segunda-feira, 11 de julho de 2016

'Temer é um retrocesso em termos de Direitos Humanos'

'Temer é um retrocesso em termos de Direitos Humanos'

Especialista em direitos humanos questiona o governo interino e medidas como a espionagem a políticos do PT e líderes de movimentos sociais


Darío Pignotti, de Brasília, para o diário argentino Página/12
Lula Marques
Nada de golpe “brando”. Com o passar dos dias, ficou demonstrado que a destituição de Dilma Rousseff derivou num regime autoritário de aparência institucional e naturaleza despótica, que passou a criminalizar o PT, obstruir as viagens da presidenta e espionar o ex-mandatário Luiz Inácio Lula da Silva.
 
Aliados do presidente interino Michel Temer já fazem alusões a um possível uso da Lei Antiterrorista contra aqueles que participem de prováveis protestos e bloqueios de estradas durante os Jogos Olímpicos, em agosto.
 
“Este governo é uma regressão, Temer é um perfeito retrocesso, com sua equipe de ministros conservadores, com claras convicções reacionárias, que não têm nenhum respeito pelos direitos humanos e pela moral pública” declarou Luiz Cláudio Cunha, um reconhecido especialista em direitos humanos, que integrou a Comissão da Verdade sobre a ditadura, instalada e concluída durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff.
 
Na semana passada, policiais com armamento pesado e uniformes de guerra invadiram a sede do PT em São Paulo, com o objetivo de suscitar “um espetáculo midiático para criminalizar o partido”, denunciou o presidente da legenda, Rui Falcão. Simultaneamente, o ex-ministro Paulo Bernardo era detido pela Polícia Federal, acusado de corrupção. O doutor em Ciências Políticas Robson Sávio Reis Souza escreveu que semelhante uso da força revela “uma caça às bruxas ao melhor estilo de Torquemada”, cujo propósito é intimidar o partido de Dilma e Lula.





 
Depois dessa invasão, Temer disse aos meios governistas (que são praticamente todos os da chamada “grande imprensa”) que perseguição à principal força política opositora era algo próprio da “ordem” constitucional e não cabia nenhuma crítica.
 
Antes disso, Temer havia ordenado que Dilma fosse privada parcialmente do uso de aviões da Força Aérea Brasileira, apesar de ter o direito de usá-lo, já que não deixou de ser presidenta, apesar do processo de impeachment no Senado.
 
A restrição dos voos de Dilma e a ordem judicial que proibiu a entrega de fundos estatais ao PT, recursos que todos os partidos envolvidos no golpe continuam recebendo, limitam objetivamente os direitos políticos de Dilma, que mesmo assim viajou a vários estados, onde encabeçou atos com massiva participação popular.
 
“Estamos vendo como a inteligência e a boa fé não parecem ser bons conselheiros de Michel Temer. Ao montar este governo de direita, ele tomou medidas preocupantes, como a que tirou o status de ministério da Secretaria de Direitos Humanos”, afirma Luiz Cláudio Cunha, nesta entrevista.
 
Autor de um dos melhores e mais agudos livros sobre a Operação Condor no Brasil, Cunha questiona que uma das primeiras medidas adotadas pela nova administração seja a de ressuscitar o Gabinete de Segurança Institucional.
 
Espionagem política
 
O chamado “golpe brando” colocou em vigor uma semidemocracia que, ao que parece, restaurou a espionagem política como instrumento, como na época do SNI (Serviço Nacional de Informações), criado em meados de 1964, pouco depois da destituição do presidente João Goulart, como recorda Cunha.
 
O diário Folha de São Paulo informou em reportagem recente que o ex-presidente Lula foi monitorado pelo atual governo durante suas reuniões que teve com líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. “É inevitável que este governo termine aderindo a métodos como a espionagem política, é algo coerente com a sua concepção”, comenta Cunha.
 
“Também há informações que indicam que a Agência Brasileira de Inteligência, subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional, passou a ter como missão investigar os movimentos sociais, principalmente os dos camponeses sem terra (MST), uma organização que, assim como outras agrupações sociais urbanas, tiveram plena liberdade de ação durante os governos do PT, inclusive porque essas organizações foram importantes focos de apoio aos governos de Lula e Dilma”.
 
– Parecem ser muitas as violações à ordem democrática.
 
