quarta-feira, 13 de junho de 2018

Fraco B-RIC-S, forte RIC: o triângulo estratégico que desafia os EUA e o Ocidente

Poder e Contrapoder

Fraco B-RIC-S, forte RIC: o triângulo estratégico que desafia os EUA e o Ocidente

Um acordo entre os EUA e a Coreia do Norte pode ser bom para todo o mundo, podendo aliviar as tensões na Ásia, mas, sem dúvida, vai fortalecer o triângulo estratégico, assim como a liderança chinesa

 
12/06/2018 12:37
apreflorestas
Créditos da foto: apreflorestas
 
Neste momento em que os líderes dos Estados Unidos (EUA) e da Coreia do Norte vão se encontrar em uma histórica reunião em Cingapura, em 12 de junho (dia dos namorados no Brasil), não se pode ignorar o papel desempenhado na governança global pelo triângulo estratégico formado por Rússia, Índia e China (RIC), países que constituem o núcleo central do B-RIC-S.
O termo BRIC foi inventado, em 2001, pelo economista Jim O’ Neill, do banco de investimento Goldman Sachs, com o objetivo de orientar as empresas e os investidores mundiais como ganhar dinheiro com os grandes países “emergentes” do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China. Estes quatro países estão entre aqueles da comunidade internacional com maior população e/ou maior território.
O termo fez grande sucesso, especialmente no período do superciclo das commodities, que possibilitou um crescimento da economia dos países “emergentes” em relação aos países “avançados”. Mas no acrônimo original não havia nenhum país da África, o que era politicamente incorreto. Então foi incluída a África do Sul (South África) e o termo BRIC ganhou uma letra a mais, se transformando em BRICS. O incrível é que a ideia dos BRICS tenha sido criada pelo setor financeiro internacional para fortalecer a hegemonia Ocidental global, mas pode servir para acelerar a Orientalização do mundo.
Ou seja, os “alunos” superaram os mestres e os BRICS passaram a ser uma organização autônoma e atuante na governança internacional, abrindo espaço para a aproximação mais estreita entre Rússia, Índia e China (RIC), inclusive desafiando a hegemonia dos Estados Unidos (EUA) e da Europa. Contudo, Brasil e África do Sul (o começo e o fim da sigla BRICS) são dois países em crise econômica e política e que não possuem a fortaleza do conjunto formado pela tríade “peso econômico – influência política – capacidade bélica”. Vladimir Putin, Xi Jinping e Narendra Modi são três líderes fortes e com amplo controle de seus países, enquanto a África do Sul destituiu o presidente Jacob Zuma e Lula está impedido de disputar as eleições de 2018 no Brasil. Desta forma, o que importa de fato no grupo B-RIC-S são os três países do meio que são gigantes econômicos, políticos e possuem grande arsenal nuclear.
Desta forma, o grupo RIC (Rússia, Índia e China) é o seleto triângulo formado pelos dois países mais populosos do mundo e o país mais extenso do globo. Estes 3 países são os grandes atores da Eurásia – que é a área de território contínuo mais extensa do mundo e que abriga a maior parte da economia internacional. Dominar a Eurásia é o primeiro passo para o domínio global do Planeta.
Ironicamente, a Europa começou a dominar a Eurásia depois da queda de Constantinopla, conquistada pelos Turcos Otomanos, sob comando do sultão Maomé II, em 29 de maio de 1453. O fim da rota (terrestre) da seda, forçou os europeus à aventura das grandes navegações que culminou com o domínio dos mares e, posteriormente, com o predomínio econômico do Ocidente sobre o Oriente.
Nos últimos 250 anos, desde o início da Revolução Industrial e Energética (meados do século XVIII), a Europa e os países de descendência anglo-saxônica (como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia) passaram a liderar o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico e assumiram a vanguarda do processo civilizatório, em sua forma pragmática de acumulação incessante de capital e riqueza e no estabelecimento de um regime político fundado na democracia liberal. A arquitetura da hegemonia Ocidental foi fundada na argamassa que uniu as normas econômicas do mercado e os princípios políticos da democracia burguesa.
Mas a hegemonia Ocidental está sendo desafiada pelo triângulo estratégico formado pela sigla RIC. O grupo Rússia, Índia e China – sob liderança desta última – está reconfigurando um novo tipo de globalização com base em um projeto diferente do modelo da economia de mercado e da democracia liberal. Está em gestação o século da Ásia e a Orientalização do mundo.
No manifesto comunista, Marx e Engels, destacaram a força do capitalismo ocidental: “Os preços baratos das suas mercadorias são a artilharia pesada com que deita por terra todas as muralhas da China”. Hoje em dia são as mercadorias baratas feitas dentro das muralhas da China que invadem o mundo. E mais do que isto, a implementação da iniciativa “Um cinturão, uma rota” (One Belt, One Road – OBOR) pretende criar uma grande infraestrutura mundial para interligar a China com o mundo e fazer fluir de maneira mais efetiva as mercadorias “Made in China”, além de permitir a “diplomacia da infraestrutura”, tão requisitada pelos desenvolvimentistas de todo o mundo e nacionalidades. Além disto a China exporta capitais, compra empresas e terras pelo mundo afora e ocupa um lugar de destaque na transformação da matriz energética e na indústria dos carros elétricos. A China também pretende ser a líder da Revolução 4.0.
Artigo de Helen Davidson (The Guardian, 15/05/2018), mostra como a China utiliza as suas enormes reservas para emprestar dinheiro para as nações carentes de recursos e infraestrutura. Ela chama isto de “diplomacia dos livros de dívida”. É um novo tipo de dependência que ocorre sem ocupação e sem o colonialismo tradicional, mas que mantém os países sob a órbita de influência de uma espécie de “imperialismo chinês”.
A conquista prioritária chinesa está localizada na Eurásia, que é a área territorial que une a Europa e a Ásia. Sua extensão territorial é de 54,8 milhões de km² (mais de seis vezes o tamanho do Brasil) e possui uma população de quase 5 bilhões de habitantes (cerca de dois terços da população mundial). Quem controlar a Eurásia, controlará o mundo.
Na década de 1950, a aliança entre a União Soviética (URSS) e a China parecia que prosperaria, ainda nos tempos de Josef Stalin (1878-1953) e Mao Tsé-Tung (1893-1976). Mas com a ascensão de Nikita Khrushchov (1894-1971) e a visita do presidente dos Estados Unidos (EUA), Richard Nixon (1913-1994), à Pequim, a China se afastou da URSS e se aproximou comercialmente dos EUA. Ao mesmo tempo em que a China se afastava da URSS, a Índia – durante a Guerra Fria – manteve uma forte relação comercial, militar, econômica e diplomática. Portanto, os três países que hoje formam o grupo RIC já estiveram em lados opostos no cenário das alianças internacionais.
 
