terça-feira, 21 de junho de 2016

Corrupção e democracia

Corrupção e democracia

O custo da política e das milionárias campanhas eleitorais e a falta de sanção social da corrupção são condicionantes muito mais poderosos que a ideologia.



Aram Aharonian
Reprodução
Vários casos de corrupção que ocuparam as primeiras páginas dos jornais hegemônicos nos últimos meses, notícias que se viralizaram através das redes sociais, despertaram dois tipos de discurso: 1) se são governos de esquerda, é impossível que se tenha cometido realmente alguma irregularidade, e qualquer denúncia é parte de uma estratégia de intervenção imperialista, e 2) aqueles que dizem que se estes governos de esquerda cometeram atos de corrupção, então toda a esquerda é corrupta. Para trazer mais bom senso ao debate, esclarecemos que ambas retóricas são bastante enganosas.

A verdade é que a esquerda, durante décadas, levantou a bandeira da luta contra a corrupção, e a promessa de que sua chegada ao poder mudaria essa realidade faz com que a crítica sobre ela hoje seja ainda mais forte. Também permite à direita aproveitar os escândalos, exacerbá-los e utilizá-los politicamente… isso não dá, obviamente garantia da honestidade dos denunciantes – o que fica muito claro no caso do Brasil.

O mais perigoso neste momento é que os cidadãos cheguem à conclusão de que a política é sinônimo de corrupção.

Se supunha que a esquerda não cairia na tentação da corrupção, por princípios, e porque o custo seria muito mais caro que para a direita. Entretanto, o que não podia acontecer aconteceu, e não como um mero caso isolado ou secundário.


Talvez a esquerda mais pura e mais dura supôs que as mudanças políticas e econômicas geraria um homem novo quase de forma automática, coisa que, obviamente, não aconteceu, pois para isso se faz necessária uma revolução cultural. Para muitos, estar no sistema implicou em jogar com as regras anteriores, onde sem comprar vontades ou sem conseguir financiamentos espúrios não se pode fazer política.

Tampouco faltou nepotismo: parentes, esposas, filhos, concubinas e amantes se beneficiaram da proximidade com o poder.

Parece ingênua a ideia de que se pode mudar o sistema desde uma opção ética, mas utilizando as mesmas regras do sistema a ser transformado. Assim, a corrupção abre espaço nos governos de esquerda, causando danos presentes e, sobretudo, hipotecando futuros.

A falta de transparência, assim como o hiper controle burocrático, facilitaram práticas corruptas amplamente desenvolvidas, de formas horizontais e verticais, permitindo a troca de favores e o clientelismo.

Muitos falam da corrupção como um “valor” cultural em nossos países, da herança histórica. Jogar dentro do sistema capitalista significa operar com as suas regras, mas é um erro crasso supor que o uso das regras preexistentes é algo inevitável: elas podem ser alteradas e reguladas por controles políticos, democráticos e éticos.

Devemos reconhecer a existência de setores, grupos ou indivíduos que, após a vitória das esquerdas, se “travestem”, assumindo discursos, estilos, formas e jeitos que buscam obter vantagens, privilégios ou benefícios (Antonio Gramsci já alertava sobre esse travestismo político). Operam dentro das estruturas dos Estados e dos governos de esquerda, avançando com suas posições, para satisfazer seu interesse pessoal.

Estamos longe de alcançar a utopia guevarista do “homem novo”. Mudando as relações sociais não se elimina séculos de avareza, egoísmo e individualismo, que nos deixa expostos ao simplismo ou às tentações. Há quem prefere pensar que um fim superior e louvável habilita condutas imorais. Outros, menos filosóficos, apenas farejam as oportunidades e se corrompem em benefício pessoal.

Mais democracia

As denúncias criam o relato de que a corrupção abre espaço nos governos de esquerda, e surge, como única alternativa, a necessidade de mais democracia: mais controles democráticos, fundados na legalidade, na justiça e na transparência, como receita para reverter o problema.

A Coordenação Socialista Latino-Americana (www.cslatinoamericana.org) fala em aumentar os controles e a repressão, além do reconhecimento moral e material pelos trabalhos bem realizados, como medidas políticas prévias de seleção de quadros em toda a estrutura.

A satisfação pessoal pelo trabalho bem feito deve estar acompanhada de incentivos que, além da realização espiritual, permitam o acesso aos bens, que por sua vez garantam a solidez moral.

