segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Médicos cubanos - I

O que você precisa saber sobre médicos cubanos
 
Membro do núcleo de estudos cubanos da Universidade de Brasília, o jornalista Hélio Doyle, que conhece como poucos a realidade do país, expõe argumentos técnicos sobre a vinda de profissionais de saúde; ele diz, por exemplo, que eles já atuaram em regiões remotas do País no passado, sem que houvesse qualquer gritaria; como Cuba é um país socialista, a contratação é feita diretamente junto ao Estado, que tem a preocupação de preservar baixos índices de desigualdade; dos 78 mil doutores cubanos, que têm uma das melhores relações médico/paciente do mundo, 30 mil atuam no exterior o índice de deserção é baixíssimo
 
24 de Agosto de 2013 – Brasil 247
247 - Profundo conhecedor da realidade de Cuba e membro do núcleo de estudos cubanos da Universidade de Brasília, o jornalista Hélio Doyle produziu diversas análises técnicas, e sem ranço ideológico, sobre a importação de 4 mil profissionais pelo governo brasileiro.
 
Os textos foram cedidos ao 247 e permitem uma maior compreensão sobre um tema que tem gerado tanto debate. Leia abaixo seus artigos:
 
O QUE NÃO SE DIZ SOBRE OS MÉDICOS CUBANOS
 
A grande imprensa brasileira, que nos últimos anos exacerbou, por incompetência e ideologia, a superficialidade que sempre a caracterizou, tem sido coerente ao tratar da vinda de quatro mil médicos cubanos: limita-se a noticiar o fato e reproduzir as críticas das associações corporativas de médicos e dos políticos oposicionistas. Mantém-se fiel à superficialidade que é sua marca, acrescida de forte conteúdo ideológico conservador e de direita.
 
Não conta, por exemplo, que médicos cubanos já trabalharam no Brasil, atendendo a comunidades pobres e distantes nos estados de Tocantins, Roraima e Amapá. Não houve nenhuma reclamação quanto à qualidade desse atendimento e nenhum problema com o conhecimento restrito da língua portuguesa. Os médicos cubanos tiveram de deixar o Brasil por pressão do corporativismo médico brasileiro – liderado por doutores que gostam de trabalhar em clínicas privadas e nas grandes cidades.
 
A grande imprensa não conta também que há mais de 30 mil médicos cubanos trabalhando em 69 países da América Latina, da África, da Ásia e da Oceania, lidando com pessoas que falam inglês, francês, português e dialetos locais. Só no Haiti, onde a população fala francês e o dialeto creole, há 1.200 médicos cubanos – que sustentam o sistema de saúde daquele país e, como profissionais com alto nível de educação formal, aprendem rapidamente línguas estrangeiras.
 
O professor John Kirk, da Universidade Dalhousie, no Canadá, estudou a participação de equipes de saúde de Cuba em vários países e é dele a frase seguinte: “A contribuição de Cuba, como ocorre agora no Haiti, é o maior segredo do mundo. Eles são pouco mencionados, mesmo fazendo muito do trabalho pesado”. Segredo porque a imprensa internacional – especialmente a estadunidense — não gosta de falar do assunto.
 
Kirk contesta o argumento de que os médicos cubanos que atendem as comunidades pobres em vários países não são eficientes por não dominar as últimas tecnologias médicas: “A abordagem high-tech para as necessidades de saúde em Londres e Toronto é irrelevante para milhões de pessoas no Terceiro Mundo que estão vivendo na pobreza. É fácil ficar de fora e criticar a qualidade, mas se você está vivendo em algum lugar sem médicos, ficaria feliz quando chegasse algum”.
 
O problema dos que contestam a vinda de médicos estrangeiros e, em especial dos cubanos, é que as pessoas que passam anos ou toda a vida sem ver um médico ficarão muito felizes quando receberem a atenção que os corporativistas do Brasil lhes negam e tentam impedir.
 
SOCIALISMO E GUERRA FRIA
 
Duas informações referentes à vinda de médicos cubanos para o Brasil e que podem ser úteis aos que querem ir além do que diz a grande imprensa:
 
- Cuba é um país socialista e por isso, gostemos ou não, as coisas não funcionam exatamente como em um país capitalista. Como é um país socialista, há a preocupação de manter baixos os índices de desigualdade econômica e social. Por isso nenhuma empresa ou governo estrangeiro contrata trabalhadores cubanos diretamente, em Cuba ou no exterior (nesse caso quando a contratação é resultado de um acordo entre estados). Todos são contratados por empresas estatais que recebem do contratante estrangeiro e pagam os salários aos trabalhadores, sem grande discrepância em relação ao que recebem os que trabalham em empresas ou organismos cubanos. Os médicos que trabalham no exterior recebem mais do que os que trabalham em Cuba. Mas algo como nem muito que seja um desincentivo aos que ficam, nem tão pouco que não incentive os que saem.
 