Eurásia
 
Mas com o fim da URSS e o fim da Guerra Fria a conjuntura mudou e a China se aproximou da Rússia. Recentemente, a China forneceu cobertura diplomática para a Rússia no Conselho de Segurança das Nações Unidas após a anexação da Crimeia em 2014, enquanto a Rússia foi expulsa do G8 (G7 mais a Rússia). Moscou e Pequim também trabalharam conjuntamente para bloquear o apoio da ONU à intervenção contra o regime de Assad na Síria e para se oporem a mais destacamentos militares dos EUA na península coreana, enquanto buscam laços bilaterais mais estreitos com respeito a vendas de armas, acordos de energia e desenvolvimento de forças armadas. Os dois países realizaram exercícios navais combinados no sul da China e nos mares Bálticos e no Mar do Japão, áreas em que as tensões chinesa e russa com os EUA.
A Rússia forma uma aliança política e militar, de fato, com o Irã e, de forma conjunta, ambos apoiam o regime de Bashar al-Assad da Síria. A China apoia esta aliança que é fundamental para a influência na Ásia Central. Embora tenham divergências entre si, o que une Rússia, Irã e China é que os três estão tentando enfraquecer, cada qual à sua maneira, uma ordem internacional construída sobre o domínio dos EUA e seus parceiros ocidentais.
Artigo de Donald Gasper (SCMP, 22/05/2018) mostra que a iniciativa OBOR está conquistando os países da Ásia central e avança rumo à Europa Ocidental. Em maio, o presidente Xi Jinping se reuniu com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, que estava na China para participar de uma reunião dos ministros das Relações Exteriores da Organização de Cooperação de Xangai no final de abril, visando a cooperação da China com a União Econômica da Eurásia – bloco comercial que foi criado em 2015 entre a Arménia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguizistão e a Federação Russa – e que tem um mercado integrado de mais de 183 milhões de pessoas e um produto interno bruto (em termos de paridade de poder de compra) de mais de US $ 4 trilhões.
Um acordo de cooperação comercial e econômica entre a China e a União Econômica Eurásia foi assinado em maio de 2018. Este acordo é um divisor de águas e um avanço significativo nas ambições da China de levar as mercadorias chinesas por todo o continente Euroasiático.
Mas o ponto de mutação da correlação de forças no sentido de fortalecer o triângulo de gigantes é a união da Rússia e China com a Índia. O relacionamento entre Índia e Rússia é profundo e multifacetado. A Rússia forneceu uma parte significativa do equipamento militar da Índia, está fornecendo a maioria dos reatores nucleares e continua a desempenhar um papel significativo no complexo industrial-militar da Índia, incluindo programas de mísseis balísticos e submarinos.
Já a relação bilateral China-Índia é cheia de disputas de fronteiras não resolvidas e da desconfiança indiana com patrocínio chinês ao Paquistão e a crescente presença marítima da China na região do Oceano Índico. Mas esses problemas estão sendo gerenciados entre as partes e podem ser resolvidos nos próximos 10 a 20 anos. Em setembro passado, o primeiro-ministro Narendra Modi e o presidente chinês Xi Jinping disseram que “buscariam um acordo antecipado para a questão da fronteira”, sendo que os dois países nomearam novos enviados para ajudar a administrar a disputa. Nos dias 27 e 28 de abril, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping, fizeram uma reunião de cúpula informal, na cidade de Wuhan, visando dar um salto de qualidade na relação bilateral.