– Após pouco mais de um mês (o governo interino assumiu no dia 12 de maio), podemos dizer que este é um dos mais desastrosos inícios que uma administração pública já teve na história brasileira. Temer não designou nenhuma mulher para integrar o seu ministério, num país habitado por 103 milhões de mulheres, que são 51,4% da população. Não contente com essa omissão escandalosa, ele rebaixou a hierarquia da Secretaria das Mulheres, que passou a ser comandada por uma evangélica, que é contrária ao direito de aborto em casos de estupro, o que significa que a funcionária contraria o que a lei brasileira estabelece sobre o tema. Além de demonstrar seu desprezo pelos direitos das mulheres, Temer evidenciou o mesmo desprezo pelos direitos humanos em geral, ao designar como chefe do Gabinete de Segurança Institucional o general Sérgio Etchegoyen, um homem que possui fortes laços, inclusive familiares, com a linha mais dura da ditadura.
 
– Que tipo de laços?
 
– Sérgio Etchegoyen é um general de quatro estrelas. Seu pai, Leo Etchegoyen, está incluído na lista de 377 agentes do Estado responsáveis por crimes durante a ditadura, indicados no informe apresentado pela Comissão Nacional da Verdade. Diferente do que alega o próprio Sérgio, a Comissão da Verdade não atuou por vingança, e sim para esclarecer a violência militar e a verdade histórica. Se o pai do general integrava o aparato do Estado que matou e torturou pessoas, isso quer dizer que foi um dos militares que escolheu o lado errado da história, o lado do golpe militar. Em 1979, o general Leo Etchegoyen era chefe do Estado Maior do II Corpo do Exército, e portanto responsável pelo centro de torturas onde atuou o coronel Brilhante Ustra, o torturador que foi reivindicado pelo deputado Jair Bolsonaro em abril deste ano, quando deu seu polêmico voto em favor abertura do impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff homenageando um dos homens que a torturou em prisão.
 
– O general então criticou a Comissão da Verdade.
 
– Exatamente. Em dezembro de 2014, quando foi apresentado o documento final da Comissão da Verdade, o agora chefe do Gabinete de Segurança Institucional Sérgio Etchegoyen foi o único general em atividade que confrontou publicamente a Comissão. E apesar de ter como antecedente esse ataque ao valioso trabalho realizado pela Comissão, ou talvez exatamente por ter feito isso, como forma de premiá-lo pela atitude, Temer o nomeou como um dos personagens notáveis do novo governo, com um cargo importantíssimo, cujo escritório fica dentro do Palácio do Planalto.
 
– Qual foi a posição adotada por Dilma Rousseff quando o trabalho da Comissão da Verdade foi questionado, em 2014?
 
– Dilma teve o mérito de instalar a Comissão da Verdade, mas também o demérito de não defendê-la contra as persistentes tentativas de sabotagem que sofreu por parte dos comandantes militares, que sempre foram hostis a respeito das investigações. Em sua condição de ex-guerrilheira, de presa política, de torturada e de sobrevivente da ditadura, ela não deveria ter sido omissa como foi nessa disputa entre a Comissão da Verdade e as Forças Armadas. Lamentavelmente, temos que reconhecer que o Brasil avançou pouco em termos de direitos humanos. Enquanto os países mais importantes da região instalaram comissões para averiguar a verdade no mesmo ano em que suas ditaduras caíram, no Brasil da eterna conciliação foi preciso esperar longos 27 largos anos, de 1985 a 2012, para a criação da Comissão da Verdade, por iniciativa do governo de Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato. Os cinco primeiros presidentes civis posteriores à ditadura – José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva – lamentavelmente foram indiferentes diante do tema.
 
Tradução: Victor Farinelli


Créditos da foto: Lula Marques




Lula é convidado para Conselho de líderes mundiais que discute direitos das crianças



Lula é o brasileiro que mais recebeu títulos de Doutor Honoris Causa de universidades de todo o mundo. Ainda tem gente que não consegue entender...  

                        Tânia Franco

 

 

Lula é convidado para Conselho de líderes mundiais que discute direitos das crianças

QUA, 29/06/2016 
Jornal GGN - O ex-presidente Lula foi convidados pelo indiano Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz em 2014, para integrar um conselho formado por outros vencedores do Prêmio Nobel e também por outros líderes mundiais.
Segundo informações do Instituto Lula, o núcleo discute como acabar com o trabalho infantil e assegurar a garantia dos direitos das crianças em nível mundial.
De acordo com Satyarthi, os convites foram feitos a pessoas consideradas "vozes morais" importantes, reportou o 247. "Essa voz moral estaria incompleta sem o senhor", disse o indiano. "Você é mais influente agora do que quando era presidente", completou Satyarthi em referência ao trabalho do ex-presidente no combate à fome.

