Luís Nassif
O interrogatório de Renato Duque lembra
os processos de Moscou de 1938, onde foram condenados bolchevistas históricos
como Lev Khamenev, Gregori Zinoviev, Nikolai Bukharin, Leon Trostsky, Leon
Sidov (filho de Trotsky), todos condenados à morte após confissões.
Trostsky e seu filho fugiram antes.
As confissões eram montadas e extraídas
sob tortura, mas proferidas perante um juiz togado, obedecidos todos os
procedimentos legais, com os interrogados em postura de arrependimento e
humildade,.
Aliás, o mesmo modelo adotado pela
ditadura com a Globo, no início do Jornal Nacional.
Depois de obter “confissões” sob
tortura, gravava-se uma entrevista na qual o prisioneiro manifestava seu arrependimento.
E as imagens iam ao ar pelo Jornal Nacional.
Repetiu-se o mesmo jogo com Léo
Pinheiro, ex-presidente da OAS, e Renato Duque, ex-diretor da Petrobras.
Retransmitido dezenas de vezes pelo
sistema Globo, as imagens mostram um homem destruído, no chão, o padrão
clássico do interrogado sob tortura que diz o que o interrogador quer que diga.
É inconfundível o cheiro de confissão
montada.
Depois de ter € 20,5 milhões bloqueados
por autoridades do Principado de Mônaco e da Suíça, no Banco Julius Baer, de
Mônaco, em nome das offshores Milzart Overseas (€ 10,2 milhões) e Pamore Assets
(€ 10,2 milhões), Duque diz que “Para mim bastariam 10 milhões de dólares (...)
eu não queria dinheiro para mim”.
E conclui, “Gostaria de enfatizar meu
interesse de assinar uma repatriação, o que for necessário, para que esse
dinheiro venha e volte aí para quem de direito”.
Se o roteirista fosse mais imaginoso
poderia terminar a delação-confissão com um desinteressado “gostaria de
agradecer os bravos, honestos e patrióticos membros da Lava-Jato pela
oportunidade de me trazer de volta para as sendas do bem”.
Mas, onde as provas? Onde a
verossimilhança.
Peça
2 – a delação de Renato Duque
A confissão de Renato Duque é de uma
pessoa presa e acuada, com ameaça de ficar preso pelo resto da vida. Tem tanto
valor quanto a confissão de um prisioneiro no pau de arara.
Vamos submetê-la ao filtro mais
imediato: o teste de verossimilhança.
Duque
e Dilma
Graça Foster foi indicada para a
Petrobras por Dilma, com a missão específica de afastar diretores sobre os
quais pairavam rumores de corrupção.
Seu primeiro ato foi demitir Paulo
Roberto Costa e Renato Duque.
Todos os depoimentos sobre Dilma
Rousseff, mesmo de adversários ou delatores, jamais atestaram qualquer abertura
dela com terceiros, qualquer declaração minimamente íntima. E nenhuma
intimidade tinha especialmente com o círculo que se aproximou do poder através
de José Dirceu.
Pela delação, Duque pediu demissão
espontaneamente e foi convocado por Dilma, que teria pedido: “Você tem que
ficar porque será o nosso arrecadador”.
E nosso bravo delator disse não.
Duque
e Lula
Segundo Duque, o diálogo com Lula teria
sido o seguinte:
Lula – A Dilma tinha recebido a
informação de que um ex-diretor da Petrobras tinha recebido dinheiro da CBM.
Duque – Não, não tenho dinheiro da SBM.
Nunca recebi dinheiro nenhum da SBM.
Lula - E as sondas? Tem alguma coisa?
Duque – Não, também não tem.
Lula – Olha, preste atenção: se tiver
alguma coisa, não pode ter. Não pode ter nada no seu nome, entendeu?
Por tudo o que se sabe de Lula, em 37
anos de vida pública jamais se abriu com alguém de fora de seu círculo pessoal.
E Duque nunca foi de seu círculo.
Duque diz que Lula “sabia de tudo” e era
o “comandante do esquema”.
Ora, o objetivo principal de um esquema
de corrupção é obter dinheiro.
