoral do Rio de Janeiro - até então, o maior da camada pré-sal , o resultado foi considerado um sucesso. 
 
Coincidentemente, a maioria das gigantes do petróleo, as norte-americanas Exxon Mobil e Chevron e as britânicas British Petroleum (BP) e British Gas Group (BG), cumpriram o combinado: não participaram. Seguiram a aposta de fazer o leilão fracassar. 
 
Mas o lobby falhou e o consórcio vencedor teve a participação de uma das gigantes do petróleo, a Shell. Todo o plano arquitetado em 2010 tinha ido por água abaixo e uma das gigantes roeu a corda do lobby. A Chevron, que encabeça o lobby das petroleiras no Brasil, é a principal concorrente mundial da Shell. A Shell, por sua vez, comprou a BG e tornou-se a principal parceira da Petrobras.
 
Os ventos começaram a mudar desde que o Governo Dilma passou a sofrer fissuras em sua base de apoio; depois que o Congresso elegeu uma bancada ainda maior de parlamentares interessados em fazer negócios por meio da política; e a partir do exato momento em que José Serra retornou ao Senado. 
 
A segunda empresa que mais gasta dinheiro em lobby do petróleo, nos Estados Unidos, a ultrareacionária Koch Industries, inclusive financia direitistas que estiveram à frente de protestos de 15 de março e 12 de abril deste ano, contra o governo Dilma.
 
A partir de agora, eles têm a faca e o queijo na mão - e não é para fazer a partilha com nenhum dos brasileiros, a não ser os que façam parte do seu lobby. A orgia do parlamentarismo de negócios testa a consciência dos brasileiros e sua disposição para reagir, antes que seja tarde demais.
 
(*) Antonio Lassance é cientista político.




Créditos da foto: Moreira Mariz/Agência Senado

Venezuela: Aécio Cunha e os sem noção e sem limite

Venezuela: Aécio Neves e os sem noção e sem limite      

Em nenhum momento de sua vida Aécio Neves fez algo pelos direitos humanos ou pela liberdade de expressão.


Eric Nepomuceno
Geraldo Magela /Agência Senado
Teria sido apenas um gesto um tanto bizarro, um tanto patético, um desses vexaminosos momentos em que um garoto mimado reúne um grupo de ressentidos para demonstrar sua contrariedade. Para isso, contou com meia dúzia de desconhecidos em busca de protagonismo, figurantes opacos reforçando o destempero de um político que deveria respeitar um pouco mais a própria trajetória.

À frente de tudo, ele, esplendoroso garotão provinciano que insiste em querer virar um jogo jogado.

Poderia ter sido, sim, um gesto um tanto bizarro, um tanto patético. Mas que também poderia ter sido encarado, pela Venezuela, como uma intromissão inadmissível, colocando em risco algo muito mais sério que as figuras que participaram da pantomina.

Feitas as contas, o resultado final é inócuo. Mas ainda ocupa amplo espaço nos grandes meios de comunicação, que uma vez mais irão prestar sua robusta contribuição para que o ambiente político brasileiro permaneça nessa tensão estéril.

Sem medo algum do ridículo, Aécio Cunha, que usa o nome político de Aécio Neves, agora quer simplesmente que se debata, no Senado brasileiro, a expulsão da Venezuela do Mercosul. Já o presidente da Comissão de Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira – o iracundo que deveria respeitar um pouco mais a própria história – culpa, claro, Dilma Rousseff por alguma coisa que ele mesmo não consegue demonstrar. E, claro, exige (é curioso como a direita não propõe, defende, reivindica ou pede: a direita exige) a expulsão sumária da Venezuela do bloco regional.

Outra figura bizarra, José Agripino Maia (este sim, faz jus ao próprio passado de parlamentar da ARENA, e se mantém, rigoroso e impassível, na defesa de suas convicções desavergonhadas) quer convocar o embaixador brasileiro na Venezuela. Para quê? Ora, para manter acesa a fogueira da sua inutilidade. Na falta de propostas viáveis de alternativa, nada melhor, para esse velhote birrento, que espicaçar o governo.

