domingo, 7 de maio de 2017

AS DURAS LIÇÕES DAS CONTRADIÇÕES DO GOLPE

As duras lições das contradições do golpe

Wadih Damous*


Não surpreende o barulho causado pela algazarra de grupelhos fascistas ao redor do Instituto de Direito Público e de residências de ministros do STF, inconformados com decisão da Corte Suprema de conceder ordem de habeas corpus a José Dirceu. Essas matilhas são pouco criativas e já perturbaram o sono de Suas Excelências em outras ocasiões.

A novidade nesse deprimente cenário de intolerância moralista é que um dos alvos do ataque é o Ministro Gilmar Mendes, um dos artífices do golpe, useiro e vezeiro em dar opinião política e partidária sobre tudo, até mesmo sobre processos em curso, fazer críticas ácidas e deselegantes contra colegas, promover articulação política em bastidores como se fosse líder de bancada parlamentar e não ver problema nenhum em decidir processos patrocinados pelo escritório de advocacia da esposa. Enfim, o Ministro Gilmar é tudo que um magistrado não deveria ser.

Mas o Ministro Gilmar Mendes fez isso tudo sob os olhares complacentes de seus pares e, quase sempre, com aplauso da mídia comercial. Seu jeito paquidérmico de enfrentar cenários políticos adversos tornou-o pessoa controversa, mas jamais chegou perto de ser ameaçado na sua investidura. Entre medo, indiferença e admiração, a atitude dos que poderiam reagir sempre foi de recolhimento tático.

O Ministro Gilmar Mendes já fez a festa dessa direita irada e babante protagonizada por seitas bolsonaristas e outros sociopatas, como a turma dos revoltados online. A cada vez que chutava o governo de Dilma Rousseff, o PT ou Lula, havia gritaria entusiástica da horda fascista.

E agora isto: seu instituto empresarial cercado pelos zumbis políticos que antes o carregavam nos ombros.

O que aconteceu?

O Ministro Gilmar Mendes pode, como todos nós, ter muitos defeitos. Mas não é nem burro, nem ignorante. Poucos atores do espaço político brasileiro têm sua visão e seu instinto tático. Não é à toa que sobreviveu a controvérsias que na maioria das nações civilizadas deste planeta já lhe teriam trazido copiosos procedimentos disciplinares, para dizer o mínimo.

Ninguém duvida que o "stare decisis" in re José Dirceu não passa de uma abertura de porteira pela qual passará o estouro de uma gorda boiada. As linhas tortas da decisão fizeram, contudo, Justiça. Puseram um freio na insolência curitibana, que fazia chacota do devido processo legal e do imperativo do julgamento justo. A corrida de Amok dos procuradores e a cínica seletividade do juiz primevo que, em inquirições de testemunhas, é cúpido em colocar-lhes frases incriminadoras na boca, direcionando as declarações em prol da acusação, está ganhando visibilidade e o circo montado na capital paranaense está perto de pegar fogo.

O Ministro Gilmar Mendes tem este mérito. Como personagem mais visível desta justiça caricata que tomou conta do país, ele é talvez o único capaz de reverter o quadro deplorável de insanidade institucional que corrói a governabilidade e a própria democracia.

Não o fará  porque morra de amores por José Dirceu e pelo PT.

Já chamou o ex-Presidente Lula de bêbado em sessão do TSE, referiu-se aos governos trabalhistas como cleptocracia, impediu, sem qualquer fundamento constitucional ou legal, a posse de Lula como Chefe da Casa Civil, num momento de aguda crise de sobrevivência de Dilma Rousseff no seu mandato conquistado nas urnas e ignorou a coisa julgada sobre as contas de campanha da chapa Dilma-Temer para preparar o terreno de sua cassação a pedido da então oposição.

Mas é exatamente por isso que se fortalece neste momento de graves contradições do golpe parlamentar.

Para salvar golpistas de primeira hora agora tangenciados pela fúria da devassa da Lava-Jato, dispõe-se a colocar os pingos nos "ii" dessa operação de avacalhação do devido processo legal e de desmonte da indústria nacional. E nisso se anulará um dos vetores mais reacionários à governação democrática e popular no Brasil.

