segunda-feira, 10 de setembro de 2018

A cabeça de um líder

A cabeça de um líder

Ouça este conteúdo
Era novembro de 1989.
Excluído do 2° turno contra Collor por apenas 0,5% dos votos, Brizola recolhera-se a sua Casco Viejo, uma pequena casa de pedras e um telhado de amianto pintado de vermelho, sede de sua tão fantasiada fazenda no Uruguai, El Repecho (a colina, numa tradução livre).
Lambia as feridas, para empregar a expressão  que ele próprio costuma usar para o necessário período de restabelecimento, ainda mais depois de ter ficado a pouco mais de 450 mil votos do embate final.
Na tarde de 22 de novembro, uma semana depois do primeiro turno, o telefone – cujo número Ricardo Kotscho, assessor de imprensa do Lula havia me pedido – toca por lá.
Conversa curta, de poucas palavras e amabilidades quase formais.
Os dois combinam de se encontrar dia 25, um sábado, antes de uma “pajelança” – como costumávamos chamar reuniões amplas, com milhares de pessoas – do PDT.
Datas são importantes: faltavam, daquele domingo, ali exatas três semanas para o segundo turno das eleições. 21 dias.
A adesão à candidatura Lula não foi tranquila: o velho leão não entrega sem rugir a liderança ao leão novo, pouco experiente e ainda deslumbrado pela juba negra.
Mais ainda porque as estruturas partidárias e os militantes sempre tiveram rusgas, embate e, ali, ainda havia o ressentimento natural dos que víramos fugir por milímetros a dianteira do combate eleitoral.
Tão difícil era que, sabido, o velho Brizola teve de apelar para afirmação pela negativa,ao recordar a frase com que o general Euclydes Figueiredo, irmão do João  presidente, reagiu à sua eleição sete anos antes ao governo do Rio de Janeiro – “Brizola é um sapo, que a gente engole e depois expele”.
E disparou, sobre uma platéia ainda hostil a apoiar o petista:
– Pois não seria uma maravilha termos de fazer essa gente engolir outro sapo, e um sapo barbudo?
Começava aí uma avassaladora transferência de votos, quase ao ponto de não ficar um de fora: Lula chegou a 73% no Rio e a 68% no Rio Grande do Sul, somando toda a votação de Brizola.
21 dias, repito.
Verdade que o quadro era outro, verdade que Brizola pôde aparecer em comícios e na TV, recomendando o voto.
Mas Brizola e Lula tinham rusgas e “torcidas” bem pouco dispostas  a “vestir a camisa” do adversário de ontem, o que não é o caso de Fernando Haddad, sobre o qual, aliás, exceto o antipetismo, não vejo razões para ter os altos índices de rejeição apresentados em algumas pesquisas- e só algumas delas.
Por esta brutal transferência de votos, não há muitos que questionem a demora de Brizola em apoiar Lula e nem tão poucos que o critiquem por manter a corda esticada com as disputas com José Paulo Bisol, então o vice do petista.
Lula vai passar a Haddad o bastão da candidatura, não o da liderança política e  Haddad sabe que é receber o bastão de candidato é o que lhe dará a faixa presidencial, adiante.
Líder que não preserva sua liderança já não é líder, porque deixou de ser a montanha, a referência da população e, assim, perdeu a capacidade de orientar o povo.
Não é uma questão de generosidade ou desapego pessoal. É uma questão de capacidade de conduzir a disputa política.
E não de ser conduzido por ela.

O mesmo Judiciário que ignora a ONU engole a afronta do general Villas Boas.

O mesmo Judiciário que ignora a ONU engole a afronta do general Villas Boas. Por Kiko Nogueira

 
O general Eduardo Villas Boas, comandante do Exército, encontra uma avenida para sambar nas instituições.
Essa picada foi aberta pelo STF. Seus pitacos inconstitucionais no Estadão encontraram um silêncio obsequioso dos demais poderes.
Villas Boas repeliu a decisão do Conselho de Direitos Humanos da ONU a respeito da candidatura de Lula e teceu considerações sobre a Lei da Ficha Limpa, afrontando o Judiciário.
Segue:
— Um dos argumentos da defesa de Lula é um parecer do Comitê de Direitos humanos da ONU. Como avalia?
É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo.
— Na possibilidade de Lula se tornar elegível e ganhar, qual seria a posição das Forças? (…)
O pior cenário é termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos.
Os militares do Exército são proibidos, por lei, de se manifestar sobre questões políticas. Um decreto de 2002 veta o seguinte:
57. Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária;
58. Tomar parte, fardado, em manifestações de natureza político-partidária;
59. Discutir ou provocar discussão, por qualquer veículo de comunicação, sobre assuntos políticos ou militares, exceto se devidamente autorizado.
A punição vai de advertência a detenção disciplinar (por até 30 dias), passando por licenciamento ou exclusão do militar da organização.
Posto que Michel Temer é um zumbi moral, caberia, segundo entendem alguns juristas, um pedido de esclarecimentos por parte do Supremo Tribunal Federal.
Especialmente porque Villas Bôas é reincidente.
Em abril, na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula, ele foi às redes fazer demagogia.
“Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, escreveu.
“Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do país e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?”
O professor de Direito Constitucional do Mackenzie Flávio de Leão Bastos Pereira apontou que, para que ele fosse convocado ao Supremo, seria necessário um entendimento unânime.
A declaração, no entanto, foi minimizada por membros da corte. O juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato do Rio, se superou e respondeu no Twitter com emoji de palminhas.
O mesmo poder da República que desfaz de uma decisão da ONUabaixa a cabeça para um general que se imiscui na seara alheia.
É o mesmo Villas Boas organizou um beija mão com todos os presidenciáveis. Não houve nenhuma recusa. 
O general, obviamente, não está sozinho.O golpe não terminou em 2016 e, aparentemente, não acabará em 2018. 
A não ser que vença o nome aceito pelos sócios. Jair Bolsonaro é, no momento, a grande esperança branca.
Aperte os cintos porque o voo será turbulento e o futuro vai ficando cada vez mais distante.