 

O 'Deus Mercado' e a religião capitalista, segundo Jung Mo Sung


sábado, 9 de julho de 2016

O 'Deus Mercado' e a religião capitalista, segundo Jung Mo Sung

Segundo especialista, a narrativa religiosa do neoliberalismo coloca a fé no Mercado como única possibilidade de salvação e culpa os pobres por sua pobreza

Tatiana Carlotti


Os aspectos religiosos do neoliberalismo e o proselitismo na comunicação foram temas debatidos pelos professores da Universidade Metodista, Jung Mo Sung (Ciências da Religião) e Magali Cunha (Comunicação). Eles participaram do seminário “A Metafísica do Neoliberalismo e a Crise de Valores no Mundo”, promovido pelo Fórum 21, no último dia 2 de julho (sábado), no auditório da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP).

O evento é o primeiro de uma série de debates voltada à discussão do neoliberalismo hoje. A escolha do tema, explica Anivaldo Padilha, presidente do Fórum 21, deve-se ao caráter
sagrado atribuído ao mercado que congrega os atributos da “onipotência, onipresença e onisciência”. Uma espécie de “deus Mercado” que vem fracassando, sistematicamente, “em termos de justiça social e de igualdade entre os homens”. 

Daí a pergunta: por que o capitalismo atrai tanto? 

Segundo o professor Jung Mo Sung, a compreensão dos aspectos religiosos do capitalismo é fundamental para o entendimento não apenas de sua atração, mas também do que se passa hoje no Brasil. Mostrando, a partir de imagens, os ícones (Ferrari, bolsas Louis Vuitton), templos (shopping centers), igrejas (institutos von Mises) e mitos do neoliberalismo, Sung destrinchou a narrativa religiosa - e sedutora - por trás do discurso neoliberal. 
“Antes, quando as pessoas se sentiam pecadoras ou impuras, elas iam à Igreja para recuperar a humanidade e a pureza. Hoje, quando se sentem tristes, elas vão ao shopping. Verdadeiras catedrais modernas”, apontou. Não é de se estranhar, portanto, a forte semelhança arquitetônica entre as catedrais e os shopping centers (confiram a imagem acima).

Os mitos do desenvolvimento

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, a teoria econômica (da esquerda e da direita) foi embalada por dois mitos principais. Primeiro, a crença de que o “bom da vida era aumentar o poder de consumo”. Sung destacou que, frente a essa ideia, a modernidade promoveu uma inversão: o “bom da vida” passou a ser possível dentro da história (via consumo) e não mais restrito ao pós-morte”. 

O segundo mito era que “o padrão de consumo dos países ricos poderia ser universalizado”, fortalecendo “a ideia de que todos os seres humanos têm direitos”. Sung também mencionou que a discordância entre os economistas marxistas e liberais capitalistas se deu aos caminhos para se atingir essa universalização: o mercado ou a planificação estatal. 

O exemplo é simples: “Quando se privilegia o ajuste econômico no Brasil e se corta o dinheiro da Educação e da Saúde, por exemplo, é preciso justificar essa decisão. Quando se corta o pagamento de juros aos bancos, para privilegiar programas sociais, também é preciso justificar. Essas duas justificativas, porém, são completamente diferentes porque trabalham com duas estruturas míticas diferentes”. 

Em 1970, porém, esses mitos caíram por terra, quando da publicação de “Os Limites do Crescimento” (1972), pelo Clube de Roma. A obra reconhecia os limites do crescimento do sistema capitalista e a impossibilidade da universalização do padrão de consumo. “A primeira reação dos capitalistas foi dizer ´isso é bobagem´. Depois não deu mais para negar”, lembra. 

A Fé no Mercado

A partir de então, novos mitos foram construídos. Em 1974, em plena crise do petróleo, F. von Hayek, um dos teóricos do capitalismo, ganhava o Prêmio Nobel de Economia com a obra “A Pretensão do Conhecimento”. Hayek sustentava que a crise do sistema tinha como principal causa a “pretensão dos economistas de saberem como o mercado funciona, porque toda intervenção pressupõe conhecimento”.

“A raiz de todas as crises”, explicou Sung, passou a ser a tentativa de compreensão do funcionamento do Mercado. Em termos míticos, “esse discurso neoliberal é uma reeleitura do mito da Gêneses”, que interditava a Adão e Eva os frutos da Árvore do Conhecimento. “Se não podemos conhecer as leis do Mercado, o que podemos fazer? Temos de ter fé no Mercado”.

Uma fé, destacou, de que “o mercado sempre vai produzir outros melhores resultados possíveis”. “Essa é a base epistemológica do neoliberalismo” que apresenta uma contradição lógica: “se você não pode intervir, porque não pode conhecer o mercado, como pode afirmar que ele sempre vai produzir melhores resultados possíveis? O salto lógico se tornou uma questão de fé”. 