- O governo dos Estados Unidos tem um programa especial para atrair médicos cubanos que trabalham no exterior. Eles são procurados por funcionários estadunidenses e lhes são oferecidas inúmeras vantagens para “desertar”, como visto de entrada, passagem gratuita, permissão de trabalho e dispensa de formalidades para exercer a atividade. Os que atuam na América Latina são os mais procurados e uma condição para serem aceitos no programa é que critiquem o sistema político cubano e digam que os médicos no exterior são oprimidos e mantidos quase como escravos. Os que aceitam as ofertas dos Estados Unidos, os que emigram para outros países ou ficam no país que os recebe depois de terminado o contrato representam cerca de 3% dos efetivos.  No Brasil, mantida essa média, pode-se esperar que até 120 dos quatro mil médicos cubanos “desertem”.
 

UM SISTEMA IRREAL
 
A citação a seguir é do New England Journal of Medicine: “O sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos. Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu sistema de saúde resolveu problemas que o nosso [dos EUA] não conseguiu resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do que os EUA”.
 
Menções elogiosas ao sistema de saúde cubano e a seus profissionais são frequentes em publicações especializadas e ditas por autoridades médicas e organizações internacionais, como a Organização Mundial de Saúde, a Organização Panamericana de Saúde e o Unicef. Mas mesmo assim, querendo negar a realidade, médicos e políticos brasileiros insistem em negar o óbvio, chegando ao absurdo de dizer que nossa população está correndo riscos ao ser atendida pelos cubanos.
 
Para começar, os indicadores de saúde em Cuba são os melhores da América Latina e estão à frente dos de muitos países desenvolvidos. A mortalidade infantil, por exemplo (4,8 por mil), é menor do que a dos Estados Unidos. Aliás, para os que gostam de dizer que Cuba estava melhor antes da revolução de 1959, naquela época era de 60 por mil. A expectativa de vida dos cubanos é também elevada: 78,8 anos.
 
Outro aliás quanto aos saudosistas: em 1959, Cuba tinha seis mil médicos, sendo que três mil correram para os Estados Unidos quando viram que não haveria mais lugar para o sistema privado de saúde e que os doutores elitistas e da elite perderiam seus privilégios. Hoje tem 78 mil médicos, um para cada 150 habitantes, uma das melhores médias do mundo. Isso permite a Cuba manter mais de 30 mil médicos no exterior. Desde 1962, médicos cubanos já estiveram trabalhando em 102 países.
 
Em 2012 formaram-se em Cuba 5.315 médicos cubanos em 25 faculdades públicas e 5.694 estrangeiros, que estudam de graça na Escola Latino-americana de Medicina (Elam). A Elam recebe estudantes de 116 países, inclusive dos Estados Unidos, e já formou 24 mil estrangeiros.
 
Os médicos cubanos se formam após seis anos de graduação, incluindo um de internato, e mais três ou quatro anos de especialização. Os generalistas, que atendem no sistema Médico da Família (um médico e um enfermeiro para 150 a 200 famílias, e que moram na comunidade que atendem) são preparados para atuar em clínica geral, pediatria, ginecologia-obstetrícia e fazer pequenas cirurgias.
 
Dos quatro mil médicos que vêm para o Brasil, todos têm especialização em medicina de família, 42% já trabalharam em pelo menos dois países e 84% têm mais de 16 anos de atividade. Grande parte já atuou em países de língua portuguesa, na África e em Timor-Leste. Foi em Timor, a propósito, que ocorreu o fato seguinte: o embaixador estadunidense exigiu do então presidente Xanana Gusmão que expulsasse os médicos cubanos. Xanana perguntou quantos médicos dos Estados Unidos havia no Timor-Leste e quantos o país mandaria para substituir os mais de duzentos cubanos que estavam lá. Diante da resposta, de que havia apenas um, que atendia os diplomatas norte-americanos, e que não viria mais nenhum, Xanana, simplesmente, disse que os cubanos ficariam. E estão lá até hoje. Falando português.
 
OS LIMITES DO CORPORATIVISMO
1 – Sindicatos de trabalhadores existem para defender os interesses das categorias profissionais que representam. São corporativistas por definição.
 
2 – É natural que esses interesses conflitem com os de seus empregadores, especialmente em questões ligadas à remuneração e condições de trabalho.
 
3 – Muitas vezes os interesses de uma categoria batem de frente com interesses de outras categorias, e aí cada sindicato defende seus representados, o que também é natural.
 
4 – Outras vezes os interesses de uma categoria colidem com interesses do país e da sociedade. Essa é uma questão complicada: quem tem legitimidade para definir os interesses nacionais é a população, que só é consultada quando elege seus governantes e representantes. E esses governantes e representantes têm, muitas vezes, sua legitimidade contestada.
 