Como então o chefe desse esquema pergunta
a um personagem secundário onde está o dinheiro? E não sabe se o pagador pagou e nem se tinha
que pagar, não sabe o que foi combinado, como o combinado foi pago e se foi
pago onde está o dinheiro. E, no entanto, mesmo sendo do círculo secundário da
corrupção, Duque “sabia” que um terço do dinheiro ia para o PT, outro terço
para Lula e outro terço para Dirceu.
Em outro trecho, diz Duque, segundo o
padrão de jornalismo Veja:
·
Lula operava em
favor das empreiteiras e definia percentuais de propina.
·
Lula mantinha uma
agenda de encontros nos quais cobrava pessoalmente a liberação de dinheiro para
as empreiteiras.
·
O ex-Ministro
José Dirceu e Lula planejavam dividir com o PT uma cota da propina que poderia
chegar a US$ 200 milhões.
Até é possível que Lula tenha cruzado
com Duque no hangar da TAM. Mas a conversa não faz sentido.
Mesmo aceitando como verdadeiro o
diálogo relatado por Duque, o que se conclui é que:
1.
Lula NÃO SABIA
NADA, apenas desconfiava.
2.
Pelas perguntas a
Duque, Lula não estava em busca do dinheiro. Apenas fez uma advertência.
3.
Se Lula não sabia
nada sobre a) se houve comissão, b) se ela foi paga, c) onde foi paga e d) onde
está o dinheiro, Duque deixou claro que Lula NÃO SABIA DE NADA, nem ele e nem
Vacari.
4.
Mesmo assim,
Duque diz que sabia de tudo, até que o dinheiro era dividido pelo PT, por
Dirceu e por Lula.
Peça
3 – Uma amostra da cartelização da manipulação da notícia
Todos os jornalões e sites de jornais
repetiram o mesmo título.
Folha: "Ex-diretor da OAS diz que tríplex estava
'reservado' para Lula"
Estadão: "Ex-diretor da OAS afirma que tríplex estava
'reservado' para Lula"
Globo: "Ex-diretor da OAS diz a Moro que tríplex
estava reservado para Lula".
G1: "Ex-Diretor da OAS diz a Moro que tríplex
estava reservado para Dona Mariza e o ex-presidente".
As matérias se referiam ao depoimento
prestado por um ex-diretor regional da OAS, Roberto Marinho Ferreira,
responsável pelas benfeitorias realizadas na unidade.
Segundo a reportagem da Folha, Ferreira
teria declarado o seguinte:
Ferreira disse que soube por meio de um
diretor que havia uma "reserva específica", para o ex-presidente, da
unidade.
Segundo o réu, as chaves nunca foram
entregues a Lula ou a Dona Marisa Letícia e o apartamento está fechado desde a
deflagração da sétima fase da Operação Lava-Jato, que prendeu Léo Pinheiro no
fim de 2014.
A unidade permanece sob responsabilidade
da OAS.
O ex-diretor regional diz que nada na
reforma foi feito de "forma oculta" e que há notas fiscais de todos
os gastos.
A manipulação das ênfases é apenas um
dos aspectos desse jornalismo de guerra. Destaca-se o acessório ou tira-se uma
frase do contexto e, pela maior visibilidade de manchete sobre o corpo da
matéria, transmite-se a convicção de que o apartamento pertenceria a Lula.
Desde o início desse jornalismo de
esgoto, mais explícito no período Veja de 2006 a 2014, uma das jogadas
consistia em lançar pesadas acusações no ar, sem a apresentação de provas.
No início, o blefe pegava. Não se
imaginava uma publicação com a história de Veja lançar denúncias de grande
gravidade sem dispor de provas. Havia sempre a expectativa de que na edição
seguinte apareceriam novas evidências, motivo pelo qual muitos seguravam as
críticas. E as evidências jamais apareciam até se descobrir o fenômeno da
pós-verdade assumida por toda a mídia corporativa.
Peça
4 – a metodologia de manipulação dos processos
O processo judicial exige provas. A
delação só tem valor jurídico se acompanhada de provas. No caso de acusações
por corrupção tem que existir o subornado, o subornador, e a prova do suborno –
de um lado o pagamento, de outro lado o benefício.
Suponha que determinada empresa queira
fazer um agrado a um ex-presidente. Por si, não é corrupção. Para caracterizar
a corrupção tem que haver a contrapartida, amarrar o pagamento a um episódio
específico.
O método de acusação da Lava-Jato é tão
óbvio quando o dos Processos de Moscou:
1.
