DEPUTADO RELATA COMO FOI TORTURADO PELA PM DE SARTORI
A Brigada Militar do Rio
Grande do Sul, do governo de Ivo Sartori (PMDB), montou uma operação de guerra
para despejar famílias que ocupavam um prédio no centro de Porto Alegre na
noite desta quarta-feira 14. No episódio, um deputado que tentava conciliar a
ação foi agredido e preso, mesmo depois de ter informado que era parlamentar.
"Eu não só fui agredido,
como fui arrastado no meio da tropa, fui algemado para trás, me estrangularam,
levei tiros de borracha nas pernas, me colocaram na gaiola da viatura, andaram
comigo pelas ruas", descreveu o deputado estadual Jeferson Fernandes, do
PT.
Como presidente da Comissão
de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, ele presidida uma audiência
pública com as famílias, primeiro na Casa Legislativa, depois na frente do
prédio da ocupação, e pedia a presença de um oficial de Justiça, quando a
Brigada Militar chegou com dezenas de homens do Choque, como disse ele, pronta
para o "ataque".
A ordem de reintegração de
posse foi determinada pela juíza Aline Santos Guaranha, da 7ª. Vara da Fazenda
Pública de Porto Alegre, há cerca de um ano e sete meses. No despacho, a
magistrada recomendou "o cumprimento da ordem aos feriados e finais de semana
e fora do horário de expediente, se necessário, evitando o máximo possível o
transtorno ao trânsito de veículos e funcionamento habitual da cidade".
A Brigada Militar cumpriu o
despejo no período da noite, na véspera do feriado de Corpus Christi. A ação da
Brigada começou quando o grupo que participava da Comissão na Assembleia chegou
até o local da ocupação, chamada de Lanceiros Negros, para dar sequência à
audiência. Além do deputado, ao menos outras sete pessoas foral levadas presas.
O PT do Rio Grande do Sul
exigiu, em nota, "a imediata exoneração" do Secretário de Segurança,
Cezar Schirmer, e do comandante da Brigada. O PT nacional, em nota assinada
pela presidente Gleisi Hoffmann (PT-PR), denunciou o abuso e a violência
policial do governo Sartori. O presidente da Assembleia, deputado Edegar Pretto
(PT), disse que a casa foi "violentamente afrontada com a prisão do
deputado".
Confira o relato feito pelo
parlamentar ao 247 nesta quinta-feira 15:
·
A Brigada Militar
chegou com alguma justificativa para o uso da força na ocupação?
Chegaram já com absoluta
violência, ninguém falou nada. Já tinha uma formação de ataque contra os
ocupantes. Eu estava presidindo a audiência pública, que começou dentro do
parlamento e se estendeu para a rua, porque havia a iminência do despejo. Eu
fui o primeiro que eles abordaram, e começaram a bater, jogar gás, dar muito
tiro.
·
O senhor foi
agredido? De que forma?
Eu não só fui agredido, eu
fui arrastado no meio da tropa, fui algemado, me estrangularam, levei tiros de
borracha nas pernas, me colocaram dentro da gaiola (da viatura), com duas
mulheres dentro naquele espaço de trás, andaram comigo pelas ruas. A viatura
ficou uns 20 minutos em frente ao Palácio Piratini, sede do governo do Estado.
Depois disso, pela repercussão que o caso ganhou, eles simplesmente deslocaram
a viatura para uns 100 metros dali e me soltaram, na rua, e mantiveram as
outras pessoas presas, que para eles tinham menos importância. E eu fui solto a
partir de então.
Mas o que eu acho importante
dizer é que o despacho da juíza que autorizou o despejo dizia que tinha que ter
conselho tutelar no local, porque era uma ocupação com muitas crianças. A
maioria era mulheres. Não autorizava pessoalmente a ocupação ser à noite, muito
menos o uso da força. Dizia lá se necessário o uso da força, mas eles chegaram
batendo. Isso é irrefutável, porque tudo foi transmitido ao vivo. O que eu
pedia era que viesse oficial de Justiça para ler o mandado e que aparecesse o
comandante da tropa. Depois de muito apelo, apareceu um oficial de Justiça.
·
Não havia oficial
de Justiça então até o momento?
Ele devia estar atrás, em
meio aos policiais militares. Porque me deram um megafone, e com muito apelo,
depois de levar muito gás, paulada enfim, ele apareceu dizendo para eu sair da
frente. E aí eu cobrei, quis saber qual era o procedimento da desocupação, que
estava ocorrendo à noite, que tinha crianças. E o cara disse 'não vai sair,
pode prender'.
Daí foi nesse momento que
eles me derrubaram, outras lideranças também foram arrastadas para o meio da
tropa, e aí aquilo tudo que eu já te falei, algemado para trás, mão, braço
torcido, cassetete na cabeça, muito xingamento. Um troço absurdo porque eu
atuava como parlamentar, como presidente da Comissão dos Direitos Humanos, em
plena audiência pública sobre o assunto.
·
Ao longo de todo
esse episódio, estava claro para eles que o senhor era parlamentar?
Todo mundo gritava que eu era
parlamentar. Depois de muito anúncio que eu estava ali, apareceram dois
oficiais de Justiça, que simplesmente disseram para sair da frente.
·
Qual a situação
das famílias neste momento?
Eles tiraram todas as
famílias, muitos colegas levaram as famílias para alguns locais onde pudessem
dormir. Eu estou preocupado, porque são dezenas de famílias. Muitas são vítimas
do tráfico, moravam na rua, outras foram vítimas agora das enchentes no Estado,
sem contar indígenas que moravam nas calçadas, e tinham uma vida decente na
ocupação.
Aquele prédio é do Estado e
não tinha uma destinação e continua não tendo. O Estado não disse para quê vai
usar o prédio e não fez uma mediação para o destino das famílias. O governador,
que é o mesmo autor da ação, comandou também essa atrocidade por parte da
Brigada Militar.
·
Como foi o exame
de corpo de delito?
O médico registrou lesões na
minha cabeça por conta do cassetete, hematomas nas pernas por causa dos tiros
de bala de borracha, pulsos marcados pelas algemas e muita ardência no rosto,
devido ao spray de pimenta.
·
O senhor chegou a
ter alguma conversa com alguém do governo desde então?
O presidente da Assembleia,
Edegar Pretto, tentou várias vezes falar com o governador, mas não conseguiu.
Eu nem tinha condições psicológicas para fazer qualquer contato. Eu estou
cobrando, via imprensa, um posicionamento do presidente do Tribunal de Justiça
e do governador se é essa a orientação que eles dão de ação da Brigada Militar
por ocasião de despejo. Houve uma ruptura institucional conosco do parlamento e
é necessário um posicionamento dos chefes desses outros poderes.
·
Há definição de
alguma medida a ser tomada por parte da Assembleia?
Eu estou em casa nesse
momento, tentando me recompor, das lesões e do abalo, mas eu vou assim que
possível conversar com o presidente, Edegar Pretto, e os demais companheiros da
Comissão de Direitos Humanos para ver, além dessas de exigir posicionamentos
dos outros poderes, quais outras medidas podemos adotar.