quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Testemunhas confirmam participação de coronel em sequestro de corretor


Testemunhas confirmam participação de coronel em sequestro de corretor

10/12/2013 13:59
Por Redação, com Rede Brasil Atual - de São Paulo

Carlos Alberto Brilhante Ustra (esq) é apontado um dos sequestradores de Edgar de Aquino Duarte
Carlos Alberto Brilhante Ustra (esq) é apontado um dos sequestradores de Edgar de Aquino Duarte
Testemunhas ouvidas pela Justiça Federal confirmaram a participação do coronel reformado do Exército, Carlos Alberto Brilhante Ustra, no sequestro de Edgar de Aquino Duarte, ocorrido em 1973 durante a ditadura militar (1964-1985). Duarte permanece desaparecido.
Ação penal, proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) em 17 de outubro do ano passado, acusa o coronel reformado e os delegados de Polícia Alcides Singillo e Carlos Alberto Augusto pelo sequestro qualificado de Duarte. Ustra comandou o Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) de São Paulo no período de 1970 a 1974. Esta é a primeira ação penal com instrução criminal de crimes cometidos por agentes do Estado durante a ditadura militar.
Prestaram depoimentos ontem os ex-presos políticos José Damião de Lima Trindade, Artur Machado Scavone e Pedro Rocha Filho. Eles falaram na presença de dois dos três acusados. Ustra não compareceu. Ele alegou doença e morar em Brasília. No entanto, não apresentou nenhum laudo médico.
- O que ficou claro nos depoimentos foi que o Edgar foi preso totalmente em uma situação ilegal, clandestina, no DOI- Codi. Não era uma prisão legal, é uma situação clara de sequestro mesmo, porque a prisão dele era clandestina, sem ordem judicial, sem nenhum tipo de acusação formal. Ele nunca pertenceu a grupos armados, nunca participou de luta armada, não tinha nenhuma acusação contra ele  disse o procurador da República Sérgio Suiama, que assina a ação junto com mais seis procuradores.
Segundo o MPF, Duarte ficou preso ilegalmente nas dependências do DOI-Codi e, depois, no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops-SP) até meados de 1973. Ele era amigo de José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, que tinha acabado de retornar de Cuba e com quem passou a dividir um apartamento no centro de São Paulo. A tese do Ministério Público é que Duarte foi sequestrado pelos agentes da ditadura porque conhecia a verdadeira identidade de Cabo Anselmo, que passara a atuar como informante dos órgãos de repressão.
- O Edgar ficou conosco durante alguma coisa perto de, eu imagino, um mês, um mês e meio, em 1972. Ustra nos visitava, ele passava nas celas, ele tinha domínio não só sobre os fatos, tinha domínio sobre o que ocorria lá dentro. O que nós fazíamos, o que era feito conosco ali. Ele tinha poder de ascendência sobre tudo que acontecia lá – disse Artur Machado Scavone, uma das testemunhas.
Durante as investigações, os procuradores encontraram documentos do 2º Exército que atestavam a prisão de Edgar de Aquino Duarte, que ele não pertencia a nenhuma organização política e que atuava como corretor de valores. A tese usada pelo Ministério Público Federal é a de que Duarte foi sequestrado e permanece desaparecido, crime que, portanto, não prescreveu e não se encontra sob a Lei de Anistia. Para o MPF, enquanto não se souber o paradeiro da vítima e o corpo não for encontrado, o crime de sequestro perdura. A Lei de Anistia não se aplica ao caso porque os crimes continuaram a ser cometidos após a lei ter sido editada, em 1979.
- Eu não sabia o nome dele, mas me chamou muito a atenção porque várias ocasiões quando os membros do DOI-Codi o chamavam, o chamavam de Ivan [nome de guerra de Edgar], e ele sistematicamente falava: ‘Meu nome não é Ivan, meu nome é Edgar de Aquino Duarte’. Essa é uma situação inusitada. Disso eu nunca me esqueci, e, anos depois, quando eu fui solto, eu vi a fotografia dele nos jornais como desaparecido político – disse José Damião de Lima Trindade.
- Não resta a menor dúvida de que, entre 17 de fevereiro de 1972, e os 45 dias subsequentes em que estive no DOI-Codi, nesse período, Edgar de Aquino Duarte estava sob a custódia do coronel Carlos Brilhante Ustra, atualmente coronel, naquele tempo major – acrescentou.
Os advogados de defesa tentaram anular a denúncia do Ministério Público alegando inépcia, inexistência de provas, prescrição do crime, obediência hierárquica e ocorrência de anistia. Mas, em outubro deste ano, a Justiça Federal rejeitou essas alegações e determinou prosseguimento da ação penal. As audiências foram conduzidas pelo juiz titular da 9ª Vara Criminal, Hélio Egydio Nogueira.
O acusado Carlos Alberto Augusto declarou não conhecer Edgar, e rebateu os questionamentos sobre tortura e assassinatos por partes dos agentes do Estado durante a ditadura.
- Vocês jornalistas já foram, desde pequenos, preparados. Mentiram para vocês nas escolas, nas universidades. A verdade vai começar a aparecer agora com os meus depoimentos. São fatos de 1976. Se tivesse ocorrido crime estava prescrito. Depois disso, estão desrespeitando Lei de Anistia. A imprensa que quer me condenar? De jeito nenhum – disse ao fim da sessão.
- Estão me submetendo aqui a essa humilhação de estar sentado no banco dos réus. Tanto a Justiça Federal como os procuradores estão sendo manipulados pelo governo federal – acrescentou.
O acusado Alcides Singillo também negou a participação no sequestro e em tortura e assassinatos. “Sou completamente inocente, não serei preso, não fiz nada. Apenas trabalhei, salvei a pátria do proletarismo, fazendo inquéritos. Tenho orgulho de ser democrata, nunca soube de tortura”, declarou.
Nesta terça-feira, mais três testemunhas de acusação foram ouvidas: Ivan Seixas, Lenira Machado e César Augusto Teles. Na quarta, Maria Amélia de Almeida Teles e Virgílio Egydio Lopes Enei deverão testemunhar sobre o desaparecimento de Duarte.