Levantam qualquer
espécie de pagamento que possa ter sido feito a Lula, por palestras no exterior
e aqui, para armazenamento dos presentes da Presidência, para financiamento do
Instituto Lula – em tudo parecido com o que ocorreu com o Instituto Fernando
Henrique Cardoso.
2.
Levantam provas
de corrupção na Petrobras.
3.
A partir daí
tentam forçar relações entre um caso e outro, em uma espécie de jogo de
junte-os-pontos.
Ora, há pontos fundamentais para
caracterizar a corrupção:
1.
Provas cabais de
entrega de dinheiro a Lula, por depósitos, contas no exterior ou em dinheiro
vivo.
2.
Provas cabais de
enriquecimento patrimonial de Lula, como documentos provando posse de imóveis
ou outros bens.
E aí a Lava-Jato se enrola.
Contando com os mais potentes instrumentos
de investigação da história – a NSA, FBI e Departamento de Justiça na
cooperação internacional, os bancos de dados do Banco Central, Receita, Coaf, as interceptações telefônicas e
as delações premiadas – a equipe da Lava-Jato não conseguiu levantar uma prova
sequer contra Lula.
As palestras tinham preço de mercado,
inclusive tendo como um dos clientes a própria Globo.
As palestras na África e América Latina
obedeciam a propósitos comerciais das empreiteiras, de ter Lula como seu
garoto-propaganda.
Os favores pessoais foram feitos a um
ex-presidente que, desde que deixou o poder, não teve o menor espaço no governo
– porque tendo uma sucessora que fazia questão de exercer o poder absoluto, sem
abrir espaço sequer para conselhos.
Houve favores também a filhos de Lula, a
sobrinho da primeira mulher. Pela dimensão da ajuda, em contraposição ao valor
da suposta corrupção, qualquer analista minimamente racional consideraria como
mimos de empresas.
Daí o jogo midiático da Lava-Jato,
entupindo a mídia nativa com afirmações taxativas, com ilações sem o menor
valor legal, para um público leigo, atendido por um jornalismo tão primário
quanto ele, para quem seguir os procedimentos legais são “meras tecnicalidades”
– como diz o texto da brilhante Eliane Cantanhede.
Peça
5 – os processos contra Lula
Hoje em dia, há três processos correndo
contra Lula.
1.
O do PowerPoint,
que analisa três contratos da OAS com a Petrobras e tenta estabelecer relações
com o tríplex, que seria supostamente de Lula.
2.
Os contratos da
Odebrecht e o prédio do Instituto Lula,
3.
A acusação de
obstrução da notícia, a partir da delação do ex-senador Delcídio do Amaral.
Caso
1 - o tríplex
Até agora foram ouvidas 73 testemunhas,
27 de acusação.
As últimas declarações de Léo Pinheiro,
ex-presidente da OAS - atribuindo a Lula a propriedade do tríplex - não tem o
menor valor legal. Leo depôs da condição de co-réu. Como tal, não depõe sob
juramento e nem tem a obrigação de falar a verdade. Seu depoimento não tinha o
menor valor para o processo. Mas foi tomado para garantir as manchetes do dia
seguinte.
Os advogados conseguiram provas cabais
da inocência do Lula, não só documental, mostrando o verdadeiro proprietário
das propriedades, mas a testemunhal também.
Todas as testemunhas inocentaram Lula.
O próprio administrador judicial – do
pedido de recuperação judicial da OAS – já informou os credores que o imóvel em
questão faz parte dos ativos em garantia.
Léo Pinheiro ainda não fechou a delação.
Mas já admitiu não ter provas com base em uma desculpa padrão: Lula pediu para
ele destruir todas as provas. E ele destruiu.
Segundo a acusação da Lava-Jato, o tríplex
teria sido transferido para Lula no dia 7 de outubro de 2009. Esse é o dia em
que foi selado o acordo entre a BANCOOP e a OAS, para assumir a construção do
edifício Solaris, sob a supervisão do Ministério Público Estadual e a Justiça
estadual de São Paulo.
No dia 6 de novembro de 2009, o próprio
Léo Pinheiro protocolou na Junta Comercial a escritura de uma emissão de
debêntures incluindo o imóvel nos ativos da companhia. Ao contrário da
sua confissão, a escritura de debêntures era encimada por um "declaro sob
as penas da lei que as informações são verdadeiras".