Anos depois, ou prêmio Nobel, Milton Friedman, afirmaria: “os que são contra, no fundo, têm um problema de falta de confiança na liberdade do mercado”. Uma narrativa, frisou Sung, disseminada em todos os cantos do mundo, a partir da mídia e, também, da proliferação de institutos, como os institutos von Mises.

Sobre a obra de L. von Mises, “A Mentalidade Capitalista”, o professor avaliou: “é uma maravilha de livro de teologia”. Nela se defende a ideia de que “todo adulto é livre para montar a sua vida de acordo com os seus próprios planos, a partir de um conceito de liberdade pelo qual não existe o outro: sou eu e o meu desejo. É puro indivíduo”. 

Captura do desejo

Para L. von Mises, no sistema de mercado livre, “os consumidores são soberanos” e “desejam ser satisfeitos”. Mas, apontou Sung, “consumidor não é qualquer indivíduo” nesta lógica. “O nível é: todos somos humanos, mas nem todos os humanos são cidadãos, e nem todos os cidadãos são consumidores. O desejo soberano [se restringe] aos consumidores”.

Com base na impossibilidade de satisfação dos desejos - conforme alguns vão sendo satisfeitos, surgem novos desejos – von Mises chega a defender a avidez como “impulso que conduz o homem em direção ao aperfeiçoamento econômico”. Afirma, ainda, que “ manter alguém contente com o que já conseguiu ou pode facilmente conseguir, sem interesse por melhorar suas próprias condições materiais não é uma virtude”. 

“Essa é a tese teórica”, salientou Sung, lembrando que a sociedade vem criando mecanismos para, justamente, controlar a avidez do desejo individual. “Nós somos seres infinitos na condição de finitude e o nosso desejo é infinito, mas, em uma economia escassa, não há satisfação para todos”. 

E se não há satisfação para todos, então, como lidar com a frustração? “A saída neoliberal é a criação de uma verdadeira teologia da culpa”. No capitalismo, todos somos alimentados pela frustração”, apontou.

Teologia da Culpa

“Se você não consegue ser o rei do chocolate, o campeão de boxe ou a estrela de cinema, você é o culpado. Essa é a teologia da culpa: o indivíduo passa a ser culpado pela sua própria frustração”, explicou. E trata-se de uma culpa que atinge a todos, começando pelos mais pobres. 

“Por que pobre é pobre? Porque é culpado. Ele merece a sua pobreza”. Segundo essa lógica, “o pobre que não pode comprar brinquedo para o filho assume a culpa duas vezes: pela pobreza e por sentir culpa em ser pobre”. Enquanto isso, o Mercado se consolida enquanto juiz transcendental. 

“Se a culpa é de todos, por conta da distribuição de riqueza, quem é o juiz que faz essa destruição? O Mercado. Mas, eu posso questionar o mercado? Não. Ele é inquestionável, está além do bem e do mal, do injusto e do justo”. Na medida em que não está sob o juízo humano, o Mercado se torna algo sagrado. “E o sagrado é aquilo que é separado do sistema profano, acima do juízo e do questionamento da justiça”, explicou. 

Sung também alertou: para o capitalista e para o neoliberalismo, o verdadeiro o problema “está nas pessoas que acreditam que os seres humanos têm direitos”.

Direitos Humanos

Ele explicou que o pensamento liberal moderno foi fundado na tradição neotestamentária. Segundo essa tradição, primeiramente, “todos os homens são iguais perante a Deus. Depois, todos os homens passaram a ser iguais perante as leis; e, de acordo com a razão moderna, a essência humana traz consigo direitos implícitos”. 

São justamente esses direitos implícitos, denunciou, que estão sendo rejeitados pela teoria pós-moderna ao defender que “tudo é cultural”, inclusive, “afirmar que a natureza humana dá direitos é cultural”. Sob essa ótica, “o grande erro das esquerdas e dos humanistas é acreditar que ser humano tem direito por natureza. Não tem. Quem não conseguiu direitos no contrato do mercado, não tem direito nenhum”.

Essa é a narrativa dos que criticam programas sociais como o Bolsa Família ou o Mais Médicos. “Se pobre não tem direito a comer, porque não tem direito, o que é um programa social como o Bolsa Família? Um roubo. Você tira de quem tem direito – e o ganhou justamente via Mercado - e passa para quem não tem direito”. 

Daí a inversão, situou Sung, já que “os defensores dos direitos dos pobres e dos programas sociais tornam-se os grandes malfeitores da humanidade”. A violência explode: “eu estou frustrado porque esse desgraçado de esquerda continua querendo o meu imposto para dar para esses pobres desgraçados. De quem é a culpa da minha frustração? Da esquerda e dos pobres. Aí eles colocam fogo no mendigo”, destacou. 