Quando embarcaram num avião da Força Aérea Brasileira – portanto, do Estado brasileiro – numa missão autonomeada (afinal, para isso o destemperado Aloysio Nunes Ferreira preside a Comissão de Relações Exteriores do Senado), os viajantes tinham um só objetivo evidente: ganhar espaço nos meios de comunicação e continuar seus desvairados ataques contra Dilma e seu governo.

Dizer que estavam realmente comprometidos com a defesa dos direitos humanos dos políticos presos na Venezuela seria uma ofensa e um escárnio, não fosse ridículo. Em nenhum momento de sua vida de coloridas frivolidades Aécio Neves dedicou três gotas de suor a essa questão. Mencionar a liberdade de imprensa deveria enrubescer suas faces rechonchudas, diante do que ele fez durante seus oito anos de governador de Minas Gerais.

Em resumo: tudo não passaria de uma desastrada bizarrice, mas há dois pontos a serem levados em conta. O primeiro: o apoio incompreensível dos grandes meios de comunicação, que não apenas abriram espaço nobre para essa bobagem, sem dedicar um ínfimo parágrafo a uma análise responsável sobre a aventura, como continuam insuflando a história. E segundo: o momento extremamente delicado vivido pelo Congresso brasileiro, cujas duas casas – a Câmara de Deputados e o próprio Senado – são presididas por dois elementos de qualificação mais do que discutível. O país tem, hoje, um dos Congressos mais conservadores e lamentáveis, em termos do nível de seus integrantes das últimas décadas. E se o impoluto Renan Calheiros aceita levar essa patuscada adiante?

Será que ninguém vê até que ponto vai a falta de noção do playboy provinciano, sua falta de limites? Até quando o presidente do maior partido de oposição continuará se portando como se estivesse numa de suas alegres e saltitantes tardes de sábado, cercado por um punhado de cafajestes, num bistrô de Ipanema?

Será que nenhum dos sem-noção desse turismo ridículo percebe que essa farsa pode trazer consequências para o já tão enredado cenário político interno que vivemos, e ao mesmo tempo respingar nas relações com um país cujo peso na balança comercial brasileira – para não mencionar o difícil equilibro geopolítico regional – é importante?

Há uma evidente cumplicidade irresponsável de quem abre espaço e leva a sério tudo isso, querendo criar espaço para um debate ao redor dessa bizarrice oportunista, cuja base tem a consistência de um pudim de caramelo. Será que não surge uma única e solitária voz para desnudar essa brincadeira irresponsável?

Lástima que Nicolás Maduro careça de sentido de humor. Tivesse permitido a essa caravana Brancaleone chegar até o centro de Caracas para um almocinho frugal, e a manobra patética teria sido esvaziada. Pena que até o governo venezuelano tenha levado essa esparrela a sério.

Ao exigir respeito de quem não merece respeito algum, acabou facilitando a manobra de desinformação, contribuindo para que a maioria dos brasileiros, cuja noção do cenário da América Latina é muito parecida à sinceridade dos integrantes da caravana do ridículo, continue sem saber o que realmente está acontecendo na Venezuela.





Créditos da foto: Geraldo Magela /Agência Senado

Jatos que mancham

28/06/2015 - Copyleft

Jatos que mancham

É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber certo sadismo na Lava Jato.


Jânio de Freitas - Folha de São Paulo
EBC
Como inquérito “sob segredo de Justiça”, a Operação Lava Jato lembra melhor uma agência de propaganda. Ou, em tempos da pedante expressão “crise hídrica”, traz a memória saudosa de uma adutora sem seca.
 