No dia 21 de maio de 2018, Narendra Modi viajou à Rússia (em Sochi, no Mar Negro) para se encontrar com o presidente Vladimir Putin e disse: “A Rússia é a antiga amiga da Índia.
Compartilhamos laços históricos de longa data e o sr. Presidente é meu amigo pessoal e amigo da Índia”. O objetivo da viagem foi reforçar as relações com o maior parceiro comercial da Índia. Em um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores da Índia (MEA) disse que Putin e Modi concordaram que os dois países “têm um papel importante a desempenhar em contribuir para uma ordem mundial aberta e equitativa”.
No dia 01 de junho, Narendra Modi discursou na Cúpula de Segurança do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS) na Ásia – O Diálogo Shangri-La (SLD) – que é um fórum de segurança intergovernamental, realizado anualmente por um think tank independente, o IISS, que conta com a presença de ministros da defesa, chefes de ministérios e chefes militares de 28 estados da Ásia-Pacífico. O fórum recebe o nome de Shangri-La, em referência ao Hotel em Cingapura, onde a Cúpula é realizada desde 2002.
Na Cúpula SLD, o primeiro-ministro indiano tomou uma posição intermediária entre os EUA e a China. Modi fez eco aos apelos dos EUA por “liberdade de navegação, comércio desimpedido e solução pacífica de disputas de acordo com o direito internacional” e atacou governos que colocaram outras nações sob “ônus impossíveis de dívida”, palavras que foram consideradas como críticas à política chinesa no Mar da China Meridional e em relação aos projetos de infraestrutura da iniciativa “Um Cinturão uma Rota” (OBOR). Porém Modi nada disse sobre se juntar aos EUA, Japão e Austrália – um grupo conhecido como Quad – em um desafio mais pesado à expansão regional da China. Ao contrário, ele disse que a “Ásia e o mundo terão um futuro melhor quando a Índia e a China trabalharem juntas em confiança e sensibilidade, sensíveis aos interesses de cada um”. Portanto, Modi ficou muito mais próximo de Xi e Putin, do que de Trump.
A Índia tem tido um papel importante na consolidação do grupo RIC. Todos os três países têm uma forte preferência por uma ordem mundial multipolar e pela diluição da hegemonia americana. Rússia, Índia e China consideram que o princípio da soberania do Estado é a norma proeminente das relações internacionais, tem uma inclinação mercantil para suas políticas econômicas e já cooperam em muitas dessas questões por meio do agrupamento do BRICS.
Enquanto isto, a emergência da China como superpotência coloca diversos desafios à hegemonia dos EUA. Matéria de Lioman Lima, na BBC (03/06/2018), descreve o plano naval da China para superar os EUA e controlar o Pacífico até 2030. A matéria cita James Fanell, ex-diretor de inteligência da Sexta Frota dos Estados Unidos, apresentou em maio diante do Congresso americano um relatório de 64 páginas em que garante que a China desenvolve atualmente um plano para ter, em um futuro não muito distante, uma marinha duas vezes maior que a dos Estados Unidos. Isto desafia os interesses americanos na região, aumentando as possibilidades da ocorrência da Armadilha de Tucídides.
Aliás, houve um “choque de culturas” nessa 17ª Cúpula de segurança de Shangri-La, de junho de 2018, quando houve agressões verbais entre membros das delegações americanas e chinesas. Zhou Bo, coronel sênior e diretor do Centro de Cooperação de Segurança da Comissão Militar Central da China, rebateu às recentes afirmações do Secretário de Defesa dos EUA, James Mattis e disse que “São os EUA que estão militarizando o Mar do Sul da China, não a China”, como descrito no artigo de Catherine Wong (04/06/2018).
 