O Ministro Gilmar Mendes sabe melhor que todo mundo que o ministério público se transformou num risco real à vida institucional do País. Combate esse ativismo persecutório há mais de duas décadas, quando percebeu, antes de todos os políticos progressistas ou não, o perigo da politização de um órgão parajudicial que concentra tanto poder em suas mãos. Assistiu com ácidas críticas, no governo FHC, à promiscuidade corporativo-institucional que visava ao fortalecimento do prestígio de membros do ministério público que lhes engordava vantagens e prebendas.

Chegamos a um momento em que se tem que colocar um ponto final nesse processo insano de destruição do Estado a partir de dentro de suas estruturas.

Isso não significa leniência com a corrupção.

Significa o fim da leniência com abusos que anulam garantias fundamentais, sejam de poderosos ou de fracos, de ricos ou de pobres.

O Estado de direito precisa voltar a seus trilhos de normalidade, dando a seus instrumentos de defesa, como a polícia e o Ministério Público, a dimensão que seja funcional para que não se enterrem as esperanças no nosso futuro.

A corrupção não se pode controlar com a aniquilação da política. Esta também precisa ser reestruturada e redimensionada nos seus custos.

Mas não cabe ao Ministério Público ou ao Judiciário fazerem-no e sim à soberania popular, esteio do poder democrático.

Querendo ou não, só personagens com o tamanho, a falta de escrúpulos e a ousadia do Ministro Gilmar Mendes são capazes de dar um basta nas práticas ilegítimas de uma burocracia faminta e insaciável de poder e vantagens.

Qual o rumo que Gilmar Mendes tomará depois dessa missão é dúvida não pode nos encher de esperança. Mas cada dia com sua agonia. Para o momento, esta é a dura lição que o acirramento do golpe nos traz, com todas suas contradições difíceis de atingir a compreensão da maioria da sociedade cansada de conflitos e ódio.

www.brasil247.com.br 07/05/2017 

OS OUTDOORS EM CURITIBA E AS RESPONSABILIDADES DE SÉRGIO MORO

Os outdoors em Curitiba e as responsabilidades de Sérgio Moro

Pedro de Oliveira

Qualquer um perguntará: o depoimento foi adiado por uma semana para preparar a segurança ou para que as provocações pudessem ser espalhadas para acirrar os riscos para o acusado e para os que o apoiam?

Por que Moro adiou o depoimento de Lula, alegando necessidades da polícia de preparar a segurança, mas permite que outdoors altamente ultrajantes sejam espalhados por toda Curitiba?

É muito conhecido o dito de Nietzsche de que se Deus morreu tudo é permitido.

Sem perder um pingo de verdade, pode-se dizer que se a justiça está morta nada é proibido. Esse é o caso dos outdoors que brotaram como cogumelos em Curitiba. São trinta outdoors em áreas movimentadas da cidade incitando a ira da população contra Lula. Coisa bem organizada, feita com o intuito óbvio de insuflar ondas de ódio, e certamente de alto custo.

Quem permite uma coisa dessas? Por que Sérgio Moro não manda retirar esses outdoors e investigar os responsáveis?

De fato, se Sérgio Moro, o responsável pelo julgamento de Lula, não der ordens para a retirada dos outdoors nem punir os responsáveis, muitas perguntas ficarão no ar.

Por exemplo: Por que adiou o depoimento de Lula, alegando necessidade da polícia de preparar a segurança, mas permite que outdoors altamente ultrajantes sejam espalhados por toda Curitiba?

Quem deixa que provocações destinadas a provocar confrontos, capazes mesmo de começar uma pequena guerra civil (ou, quem sabe, até uma grande guerra civil), sejam usadas sem nenhum respeito pelos direitos do acusado?

E mais: se outdoors não caem do céu, mas custam caro, quem seria o responsável por esse milagre da multiplicação dos outdoors?

Quem pagou por eles e com recursos saídos de onde?