Em princípio, os vazamentos seriam uma transgressão favorável à opinião pública ansiosa por um sistema policial/judicial sem as impunidades tradicionais. Mas, com o jorro contínuo dos tais vazamentos, nos desvãos do sensacionalismo não cessam os indícios que fazem a “nova Justiça” — a dos juízes e procuradores/promotores da nova geração — um perigo equivalente à velha Justiça acusada de discriminação social e inoperância judicial.
 
É preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não perceber um certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e menos importante: as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada. Depois, a distribuição de insinuações e informações a partir de mera menção por um dos inescrupulosos delatores, do tipo “Fulano recebeu dinheiro da Odebrecht”. Era dinheiro lícito ou provou-se ser ilícito? É certo que o recebedor sabia da origem, no caso de ilícita?
 
A hipocrisia domina. São milhares os políticos que receberam doações de empreiteiras e bancos desde que, por conveniência dos candidatos e artimanha dos doadores, esse dinheiro pôde se mover, nas eleições, sob o nome de empresas. Nos últimos 60 anos, todos os presidentes tiveram relações próximas com empreiteiros. Alguns destes foram comensais da residência presidencial em diferentes mandatos. Os mesmos e outros viajaram para participar, convidados, de homenagens arranjadas no exterior para presidente brasileiro. Banqueiros e empreiteiros doaram para os institutos de ex-presidentes. Houve mesmo jantares de arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos. Ninguém na Lava Jato sabe disso?
 
Mas a imprensa é que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo deformante vindos da Lava Jato.
 
A partir de Juscelino, e incluídos todos os generais-presidentes, só de Itamar Franco e Jânio Quadros nunca se soube que tivessem relações próximas com empreiteiros e banqueiros. A íntima amizade de José Sarney foi mal e muito comentada, sem que ficasse evidenciada, porém, mais do que a relação pessoal. Benefícios recebidos, sob a forma de trabalhos feitos pela Andrade Gutierrez, foram para outros.
 
Ocorre mesmo, com os vazamentos deformantes, o deslocamento da suspeita. Não importa, no caso, o sentido com que o presidente da Odebrecht usou a palavra “destruir”, referindo-se a um e-mail, em anotação lida e divulgada pela Lava Jato. O episódio foi descrito como um bilhete que Marcelo Odebrecht escreveu com instruções para o seu advogado, e cuja entrega “pediu a um policial” que, no entanto, ao ver a palavra “destruir”, levou o bilhete ao grupo da Lava Jato.
 
Muito inteligível. Até que alguém, talvez meio distraído, ao contar o episódio acrescentasse que Marcelo, quando entregou o bilhete e fez o pedido ao policial, já estava fora da cela e a caminho de encontrar seu defensor.
 
Então por que pediria ao policial que entregasse o bilhete a quem ele mesmo ia encontrar logo?
 
As partes da historinha não convivem bem. Não só entre si. Também com a vedação à interferência na comunicação entre um acusado e seu defensor, considerada cerceamento do pleno direito de defesa assegurado pela Constituição.
 
Já objeto de providências da OAB, a apreensão de material dos advogados de uma empreiteira, em suas salas na empresa, foi uma transgressão à inviolabilidade legal da advocacia. Com esta explicação da Lava Jato: só os documentos referentes ao tema da Lava Jato seriam recolhidos, mas, dada a dificuldade de selecioná-los na própria empresa, entre 25 mil documentos, foram apreendidos todos para coleta dos desejados e posterior devolução dos demais.
 
Pior que uma, duas violações: a apreensão de documentos invioláveis, porque seus detentores não são suspeitos de ilicitude, e o exame violador de todos para identificar os desejados. Até documentos secretos de natureza militar, referentes a trabalhos e negócios da Odebrecht na área, podem estar vulneráveis.
 
Exemplos assim se sucedem. Em descompasso com uma banalidade: condenar alguém em nome da legalidade e da ética pede, no mínimo, permanentes legalidade e ética. Na “nova Justiça” como reclamado da “velha Justiça”.