A contradição entre interesses corporativos e interesses nacionais e da sociedade, assim, só pode ser resolvida pelos que têm legitimidade para expressar esses interesses nacionais e da sociedade em seu conjunto.
 
Nos últimos dias, tivemos três bons exemplos de como os interesses corporativos colidem com os da sociedade. São três causas que podem interessar às categorias profissionais, mas violam a legislação e ferem os direitos humanos e sociais:
 
- O sindicato dos servidores no Legislativo defendeu que funcionários da Câmara e do Senado recebam remunerações que superam o teto salarial que deve vigorar para todos.
- O sindicato dos aeroviários defendeu a tripulação que criou absurdos e desnecessários constrangimentos a uma criança de três anos e a sua família, por causa de uma doença não infecciosa.
 
- Os sindicatos de médicos são contra o trabalho de médicos estrangeiros no Brasil, mesmo não havendo médicos brasileiros interessados no trabalho que eles vão fazer.
 
O corporativismo é inevitável, e os interesses corporativos devem ser discutidos e considerados. Não podem é prevalecer quando contrariam interesses e direitos da sociedade: o teto salarial dos servidores tem de ser respeitado, ninguém pode ser submetido a constrangimentos por causa de uma doença e as pessoas têm o direito de receber assistência médica, seja de um brasileiro ou de um estrangeiro.
 
SISTEMA CUBANO DÁ “DE LAVADA”
 
As frases a seguir são de um médico cubano radicado no Brasil desde 2000. Insuspeito, pois abandonou Cuba. Formou-se lá e se especializou em epidemiologia e administração da saúde. Trabalhou por dois anos em Angola e veio para Santa Catarina em um acordo da prefeitura de Irati  com o governo de Cuba. Dois anos depois resolveu ficar no Brasil, onde vive com a mulher e quatro filhos. Critica o sistema de pagamento aos médicos, dizendo que ficava com 50% do que era pago pela prefeitura. Mesmo tendo “desertado”, não entra na onda dos médicos brasileiros e dos oposionistas de direita que atacam a vinda dos cubanos.
 
 O que o médico cubano Alejandro Santiago Benítez Marín, 51 anos, disse ao portal G1:
 
“Em dois meses, eu já entendia perfeitamente tudo (diferenças culturais, língua). Fazer medicina é igual em todo o lugar, só muda o endereço”.
 
“Eu não sou contra que eles venham, não. Os médicos cubanos são muito bons, nossa medicina é a melhor do mundo. Só não concordo com a forma como o governo quer pagar, repassando o dinheiro para Cuba e Cuba vai decidir a quantia que vai repassar. Isso não tem cabimento”.
 
 “Há médicos cubanos fazendo um excelente trabalho no Norte e Nordeste. O Conselho Federal de Medicina tem nos ofendido sem necessidade desde o início, chamando-nos de curandeiros, feiticeiros. Eu sou incapaz de ofender um médico brasileiro, mesmo conhecendo médicos brasileiros que cometem erros, a imprensa publica sempre. Tem médico ruim e bom tanto no Brasil quanto em Cuba. Não temos culpa do que está acontecendo no Brasil e que os médicos de fora têm que vir”.
 
 “Em Cuba é bem mais fácil o atendimento, não tem esta fila que há hoje no SUS, em que há a demora de três meses para a realização de exames simples, como ultrassonografia ou ressonância. Em Cuba este exame é feito no mesmo dia ou na mesma semana. Esta demora faz o diagnóstico médico ter que esperar”.
 
 “O sistema cubano dá ‘de lavada’ no SUS, tanto no atendimento normal quanto de emergência. A especialização nossa é muito boa, tanto que Cuba exporta médicos para mais de 70 países”.
 
 


 
 
 
 
 

Médicos cubanos -II

Entenda por que os médicos cubanos não são escravos
 
Especialista em estudos cubanos, o jornalista Hélio Doyle explica por que a remuneração dos profissionais de saúde de Cuba é paga diretamente ao governo de Raúl Castro; em primeiro lugar, porque os médicos, servidores públicos cubanos, estão vindo em missão oficial, e não como pessoas físicas; além disso, na sociedade cubana, é aceita a tese de que os ganhos com a exportação de serviços devem ser compartilhados entre toda a população; situação é análoga à de empresas brasileiras de engenharia que prestam serviços no exterior, onde a remuneração dos engenheiros é paga pelas construtoras, e não pelos governos; artigo é resposta clara à crítica conservadora
 