Deveres 

Quando o então ministro Alexandre Padilha (Saúde) comemorava o sucesso do Mais Médicos, ele estava reafirmando não apenas o direito das pessoas à Saúde, mas o dever do Estado para com elas. No entanto, muitas pessoas foram contra o programa e retrucaram: “eles não têm direitos e nós não temos deveres. Isso é um roubo”. “Tratam-se de duas estruturas de pensamento diferentes. Saber isso nos ajuda a compreender a agressividade”, explicou.

Em sua avaliação, sempre existiram egoístas exagerados, a diferença é que antes, “as pessoas tinham vergonha de ser publicamente egoístas, porque havia uma pressão cultural. Hoje, elas têm orgulho. Depois que passar a vergonha do Temer, vai continuar esse orgulho e ele vai continuar enquanto esse modelo civilizatório prevalecer”. 

A lógica da Responsabilidade

Segundo Sung, “nós retornamos a um debate surgido no século XVIII: o ser humano tem direitos? Para os defensores do neoliberalismo, esses direitos são vistos como ´coisa de bandido´. O processo tecnológico chegou ao ponto de destruir as bases humanistas do mundo moderno”.

A saída, apontou, “está na luta social”. Uma luta que, em última instância, pressupõe “a descoberta dos direitos fundamentais de todos os seres humanos”. Sung também alertou: “culpa e humilhação não acabam quando você come. Quando você come, você mata a fome. Isso vai aparecer em violência familiar, em neuroses, loucuras. E quem se sente culpado não luta”. 

Em sua avaliação, “para sair desse entrave é preciso lembrar que apenas um mito combate outro mito”. Citando a experiência do apóstolo Paulo de Tarso que, em pleno Império romano, conseguiu criar comunidades de resistência, Sung avaliou que “Paulo tem algo a nos ensinar”, sobretudo, quando afirma: 

“Enquanto ainda éramos inimigos de Deus, Deus se reconciliou conosco” (Rom 5,10). 

Essa citação, analisou, é uma “crítica radical à ideia de Deus norteadora das culturas de opressão, que pressupõem um Deus que culpa e pune. E não um Deus – não importa aqui se existe Deus ou não – que humaniza o ser humano e se reconcilia. Antes de qualquer articulação cultural, todos os seres humanos têm direito à vida”. 

A proposta de Paulo, avaliou, abre uma fenda na “lógica da culpa” e nos permite entrar em outra lógica: a da responsabilidade. “É preciso responder aos problemas sociais. A lógica da responsabilidade nos chama à ação. A lógica da culpabilidade apenas aponta o culpado. E apontar culpados não resolve nada”, concluiu.

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Leia na próxima reportagem a análise da professora Magali Cunha sobre o discurso religioso do neoliberalismo.

Texto original: CARTA MAIOR

ENTREVISTA COM HENRIQUE MEIRELES e AS HORAS DA DISCÓRDIA


De um governo neoliberal, que assume o poder por via indireta, amplamente questionável, pouco se pode esperar, pois ele sempre agirá em benefício dos interesses do grande capital, dos grandes empresários, já que tem por meta principal, construir o estado mínimo, diminuir os direitos sociais dos trabalhadores, arduamente conquistados nos últimos 65 anos e sobretudo aumentar rapidamente os lucros dos empresários.  Um governo assim pode propor aquilo que mais combina com sua ideologia, mas se isso será viabilizado é outra coisa....Jacob
 
O plano A é o controle de despesas, o B é privatização, e o C, aumento de imposto


09/07/2016
 
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, propôs como meta para as contas públicas no ano que vem um déficit máximo de R$ 139 bilhões, sem contar os gastos com juros. Apesar do número gigantesco, Meirelles diz que será preciso um esforço extraordinário. Se as contas seguissem o ritmo dos últimos 16 anos, haveria um aumento de 6% acima da inflação em 2017. A proposta de Meirelles é impedir este crescimento, contendo a elevação de gastos em saúde e educação, hoje obrigatórios por lei. Na prática, diz ele, será preciso evitar despesas de R$ 80 bilhões.
Os planos do ministro preveem outra guinada: um aumento de R$ 55 bilhões nas receitas em 2017, invertendo a trajetória de queda dos últimos anos. Para atingir sua meta, Meirelles diz ter um plano A, um plano B e um plano C. Suas diferentes estratégias incluem de privatizações ao aumento do imposto sobre a gasolina (Cide), do IOF e do PIS-Cofins, que inclui, por exemplo, alimentos como o salmão, um “item de luxo”. Abaixo, trechos da entrevista concedida na sexta-feira.
 