O manejo do poder e dos recursos são tentações bem grandes. Por isso, devem estar limitadas pelo tempo, pelas instituições democráticas republicanas e por uma vigorosa sociedade civil, que exerça também o papel de vigilância, limite e contrapeso, num conceito de democracia participativa.

O custo da política e das milionárias campanhas eleitorais e a falta de sanção social da corrupção são condicionantes muito mais poderosos que a ideologia.

O que fica evidente é que a corrupção hoje é o principal câncer da política, capaz de corroer até o projeto mais altruísta, mais progressista, mais comprometido com a sociedade e com as mudanças que ela demanda.

O principal desafio das organizações partidárias, dos movimentos sociais e dos organismos de controle do Estado é o de imaginar, criar, construir novas formas de dissuasão da corrupção, e também novos meios de vigilância.

 Talvez o mais importante seja recuperar a ética como princípio essencial da política, e disso os meios de comunicação hegemônicos não falam, claro.

Tradução: Victor Farinelli



Créditos da foto: Reprodução

Arrocho fiscal e arrocho ideológico: a censura à mídia crítica

Arrocho fiscal e arrocho ideológico: a censura à mídia crítica

O desmonte de direitos sociais e do patrimônio público não pode conviver com a livre expressão de blogs e sites progressistas.


por: Saul Leblon

Marcelo Camargo / Agência Brasil

No orçamento de 2016, a Secretaria de Comunicação do governo federal, a Secom, reservou ao conjunto da mídia progressista Marcelo Camargo / Agência Brasilbrasileira cerca de R$ 11,2 milhões do total destinado à publicidade pública (estatais, administração direta etc).
 
O valor, repita-se, dividido entre toda a mídia progressista, equivale a 1% dos recursos direcionados em 2015, por exemplo, apenas à publicidade  nas redes de televisão (mais de R$ 1,2 bilhão).
 
Neste mês de junho, o golpe cortou esse 1%.
 

Não por economia.

 
Para asfixiar ideias.
 
Para assegurar a supremacia absoluta de uma visão de país que não representa todo o país e que nunca aceitou conviver com um projeto de extração popular, livremente  escolhido pelo voto majoritário.
 
O valor da publicidade suprimida agora pela Secom era  irrisório (0,6% em relação aos gastos totais de R$ 1,8 bi, incluindo-se outras mídias além da televisão).
 
Foi exatamente essa a palavra –‘irrisório’--  usada pela ‘Folha’, em reportagem que noticiou a decisão (‘Temer corta R$ 11,2 mi em contratos de sites considerados pró-PT’; 14/06).
 
Suprimir canais de expressão de um pedaço da opinião pública brasileira que compartilha  um projeto de desenvolvimento distinto deste que agora se impõe à sociedade é o objetivo indisfarçávelda asfixia publicitária.
 
Há razões para a sofreguidão.
 
A tentativa de  dissimular o assalto ao poder em cruzada anticorrupção fracassou esfericamente. 
 
Espraia-se  a percepção de uma escória a serviço da plutocracia, que assaltou o poder com apoio cinicamente desvairado de um dispositivo midiático conservador que queimou de vez  as caravelas da credibilidade.
 
O conjunto sinaliza a negação da democracia como ambiente para escrutinar os conflitos do desenvolvimento em nosso tempo.
 
Uma determinação grosseira e unilateral submete o país à receita de um neoliberalismo fundamentalista, ilegítimo e incompatível com a natureza da Constituição vigente desde 1988.
 
A decisão de asfixiar os canais de expressão do pensamento crítico ganha sentido nesse cenário de polarização extremista.
 
A intolerância que saiu do ovo em meio à desordem neoliberal no mundo respira entre nós.

Intolerante com as mulheres, os negros, os artistas, os intelectuais, os estudantes,os gays, as lésbicas, os sem-terra, os sem teto, o golpe também demoniza a opinião crítica veiculada pela mídia progressista.
 
Meta e método se fundem em esférica coerência: a supressão dos direitos sociais e da soberania popular  não pode conviver com a diversidade de interesses  externada pela mídia progressista.

Ao arrocho fiscal impõem-se o arrocho ideológico.
 
 O estrangulamento financeiro da mídia crítica é a primeira volta na rosca desse garrote.
 