Créditos da foto: EBC

Jornalistas da Globo surpreendem e pedem piso salarial menor


Cultura - Novas Mídias

 

Segunda-feira, 22 de Junho de 2015

Jornalistas da Globo surpreendem e pedem piso salarial menor

Da Redação
Pode parecer piada, e não deixa de ser. Mas os jornalistas vinculados à Rede Globo aprovaram em sua ampla maioria um piso salarial inferior ao decidido pela Assembleia Legislativa do Rio há menos de um mês. Enquanto o Sindicato dos Jornalistas conseguiu, depois de 20 anos, aprovar um piso de R$ 2.432, os funcionários da Globo, em assembleia, aceitaram a sugestão dos patrões que retirou 1/3 dos ganhos - assim, o piso passaria a R$ 1.600. Para a presidenta do Sindicato, os trabalhadores se deixaram levar pela pressão patronal. Na noite desta segunda-feira, os jornalistas vão tentar reverter a decisão global.

A redução do piso é motivada por um suposto abono da empresa, que não será incorporado ao salário. E ela ocorre num período dos mais difíceis da categoria. Desempregos em massa, fechamento de postos de trabalho e o risco de assessores de imprensa migrarem para um outro sindicato. Desta forma, a atividade deixaria de ser a de "jornalista".

Neste período alguns casos emblemáticos ajudaram a macular ainda mais a atividade: tentativa de golpe no Sindicato, com a destituição da diretoria eleita democraticamente, e demissão de profissionais em tratamento médico. O caso mais recente foi o do editor da Band, Maurício Verfe da Feitosa, demitido durante tratamento de câncer. A Justiça decide esta semana se obrigará a empresa a reincorporá-lo. Doente, pagando aluguel e com filho de um ano, Verfe enfrenta graves problemas financeiros.

Eis a nota do Sindicato:



Colegas jornalistas do município do Rio de Janeiro,

A nossa categoria sofre a grave ameaça, neste momento, de ver rasgada a lei do piso regional recém-conquistado de R$ 2.432,72. Inconformados com a conquista histórica desse direito, os patrões tentam nos impor o fechamento da campanha salarial com um piso em valor muito inferior ao da lei, de R$ 1.600 para TV, de R$ 1.450 para rádio e de R$ 1.550 para jornais e revistas. A Lei do Piso prevê que, em caso de valores mesmo inferiores ao que ela prescreve, vale o que consta nas convenções trabalhistas.

Nesta manhã, um grupo de colegas de radiodifusão aprovaram, na primeira sessão da assembleia marcada para hoje (segunda-feira, 22/6), a proposta patronal de pisos rebaixados sob o argumento da pressa em fechar a campanha, para receber logo, ainda que parcelado, o reajuste pelo INPC de 7,13%, e a participação nos resultados.

Nesse caso, colegas, a pressa é amiga exclusivamente dos patrões. Não podemos a pretexto algum considerar razoável abrir mão de um direito legal conquistado em nome do fechamento de uma campanha em patamares tão recuados, sem qualquer aumento real e até mesmo com reajuste abaixo da perda salarial local.

Ainda podemos reverter o resultado catastrófico da assembleia desta manhã. A vitória da categoria contra o jogo sujo e a as chantagens patronais depende da sua participação, nesta noite de segunda, à segunda sessão da assembleia, às 21h, no terceiro andar do Bar Enchendo Linguiça, esquina das ruas Mem de Sá com Inválidos, na Lapa. Precisamos pensar, decidir e agir, independentemente do salário de cada um, solidariamente e com espírito coletivo. Temos de superar essa ameaça à maioria dos colegas que neste momento é beneficiada pela Lei do Piso. Precisamos nos respeitar nos nossos direitos. E isso exige, mais do que nunca, o nosso esforço coletivo.

Participe dessa luta e a vitória será da nossa categoria!
 