O Mandela que a mídia esconde


O Mandela militante

10/12/2013 13:19
Por Rui Martins, de Genebra


A luta contra o apartheid foi longa, difícil e dolorosa e Cuba e os comunistas foram importantes aliados durante a Guerra Fria.
A luta contra o apartheid foi longa, difícil e dolorosa e Cuba e os comunistas foram importantes aliados durante a Guerra Fria.
De repente, Nelson Mandela virou um santo e a quase unanimidade mundial louvou apenas o homem da pacificação, do entendimento, do consenso e isso parece significar que muita gente perdeu o começo do filme.
O jovem Nelson Mandela era comunista e dirigia o ANC, Congresso Nacional Africano, na luta armada contra uma das coisas mais vergonhosas da nossa época – a segregação racial dos negros, o apartheid.
O rosto tranquilo do velho Mandela promovido a ícone mundial não significa que sua batalha em favor do reconhecimento da igualdade dos negros na África do Sul, explorados e humilhados por 10% da população, os brancos vindos da Holanda e Inglaterra, tenha sido fácil e tranquila. Houve atentados, houve mortes de culpados e inocentes, houve torturados e desaparecidos, até a ONU decretar um embargo contra a África do Sul e até a pressão mundial, provocada pelo ANC, levar ao fim do apartheid.
Sem a determinação do combatente Mandela, sem a luta constante do ANC, espalhando a insegurança entre os brancos, a África do Sul ainda seria hoje a mesma dos boers, sem a contribuição de Kadhafi e de alguns outros líderes árabes, sem o apoio político de Cuba, não teria havido recursos para o ANC continuar sua campanha, que começou e se radicalizou quando o governo racista de Botha massacrou manifestantes negros desarmados, em Soweto.
Sem a coragem, o carisma e a força ideológica de Mandela, preso mas inflexível, não teriam tido o mesmo impacto os livros de André Brink, J.M. Coetzee, prêmio Nobel de Literatura, a luta do jovem Steve Biko, assassinado pelo Doi-Codi sulafricano, por se inspirar nos Black Panthers mas igualmente em Aimé Cezaire e Leopold Senghor.
Não se pode esquecer nas homenagens a Mandela suas posições políticas bem claras de um homem de esquerda. Assim, Mandela condenou George Bush pai por sua guerra contra o Iraque e pelo genocídio que prenunciava, assim como o Bush filho, que destruiu o Iraque.
Embora exista hoje uma quase unanimidade em torno de Mandela, não se pode esquecer que as igrejas protestantes sul-africanas fizeram uma interpretação própria da Bíblia (semelhante à do deputado Marcos Feliciano) pela qual os negros eram descendentes de Cam, amaldiçoado pelo pai Noé, e assim justificavam sua exclusão, como no passado tinham justificado a escravidão.
Posição diversa tinha adotado o Conselho Ecumênico das Igrejas, em Genebra, que chegou a financiar o ANC, era a época em que lá trabalhavam o militante brasileiro de esquerda Marcos Arruda e o educador Paulo Freire, enquanto no Brasil a Igreja Presbiteriana considera o Conselho Mundial de Igreja como uma espécie de anti-Cristo.
Faltou destacar igualmente no texto original que Margareth Tatcher justificava o apartheid dizendo “o poder branco evita que os negros briguem entre si”, que Israel furava o bloqueio ou embargo imposto pela ONU à Africa do Sul vendendo armas e comerciando normalmente com os boers brancos, enquanto os bancos suíços e uma importante associação comercial Suíça-África do Sul investia, negociava e mantinha contatos com o serviço secreto dos brancos do apartheid. Mandela, é bom não esquecer, apoiava os palestinos.
Mandela também considerava a pobreza tão grave como o racismo e, sem dúvida, se não estivesse doente nos seus últimos anos de vida, teria condenado a atual política econômica da União Européia, responsável por um aumento da pobreza e exclusão no velho continente.
Mandela, Luther King, Guevara e Gandhi todos grandes combatentes por um mundo mais justo.
Nota do autor – Uma coisa não entendi. Ao decidir prestar sua homenagem a Nelson Mandela, a presidenta Dilma tomou uma decisão aparentemente generosa e convidou para irem com ela à África do Sul, os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor e FHC. Por que estes três se durante seus governos continuava existindo de maneira escancarada o apartheid economico e social no Brasil ? Fora a enorme e injustificável despesa para os cofres públicos, Dilma pecou por querer fazer uma desnecessária média. Só Lula merecia esse convite. (Publicado originalmente no site Direto da Redação)
Rui Martins, jornalista, escritor, líder emigrante, correspondente em Genebra.