25 de Agosto de 2013
Brasil 247 - Autor de uma série de artigos sobre a vinda dos médicos
cubanos, reunidos no 247 sob o título "O que você precisa saber sobre médicos cubanos" (leia mais aqui), o jornalista Hélio Doyle publicou neste domingo uma resposta clara aos jornalistas e críticos do programa Mais Médicos que apontam escravidão na vinda de profissionais de saúde daquele país. Leia abaixo: 
 
UM POUCO MAIS SOBRE OS MÉDICOS CUBANOS
 
Parece que o último argumento contra a contratação dos médicos cubanos é a remuneração que vão receber. Pois é ridículo, quando prevalecem fatos, indicadores internacionais e números, falar mal do sistema de saúde e da qualidade dos médicos de Cuba. A revalidação de diploma também não é argumento, pois os médicos estrangeiros trabalharão em atividades definidas e por tempo determinado, nos termos do programa do governo federal. Não tem o menor sentido, também, dizer que os cubanos não se entenderão com os brasileiros por causa da língua – primeiro, porque vários deles falam o português e o portunhol, segundo porque os médicos cubanos estão acostumados a trabalhar em países em que a lingua falada é o inglês, o francês, o português e dialetos africanos, e nunca isso foi entrave.
 
Resta, assim, a forma de contratação e, mais uma vez sem medo do ridículo, falam até de trabalho escravo. Essa restrição também não tem procedência, nem por argumentos morais ou éticos (e em boa parte hipócritas), nem com base na legislação brasileira e internacional. Vamos a duas situações hipotéticas, embora ocorram rotineiramente.
 
 
1 – Uma empreiteira brasileira é contratada por um governo de país europeu para uma obra. Essa empreiteira vai receber euros por esse trabalho e levar àquele país, por tempo determinado, alguns engenheiros, geólogos, operários especializados e funcionários administrativos, todos eles empregados na empreiteira no Brasil. Encerrado o contrato no país europeu, todos voltarão ao Brasil com seus empregos assegurados. Quem vai definir a remuneração desses empregados da empreiteira e pagá-los, ela ou o governo do país europeu? É óbvio que é a empreiteira.
 
 
2 – Os governos do Brasil e de um país africano assinam um acordo para que uma empresa estatal brasileira envie profissionais de seu quadro àquele país para dar assistência técnica a pequenos agricultores. O governo brasileiro será remunerado em dólares pelo governo africano. A estatal brasileira designará alguns de seus funcionários para residir e trabalhar temporariamente no país africano. Quem vai definir a remuneração dos servidores da empresa estatal brasileira e lhes fará o pagamento, a estatal brasileira ou o governo do país africano? É óbvio que é a empresa estatal brasileira.
 
 
Por que, então, tem de ser diferente com os médicos cubanos? Eles não estão vindo para o Brasil como pessoas físicas, nem estão desempregados. São servidores públicos do governo de Cuba, trabalham para o Estado e por ele são remunerados. Quando termina a missão no Brasil (ou em qualquer outros dos mais de 60 países em que trabalham), voltam para Cuba e para seus empregos públicos.
 
 
Não teria o menor sentido, assim, que esses médicos, formados em Cuba e servidores públicos cubanos, fossem cedidos pelo governo de Cuba para trabalhar no Brasil como se fossem pessoas físicas sendo contratadas. Para isso, eles teriam de deixar seus postos no governo de Cuba. Como não faria sentido que os empregados da empreiteira contratada na Europa ou da estatal contratada na África assinassem contratos e fossem remunerados diretamente pelos governos desses países.  Trata-se de uma prestação de serviços por parte de Cuba, feita, como é natural, por profissionais dos quadros de saúde daquele país.
 
 
A outra crítica é quanto à remuneração dos médicos cubanos. Embora menor do que a que receberão os brasileiros e estrangeiros contratados como pessoas físicas, está dentro dos padrões de Cuba e não discrepa substancialmente do que recebem seus colegas que trabalham no arquipélago. É mais, mas não muito mais. Não tem o menor sentido, na realidade cubana, que um médico de seus serviços de saúde, trabalhando em outro país, receba R$ 10 mil mensais. E, embora os críticos não aceitem, há em Cuba uma clara aceitação, pela população, de que os recursos obtidos pela exportação de bens e serviços (entre os quais o turismo e os serviços de educação e saúde) sejam revertidos a todos, e não a uma minoria. O que Cuba ganha com suas exportações de bens e serviços, depois de pagar aos trabalhadores envolvidos, não vai para pessoas físicas, vai para o Estado.  
 
 
A possibilidade de ganhar bem mais é que faz com que alguns médicos cubanos prefiram deixar Cuba e trabalhar em outros países como pessoas físicas. É normal que isso aconteça, em Cuba ou em qualquer país (não estamos recebendo portugueses e espanhóis?) e em qualquer atividade (quantos latino-americanos buscam emigrar para países mais desenvolvidos?). Como é normal que muitos dos médicos cubanos aprovem o sistema socialista em que vivem e se disponham a cumprir as “missões internacionalistas” em qualquer parte do mundo, independentemente de qual é o salário. Para eles, a medicina se caracteriza pelo humanismo e pela solidariedade, e não pelo lucro.
 