Veja também:



  • Tatiana Marino · SeguirSeguindo · 203 seguidores
    Ahhh.....mais um detalhe: Isso só vai dificultar a contratação de novos profissionais. Não sou chefe e recebo, todos dias, milhares de currículos de pessoas que estão desempregadas. A coisa está ruim para todos e especialmente para nossa profissão, que tem pouquíssimas possibilidades. Sou a favor de um meio termo. As coisas radicais me parecem burras...
    • Conexão Jornalismo
      Tatiana Marino, a profissão está em um momento difícil, com certeza. Muitas demissões e fechamento de postos de trabalho - conforme revela a reportagem. Entretanto, o radicalismo ao qual se refere, e até onde se sabe, não houve. Um projeto foi levado a Alerj e aprovado pela maioria dos deputados. O governador Pezão o vetou, mas a Alerj, de acordo com o trâmite parlamentar, o restabeleceu. Portanto não houve radicalismo, ao contrário. Ao nosso ver seguiu um trâmite absolutamente democrático e raro. A derrubada de um piso para um valor inferior não é regra - especialmente quando há a participação dos trabalhadores. Além disso nos parece que a melhor saída para a atividade de jornalista não estaria na redução do seu poder aquisitivo.
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      · 1 · há 23 horas
  • Tatiana Marino · SeguirSeguindo · 203 seguidores
    Como bom jornalista, não seria bom ouvir o outro lado? Essa coisa "anti Globo" não é saudável para ninguém do ramo... Soa uma coisa meio recalcada... Vamos lembrar que o piso aprovado vai ajudar a quebrar muitas empresas, que já estão mal das pernas. E isso está bem claro para quem não para de noticiar a crise econômica. O que adianta um piso de 2.432,72, se as empresas não estão conseguindo pagar os que estão na folha??
    • Conexão Jornalismo
      Tatiana Marino, o direito ao contraditório, que você invoca, é bem incontestável . Entretanto, na regra do bom jornalismo a qual seguimos pontualmente, em casos eventuais ela se faz desnecessária. Exemplo: quando a ação se dá em ambiente público, diante de testemunhas e não há protagonismo individual. No caso tratou-se de uma votação em local público envolvendo 68 profissionais onde a maioria optou por uma decisão cujo resultado foi lido abertamente. Consumada a votação e garantido o resultado legal, o pleito se deu por encerrado. Inquestionável portanto na sua legitimidade. Mas estaremos abertos a inserir na reportagem a contestação ou esclarecimento que qualquer funcionário da Rede Globo queira fazer. E fique à vontade se você, como editora da Rede Globo, quiser falar em nome da empresa. Lamentamos se a decisão editorial soe, aos seus olhos e por razão inexplicável, como "coisa meio recalcada" (?). Obrigado por participar.
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      · 5 · Editado · há 23 horas
    • Tatiana Marino · SeguirSeguindo · 203 seguidores
      Conexão Jornalismo Estou falando por mim e não pela Empresa. Quem fala pela empresa são seus representantes. Mas falo ( sim) o que pensam todos aqueles que sofrem com a falta de compreensão porque trabalham na Globo. É chato ter um monte de colegas que, como você, começam um texto chamando de piada o que é uma opinião divergente ao sindicato. Pensar diferente não significa que estamos sendo coagidos ou pensando de maneira egoísta, porque precisamos do abono. Pesa saber a situação atual de colegas que estão há meses desesperados por um emprego, muitos que deram a vida dentro de um jornal ou uma televisão e topando qualquer freela para colocar dinheiro dentro de casa....O desemprego é tão grande que não há espaço para recolocar toda essa gente. Ai, eu te pergunto: É hora de enfiar um piso salarial, bem acima do antigo, goela abaixo das empresa e ver outras centenas de colegas sendo demitidos?
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      · 2 · há 23 horas
    • Conexão Jornalismo
      Tatiana Marino Soa incomum, anedótico até, que um trabalhador vá a uma assembleia trabalhista votar por um salário inferior. Ouvimos sindicatos de categorias profissionais diversas hoje, por conta deste caso, e encontramos dificuldades em fazer os dirigentes sindicais entenderem que se tratava de um caso concreto - e não uma anedota. E por este ineditismo abrimos o lide de maneira mais irreverente que o habitual. O desemprego na nossa categoria é algo avassalador e a precarização salarial também - como você já constatou. Se há um caminho para rever tudo isso não será com mais demissões, fechamento de empresas e mais redução de salário. Abrir postos de trabalho sustentáveis é o caminho que entendemos como urgente. E a nossa torcida é que as atuais empresas se fortaleçam e nossa categoria possa recriar esta atividade que é uma paixão e acreditamos ser também para você. Obrigado mais uma vez por participar.