Se é permitido num país livre, em que ninguém deve ser culpado antes de ser condenado em última instância, que um inocente, e Lula é até agora tão inocente quanto eu ou você, seja objeto do mais vil tratamento, uma afronta à Constituição do país, o que se pode esperar?

O que está acontecendo se um país, em que os poderes estão obrigados pela Constituição a pautarem-se pelo estado democrático de direito, uma campanha pode espalhar outdoors inteiramente difamatórios como se estivéssemos no Velho Oeste, em que um xerife afixava onde bem entendia seus cartazes de “Procura-se, Vivou ou Morto”, e mandava enforcar sem maiores embaraços?

É um país ou uma terra sem leis?

Voltamos ao antigo “homo homini lupus”, isto é, o homem é o lobo do homem? Estamos agora na pura e simples guerra de todos contra todos?

Quem deixa que provocações destinadas a promover confrontos, capazes mesmo de começar uma pequena guerra civil, sejam usadas sem nenhum respeito pelos direitos do acusado?]

Qualquer um perguntará: o depoimento foi adiado por uma semana para preparar a segurança ou para que as provocações pudessem ser espalhadas para acirrar os riscos para o acusado e para os que o apoiam?

Que louco não vê que provocações num momento desses, em que uma fagulha pode atear o incêndio, só podem ser a atitude de delinquentes e psicopatas?

As perguntas ficam no ar. E devem servir como um aviso e um alerta.

Se o pior acontecer, ninguém terá dúvidas sobre quem são os responsáveis pela tragédia.


O QUE O “BONZINHO” MORO QUER COM APELO A SEGUIDORES POR VÍDEO?

O que o “bonzinho” Moro quer com apelo a seguidores por vídeo?

FERNANDO BRITO


Em mais um momento esdrúxulo desta esdrúxula saga da “Lava-Jato”, vejo o senhor Sérgio Moro num vídeo onde pede a seus “apoiadores” que não vão a Curitiba “manifestar seu apoio” no dia do depoimento do ex-presidente Lula, para que “ninguém se machuque”.

Abstraia-se o fato de ser estranho que juiz tenha “apoiadores” e igualmente se descarte que faça comunicados e apelos pelas redes sociais, algo totalmente incompatível com a discrição e o silêncio próprios a um magistrado e faça-se uma análise do que contém o fato incomum, ainda mais incomum porque feito por uma página de Facebook, mantida por sua mulher, que tem o nome de “Eu Moro com ele”.

Com base em que Moro espera (ou ao menos teme) conflitos na quarta-feira? Ele está ciente de que há pessoas ou grupos dispostos a isso, para além de algum incidente que o mínimo de policiamento poderia evitar? O que há, assumidamente, é uma manifestação política de apoio a Lula, que é político, não juiz e, neste caso, cabe ter “apoiadores”.

Ao que se saiba, além de notícias imprecisas sobre convocação de lutadores de artes marciais para tal “apoio a Lava-Jato”, só quem fez incitação até agora foi o grupo – pago por quem? – que espalhou 30 out-doors em Curitiba, figurando Lula como presidiário. Desejo de prender Lula seria apoio a um juiz que não teria a mesma intenção, em tese?

Ou Moro, com sua “cognição sumária” tem a intenção de desonerar-se, previamente, do que seus “apoiadores” são capazes de fazer e, no mesmo movimento preventivo, precaver-se do fato de que serão poucos, muito poucos, e quase só os mais ferozes?

Porque, depois deste “apelo”, o juiz está blindado de qualquer acusação de responsabilidade pelo que uma dúzia de bestas-feras venham a fazer, não é?


DELAÇÕES CONTRA LULA FORAM OBTIDAS SOB TORTURA

Luís Nassif


O interrogatório de Renato Duque lembra os processos de Moscou de 1938, onde foram condenados bolchevistas históricos como Lev Khamenev, Gregori Zinoviev, Nikolai Bukharin, Leon Trostsky, Leon Sidov (filho de Trotsky), todos condenados à morte após confissões.

Trostsky e seu filho fugiram antes.