Mandela e Fidel: o que não é dito

Mandela e Fidel: o que não é dito
Atilio Boron

A morte de Nelson Mandela precipitou uma enxurrada de interpretações de sua vida e obra. Apresentam-no como um apóstolo do pacifismo e uma espécie de Madre Teresa na África do Sul. É uma imagem essencial e deliberadamente errada. Ignora que, após o massacre de Sharpeville, em 1960, o Congresso Nacional Africano (ANC) e seu líder Mandela, adotaram a luta armada e a sabotagem às empresas e grandes projetos sem prejuízo da vida econômica do país.

Mandela visitou vários países da África em busca de ajuda econômica e militar para apoiar esta nova tática de luta. Foi preso em 1962 e, pouco depois, condenado à prisão perpétua, o que iria mantê-lo relegado a uma prisão de segurança máxima, em uma célula de dois por dois metros, por 25 anos, com exceção dos últimos dois anos, devido à enorme pressão internacional por sua libertação e melhoria das condições como presidiário.

Mandela, portanto, não era um "adorador da legalidade burguesa", mas um líder político extraordinário cuja estratégia e táticas de combate foram alteradas de acordo com diferentes condições sob a qual travaram suas batalhas. Dizem que foi o homem que acabou com a odiosa apartheid na África do Sul, que é uma meia-verdade.

A outra metade do crédito pertence a Fidel e à Revolução Cubana, cuja intervenção na guerra civil angolana selou o destino do regime racista ao derrotar as tropas do Zaire (hoje República Democrática do Congo), o Exército Sul-Africano e dois exércitos mercenários organizados, armados e financiados pelos Estados Unidos através dos angolanos da CIA. Graças à sua heroica colaboração em que mais uma vez foi demonstrado a nobreza do internacionalismo da Revolução Cubana, foi possível manter a independência de Angola, estabelecer as bases para a emancipação posterior da Namíbia e assestar o golpe de misericórdia contra a apartheid sul-africana.

Assim, ciente do resultado da batalha de Cuito Cuanavale, em 23 de março de 1988, Mandela escreveu da prisão que o resultado do que foi por ele chamado de "Estalingrado Africano" foi "o ponto de viragem para a libertação do nosso continente e de meu povo do flagelo da apartheid". A derrota dos racistas e seus mentores americanos desferiu um golpe mortal na ocupação do Sul da Namíbia e precipitou o início de negociações com o Congresso Nacional Africano. Em pouco tempo, o trabalho conjunto desses dois grandes estadistas e revolucionários acabaria por derrubar o regime racista sul-africano.

Anos mais tarde, na Conferência Cuba-África do Sul de Solidariedade, em 1995, Mandela diria que "os cubanos vieram para a nossa região, como médicos, professores, soldados, técnicos em agricultura, mas nunca como colonizadores. Eles compartilharam as mesmas trincheiras na luta contra o colonialismo, o subdesenvolvimento e a apartheid. Jamais esqueceremos este exemplo incomparável de internacionalismo altruísta". É um bom lembrete para aqueles que, nos dias atuais (como no passado), falam da "invasão" de Cuba a Angola.

Cuba pagou um preço enorme por este nobre ato de solidariedade internacional. Como disse Mandela, foi o ponto de viragem da luta contra o racismo na África. Entre 1975 e 1991, cerca de 450.000 homens e mulheres da Ilha passaram por Angola arriscando a sua vida nessa missão. Pouco mais de 2.600 cubanos perderam a vida lutando para derrotar o regime racista de Pretória e seus aliados. A morte deste líder extraordinário que foi Nelson Mandela é uma excelente oportunidade para prestar homenagem à sua luta e também o heroísmo internacionalista de Fidel e da Revolução Cubana.