O ataque à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e o desmonte anunciado da TV Brasil  são patas do mesmo monstro (veja nesta animação a importancia da TV Brasil https://www.facebook.com/chicoalencar/videos/vb.184693888299537/846686465433606/?type=2&theater)
 
Estamos diante de um bloco de interesses tão dissociado dos da maioria da nação que não pode conviver com a Constituição de 1988 sem desfigurá-la naquilo que tem de singular: ser a ‘lamparina dos desgraçados’, como a batizou Ulysses Guimarães,na descrição dos direitos sociais mínimos  incluídos. 
 
Pelo mesmo motivo não pode conviver com a verdadeira liberdade de expressão, que só merece esse predicado se a diversidade e o contraditório desfrutarem de condições isonômicas de produção e difusão.
Está longe de ser o que acontece no Brasil.

Tradicionalmente abastardado por um sistema de comunicação dominado por cinco famílias, o discernimento popular está sendo violentado mais uma vez  pelo martelete de uma mídia que semeou,orientou e deu sustentação ao golpe em curso (veja a ótima exposição da jornalista Laura Capriglione sobre o assunto https://twitter.com/j_livres/status/745069260221743104)
 
A sociedade é diversa.
 
A sociedade não é a Globo.

A sociedade são os Jornalistas Livres, a Mídia Ninja, o Conversa Afiada, o Viomundo, o Vermelho, a Carta Capital, a TV Brasil, o '24/7', o Socialista Morena, o Dinheiro Vivo, a Rede Brasil Atual e tantos outros de igual importancia e pertinência,ao lado dos quais se inclui Carta Maior.

 A sociedade de uma nação em luta pelo desenvolvimento é diversa,contraditória e precisa ser plural nos seus canais de expressão.
 
O oposto, portanto,  da racionalidade financeira plana e lisa cujo ápice é o arrocho fiscal ora em curso, que reafirma a unicidade do privilégio plutocrático, incompatível com o investimento na escola, no SUS, na moradia popular, na cultura, na reforma agrária, na pesquisa, no patrimônio público e na soberania externa.
 
Existe uma opinião pública progressista no Brasil que se reafirma na urna desde 2002.
 
E deforma tão claramente anti-neoliberal que, não fosse por isso, o golpe não teria sido necessário.
 
O país real ainda padece de um déficit brutal entre o que as urnas tem reclamado e o cotidiano da imensa maioria da sua população.
 
Ainda assim, avanços ocorreram.
 
A direita os enxergou. Nao apenas na extensão modesta de sua vigência, mas no despertar de dinâmicas, possibilidades e forças por eles engendradas.  
 
Na visão do golpe e de seu coral midiático, a disjuntiva colocada pela encruzilhada brasileira se resume a uma contabilidade fiscal:  Estado mínimo ou caos.
 
A obra de demolição que ergue tapumes asfixiantes em torno da Constituição não hesita na escolha.
 
A escolha é  reduzir em 30% o tamanho do setor público, decepando do metabolismo constitucional seus braços sociais de maior igualdade e de soberania nacional. 
 
É  como se uma junta militar editasse sentenças de vida ou morte sobre o destino brasileiro. 
 
A diferença é o fuzil; hoje seu nome é mídia; seu paiol, o mercado financeiro.
 
Nunca a luta pela sociedade digna remeteu tão diretamente à necessidade de se exercer um maior controle democrático sobre o poder de Estado.
 
E nunca como hoje o Estado esteve tão engessado por um poder prevalecente, quase integralmente subordinado a normas e agendas que o reduzem a pouco mais que uma anexo dos desígnios do capital financeiro.
 
A política fiscal –a ferramenta que dá ao Estado o poder de ordenar o presente e induzir o futuro-- é o canal estruturante do golpe.
 
Através dela se exerce o sequestro da agenda do desenvolvimento, com o objetivo declarado de reduzir o gasto do Estado à mesma proporção vigente ao final do ciclo do PSDB no poder.
 
A caçada diuturna à ‘gastança social’  --bordão tucano agora no poder--  visa manter a alavanca rentista como eixo de supremacia que assegura todos os demais interditos.
 
Faz parte dessa coesão o silêncio de ouro do jornalismo ‘apartidário’: nenhuma palavra sobre a esterilização desconcertante de 9% do PIB – R$ 500 bilhões anuais gem astos com o juro da dívida pública.
 