As confissões eram montadas e extraídas sob tortura, mas proferidas perante um juiz togado, obedecidos todos os procedimentos legais, com os interrogados em postura de arrependimento e humildade,.

Aliás, o mesmo modelo adotado pela ditadura com a Globo, no início do Jornal Nacional.

Depois de obter “confissões” sob tortura, gravava-se uma entrevista na qual o prisioneiro manifestava seu arrependimento. E as imagens iam ao ar pelo Jornal Nacional.

Repetiu-se o mesmo jogo com Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, e Renato Duque, ex-diretor da Petrobras.

Retransmitido dezenas de vezes pelo sistema Globo, as imagens mostram um homem destruído, no chão, o padrão clássico do interrogado sob tortura que diz o que o interrogador quer que diga.

É inconfundível o cheiro de confissão montada.

Depois de ter € 20,5 milhões bloqueados por autoridades do Principado de Mônaco e da Suíça, no Banco Julius Baer, de Mônaco, em nome das offshores Milzart Overseas (€ 10,2 milhões) e Pamore Assets (€ 10,2 milhões), Duque diz que “Para mim bastariam 10 milhões de dólares (...) eu não queria dinheiro para mim”.

E conclui, “Gostaria de enfatizar meu interesse de assinar uma repatriação, o que for necessário, para que esse dinheiro venha e volte aí para quem de direito”.

Se o roteirista fosse mais imaginoso poderia terminar a delação-confissão com um desinteressado “gostaria de agradecer os bravos, honestos e patrióticos membros da Lava-Jato pela oportunidade de me trazer de volta para as sendas do bem”.

Mas, onde as provas? Onde a verossimilhança.

Peça 2 – a delação de Renato Duque

A confissão de Renato Duque é de uma pessoa presa e acuada, com ameaça de ficar preso pelo resto da vida. Tem tanto valor quanto a confissão de um prisioneiro no pau de arara.

Vamos submetê-la ao filtro mais imediato: o teste de verossimilhança.

Duque e Dilma

Graça Foster foi indicada para a Petrobras por Dilma, com a missão específica de afastar diretores sobre os quais pairavam rumores de corrupção.

Seu primeiro ato foi demitir Paulo Roberto Costa e Renato Duque.

Todos os depoimentos sobre Dilma Rousseff, mesmo de adversários ou delatores, jamais atestaram qualquer abertura dela com terceiros, qualquer declaração minimamente íntima. E nenhuma intimidade tinha especialmente com o círculo que se aproximou do poder através de José Dirceu.

Pela delação, Duque pediu demissão espontaneamente e foi convocado por Dilma, que teria pedido: “Você tem que ficar porque será o nosso arrecadador”. 

E nosso bravo delator disse não.

Duque e Lula

Segundo Duque, o diálogo com Lula teria sido o seguinte:

Lula – A Dilma tinha recebido a informação de que um ex-diretor da Petrobras tinha recebido dinheiro da CBM.

Duque – Não, não tenho dinheiro da SBM. Nunca recebi dinheiro nenhum da SBM.

Lula - E as sondas? Tem alguma coisa?

Duque – Não, também não tem.

Lula – Olha, preste atenção: se tiver alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no seu nome, entendeu?

Por tudo o que se sabe de Lula, em 37 anos de vida pública jamais se abriu com alguém de fora de seu círculo pessoal.

E Duque nunca foi de seu círculo.

Duque diz que Lula “sabia de tudo” e era o “comandante do esquema”.

Ora, o objetivo principal de um esquema de corrupção é obter dinheiro.

Como então o chefe desse esquema pergunta a um personagem secundário onde está o dinheiro?  E não sabe se o pagador pagou e nem se tinha que pagar, não sabe o que foi combinado, como o combinado foi pago e se foi pago onde está o dinheiro. E, no entanto, mesmo sendo do círculo secundário da corrupção, Duque “sabia” que um terço do dinheiro ia para o PT, outro terço para Lula e outro terço para Dirceu.

Em outro trecho, diz Duque, segundo o padrão de jornalismo Veja:

·                 Lula operava em favor das empreiteiras e definia percentuais de propina.