Prejuízos decorrentes do projeto do senador José Serra sobre o Pré-Sal. Serra é um traidor da Pátria.

24/06/2015 - Copyleft

Prejuízos decorrentes do projeto do senador José Serra sobre o Pré-Sal

O projeto de José Serra inundaria a área do Pré-Sal com petrolíferas estrangeiras. O senador parece esquecer do valor geopolítico que o petróleo possui.


Paulo Metri - Blog dos desenvolvimentistas
Marcos Oliveira/Agência Senado
Faço uma estimativa dos prejuízos que serão causados à nossa sociedade se o projeto de lei (PL) 131 de autoria do senador José Serra sobre o Pré-Sal vier a ser aprovado. Sei que esta estimativa é baseada em algumas suposições, o que a torna um evento não determinístico. No entanto, as suposições feitas são o que, em inglês, chamam de “educated guess”, correspondente ao nosso “chute em direção ao gol”, que pode raspar a trave ou entrar no gol. Por outro lado, é válido fazer esta estimativa para mostrar a ordem de grandeza do prejuízo que Serra propõe.
 
Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), já foram descobertos, no Pré-Sal, 60 bilhões de barris. Todos os “barris” citados neste texto referem-se a “barris recuperáveis”. Sobre estas descobertas, os modelos de exploração e demais parâmetros já estão definidos nas leis e respectivos contratos existentes. O projeto do senador, se aprovado, só trará repercussão no que ainda deve vir a ser descoberto nesta área. Assim, a primeira suposição a ser feita é sobre quantos barris restam a descobrir.
 
Após alguma insistência, geólogos tendem a citar faixas de valores para as reservas adicionais do Pré-Sal. Um ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) disse, na época da descoberta do Pré-Sal, que poderiam existir até 300 bilhões de barris na área. Pode-se dizer, em posição equilibrada, que ainda existem 90 bilhões de barris no Pré-Sal a serem descobertos.
 
Assim, o prejuízo a ser causado pelo projeto Serra é obtido da comparação da exploração de 90 bilhões de barris pelo modelo de partilha atual e pelo modelo de partilha com as modificações do PL 131. Detalhando, as alternativas que estão sendo comparadas são as seguintes. Na primeira, representada pelo modelo existente, todas as áreas do Pré-Sal ainda não leiloadas seriam arrematadas por consórcios ou pela Petrobras sozinha. E, na hipótese de serem arrematadas por consórcios, estes teriam a Petrobrás como integrante, com no mínimo 30% de participação, e como operadora dos mesmos.
 
Ainda nesta alternativa, as rodadas de leilões seriam realizadas bem espaçadas para permitir à Petrobrás acumular lucros que seriam reinvestidos no negócio, minimizando a necessidade de empréstimos e de venda de ativos. Notar que não há pressa para se explorar o Pré-Sal, pois o país já tem seu abastecimento garantido pela própria Petrobrás por mais de 20 anos.
 
No modelo flexibilizado de Serra, a Petrobrás seria só mais uma petrolífera, que disputaria áreas do Pré-Sal, e só seria operadora quando conseguisse formar um consórcio em que estivesse nesta posição e ele saísse vitorioso do leilão. Embutido neste modelo está o conceito de que ela arrematar uma área ou uma petrolífera estrangeira a arrematar, para a sociedade brasileira, é a mesma coisa, o que não é verdade.
 