China vs EUA
 
Artigo de Minxin Pei (06/06/2018) mostra que, embora os EUA ainda não tenham formulado uma nova política para a China, a direção de sua abordagem é clara. A mais recente Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, divulgada em dezembro passado, e a Estratégia Nacional de Defesa, divulgada em janeiro, indicam que os EUA veem a China como “poder revisionista” e estão determinados a conter os esforços chineses na região.
Mas a política errática do presidente Donald Trump não favorece a manutenção da hegemonia americana na governança global. Nos dia 8 e 9 de junho, o G7 (grupo formado pelas grandes economia capitalistas – Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido, Alemanha, Japão e Itália) se reuniu em Charlevoix, no Canadá, mas o destaque foi o aumento da tensão entre os aliados do G7. Os outros 6 membros estão insatisfeitos com a saída dos EUA do Acordo de Paris e do Acordo nuclear com o Irã, além de estarem revoltados com a guerra comercial promovida por Trump, inclusive os países do NAFTA – Acordo de Livre Comércio da América do Norte (North American Free Trade Agreement – em inglês).
Assim, enquanto o G7 (que está virando G6 contra 1) se encontrou no Ocidente, em meio às disputas internas geradas por Donald Trump, que não assinou o comunicado conjunto da Cúpula de Charlevoix e ainda acusou o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau de ser fraco e desonesto, os países asiáticos se encontravam no Oriente, na 18ª cúpula da Organização de Cooperação de Shanghai (OCS), na cidade chinesa de Qingdao, nos dias 9 e 10 de junho de 2018. A cúpula reúne os líderes dos estados membros e observadores da OCS, assim como chefes de organizações internacionais. Será a primeira cúpula da OCS depois de a Índia e o Paquistão serem aceitos como membros plenos em junho de 2017 na cúpula de Astana, no Cazaquistão. Depois da expansão, os oito membros plenos da OCS são China, Índia, Cazaquistão, Quirguistão, Paquistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão. A OCS também tem quatro estados observadores e seis parceiros de diálogo.
Os oito países membros respondem por mais de 60% do território eurasiático, quase metade da população global e cerca de 30% do PIB mundial (em ppp). O PIB da OCS é maior do que o PIB do G7.
Além da Declaração de Qingdao, mais de 10 acordos nas áreas de segurança, cooperação econômica e intercâmbios entre pessoas foram assinados durante a cúpula, que teve a presença da trinca Vladimir Putin, Narendra Modi e Xi Jinping (os líderes do triângulo estratégico), além de Hassan Rohani, presidente do Irã. O Espírito de Shanghai de confiança mútua, benefício mútuo, igualdade, consulta, respeito a civilizações diversas e busca do desenvolvimento comum, foi reafirmado na Declaração de Qingdao. O presidente Xi Jinping disse que “A cúpula de Qingdao é um novo ponto de partida para nós. Juntos, vamos içar a vela do Espírito de Xangai, quebrar ondas e iniciar uma nova viagem para nossa organização”.
Conseguir a unidade da OCS, mesmo tendo Índia e Paquistão como membros plenos foi uma grande conquista. Outro sinal da cooperação crescente entre a China e a Índia, aconteceu no dia 09/06, paralelo à cúpula OCS, quando os dois países decidiram resolver a disputa sobre o rio Brahmaputra, propenso a enchentes, que flui do Tibete para Bangladesh. Isto pode evitar uma “guerra da água” em decorrência do degelo dos glaciares do Tibete.
 