·        Lula mantinha uma agenda de encontros nos quais cobrava pessoalmente a liberação de dinheiro para as empreiteiras.

·                 O ex-Ministro José Dirceu e Lula planejavam dividir com o PT uma cota da propina que poderia chegar a US$ 200 milhões.

Até é possível que Lula tenha cruzado com Duque no hangar da TAM. Mas a conversa não faz sentido.

Mesmo aceitando como verdadeiro o diálogo relatado por Duque, o que se conclui é que:

1.      Lula NÃO SABIA NADA, apenas desconfiava.

2.      Pelas perguntas a Duque, Lula não estava em busca do dinheiro. Apenas fez uma advertência.

3.      Se Lula não sabia nada sobre a) se houve comissão, b) se ela foi paga, c) onde foi paga e d) onde está o dinheiro, Duque deixou claro que Lula NÃO SABIA DE NADA, nem ele e nem Vacari.

4.      Mesmo assim, Duque diz que sabia de tudo, até que o dinheiro era dividido pelo PT, por Dirceu e por Lula.

Peça 3 – Uma amostra da cartelização da manipulação da notícia

Todos os jornalões e sites de jornais repetiram o mesmo título.

Folha: "Ex-diretor da OAS diz que tríplex estava 'reservado' para Lula"

Estadão: "Ex-diretor da OAS afirma que tríplex estava 'reservado' para Lula"

Globo: "Ex-diretor da OAS diz a Moro que tríplex estava reservado para Lula".

G1: "Ex-Diretor da OAS diz a Moro que tríplex estava reservado para Dona Mariza e o ex-presidente".

As matérias se referiam ao depoimento prestado por um ex-diretor regional da OAS, Roberto Marinho Ferreira, responsável pelas benfeitorias realizadas na unidade.

Segundo a reportagem da Folha, Ferreira teria declarado o seguinte:

Ferreira disse que soube por meio de um diretor que havia uma "reserva específica", para o ex-presidente, da unidade.

Segundo o réu, as chaves nunca foram entregues a Lula ou a Dona Marisa Letícia e o apartamento está fechado desde a deflagração da sétima fase da Operação Lava-Jato, que prendeu Léo Pinheiro no fim de 2014.

A unidade permanece sob responsabilidade da OAS.

O ex-diretor regional diz que nada na reforma foi feito de "forma oculta" e que há notas fiscais de todos os gastos.

A manipulação das ênfases é apenas um dos aspectos desse jornalismo de guerra. Destaca-se o acessório ou tira-se uma frase do contexto e, pela maior visibilidade de manchete sobre o corpo da matéria, transmite-se a convicção de que o apartamento pertenceria a Lula.

Desde o início desse jornalismo de esgoto, mais explícito no período Veja de 2006 a 2014, uma das jogadas consistia em lançar pesadas acusações no ar, sem a apresentação de provas.

No início, o blefe pegava. Não se imaginava uma publicação com a história de Veja lançar denúncias de grande gravidade sem dispor de provas. Havia sempre a expectativa de que na edição seguinte apareceriam novas evidências, motivo pelo qual muitos seguravam as críticas. E as evidências jamais apareciam até se descobrir o fenômeno da pós-verdade assumida por toda a mídia corporativa.

Peça 4 – a metodologia de manipulação dos processos

O processo judicial exige provas. A delação só tem valor jurídico se acompanhada de provas. No caso de acusações por corrupção tem que existir o subornado, o subornador, e a prova do suborno – de um lado o pagamento, de outro lado o benefício.

Suponha que determinada empresa queira fazer um agrado a um ex-presidente. Por si, não é corrupção. Para caracterizar a corrupção tem que haver a contrapartida, amarrar o pagamento a um episódio específico.

O método de acusação da Lava-Jato é tão óbvio quando o dos Processos de Moscou:

1.      Levantam qualquer espécie de pagamento que possa ter sido feito a Lula, por palestras no exterior e aqui, para armazenamento dos presentes da Presidência, para financiamento do Instituto Lula – em tudo parecido com o que ocorreu com o Instituto Fernando Henrique Cardoso.