A meta fiscal menor acabou surpreendendo?
Não há dúvida de que a mensagem foi de austeridade. A medida mais importante foi a redução das despesas. Caso as despesas continuassem com o ritmo de crescimento dos últimos 16 anos, teríamos um déficit de R$ 274 bilhões. O que significa que, para chegarmos ao déficit de R$ 139 bilhões, consideramos R$ 80 bilhões de corte de despesas. Essa, sim, foi a grande alteração.
 
De onde virá esse corte?
Eles dependem da aprovação da emenda constitucional que cria um teto para o gasto público. Teremos um limitador importante para saúde e educação, que passam a crescer no mesmo ritmo do teto. Caso se considere que existe uma possibilidade grande de a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) não ser aprovada, ou que de fato ela não seja no decorrer deste ano, aí a correção terá de ser fundamentalmente nos demais gastos não previdenciários.
 
Serão necessárias medidas adicionais?
Não é um corte de R$ 80 bilhões em cima de um patamar atual. Existe, sim, uma limitação de crescimento, que é de R$ 80 bilhões. É o que seria se as despesas crescessem no ritmo real de 6% acima da inflação. Aí, sim, chegaria a esse número.
 
A PEC garante esse corte?
Garante. Só o controle de despesas levaria a um déficit de R$ 194 bilhões. Mas, com a recuperação das receitas, o déficit cai para R$ 139 bilhões.
Como será essa recuperação de receitas? Com alta da Cide?
Nos últimos anos, as receitas tributárias têm caído sistematicamente como proporção do PIB. Ao contrário do que aconteceu em décadas anteriores. Não é razoável esperar que isso continue. É uma anormalidade.
 
Por quê?
Acredito ser o resultado das incertezas econômicas, posteriormente da recessão. A questão hoje é que é difícil mensurar quanto será isso. Na medida em que, nos últimos anos, a confiança foi caindo, foi caindo a arrecadação tributária. É uma correlação. No momento em que há uma recuperação, a curva da confiança reage de forma bastante evidente – o que já está acontecendo. Nossa expectativa é que isso, no devido tempo (tem aí uma defasagem), comece a se refletir também na arrecadação tributária e portanto haja, em 2017, uma recuperação da arrecadação tributária em relação a 2016. Só isso já poderia gerar grande parte desse aumento de receita.
 
Teremos privatizações, concessões, outorgas, securitizações etc. Elas virão de qualquer maneira. Como virá de qualquer maneira a recuperação da receita
 
Mas não suficiente...
Teremos privatizações, concessões, outorgas, securitizações etc. Elas virão de qualquer maneira. Como virá de qualquer maneira a recuperação da receita. Se chegarmos em 31 de agosto com a conclusão de que existe um risco de a meta não ser cumprida então, podemos, sim, ter aumento de impostos. Já temos estudos sobre isso. Agora: existe uma ordem de prioridades. Teremos uma visão mais clara das avaliações, por exemplo, de campos de petróleo e quanto se poderia, naquele momento, arrecadar com determinadas privatizações ou IPOs (ofertas iniciais de ações). Outra forma é a venda de ativos do BNDES.
 
Que tipo de ativos?
Ações de empresas que estão na carteira do BNDESPar poderiam ser vendidas. Isso gera capacidade de o BNDES pagar dividendos. Petrobrás também. No caso dela, vamos ver como ficam os resultados. Existe uma vasta lista de possibilidades que serão estudadas com maior precisão até o fim de agosto. O que temos que decidir no fim de agosto é quais são as estimativas.
Mas, se vocês não sabem exatamente o que pode entrar, como fizeram a estimativa?
Primeiro, o aumento da arrecadação tributária pode cobrir tudo isso. Então, isso é a primeira estimativa. No número que mencionei, de R$ 194 bilhões, está a continuação da tendência atual, de queda. E isso não vai acontecer. Parando de cair, já tem um efeito de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões. Então, só isso já resolve uma boa parte do problema.
 
As privatizações são uma rede de segurança?
Isso. E tem uma segunda rede, que é aumento de imposto. Inclusive alguns de trâmite mais rápido, como a Cide. Ou alguns que dependem do Congresso, como o PIS-Cofins.
A Cide interessa ao setor sucroalcooleiro, mas tem impacto inflacionário. O sr. já conversou com o presidente do BC sobre isso?
Já. O que sabemos é que existem custos de aumento da Cide. Temos de avaliar qual seria de fato o aumento nas expectativas de inflação do ano que vem. São questões de projeção versus um aumento, por exemplo, de PIS-Cofins.
O PIS-Cofins seria um aumento para setores específicos?
Uma possibilidade é o aumento por setores específicos. Por exemplo, produtos de luxo que estão incluídos na cesta básica, como o salmão.
A discussão é se o salmão é básico ou luxo?
Não é básico. Outro peixe não serve? Digamos, um robalo? Estou usando um exemplo que é de pequeno montante, mas que pode ser aplicado. Existe uma série de outras coisas: algumas operações de IOF.
IPI pode ser?
O IPI seria uma alternativa mais secundária. Porque só com Cide ou Pis-Cofins, mais essas outras, já se poderia cobrir qualquer diferença.
Muitos analistas lamentam o fato de o governo não ter aumentado a tributação sobre o sistema financeiro. O sr. vê dessa forma?
Não acho adequado fazer julgamentos setoriais. Um dos problemas do governo anterior foi justamente tentar tributar ou desonerar setorialmente. E os efeitos disso não foram os melhores possíveis. Estamos discutindo, se for necessário tributo, o que menos afeta a atividade econômica, o que mais teria efeito em evitar o aumento do desemprego.
 