Na alternativa Serra, as rodadas de leilões seriam bem frequentes, para retirar a Petrobras destes leilões pela incapacidade de investir freneticamente. Assim, as petrolíferas estrangeiras estariam prontas para formarem cartéis e arrematarem áreas, o que é impedido quando a Petrobrás é uma das contendoras. Também, em geral, a ganância leva as petrolíferas estrangeiras a produzir em ritmo acelerado para maximizar o lucro, e não para retirar o máximo de energia do campo, transformando-se, assim, em uma produção predatória, o que a Petrobrás não faz.
 
Teremos que diferenciar os prejuízos numericamente estimáveis daqueles que não são. Nos prejuízos quantificáveis, está a redução da arrecadação de royalties. Este tributo, em um período de tempo, é proporcional à receita que é função da produção no período e o preço de transação do petróleo na época. Se a Petrobras não for a operadora única de todos os contratos do Pré-Sal, mesmo sabendo da existência da empresa do Estado brasileiro Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que, pela lei no 12.351, tem a incumbência de gerir os contratos de partilha da produção, há a possibilidade de a produção ser declarada com um valor menor que o real, exatamente para se pagar menos royalties e, também, gerar menos lucro, o que leva a uma menor contribuição para o Fundo Social.
 
Não tenho conhecimento de nenhum esquema de fraude na medição da produção. Estou falando aqui sobre a vulnerabilidade para roubos de modelos de organização do setor. No modelo proposto por Serra, a Petrobrás é tirada da condição de operadora única, quando, com ela, se pode ter o modelo mais confiável de apuração do valor da produção. Ela é a única empresa que não anseia pela maximização dos lucros dos empreendimentos. Assim, ela não tem a tentação de subavaliar a produção.
 
A corrupção
 
Neste ponto do desenvolvimento dos argumentos, sempre observam: “Mas a corrupção foi flagrada nela, recentemente”. O que aconteceu, lá, foi a descoberta que alguns dos seus executivos a roubavam para satisfazer a quem lhes nomeou para seus cargos e a si próprios. Roubos em empresas privadas por seus executivos também acontecem, mas não são divulgados porque os controladores das empresas roubadas, não querendo mostrar fragilidade ao mercado, penalizam os ladrões e não divulgam os ocorridos.
 
Outra tradicional contraposição trazida ao debate é que a responsável por garantir medições corretas para os volumes produzidos é a ANP, que pertence ao governo. Acontece que ela, assim como muitas das agências reguladoras do nosso país, foi cooptada, desde que foi criada, pelas empresas a serem reguladas e, no caso específico, pelas petrolíferas estrangeiras. Se isto não fosse verdade, ela não sugeriria tantas rodadas de leilões de nenhum interesse social. Não teria também determinado no edital de Libra o percentual ridículo do lucro líquido a ser remetido para o Fundo Social. É claro que estas agências têm para suas ações antissociais o beneplácito do governo.
 
Há necessidade de um rápido parêntese para facilitar o entendimento do leitor. Toda a estrutura de funcionamento do governo foi modificada nos anos 1990, quando princípios neoliberais e entreguistas foram introduzidos e nunca mais foram modificados. Por isso, nos deparamos, de tempos em tempos, com alguns destes entulhos do passado. Enquanto eles existirem, o grau de soberania do país permanecerá baixo.
 
Por outro lado, a PPSA não irá inibir a subavaliação da produção, por esta estatal ser chefiada, hoje, por pessoas, que, até há pouco tempo, trabalhavam em petrolíferas estrangeiras ou em fornecedores estrangeiros do setor. Mais uma vez, não critico as pessoas que estão, hoje, nesta estatal. Critico o modelo de organização do setor, que permite a nomeação de pessoas para cargos-chave de controle, que deveriam ser declaradas impedidas in limine, porque os interesses dos seus novos cargos conflitam com os interesses das empresas nas quais trabalhavam até recentemente.
 