A camisa de força fiscal levará a sucessivas espirais de definhamento do investimento público e privado, enjaulando o país num círculo vicioso de irrupções episódicas de crescimento, arrocho permamente  e declínio estratégico.
 
É essa a disjuntiva dentro da qual se debate a nação neste momento: repactuar democraticamente os conflitos do seu desenvolvimento ou dobrar-se a vinte anos de paz dos cemitérios?
 
Desenvolvimento é transformação, é romper velhas estruturas e construir outras novas, ao mesmo tempo e com igual dificuldade.

A estabilidade de ferro pretendida pelos gestores do dinheiro gordo tem um alicerce oculto: o arrocho sobre a vida de milhões de famílas assalariadas.
 
Três gestões petistas sucessivas souberam aproveitar atalhos para desmentir a fatalidade reafirmada em 500 anos de capitalismo excludente.

Com todos os erros, rendições e renúncias estratégicas (cuja fatura está sendo cobrada agora), o país mudou nos últimos 12 anos.
 
Um dado resume todos os demais: o mercado de massa criado nesse período acoplou à economia brasileira um novo país, com peso e medida para credenciar-se ao G-20.
 
Embora o dever de ofício midiático se esmere em negá-lo, todo o vapor da caldeira conservadora hoje se concentra em desmontar o salto de justiça social que seus porta-vozes desmentem ter ocorrido.
 
Dê-se a isso o nome técnico que for: o que se mira é a regressão destes doze anos.
 
A asfixia imposta aos blogs e sites progressistas é parte indissociável dessa espiral, cuja viabilidade requer a mumificação do país num formol fiscal em que nada se move e as diferenças deixam de respirar.

O impulso que levou o golpe a bater de frente com o ambiente cultural,logo nos seus primeiros dias, remete a esse antagonismo.

Ao contrário do que ocorreu nos últimos doze anos, Brasília foi enlaçada por uma linha demarcatória de interesses estreitos demais para conviver com  a diversidade, seja ela artística, intelectual, censitária, racial ou sexual.
 
A asfixia imposta à mídia progressista requer uma resposta a altura desse torniquete de múltiplas voltas.
 
Parcerias contra a censura,  como propõe a campanha lançada por Carta Maior (saiba mais nesta pág: http://cartamaior.com.br/pages/sejaparceiro/ ) podem erguer  pontes de sobrevivência imediata ao conjunto de blogs e sites progressistas
 
Mas é preciso unir forças para ir além.
 
A livre expressão da opinião crítica é indissociável da luta pelo desenvolvimento democrático do país e deve ser encampada por todos os partidos e frentes de luta contra o golpe.
 
Faz parte desse direito o acesso legítimo à publicidade pública, em condições de existência  equivalentes às desfrutadas por  pequenas e micro empresas em outros  setores da economia.
 
O longo ciclo de aperto fiscal e de silencio contraditório, como preconiza o golpe, privará a sociedade do debate e dos investimentos necessários ao salto de infraestrutura e produtividade capaz de superar a encruzilhada brasileira atual.
 
Sobrará a alternativa de um regime de força associado a uma dieta de arrocho sobre a renda real das famílias assalariadas , via supressão de poder de compra e liquidação de direitos.
 
A Europa em carne viva de desemprego e estagnação --que enreda 122 milhões de cidadãos numa espiral de empobrecimento desde 2008-- é a vitrine mais vistosa dessa receita, segundo  qual, ter menos Estado redunda em uma sociedade melhor.
 
Em um país de carências aviltantes, soa tão frágil e pouco crível que precisará se valer da asfixia total da opinião crítica para tentar subsistir.


Fonte: Carta Maior

'EUA querem bases em Ushuaia e na Tríplice Fronteira'

'EUA querem bases em Ushuaia e na Tríplice Fronteira'

Moniz Bandeira afirma que bases militares estão em processo de negociação entre Washington e o governo de Mauricio Macri.



Martín Granovsky - Página/12
Casa Rosada/ Gobierno de Argentina

– Existe algum padrão comum que relacione a política adotada por Macri e o golpe no Brasil?