É difícil entender isso pelos que aceitam passivamente, aprovam ou se beneficiam da privatização e da mercantilização da medicina e da assistência à saúde no Brasil.

  
 

 
Os criticos do médicos cubanos deveriam se preocupar com isso,
que ocorre no Brasil em pleno século XXI
 
Trabalho escravo em empresa do agronegocio sediada no Brasil
nos tempos atuais
 Trabalho escravo no Brasil - Século XIX
 

Para não esquecer


Os muitos significados dos 34 anos da Revolução IRANIANA

Beto Almeida

 

Há 34 anos, num 11 de fevereiro como hoje, um poderoso movimento de massas, liderado pelo Aiatolá Khomeini, com a participação massiva de trabalhadores, jovens, mulheres, religiosos, conseguia por fim, após anos de resistência e meses de mobilizações diárias, derrubar o regime monárquico, ditatorial de Reza Pahlevi, aliado do imperialismo inglês e estadunidense, que aliás apóiam o desenvolvimento nuclear do Irã, como parte da estratégia mundial contra a então URSS e seus aliados naquela região.

 

Em 34 anos, o Irã realizou regularmente 8 eleições presidenciais pelo voto direto. Os EUA, nenhuma! O Irã não atacou, não agrediu, não invadiu nenhum país em todo este período. Já os EUA intervieram militarmente em Granada, Panamá, Somália, Iraque, Afeganistão, Líbia, apóiam oficialmente a agressão contra a Síria, apóiam a ação imperialista da França contra o Mali, apóiam as sanguinárias intervenções militares de Israel contra a Palestina, contra o Líbano (onde foi derrotado), instalaram prisões e centros de tortura em 54 países do mundo e mantiveram o bloqueio ilegal contra Cuba. Mas, graças ao controle do fluxo midiático internacional, uma avalanche diária de mentiras apregoa que o Irã é seria supostamente uma ditadura, um perigo para a humanidade, inclusive por pretender ter acesso pleno ao desenvolvimento da tecnologia nuclear. Afinal, os EUA não têm tecnologia nuclear e não foi o único país a usar a bomba atômica contra o povo japonês, no maior atentado terrorista registrado na era moderna?

A Revolução antiimperialista do Irã chega aos 34 anos enfrentando sanções de várias modalidades por parte do capitalismo mundial. Sanções que, até agora, não conseguiram travar o progresso educacional e científico-tecnológico da nação persa, ao contrário. Enquanto, países como o Brasil, para dar um exemplo, vê o seu programa espacial patinar e patinar, anos a fio, o Irã, que deu início ao seu programa espacial muito depois do brasileiro, acaba de lançar uma nave tripulada ao espaço e fabrica, totalmente, seus próprios satélites, sendo também nacional a tecnologia para o seu lançamento.

O significado da captura do drone made in USA

Enquanto o Brasil viu-se praticamente desarmado ante o vendaval neoliberal que demoliu sua indústria base, entregou a Embratel ao controle norte-americano e com ela o controle de informações estratégicas, inclusive militares, o Irã fabrica seus próprios submarinos, seus drones, seus aviões, civis e militares. Aliás, foi com uma tecnologia que o Irã surpreendeu a arrogância tecnológica dos EUA, que só acreditou no desenvolvimento tecnológico persa nesta área quando um drone espião made in USA foi totalmente capturado e aterrissado em solo Irãiano - não foi abatido, foi capturado por um sistema eletrônico de navegação aérea super avançado.

Enquanto o Irã, com apenas 34 anos de revolução que lhe permitiu assumir plenamente o controle sobre sua economia petroleira, antes controlada por ingleses, e desenvolver uma avançada indústria aérea, automotiva e ferroviária, o Brasil se vê diante de dificuldades para retomar não só o crescimento, mas o controle nestas áreas, já que a Embraer foi privatizada, a indústria naval foi privatizada e demolida - só agora começa a levantar-se, graças à lucidez de Lula e à presença da estatal Petrobrás na realização de encomendas - e caminha lentamente para recuperar, também, sua indústria ferroviária, para o quê é fundamental a decisão tomada pelo presidente Lula de reestatizar a COBRASMA, fábrica de equipamentos ferroviários. Criada como estatal no governo Geisel, foi privatizada por Fernando Henrique Cardoso e reestatizada no governo do PT.