Dona Marisa possuía uma cota do
edifício, adquirida em 2005. A tese da Lava-Jato supõe que dona Marisa adquiriu
a cota em 2005 sabendo antecipadamente que a obra seria transferida para a OAS
em 2009 e o tríplex seria transferido para ela, embora só ficasse pronto em
2014.
Fora os factoides, a Lava Jato não
possui um documento sequer comprovando posse do tríplex por Lula, nenhum
depoimento sustentando que ele tenha passado uma noite sequer no edifício ou
recebido as chaves, menos ainda, as escrituras. Nada.
Caso
2 – o imóvel para o Instituto Lula
Até agora, 87 testemunhas sustentaram
que o terreno em questão jamais foi de Lula ou do Instituto Lula.
A defesa de Lula está solicitando acesso
aos documentos da Petrobras desde outubro do ano passado. Com os documentos, julgam provar que não
houve nenhum ato ilícito.
Há, inclusive um de autoria da Price
confirmando que não reportou nenhum ilícito de Lula, nem levantou nada que
pudesse identificar as falcatruas cometidas.
Questiona-se, inclusive, as acusações de
sobrepreço. Ora, toda obra tem seguro e contratos de financiamento. Se havia
sobrepreço, como nenhuma instituição identificou?
A disputa jurídica tem sido desigual.
A procuradoria tem acesso a toda a
documentação da Petrobras há três anos, sem contar o serviço de inteligência da
Polícia Federal e a assistência luxuosa da NSA, FBI e Departamento de Justiça
dos Estados Unidos.
A defesa, nenhum aceso.
A Petrobras tornou-se assistente de
acusação, não permitindo acesso a nenhuma ata societária.
Os advogados de Lula solicitaram perícia
contábil e acesso às atas e documentos que entendem serem capazes de refutar
integralmente as teses da acusação.
O juiz Sérgio Moro negou, alegando
simplesmente que não tinha relevância.
Os advogados recorreram ao STJ (Superior
Tribunal de Justiça) que também indeferiu a prova pericial, alegando que seria
muito alto o custo de xerocar todos os documentos.
Os advogados reforçaram o pedido e
sugeriram consultar in loco os documentos e só xerocar os que fossem
necessários, às suas próprias custas.
O tribunal concedeu.
Inicialmente, o diretor jurídico da
Petrobras concordou. Depois, voltou atrás. Alegou que a entrada de advogados
causaria constrangimento aos funcionários da Petrobras. Depois, alegou sigilo
estratégico.
Os advogados peticionaram a Moro, mas
até agora não obtiveram nenhuma resposta.
Caso
3 – a obstrução da Justiça
Esse processo nasceu da delação do
ex-senador Delcídio do Amaral, que descreveu – sem provas – um diálogo travado
com Lula no qual ele supostamente teria manifestado interesse em calar Nestor
Cerveró, um dos diretores-chave do esquema de corrupção.
Posteriormente, o próprio Cerveró
declarou que apenas Delcídio tinha interesse em calá-lo.
Mais tarde, Delcídio voltou atrás e
declarou que soube por terceiros que Lula teria informações sobre os esquemas
de corrupção.
Faltam ainda 40 dias para terminar as
diligências desse processo.
Peça
6 – a conclusão dos processos
Recentemente, o juiz Sérgio Moro tentou
exigir a presença de Lula em todos os depoimentos de testemunhas arroladas pela
defesa. A intenção foi induzir a defesa a diminuir a quantidade de testemunhas,
porque, por lei, ele não tem o poder de recusar testemunhas.
O TRF4 derrubou essa exigência.
Os próximos passos, então, serão acabar
de ouvir as testemunhas. Em seguida, encerra-se a instrução e há as alegações
finais da defesa e da procuradoria.
Finalmente, abre-se um prazo para o juiz
dar sua sentença e o caso ser encaminhado ao tribunal superior.
Mas o capítulo mais relevante acontecerá
na próxima semana, no julgamento da liminar pedindo a libertação do ex-Ministro
Antônio Palocci.
Ali se verá se o STF (Supremo Tribunal
Federal) irá seguir a lei ou se curvar ao clamor da turba, a que se manifesta
nas ruas, nas redes sociais e nos veículos da Globo.