G7
 
Antes da 18ª cúpula OCS, no dia 08/06, Vladimir Putin fez questão de visitar Xi Jinping, para retribuir o fato de que o presidente chinês ter sido o único líder estrangeiro com quem o chefe de Estado russo celebrou seu aniversário. Nesta reunião, Xi e Putin assinaram acordos de cooperação, o estabelecimento de um fundo de investimento industrial dotado de 1 bilhão de dólares e a construção, pelos russos, de quatro centrais nucleares em território chinês. Os dois países querem estimular também sua relação comercial, que ainda está muito longe de alcançar a meta oficial de 200 bilhões de dólares para 2020. No encontro bilateral, também discutiram longamente a situação na península coreana.
Neste xadrez econômico e político, tem destaque a situação da Coreia do Norte e as propostas para o fim formal da guerra e a “completa desnuclearização” da península coreana. Rússia, Índia e China acompanham de perto o encontro entre Donald Trump e Kim Jong-un, enquanto Brasil e África do Sul (ou outros membros do BRICS) estão distantes dos novos arranjos do leste asiático. De fato, as negociações avançaram rapidamente no leste asiático e a reunião intercoreana entre o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, no dia 27 de abril de 2018, foi um marco importante para deslanchar o processo de paz na península e para que ser resolva a questão das armas nucleares da região. Neste meio tempo Kim Jong-um teve duas reuniões na China, com o presidente Xi Jinping. O acordo da Coreia do Norte com os EUA pode contribuir para a paz na região, mas também pode acelerar ainda mais o processo de ascensão do século da Ásia, pois a menor presença de tropas americanas na Coreia do Sul deixaria um espaço aberto para o avanço da China.
O posicionamento dos EUA tem sido confuso, pois enquanto busca a paz com a Coreia do Norte, o país rompeu o acordo nuclear com o Irã, se alinharam com os setores fundamentalistas de Israel. A reunião de 12 de junho, no Hotel Capella, na ilha de Sentosa, em Singapura pode ser uma grande oportunidade para a paz mundial. O problema é que Trump nunca segue planos ou conselhos diplomáticos (com aconteceu na reunião do G7 no Canadá). Ao descrever como lidará com Kim Jong-un, disse: “meu toque, meu sentimento, é o que faço”. Trump disse que qualquer acordo com o líder norte-coreano será “no impulso do momento”. Ou seja, a reunião pode ser um sucesso ou um fracasso, a depender do humor de Donald Trump. O certo é que Putin, Xi e Modi (líderes do triângulo estratégico) estão acompanhando de perto o que vai acontecer em Cingapura e tem grande interesse na estabilização da Coreia do Norte e na menor presença americana na região.
O fato é que os EUA – com ou sem Donald Trump – estão em declínio militar, econômico e político na Ásia, enquanto a Casa Branca está dividindo as próprias bases da aliança ocidental. O aclamado livro do jovem jornalista vencedor do prêmio Pulitzer, Ronan Farrow, “War on Peace: The End of Diplomacy and the Decline of American Influence” traça um agudo cenário do colapso da diplomacia americana e a abdicação da liderança global pela postura do “America First” do presidente Donald Trump. Ele mostra como a diplomacia americana está em declínio no mundo, o que abre espaço para o engrandecimento da diplomacia do triângulo RIC. No passado já se falou da “Chimerica” como uma hegemonia compartilhada entre a China e a América. Mas a “Chimerica” virou uma quimera e a China busca parceiros na Eurásia.
Como já mostrei em outro artigo (Alves, 09/05/2018) a economia internacional está mudando de eixo e a ordem construída pela Ocidentalização do mundo tende a ser superada por uma outra ordem centrada na Orientalização do mundo. Como mostra o professor Graham Allison, toda mudança de hegemonia global cria instabilidade entre as potências emergentes e submergente. O perigo de uma guerra é definido pelo conceito “Armadilha de Tucídides”, pois nos últimos 500 anos, houve dezesseis mudanças de hegemonia global e a guerra estourou em doze delas.