Pode ter oneração de folha?
O ideal é que qualquer oneração só viesse a ocorrer depois de uma recuperação econômica já estabelecida. Se necessário.
No caso da alta do IOF, ela tem de ser setorial?
Exatamente. Mesmo no PIS-Cofins, estou mencionando o salmão, que é setorial. O que fizemos foi decidir, nesse momento, qual a melhor alternativa possível para gerar receita adicional de R$ 55 bilhões.
Houve descrédito com o risco de déficit muito elevado para 2017. Foi uma preocupação?
Nenhuma. Sabia que ia prevalecer o que fosse o mais adequado à recuperação da confiança e factível do ponto de vista de política pública, de acordo com decisão do presidente.
 
O Brasil terá uma nova onda de privatizações?
Sim. É a nossa opinião. Vai muito além do que estamos calculando como meta primária. A geração de receitas para União e Estados é um efeito secundário. Mais importante que isso é aumentar o potencial de crescimento da economia.
 
O crescimento vem mais rápido do que se está esperando?
É possível, sim, que isso aconteça. Por isso, estou dizendo que é necessário dar confiança de que essa meta será cumprida. E será. Por isso que não temos apenas o plano A, que seria o controle das despesas e o aumento da arrecadação. Além disso, tem as privatizações, que são o plano B, e o plano C, que são os tributos.
 
De que maneira o impeachment afeta sua estratégia?
Não estamos levando em conta esse ponto nos nossos cálculos. No entanto, caso ocorra a recuperação maior da confiança, na hipótese de que seja concluído o processo de impeachment, teremos uma recuperação da atividade maior ainda do que estamos prevendo. Caso isso ocorra, a capacidade ociosa da economia pode atuar de forma favorável. Voltando a demanda, não é necessária a construção de novas fábricas. E, mais à frente, espera-se a retomada de investimentos.
O sr. assumiu o compromisso ousado de um déficit primário zero em 2019. Os analistas previam essa virada em 2021...
É rigoroso, austero, mas factível. É ousado no sentido de ser um compromisso sério. Não no sentido de assumir riscos.
 
A reforma da Previdência está nessa conta?
Vamos por partes. Não está para 2017. Para 2019, também não. A reforma da Previdência tem resultados a longo prazo.
A queda do dólar pode atrapalhar a retomada das exportações?
A taxa de câmbio é um dado da realidade. Não é algo que adianta predeterminar. A capacidade de exportação da economia não é determinada só pela taxa de câmbio, mas também pela produtividade, pela capacidade competitiva.
Especulações sobre candidatura à Presidência atrapalham seu trabalho?
Não. Sou candidato a fazer um bom trabalho no Ministério da Fazenda, enquanto estiver aqui.

Estadão
 
 
 
 

 AS HORAS DA DISCORDIA
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 Fábio de Oliveira Ribeiro      Fábio de Oliveira Ribeiro
DOM, 10/07/2016 - 09:32
 