– Sim. Há muito tempo que os Estados Unidos buscavam uma mudança de regime na Argentina e no Brasil, dois países que frustraram a conformação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) em 2005. Tentaram fazê-lo pela via eleitoral, e alcançaram esse objetivo na Argentina, com a vitória de Mauricio Macri. No Brasil não. Dilma Rousseff venceu o candidato neoliberal Aécio Neves, ainda que por uma pequena diferença de votos. Mas a crise econômica, a recessão agravada pelos erros políticos da presidenta Dilma Rousseff, a queda em sua popularidade, as denúncias de corrupção na Petrobras, entre outros fatores, criaram o clima para que a oposição pudesse promover o processo de impeachment, que ainda deve ser confirmado no Senado. Entretanto, o governo do presidente interino Michel Temer vem atuando, desde a primeira hora, como governo definitivo, e se passou a impulsar uma política para atender aos interesses de Washington e Wall Street.

– Você estudou com detalhes a relação entre os Estados Unidos e o Brasil. Há indícios ou provas de uma participação dos Estados Unidos no golpe de Michel Temer?


– Os indícios são muitos. Tanto o juiz Sérgio Moro, que lidera a Operação Lava Jato, como o procurador-geral da República Rodrigo Janot mantêm contato constante com organismos estadunidenses. Janot esteve em reuniões com o Departamento de Justiça, o FBI e funcionários da Securities and Exchange Comission (SEC), buscando informações sobre a Petrobras. Moro realizou cursos no Departamento de Estado, em 2007. No ano seguinte, ele passou um mês num programa especial de treinamento, na Escola de Direito de Harvard, acompanhado por sua colega Gisele Lemk. Em outubro de 2009, Moro participou de uma conferência regional sobre “Illicit Financial Crimes” promovida no Rio de Janeiro pela Embaixada dos Estados Unidos. Mas não há pista mais evidente de suas conexões que o fato dele ter sido eleito um dos dez homens mais influentes do mundo pela revista Time, em 2015. Além da Operação Lava Jato, Moro teve e tem como alvo companhias como a Petrobras e a Odebrecht, que trabalha na construção do submarino nuclear com tecnologia francesa.

– A construção de um submarino nuclear junto com a França influiu na relação entre o Brasil e os Estados Unidos?

– É uma iniciativa (a construção do submarino nuclear) não convém aos Estados Unidos de nenhum modo, e por isso eles mantêm a 4ª Frota navegando no Atlântico Sul, próximo às reservas de petróleo que estão sob a camada do Pré-sal, o conjunto de formações rochosas localizadas na zona marítima de grande parte do litoral da América do Sul. Principalmente em território do Brasil. Se trata de uma faixa com grande potencial de geração e acumulação de petróleo.

– Também na Argentina?

– As reservas petrolíferas da companhia inglesa Lockhopper’s North Falkland até maio de 2016 se duplicaram, chegando a mais de 300 milhões de barris. As estimativas às que eu tive acesso indicam que o potencial na zona é de quase um bilhão de barris. Outras duas companhias inglesas estavam por operar nos jazimentos petrolíferos das Malvinas. A vitória de Mauricio Macri aumentou o apetite dos investimentos dos Estados Unidos na região. Este é, possivelmente, um dos fatores que levam os Estados Unidos a estabelecer negociações para a implantação de uma base militar em Ushuaia, e na Patagônia, mais próximas da Antártida, além de outra na Tríplice Fronteira, onde está parte do Aquífero Guarani, o maior manancial subterrâneo de água doce do mundo, com um total de 200.000 km². O manancial transfronteiriço abarca territórios no Brasil (840.000 Km²), Paraguai (72.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina (225.000 Km²).

– Mas as bases não estão pronta, ou estão?

– As bases ainda não existem, mas tenho informação de que estão sendo negociadas com Macri. É um velho desejo dos Estados Unidos, e agora aproveitam a situação política favorável. As bases têm uma tipologia comum. Se chamam quase-bases, módulos que podem servir em caso de emergência. No Paraguai, começaram com a construção de uma grande pista no aeroporto de Mariscal Estigarribia. Essa quase-base foi iniciada em 1980, com a construção de módulos para alojamento de 16 mil soldados, que depois foi ampliada, com uma nova pista do aeroporto, radares e hangares. Logo, as atividades foram freadas, em grande medida devido a pressões do Brasil, e assim não se viu nenhum contingente militar estacionando por lá, embora já houvesse a garantia legal de imunidade aos soldados estadunidense, aprovada pelo Senado do Paraguai em 2005.