Assim, ao serem produzidos os 90 bilhões de barris, que ainda serão descobertos, suas medições poderão atestar somente em torno 81 bilhões, com uma “perda” de nove bilhões, ou seja, 10% do volume total. Este é um valor estimado, que representa “um chute plausível” do que pode ser escondido. Como esta eventual fraude ocorreria durante a vida útil do campo, tal petróleo será comercializado a diversos preços, podendo ser tomado, como média, US$ 100 por barril. Então, a fraude da subavaliação da produção poderá ser de US$ 900 bilhões em 35 anos. Como o royalty é 15% sobre a receita, neste caso, o royalty desviado será de US$ 135 bilhões em 35 anos. O modelo proposto pelo Serra permite esta fraude, o que é barrado pela Petrobrás no modelo atual.
 
Outro momento em que pode ocorrer fraude é no cálculo do custo da produção do petróleo, que irá influir sobre o lucro líquido e, assim, influenciará o valor a ser remetido para o Fundo Social. Em tese, esta fraude pode ser quantificada por fiscais competentes, mas, sem muitos dados, sua estimativa é difícil de ser feita. Como as petrolíferas estrangeiras trabalham basicamente com seus tradicionais fornecedores do exterior, a entrega de faturas superfaturadas pode ocorrer sem dificuldade e, depois, o acerto de contas pode ser feito, através das matrizes, no exterior. Assim, o Fundo Social, uma idéia nobre para dar função social ao aproveitamento do Pré-Sal, tende a se tornar inócuo.
 
“Esquecimento” do valor geopolítico
 
Prejuízos acarretados pelo projeto do senador José Serra não quantificáveis são muitos. Primeiramente, é preciso estar consciente que seu projeto irá “inundar” a área do Pré-Sal com petrolíferas estrangeiras. Elas, que estão com dificuldade para aumentar suas reservas, graças ao petróleo brasileiro, conseguirão garantir seus futuros. Além disso, elas só compram plataformas de petróleo no exterior, pois, após 20 anos do término do monopólio estatal, nenhuma destas empresas comprou uma única plataforma no Brasil, enquanto a Petrobrás, desde o governo Lula, só as compra aqui.
 
A encomenda de desenvolvimentos tecnológicos e a contratação da engenharia pelas empresas estrangeiras ocorrem com entidades do exterior. As multinacionais não têm interesse de abastecer o Brasil com derivados, exportando totalmente o petróleo produzido por elas, sem nenhum valor agregado e, ainda mais, sem pagarem o imposto de exportação, por se beneficiarem da lei Kandir.
 
Muito mais poderia ser acrescentado ao já extenso artigo. No entanto, desejo só dizer que o petróleo não vale unicamente por ser um energético com milhares de usos e o setor de transporte, em escala mundial, ser dependente dos seus derivados. Petróleo significa também poder político para nações que o detêm soberanamente. O projeto do senador Serra esquece por completo este valor do petróleo, pois, ao entregá-lo a firmas estrangeiras, o Estado brasileiro perde o poder geopolítico.
 
Assisti a uma palestra recentemente, na qual o orador falou sobre o uso dado pela Noruega ao seu petróleo do Mar do Norte com grande impacto social, o que trouxe uma melhoria considerável no IDH deste país. O mesmo não acontecerá com o Brasil se o projeto Serra passar. Deste modo, a diferença que existe entre a Noruega e o Brasil é o grau de conscientização política do povo. Um congressista norueguês, mesmo que quisesse, não apresentaria um projeto análogo ao do Serra lá, dado o grau de constrangimento a que seria submetido.
 
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Paulo Metri – conselheiro do Clube de Engenharia e colunista do Correio da Cidadania.


Créditos da foto: Marcos Oliveira/Agência Senado