Correntes antiimperailistas: militares ou religiosas

Enquanto o Irã já nacionalizou totalmente o seu petróleo e chega aos 34 anos de Revolução anunciando ao mundo a entrada em operação da maior refinaria do mundo revela a todos os sucessivos fracassos dos EUA para destruir aquele processo revolucionário que registrou também a incompreensão de muitos setores dogmáticos da esquerda em razão para presença das estruturas religiosas com uma entrega heróica em sua realização, entrega e desprendimentos que nada ficam a dever a qualquer processo revolucionário em qualquer parte do mundo. Mas, estes dogmáticos são os mesmos que também ficaram perplexos, indecisos e até hostilizaram outros processos conduzidos por equipes militares como Chávez, com Nasser, Alvarado, Torrijos, Thomas Sankara ou Kadafi, chegando ao absurdo de intelectuais de valor passarem a apoiar a OTAN na guerra neocolonial contra Líbia, tal como antes, setores de esquerda se aliaram ao imperialismo contra Peron, contra Vargas e agora também contra a Síria.

Lições do fracasso das sanções imperiais

O vigoroso exemplo iraniano na tomada soberana de seu próprio petróleo, resistindo a todas as sanções imperialistas por meio da superação da dependência tecnológica - um estudo aponta que os cientistas iranianos na área do petróleo e nuclear possuem uma média de idade de 31 anos, inferior portanto ao período revolucionário - deveria ser profundamente estudado pelo Brasil, em particular pelo PT, pelos cientistas e pelas academias militares brasileiras.

A entrada em operação da Refinaria Shazand, a maior do mundo, com tecnologia totalmente nacional, é indicativo do potencial de desenvolvimento que se pode alcançar a partir de uma postura de independência. Mahmud Ahmadinejad acaba de anunciar também que o Irã está promovendo, ademais da independência tecnológica, a independência monetária frente ao dólar, realizando operações com outras moedas e outros países que não se submetem às ordens arrogantes dos EUA ao aplicar as sanções, e que, ao contrário, ampliam suas relações com a nação persa, terra de férteis poetas e cultura milenar. Em direção contrária a uma soberania monetária plena, o Ministério da Fazenda no Brasil anuncia a privatização do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), depois de ter quebrado monopólio estatal nesta área decisiva em 2007, monopólio construído na Era Vargas, quando o presidente gaúcho aceitou um conselho estratégico do saudoso Barbosa Lima Sobrinho. Que paradoxo! Quanto mais o dólar é inconfiável, quanto mais é instável e desequilibrado o sistema financeiro internacional, quanto mais se repetem os exemplos de fraudes, falência e inseguranças, o Brasil marcha na direção contrária, recebendo um tsunami de dólares emitidos sem lastro, capital externo hoje volume muito maior do que seu superávit primário, e promovendo, não a expansão produtiva em nosso território, mas apenas e tão somente uma vertiginosa desnacionalização da economia, inclusive em setores estratégicos como o da energia, no etanol e no petróleo.

Basta dizer que graças uma desastrosa desvalorização das ações da Petrobrás, nos anos 90, ações compradas a preço de banana por sortudos “investidores estrangeiros“, uma parte importante do petróleo pré-sal, cerca de 1/3, estima-se, já pertence aos praticantes da jogatina de Wall Street, sem terem investido um tostão no desenvolvimento da Petrobrás, que correu todo o risco para encontrar essa riqueza. Faz muito bem o chanceler argentino Timmerman, ao alertar, referindo-se à justa solidariedade brasileira à causa das Malvinas Argentinas, que “o Brasil deve sim se preocupar com a militarização do Atlântico Sul.

A maior refinaria do mundo

A refinaria de Shazand, próxima à cidade de Arak, será a primeira no Irã com capacidade processar 4 mil barris diários, convertendo mais de 90 por cento do óleo cru que recebe em gasolina, gás liquefeito, propano, querosene, diesel, óleo e alcatrão., contrastando com declaração recente da presidente da Petrobrás, de que a estatal brasileira não teria condições de construir sozinha, ou seja, sem capital externo, novas refinarias, propagando com isto uma nuvem de dúvidas e interrogantes. Se o Brasil é a quinta ou sexta economia do mundo e não tem capacidade para construir novas refinarias, como é que o Irã que nacionalizou praticamente toda sua economia petroleira tem? Esta seria apenas um delas, claro...