– Que tipo de vínculos os Estados Unidos mantêm com as Forças Armadas do Brasil, e com que profundidade?

– As Forças Armadas do Brasil mantêm relações cordiais e de colaboração, em diversos setores, com as Forças Armadas dos Estados Unidos. Mas há desconfiança. Desde a guerra das Malvinas, em 1982, a primeira hipótese de guerra em estudo por parte do Estado Maior das Forças Armadas do Brasil é a de um conflito com uma potência tecnologicamente superior, por exemplo com os Estados Unidos, na Amazônia. E os altos mandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica são conscientes de que os Estados Unidos não querem o desenvolvimento do Brasil como potência militar, com um papel internacional relevante. Por isso, o Pentágono insiste em que a tarefa das Forças Armadas brasileiras sejam somente a de polícia interna. Nossos militares não a aceitam. As contradições são muitas. E as condições no Brasil e no mundo não são as mesmas de 1964, ano do golpe militar. O último ministro de Defesa de Dilma, Aldo Rebelo, era do Partido Comunista do Brasil. Não houve nenhum problema.

– Existe um desenho continental dos Estados Unidos voltado para a América do Sul?

– Existe um desenho geopolítico e estratégico criado por Washington, que consiste na instalação de uma base em Ushuaia e outra na Tríplice Fronteira, como já comentei. Seu objetivo é recuperar e aumentar a presença militar na América do Sul, que parece ter se reduzido desde a perda da base de Manta, no Equador, e desde que a Justiça da Colômbia considerou inconstitucional a instalação de sete bases no país. Bases reconhecidas como tais existem em El Salvador (Comalpa), Cuba (Guantánamo), Aruba, Curaçau e Porto Rico. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos mantêm na América Latina algumas bases informais e legalmente ambíguas. O Pentágono as chama quase- bases, para evitar tanto o escrutínio do Congresso quanto a reação interna dos países. As quase-bases estão no Peru, Honduras, Costa Rica, Panamá, Equador e Colômbia, entre outros países ao largo do litoral do Pacífico. As quase-bases na Antártida e na Tríplice Fronteira representam uma ameaça à soberania de Argentina e à segurança do Brasil. O presidente Lula rejeitou o acordo para que os Estados Unidos tivessem bases de lançamentos de foguetes em Alcântara, no norte da Amazônia.

– Como são articulados o poder do dólar, o poder militar, o do comércio e o soft power da cultura, o consumo ou as séries?

– Os Estados Unidos usam pressões comerciais, manobram o mercado mundial, e emitem sanções econômicas, enquanto os meios de comunicação hegemônicos difundem a propaganda, se tornando instrumentos de operações de guerra psicológica.

– Você mencionou a USAID, a agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento internacional. O presidente Evo Morales a expulsou da Bolívia.

– O peso da USAID é muito variável, depende do país em questão. A Bolívia foi o segundo país, depois da Rússia, a expulsar a USAID, e o fez porque ela tinha um papel central no estímulo à oposição. O presidente do Equador, Rafael Correa, ameaçou fazer o mesmo. A USAID realiza um trabalho profundo de cooptação de jornalistas, financiamento à instalação de meios de comunicação e redes sociais contra o governo dos países onde atua, entre outras coisas.

– Os Estados Unidos tomaram alguma determinação específica sobre a América do Sul ou aproveitaram a debilidade dos regimes populares ou progressistas?

– Parece que os Estados Unidos agora voltaram sua atenção para a América do Sul, que não estava nas prioridades de sua política exterior até há pouco tempo. Mas sua perspectiva é incerta, devido à possibilidade de vitória de Donald Trump nas eleições de novembro. Igualmente, com ou sem ele na Casa Branca, tampouco é segura a aprovação, por parte do Congresso, dos tratados de livre comércio já assinados pelo presidente Barack Obama.

– Existe alguma novidade geopolítica no mundo?

– Nenhuma recente. O impasse entre os Estados Unidos e a Rússia continua, está presente no conflito da Ucrânia e na guerra da Síria, por exemplo. Enquanto isso, a OTAN se move nas proximidades das fronteiras da Rússia. Há uma guerra híbrida ente as grandes potências – Estados Unidos, Rússia e China –, mas não creio que possa ocorrer uma confrontação militar direta. Alemanha, França e alguns outros países europeus não desejam uma guerra no continente. Por outro lado, os movimentos da OTAN, alegando a ameaça da Rússia à Polônia e aos países bálticos, passam a ser um grande pretexto para alimentar uma indústria bélica a qual sustenta milhares de empregos nos Estados Unidos.