Por Fábio de Oliveira Ribeiro/GGN
 
Esta semana o governo interino sinalizou que pretende acolher a demanda dos empresários de aumentar a jornada de trabalho. Os empresários estão divididos: alguns exigem 80 horas semanais; outros, mais modestos, ficarão satisfeitos com 60 horas semanais.
Sou advogado há 25 anos e sempre defendi trabalhadores. Por quase 10 anos atuei como estagiário e advogado em Sindicatos operários. Tenho algumas coisas a dizer sobre este assunto.
Uma pesquisa rápida utilizando o Google dá uma dimensão da importância do tema. A expressão “horas extras” tem 3 milhões referências; “horas extraordinárias” tem modestos 734 mil citações; “banco de horas” é recordista isolado conduzindo a 17,3 milhões de linkes. As estatísticas da Justiça do Trabalho registram um fato importante: a maioria dos processos trabalhistas referem-se a horas extraordinárias que não foram pagas http://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2014/03/pagamento-de-hora-extra-e-lider-em-numero-de-processos-na-justica.html.
No Brasil a jornada de trabalho é de 44 horas semanais. Existem algumas exceções à esta regra geral: o bancário tem jornada de 30 horas; trabalhadores submetidos a turnos de revezamento tem direito a 36 horas semanais; os técnicos em radiologia cumprem jornada semanal de 24 horas; etc… As horas excedentes devem ser remuneradas com acréscimo de 50% nos dias normais e 100% nos domingos e feriados. A jornada de trabalho pode ser diminuída e o valor pago pelas horas extras pode ser aumentado mediante acordo ou convenção coletiva.
As regras são claras. Mas raramente são cumpridas pelos empregadores. A lógica que leva à violação contumaz da legislação do trabalho neste caso é impiedosa: os empresários sabem que nem todos os trabalhadores reclamarão seus direitos, também sabem que nem todos aqueles que reclamarem receberão integralmente as horas extras que realizaram (a sobrejornada depende de prova e nem sempre a mesma pode ser produzida).
Algumas táticas sujas são empregadas pelos empresários que não pretendem pagar horas extras. As mais comuns são: adotar dois cartões de ponto (um para a jornada normal, outro para as extras);  obrigar o empregado a registrar no cartão apenas a jornada normal de trabalho; adotar o sistema de banco de horas e se apropriar do saldo de extras quando da dispensa do empregado; pagar algumas extras (registradas ou não num segundo cartão de ponto) por fora da folha de pagamento. Sempre que são demandados, estes empregadores negam a sobrejornada e apresentam apenas os cartões de ponto do horário normal de trabalho. Isto obrigará o empregado a provar as extras através de testemunhas, que podem ou não existir. Quando existem e comparecem para depor, nem sempre as testemunhas conseguem lembrar exatamente qual era a jornada de trabalho do empregado lesado e o empregador fica no lucro.  
O Ministério Público do Trabalho poderia tomar providências contra as empresas que violam de maneira contumaz as regras da jornada de trabalho. Mas isto raramente ocorre. Em geral os próprios lesados é que tem que provocar a Justiça do Trabalho. Os processos são muitos e, portanto, demorados. Alguns trabalhadores ganham suas ações e recebem tudo que tem direito, outros aceitam acordos irrisórios. Os que não provam o trabalho extraordinário perdem seus processos. Não conheço um só escritório de advocacia que não tenha uma dezena ou mais de casos que foram ganhos, liquidados e que não resultaram em benefícios econômicos para os empregados em razão da falência da empresas e/ou desaparecimento dos empresários.
As regras gerais da jornada de trabalho estão prescritas na CF/88. Para atender os empresários Michel Temer terá que mudar a constituição ou rasgá-la. O golpe dentro do golpe certamente seria apoiado pelos empresários, mas despertaria a reação dos trabalhadores obrigando o interino a se transformar num ditador sanguinário.
Os empregadores dizem que o aumento da jornada de trabalho melhorará a competitividade do país. Este argumento é uma falácia. Se realmente pretendessem fazer isto eles reduziriam suas retiradas de “pró-labore” e deixariam de pagar salários nababescos aos administradores, engenheiros, economistas e especialistas que encarregam de maximizar os lucros esmagando os trabalhadores como se eles fossem cana de açúcar.
Não. Os empresários não querem aumentar a competitividade do país. O que eles querem é apenas aumentar ainda mais seus lucros mediante a redução política dos salários e das garantias trabalhistas. A CLT expressamente proíbe a redução salarial. Portanto, o governo provisório não poderia atender a demanda dos empresários sem destruir totalmente o legado de Getúlio Vargas: a CLT e a Justiça do Trabalho.
Se a proposta do governo provisório vingar, em todos os aeroportos brasileiros devemos afixar cartazes com os seguintes dizeres:“Bem vindos a República Velha”. Os paulistas que assaltaram o poder utilizando os preciosos serviços da dupla Eduardo Cunha/Sérgio Moro (o bandido e o juiz, muito embora Cunha tenha sido o primeiro juiz do Impedimento e Moro se iguale aos bandidos quando abusa acintosamente da Lei Penal que deveria aplicar com isenção) pretendem reconstruir o regime político excludente, elitista, desumano e predatório que provocou as rebeliões populares e militares que conduziram o Brasil à Revolução de 1930.
Melhor recolocar Dilma Rousseff na presidência antes que as indústrias de São Paulo sejam totalmente destruídas em razão do recomeço da Guerra de 1932. Mas se aquela guerra recomeçar, direi apenas uma coisa quando as bombas provocarem a reurbanização indesejada dos bairros nobres da capital paulista: bem feito.