Talvez a mudança de hegemonia possa ocorrer de forma, relativamente pacífica. Mas, sem dúvida, o triângulo estratégico que desafia os EUA e o Ocidente tem levado vantagem e está mais bem posicionado para os desafios do futuro. Se a aliança do grupo RIC prosperar, o Brasil e a África do Sul (nos BRICS), serão coadjuvantes e, no máximo, vão assistir de perto a mudança de hegemonia global e a ascensão do século asiático, liderado pela China. Um acordo entre os EUA e a Coreia do Norte pode ser bom para todo o mundo, podendo aliviar as tensões na Ásia, mas, sem dúvida, vai fortalecer o triângulo estratégico, assim como a liderança chinesa. Como disse Richard Heydarian (09/06/2018): “O que está claro é que a rápida ascensão da China está redefinindo a ordem asiática como nunca antes nos tempos modernos”.
Referência:
ALVES, JED. A aliança China-Índia (Chíndia) e a ascensão do século asiático, Ecodebate, 04/05/2018
https://www.ecodebate.com.br/2018/05/04/a-alianca-china-india-chindia-e-a-ascensao-do-seculo-asiatico-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Mark Landler. Trump Orders Pentagon to Consider Reducing U.S. Forces in South Korea, NYT, 03/05/18
https://www.nytimes.com/2018/05/03/world/asia/trump-troops-south-korea.html
Ronan Farrow. War on Peace: The End of Diplomacy and the Decline of American Influence, 2018
https://www.amazon.com/War-Peace-Diplomacy-American-Influence/dp/0393652106
Helen Davidson. Warning sounded over China’s ‘debtbook diplomacy’, The Guardian, 15/05/2018
https://www.theguardian.com/world/2018/may/15/warning-sounded-over-chinas-debtbook-diplomacy
Peter Coy, Kevin Hamlin, Keith Zhai, Enda Curran, Andrew Mayeda. The U.S.-China Rivalry Is Just Getting Started, Bloomberg, 17/05/2018
https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-05-17/the-u-s-china-rivalry-is-just-getting-started
Donald Gasper. How China’s Belt and Road Initiative can extend its reach to the edge of the European Union. SCMP, 22/05/2018
http://www.scmp.com/comment/insight-opinion/article/2147129/how-chinas-belt-and-road-initiative-can-extend-its-reach
The IISS Shangri-La Dialogue The Asia Security Summit
https://www.iiss.org/en/events/shangri-la-dialogue
Lioman Lima. O plano naval da China para superar os EUA e controlar o Pacífico até 2030, BBC, 03/06/2018
http://www.bbc.com/portuguese/internacional-44320969
Catherine Wong. At Western-led summit, Chinese find controversy and a clash of cultures, SCMP, 04/06/2018
http://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/2149061/western-led-summit-chinese-find-controversy-and-clash
Mark J. Valencia. South China Sea tensions: does the US have an endgame, beyond war? SCMP, 06/06/2018 http://www.scmp.com/comment/insight-opinion/united-states/article/2149366/south-china-sea-tensions-does-us-have-endgame
MINXIN PEI. The Shape of Sino-American Conflict, Project Syndicate, Jun 6, 2018
https://www.project-syndicate.org/commentary/us-china-trade-war-strategic-conflict-by-minxin-pei-2018-06
Kinling Lo. What to look for when the leaders of China, Russia, Iran and India meet for this year’s Shanghai Cooperation Organisation summit, SCMP, 08 June, 2018
http://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/2149811/what-look-when-leaders-china-russia-iran-and-india-meet
Richard Heydarian. The Shangri-La Dialogue takeaway: China’s rapid rise is redefining the Asian order like never before, SCMP, 09 June, 2018
http://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/2150001/shangri-la-dialogue-takeaway-chinas-rapid-rise
Wendy Wu; Kinling Lo. Xi Jinping sends unity message at regional security summit in China after G7 disarray, SCMP, 10/06/2018
http://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/2150117/xi-jinping-sends-unity-message-regional-security-summit
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
*Publicado originalmente no EcoDebate