2.      Levantam provas de corrupção na Petrobras.

3.      A partir daí tentam forçar relações entre um caso e outro, em uma espécie de jogo de junte-os-pontos.

Ora, há pontos fundamentais para caracterizar a corrupção:

1.      Provas cabais de entrega de dinheiro a Lula, por depósitos, contas no exterior ou em dinheiro vivo.

2.      Provas cabais de enriquecimento patrimonial de Lula, como documentos provando posse de imóveis ou outros bens.

E aí a Lava-Jato se enrola.

Contando com os mais potentes instrumentos de investigação da história – a NSA, FBI e Departamento de Justiça na cooperação internacional, os bancos de dados do Banco Central, Receita, Coaf, as interceptações telefônicas e as delações premiadas – a equipe da Lava-Jato não conseguiu levantar uma prova sequer contra Lula.

As palestras tinham preço de mercado, inclusive tendo como um dos clientes a própria Globo.

As palestras na África e América Latina obedeciam a propósitos comerciais das empreiteiras, de ter Lula como seu garoto-propaganda.

Os favores pessoais foram feitos a um ex-presidente que, desde que deixou o poder, não teve o menor espaço no governo – porque tendo uma sucessora que fazia questão de exercer o poder absoluto, sem abrir espaço sequer para conselhos.

Houve favores também a filhos de Lula, a sobrinho da primeira mulher. Pela dimensão da ajuda, em contraposição ao valor da suposta corrupção, qualquer analista minimamente racional consideraria como mimos de empresas.

Daí o jogo midiático da Lava-Jato, entupindo a mídia nativa com afirmações taxativas, com ilações sem o menor valor legal, para um público leigo, atendido por um jornalismo tão primário quanto ele, para quem seguir os procedimentos legais são “meras tecnicalidades” – como diz o texto da brilhante Eliane Cantanhede.

Peça 5 – os processos contra Lula

Hoje em dia, há três processos correndo contra Lula.

1.      O do PowerPoint, que analisa três contratos da OAS com a Petrobras e tenta estabelecer relações com o tríplex, que seria supostamente de Lula.

2.      Os contratos da Odebrecht e o prédio do Instituto Lula,

3.      A acusação de obstrução da notícia, a partir da delação do ex-senador Delcídio do Amaral.

Caso 1 - o tríplex

Até agora foram ouvidas 73 testemunhas, 27 de acusação.

As últimas declarações de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS - atribuindo a Lula a propriedade do tríplex - não tem o menor valor legal. Leo depôs da condição de co-réu. Como tal, não depõe sob juramento e nem tem a obrigação de falar a verdade. Seu depoimento não tinha o menor valor para o processo. Mas foi tomado para garantir as manchetes do dia seguinte.

Os advogados conseguiram provas cabais da inocência do Lula, não só documental, mostrando o verdadeiro proprietário das propriedades, mas a testemunhal também.

Todas as testemunhas inocentaram Lula.

O próprio administrador judicial – do pedido de recuperação judicial da OAS – já informou os credores que o imóvel em questão faz parte dos ativos em garantia.

Léo Pinheiro ainda não fechou a delação. Mas já admitiu não ter provas com base em uma desculpa padrão: Lula pediu para ele destruir todas as provas. E ele destruiu.

Segundo a acusação da Lava-Jato, o tríplex teria sido transferido para Lula no dia 7 de outubro de 2009. Esse é o dia em que foi selado o acordo entre a BANCOOP e a OAS, para assumir a construção do edifício Solaris, sob a supervisão do Ministério Público Estadual e a Justiça estadual de São Paulo.

No dia 6 de novembro de 2009, o próprio Léo Pinheiro protocolou na Junta Comercial a escritura de uma emissão de debêntures incluindo o imóvel nos ativos da companhia. Ao contrário da sua confissão, a escritura de debêntures era encimada por um "declaro sob as penas da lei que as informações são verdadeiras".