– Qual é o papel que a Rússia e a China exercem hoje na América do Sul?

– O rol da Rússia não é muito relevante. Está envolvida em problemas maiores na Ucrânia e na Síria. A Venezuela, desde os últimos anos do governo do ex-presidente Hugo Chávez, tentou uma aproximação com a Rússia, mas não havia nenhuma possibilidade de convencer Moscou a intervir na América do Sul. Com relação à China, a situação é diferente. É um país que tem mercado e possui enormes recursos financeiros para investir. Mais que os Estados Unidos. Seu papel é cada vez mais relevante. A China é o maior sócio comercial e o principal investidor de capital no Brasil, com cifras previstas superiores aos 54 bilhões de dólares, e o segundo maior sócio comercial da Argentina, depois do Brasil.

– Analisando o golpe no Brasil, vemos que Eduardo Cunha foi o cabeça de uma conspiração?

– Cunha foi apenas um instrumento, serviu para apresentar e impulsar mais rapidamente o pedido de impeachment. Ele é um corrupto, já está bastante desmoralizado, e logo será descartado, expulso do Congresso e possivelmente preso. O governo de Temer é fraco. Carece de legitimidade e apoio popular. É um governo totalmente podre, corrupto. E serve aos interesses antinacionais.

– Se Cunha foi somente um instrumento, de onde veio o plano?

– No Brasil, houve, e continua havendo, uma aguda luta de classes, fomentada principalmente com recursos financeiros que chegaram não somente das organizações empresariais de São Paulo e de outras fontes do país, mas também do exterior, por meio de ONGs, financiadas direta ou indiretamente com recursos de grandes capitalistas como George Soros, os irmãos David e Charles Koch, entre outros. Os irmãos Koch são a base do Tea Party. Quem também financia essas ONGs são milionários como Warren Buffett e Jorge Paulo Lemann, proprietários dos grupos Heinz Ketchup, Budweiser e Burger King, e sócios de Verônica Allende Serra, filha do atual chanceler do governo interino, José Serra, dona da sorveteria Diletto. Não se pode deixar de considerar o eventual rol das organizações vinculadas ao governo dos Estados Unidos, entre as quais cito a National Endowment for Democracy (NED) e a USAID.

– Quais fatores aceleraram o ataque contra o governo de Dilma Rousseff?

– No Brasil, existe uma poderosa facção empresarial, que se uniu ao setor da classe média que sempre odiou as políticas de Lula, que foram mantidas por Dilma. Agreguemos o fato de que Washington nunca gostou da política exterior que o Brasil desenvolveu a partir de 2003. A esperança de Washington em 2014, com Aécio Neves, era a de influir para mudar o rumo do país, com a volta ao poder do PSDB, que havia sido um fiel aliado estadunidense durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso. Mas era visível, antes das eleições de 2014, que Dilma Rousseff seria eleita. Por isso, a campanha contra ela começou já em 2013, com as manifestações de junho em São Paulo, Brasília e outras cidades, e as vaias durante a Copa del Mundo, uma estratégia baseada no manual do professor Gene Sharp, “Da Ditadura à Democracia”, para o treinamento de agitadores e ativistas, com cursos em universidades norte-americanas e nas embaixadas dos Estados Unidos. Os grandes meios de comunicação, pertencentes à oligarquia, atuaram com força decisiva para a derrubada da presidenta, em estreita aliança com o juiz Moro e o procurador Janot, que a nutriam com informações capciosas, escolhidas para servir de ataque contra o PT e o ex-presidente Lula.

– Que elementos foram decisivos para a queda na popularidade de Dilma?