Energia nuclear para todos, armas nucleares para ninguém

Para compreender as razões pelas quais o Irã consegue resistir e vencer as sabotagens, as ameaças e as sanções imperiais, é preciso conhecer um pouco o pensamento político das lideranças iranianas , entre elas o discurso que o presidente persa, Mahmud Ahmadinejad proferiu na ONU, na Assembléia-Geral, defendendo “energia nuclear para todos e armas nucleares para nenhum país”. Quem pesquisar na internet e conhecer este texto sonegado pela mídia brasileira ao nosso povo, vai compreender de fato as razões do Irã, bem como a falta de razões dos países que o atacam. Sobre isso vale conhecer também declarações do Líder Supremo, Aiatolá Kamenei, ante as vergonhosas propostas dos EUA para retomar o diálogo com o seu país. “Eu não sou um diplomata, Eu sou um revolucionário e falo com franqueza, honestidade e firmeza. Uma oferta de diálogo só tem sentido quando a parte que faz a oferta demonstra sua boa vontade” criticando com dureza a incoerência e falta de sinceridade do governo de Barak Obama, que endureceu as sanções contra o Irã, realiza manobras militares em suas costas, pratica vôos ilegais com drones sobre o território persa e está por trás dos assassinatos de brilhantes cientistas iranianos, ante o silêncio incoerente da diplomacia brasileira.

Aliás, diante do crescimento das relações comerciais entre o Brasil e o Irã, com potencial para amplas possibilidades de expansão - não apenas no campo econômico, mas também no científico e tecnológico, pois, afinal, é inexplicável que o Irã , ou a Argentina ou Cuba não estejam incluídos no roteiro do Programa Ciência sem Fronteiras - seguem obscuras as razões que levaram o governo Dilma a dar um voto contra o Irã na ONU, numa clara colaboração do Itamaraty com a hostilidade da campanha imperial contra a nação persa. Será que a Secretária de Direitos Humanos da Presidência da República, Ministra Maria do Rosário, desconhece que é diária e regular a prática de torturas contra brasileiros pobres nas dependências do estado brasileiro? Será que o Brasil tem lições a dar ao Irã em matéria de direitos humanos quando aqui o homicídio é comprovadamente a mais importante causa morte de jovens pobres e negros e quando continuam impunes os responsáveis pela violência no campo na luta pela reforma agrária?

Energia nuclear e manipulação

Possuidor de um programa nuclear, o Brasil deveria botar as barbas de molho, pois toda a hostilidade hoje lançada contra o Irã por seu inquestionável direito de, como membro da Agência Internacional de Energia Atômica, desenvolver tecnologia nesta área, pode, amanhã, ser lançada contra nós, não sendo descartadas, a priori, a prática de sanções. Obviamente, hoje os centros imperiais estão preferindo a enxurrada de dólares desvalorizados, que compram patrimônio produtivo local e alavancam um importacionismo devastador para a indústria nacional, implicando não em absorção de poupança externa como declaram, ingenuamente, alguns membros da área econômica, mas sim em estupenda e perigosa desnacionalização, além de volumosa remessa de recursos para as matrizes, que para cá remetem maquinário sucateado, a preços super faturados. Há,inclusive, denúncias de que alguns destes maquinários sequer chegam aos nossos portos, mas são religiosamente pagos. Houvesse jornalismo investigativo maduro no Brasil, eis aí uma boa pauta.

Ameaças

Enquanto o Irã responde às ameaças que recebe, sobretudo da parte de Israel, com uma tremenda nacionalização e desenvolvimento tecnológico de sua indústria bélica, o Comandante da Aeronáutica no Brasil, em depoimento no Congresso, informou que a maioria das aeronaves daquela arma praticamente não voam. Agregue-se a isto o fato de que autoridades da força naval reconhecem que, atualmente, o país não possui condições efetivas para defender, por exemplo, sua riqueza petrolífera, suas plataformas etc. Os contrastes bastam para levar aos autoridades a compreender a importância destes 34 anos de processo transformador da nação asiática construindo uma soberania concreta, baseada na independência tecnológica, não apenas no setor militar, mas também neste setor, pois, como é evidente, este mundo não é para meigos...

Uma Frente Antiimperialista Internacional?

É este desenvolvimento não dependente o que permite ao Irã ter um papel protagonista na crise síria, ao contrário do Brasil, que , apesar das declarações da Presidente Dilma em favor de uma solução pacífica, viu representantes do Itamaraty participando de encontros internacionais, protagonizados pelas grandes potências ocidentais, onde se declarou abertamente o apoio armado oficial aos grupos mercenários que querem esquartejar a Síria, como foi feito com a Líbia, também ante a omissão inexplicável do Brasil. Hoje, o Irã, com a Rússia e China, reformulam a posição passiva que tiveram ante a crise da Líbia e estão levando os dispositivos imperiais a relutarem na repetição de uma operação como aquele feita contra Kadafi. É preciso organizar uma articulação antiimperialista internacional e seria indispensável que o Brasil fizesse parte dela, junto com a Argentina, a Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador,Nicarágua, para citar apenas os países latinoamericanos.