Dona Marisa possuía uma cota do edifício, adquirida em 2005. A tese da Lava-Jato supõe que dona Marisa adquiriu a cota em 2005 sabendo antecipadamente que a obra seria transferida para a OAS em 2009 e o tríplex seria transferido para ela, embora só ficasse pronto em 2014.

Fora os factoides, a Lava Jato não possui um documento sequer comprovando posse do tríplex por Lula, nenhum depoimento sustentando que ele tenha passado uma noite sequer no edifício ou recebido as chaves, menos ainda, as escrituras. Nada.

Caso 2 – o imóvel para o Instituto Lula

Até agora, 87 testemunhas sustentaram que o terreno em questão jamais foi de Lula ou do Instituto Lula.

A defesa de Lula está solicitando acesso aos documentos da Petrobras desde outubro do ano passado.  Com os documentos, julgam provar que não houve nenhum ato ilícito.

Há, inclusive um de autoria da Price confirmando que não reportou nenhum ilícito de Lula, nem levantou nada que pudesse identificar as falcatruas cometidas.

Questiona-se, inclusive, as acusações de sobrepreço. Ora, toda obra tem seguro e contratos de financiamento. Se havia sobrepreço, como nenhuma instituição identificou?

A disputa jurídica tem sido desigual.

A procuradoria tem acesso a toda a documentação da Petrobras há três anos, sem contar o serviço de inteligência da Polícia Federal e a assistência luxuosa da NSA, FBI e Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

A defesa, nenhum aceso.

A Petrobras tornou-se assistente de acusação, não permitindo acesso a nenhuma ata societária.

Os advogados de Lula solicitaram perícia contábil e acesso às atas e documentos que entendem serem capazes de refutar integralmente as teses da acusação.

O juiz Sérgio Moro negou, alegando simplesmente que não tinha relevância.

Os advogados recorreram ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) que também indeferiu a prova pericial, alegando que seria muito alto o custo de xerocar todos os documentos.

Os advogados reforçaram o pedido e sugeriram consultar in loco os documentos e só xerocar os que fossem necessários, às suas próprias custas.

O tribunal concedeu.

Inicialmente, o diretor jurídico da Petrobras concordou. Depois, voltou atrás. Alegou que a entrada de advogados causaria constrangimento aos funcionários da Petrobras. Depois, alegou sigilo estratégico.

Os advogados peticionaram a Moro, mas até agora não obtiveram nenhuma resposta.

Caso 3 – a obstrução da Justiça

Esse processo nasceu da delação do ex-senador Delcídio do Amaral, que descreveu – sem provas – um diálogo travado com Lula no qual ele supostamente teria manifestado interesse em calar Nestor Cerveró, um dos diretores-chave do esquema de corrupção.

Posteriormente, o próprio Cerveró declarou que apenas Delcídio tinha interesse em calá-lo.

Mais tarde, Delcídio voltou atrás e declarou que soube por terceiros que Lula teria informações sobre os esquemas de corrupção.

Faltam ainda 40 dias para terminar as diligências desse processo.

Peça 6 – a conclusão dos processos

Recentemente, o juiz Sérgio Moro tentou exigir a presença de Lula em todos os depoimentos de testemunhas arroladas pela defesa. A intenção foi induzir a defesa a diminuir a quantidade de testemunhas, porque, por lei, ele não tem o poder de recusar testemunhas.

O TRF4 derrubou essa exigência.

Os próximos passos, então, serão acabar de ouvir as testemunhas. Em seguida, encerra-se a instrução e há as alegações finais da defesa e da procuradoria.

Finalmente, abre-se um prazo para o juiz dar sua sentença e o caso ser encaminhado ao tribunal superior.

Mas o capítulo mais relevante acontecerá na próxima semana, no julgamento da liminar pedindo a libertação do ex-Ministro Antônio Palocci.

Ali se verá se o STF (Supremo Tribunal Federal) irá seguir a lei ou se curvar ao clamor da turba, a que se manifesta nas ruas, nas redes sociais e nos veículos da Globo.


www.brasil247.com 07/05/2017