Questões sobre o fascismo brasileiro

Antifascismo

Questões sobre o fascismo brasileiro

Para haver fascismo é preciso existir uma sociedade civil fascista, o que é diferente das ditaduras já ocorridas. Talvez o elemento característico do fascismo entre nós seja o fato de ele se assentar em uma história de 300 anos de escravidão

 
12/06/2018 12:43
GUILHERME SANTOS/SUL21
Créditos da foto: GUILHERME SANTOS/SUL21
 
O fascismo como forma de governo nasce nas primeiras décadas do século 20. E o seu contexto geográfico é a Europa. Os motivos para o seu nascimento, portanto, devem ser buscados nesse tempo/espaço. Num primeiro momento, o fascismo é fruto da crise das correlações de forças políticas entre as potências imperialistas. A tentativa tardia de países como a Alemanha e a Itália de invadir e dominar outras nações na África e na Ásia levou a um profundo conflito de interesses entre as nações imperialistas da Europa. A Primeira Guerra Mundial é o resultado mais dramático desse conflito. E o fascismo, o desdobramento político-social desse drama.
No caso italiano, considerado a formação clássica do fascismo, defendeu-se o nacionalismo e o retorno imaginário ao Império Romano; o combate às concepções que indicavam a existência da luta de classes; o enfrentamento aos diversos setores organizados, ligados ao movimento operário; a estandardização da sociedade e o culto à liderança autoritária.
Como movimento político-social, o fascismo, antes mesmo de assumir o poder do Estado, já difundia pela sociedade seus ideais. Antes de assumir o controle do aparelho estatal, conseguiu atrair para sua órbita multidões de descontentes. Assim, o partido fascista, em pouco tempo, tornou-se o mais forte da Itália.
Com a entrada e a derrota na Segunda Guerra Mundial, o fascismo italiano é desmontado, mas não totalmente eliminado como possibilidade histórica, sempre viva, de saída para as crises orgânicas do capitalismo.
Na sociedade brasileira contemporânea, há um entendimento, não consensual, mas bastante sólido de que em vários episódios sociais e políticos recentes é possível identificar claras manifestações fascistas.
As posições críticas, em geral, pecam ao desconsiderarem as suas particularidades assumidas quando sai da Itália. Acreditam que a única forma de identificar a existência de forças fascistas é a partir dos elementos característicos das primeiras décadas do século 20. Obviamente que, se os parâmetros forem somente estes, o fascismo dificilmente poderá ser encontrado na realidade contemporânea, principalmente em países como o Brasil. O que deve ser entendido, porém, é o fato de que o movimento e regime fascistas, assim como qualquer outra experiência político-social, ao se expandirem pelos diversos países, passam, necessariamente, por processos de adaptações históricas.
Assim se deu com as experiências socialistas, com o liberalismo e com as formas de democracia. Todas essas experiências que nascem em determinadas formações nacionais, ao se internacionalizarem passam por transformações importantes, de acordo com cada realidade particular.
Desse modo, quando se defende a existência de movimentos fascistas no Brasil, fundamentalmente nos últimos anos, não se está querendo encaixar a realidade italiana do início do século 20, na atual sociedade brasileira. Busca-se, ao contrário, identificar o seu caráter específico encontrado no contexto brasileiro.
Talvez, o grande elemento característico do fascismo no Brasil seja o fato de ele se assentar numa história de 300 anos de escravidão do povo negro, retirado à força da África, e das populações indígenas originárias.