Um telefonema decisivo

Certa vez, Golda Meir, então primeira ministra de Israel, ordenou a preparação de 7 aviões militares, com ogivas nucleares para serem lançadas contra 7 capitais de nações árabes. Um telefonema de Leonid Brejnev alertando que a URSS não ficaria passiva diante de um ataque deste porte frustrou os planos sinistros do sionismo, assim como provavelmente frustraram-se os planos dos EUA de, em 1979, por meio de uma sofisticada operação militar pelo deserto Irãiano, resgatar os agentes da CIA e outros que estavam na Embaixada norte-americana em Teerã, ocupada por estudantes revolucionários persas A versão espalhada pela mídia, honrosa, de certo modo, foi que uma tempestade de areia prejudicou a intervenção dos helicópteros... Hoje, as manobras da Marinha Russa no mar da Síria, e os acordos militares entre Rússia e China, bem como as manobras militares defensivas do Irã, a Rússia e a China, são mensagens eloqüentes enviadas aos cérebros intervencionistas imperiais. Parece que a política externa brasileira, neste campo, anda distante das avaliações feitas pelas academias militares, mais realistas e concretas, em cujos documentos se adverte para possíveis agressões de uma nação de grande poder tecnológico contra a Amazônia Brasileira, por exemplo. Seria a Bolívia? Ora... a retomada da Quarta Frota da Marinha dos EUA a navegar pelo Atlântico Sul é uma resposta aos céticos, românticos e crédulos em torno de uma cooperação com os centros imperiais. Seja monetária, educacional ou militar.

Cultura e Mídia

Premiado recentemente, um filme produzido nos EUA, “Argo”, elenca e distribui um conjunto de falsas informações acerca daquele episódio em que os estudantes iranianos ocuparam, por anos, a Embaixada norte-americana em Teerã, para denunciá-la como um centro de sabotagens, agressões e de apoio à contra-revolução contra o legítimo direito do povo persa escolher seu rumo na história, sem submissão ao império como antes, na sanguinária ditadura-monarquista de Reza Pahlevi.

O cinema tem sido uma fonte de agressões ao Irã, mas , o cinema iraniano tem conseguido, apesar das sanções e boicotes e do oligopólio Hollywoodiano, obter reconhecimento e respeito nos festivais e centros culturais em vários países, com seguidas premiações. Com isto se comprova o que muitos setores intelectuais insistem em ignorar: o estratégico papel do estado em defesa do cinema, de uma cultura soberana, da construção de uma identidade nacional. Aqui ainda estamos com 90 por cento dos circuitos cinematográficos ocupados por Hollywoody, com o cinema brasileiro ainda lutando para sair da clandestinidade ante o seu próprio povo, dos quais apenas 12 por cento freqüenta cinema regularmente, e menos de 10 por cento dos municípios possuem salas de exibição.

Soberania informativo-cultural

Esta batalha das idéias, no terreno da cultura e da informação, encontra um Irã cheio de iniciativas ante o mundo, o que fez com que países capitalistas europeus, que se auto-declaram os mais cultos e civilizados, tenham censurado os canais de TV iraniana nos satélites daquele continente. A censura foi seguida agora pelos EUA, que também proibiu a sintonia da TV pública iraniana em seu território e, para demonstrar vassalagem, o exemplo censor foi seguido pelo Canadá. Por tudo isto se pode dimensionar o absurdo do Brasil ter privatizado e internacionalizado, na era FHC, a Embratel. É preciso reconstruir o estado, nesta área também, urgentemente, pois é uma questão de soberania informativo-cultural. A distância de uma postura adequada por parte do Brasil pode ser medida pela reduzidíssima cooperação da TV Brasil com a Telesur e com a Agência de Notícias Pátria Latina, apesar do discurso oficial brasileiro em defesa da integração latino-americana.

Quem é obscurantista?

São muitas as lições que podem ser extraídas desta vigorosa marcha de 34 anos da Revolução iraniana consolidando um destino histórico independente, soberano e com capacidade de cooperar com vários países do mundo nas áreas como indústria de tratores, de caminhões, de medicamentos. Num único artigo é impossível esgotar o tema. Mas, pelo menos é possível despertar a necessidade de que sejam superados os preconceitos daqueles que tentam construir uma imagem do Irã como um país obscurantista, o que lhes impede examinar efetivamente, objetivamente, o que este país tem alcançado para o seu povo e para os povos com os quais colabora na região. E que isto somente foi possível mediante uma atitude de rebelião contra os critérios e programas enganosos do neoliberalismo e do neocolonialismo e também mediante o envolvimento do seu povo num novo projeto, razão pela qual, milhões de iranianos ocuparam hoje as principais praças de Teerã, surpreendendo a mídia ocidental, incapaz de explicar todo esse fenômeno transformador ao seu povo. Razão pela qual recorre sistematicamente à censura ou à mentira. Essas sim, práticas medievais, obscurantistas.

 

Fonte: Carta Maior, 14 de fevereiro de 2013