– Não foi apenas devido à campanha da imprensa, mas também pelos erros da política econômica que ela implementou quando imaginava que poderia conter a oposição do empresariado. Nos protestos realizados recentemente, cujo pretexto era combater a corrupção, participaram sobretudo brancos e ricos, gente das classes média e média alta. Hoje, está claro que os mais corruptos são os que assumiram o governo com Temer, cujo programa é, sobretudo, a privatização das empresas estatais e a supressão ou redução dos benefícios sociais, a reinstalação do princípio da austeridade. Mas foram muitos os fatores que levaram Washington a trabalhar com as classes média e altas no Brasil, para alimentar a campanha pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O Brasil denunciou a espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, por sua sigla em inglês) nas Nações Unidas, quando surgiu a notícia de que as comunicações da presidenta e da Petrobras estavam sendo monitoradas. Dilma chegou a cancelar uma visita de Estado aos Estados Unidos, em sinal de protesto. O Brasil comprou aviões na Suécia, o que representou um duro golpe para a divisão de defesa da Boeing, com a perda de um negócio de 4,5 bilhões de dólares. Também decidiu continuar com o programa de construção do submarino nuclear, e outros convencionais, com transferência de tecnologia francesa para o Brasil. O país não estabeleceu, durante os governos de Lula e Dilma, que compra mais equipamento militar nos Estados Unidos, porque o programa nacional de defesa, formulado e aprovado na gestão Lula, só autoriza esse tipo de contrato se houver transferência de tecnologia para o Brasil, coisa que as leis dos Estados Unidos não permitem. O Brasil é membro fundador do novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS, instituído em Xangai. Para completar, é do interesse dos Estados Unidos acabar com o Mercosul, a Unasul e outro órgãos sul-americanos, os quais a Argentina é cofundadora e membro de grande importância.

Tradução: Victor Farinelli



Créditos da foto: Casa Rosada/ Gobierno de Argentina

Moro não sumiu: foi sumido


Moro não sumiu: foi sumido

Paulo Nogueira

 


 

Moro sumiu.

 

Ou melhor: foi sumido.

 

Como as pesquisas do Datafolha e do Ibope, tão frequentes na desestabilização do segundo mandato de Dilma, Moro saiu do ar.

 

Ou, de novo: foi saído.

 

Você tira duas conclusões daí:

 

1) Moro, sem o circo da mídia, não é nada. A mesma coisa aconteceu com Joaquim Barbosa, hoje reduzido a um tuiteiro que tenta ganhar a vida com palestras.

 

2) Para despertar interesse da imprensa, a Lava Jato tem que mirar em Lula, Dilma e no PT em geral. Delações como as de Sérgio Machado são tratadas como assunto de segunda ou terceira classe pelos coroneis da mídia e seus fâmulos.

Moro e a Lava Jato têm apenas um propósito, para a plutocracia e sua voz, a imprensa: minar o PT. Se possível, exterminar.

 

Por circunstâncias que escaparam ao controle dos golpistas, as delações — sobretudo as de Machado — fugiram dos suspeitos de sempre, os petistas. Coisas infinitamente menos pueris que pedalinhos apareceram no caminho, mas foram previsivelmente subestimadas ou mesmo ignoradas por jornais e revistas.

 

Está claro que, fora do mundo de fantasia criado pelos plutocratas, o partido menos corrupto entre os grandes que estão aí é exatamente o PT.

 

Os demais, a começar pelo PSDB, puderam roubar com a voluptuosidade típica dos ladrões que sabem que não sofrerão castigo.

 

Mas não foi para demonstrar isso que a imprensa inflou Moro e a Lava Jato.

 

A não ser que forneçam novos panelinhos para os Marinhos e congêneres, Moro e os delegados da PF receberão o mesmo tratamento dispensado a Joaquim Barbosa: o esquecimento glacial.

 

Quando o STF vota impeachment de Temer?


Quando o STF vota impeachment de Temer?

 

Basta botar pra votar...

 

Paulo Henrique Amorim

 

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O amigo navegante se lembra da corajosa decisão do Ministro Marco Aurélio Mello de considerar que a Câmara deveria, sim, votar o impeachment de Temer, tal como fez com o da Dilma, naquela noite dos horrores.

 

A decisão, agora, cabe ao Presidente Lewandowski: mandar votar a decisão de Marco Aurélio.

 

Diante das irrefutáveis provas de que Temer recebeu propina – segundo a planilha do Machado - e sabia que se tratava de descarada roubalheira - nada mais sensato do que promover o impeachment do Traíra.

 

 Num domingo, também…

 

 E assim como traíram Cunha, quem sabe não traem Temer, para salvar a pele?

 

 Em tempo: quantos Mello há no Supremo?