No Brasil, a escravidão de grande parte da população gerou um solo nacional específico para as manifestações fascistas. E aqui é importante ressaltar que elas são formas específicas de autoritarismo e de ditadura, ou seja, não é sinônimo de qualquer governo, ou movimento, repressor. Afinal, nem todo regime fundado predominantemente na violência necessita do apoio da massa social para se consolidar. É perfeitamente possível construir um aparelho estatal baseado apenas na coerção, sem ter o consenso das amplas multidões.
A história brasileira do século 20 apresenta justamente esse aspecto, isto é, a forte presença de ditaduras no âmbito do Estado, mas sem um amplo movimento social de massas apoiando. O que ocorreu foi a dominação por meio do aparato repressivo, gerando o medo e o controle das poucas instituições ligadas a grupos e classes sociais potencialmente antagônicos.
Para haver fascismo é preciso existir uma sociedade civil fascista. Esse é um dado universal deste movimento. E, mais ainda, é preciso que a sociedade civil apresente um alcance nacional. Tais elementos somente aparecem no Brasil nas últimas décadas, quando se verificou o maior período de liberdades políticas, de organização social e de opinião.
É nesse período que a sociedade civil brasileira consegue se tornar complexa, com inúmeras formas de organização política, social e cultural, nos âmbitos institucionais ou não. E é também somente após a redemocratização dos anos 1980 que a sociedade civil se nacionaliza. É, por exemplo, somente neste período que surgem os primeiros partidos políticos de alcance nacional, não restritos às capitais da faixa litorânea.
Do mesmo modo, é nesse momento que surge uma opinião pública nacional, em grande medida, impulsionada pela expansão dos meios de comunicação – mesmo sendo controlados por pequeno número de famílias, representantes das classes dominantes.
Portanto, falar em fascismo no Brasil é se referir a um momento histórico muitíssimo recente e que não pode ser entendido fora da tradição de séculos de escravidão. O peso da escravidão e do autoritarismo estatal asseguram as condições favoráveis para a disseminação de movimentos fascistas no Brasil. Entretanto, ambos possuem as suas particularidades.
Aquilo que ocorreu na Itália, somente hoje surge como possibilidade real no Brasil. Somente após quase 100 anos da experiência italiana é que o Brasil criou as condições concretas para sua efetivação, por meio da constituição de laços políticos, culturais e econômicos, envolvendo praticamente todo o país. Por sua pobreza secular, aliada à sua gelatinosa sociedade civil e ao seu tamanho continental, existir uma concepção do mundo de dimensões nacionais não ocorre nem rápida, nem facilmente.
A Constituição de 1988, apesar de seus limites, deu a possibilidade de um rompimento fundamental não à sociedade burguesa, mas à nossa herança histórico-nacional escravista. Direitos fundamentais e universais, contemplando uma massa de indivíduos nunca antes inserida no principal documento organizador do Estado brasileiro, interrompeu, ainda que momentaneamente, a continuidade das forças políticas reacionárias escravistas.
Diferentemente das ditaduras já ocorridas no Brasil, fundadas predominantemente na ação das forças armadas, o fascismo é demasiado capilar. Assim, a sua organização social e política cria dificuldades maiores para os setores de oposição.
As consequências da luta político-social, no atual cenário histórico brasileiro, não estão definidas. A luta de classes hoje no país, politicamente traduzida entre uma frágil democracia contra um fascismo em formação, abre possibilidades e caminhos diversos para um futuro não muito distante.

*Publicado originalmente no Brasil Debate

Cartas do Mundo Carta de Paris: A ameaça do petróleo na foz do Amazonas

Cartas do Mundo

Carta de Paris: A ameaça do petróleo na foz do Amazonas

A francesa Total assinou uma Aliança Estratégica com a Petrobras em 2016 e pode trazer risco para o meio-ambiente

 
12/06/2018 19:15
Base de exploração de petróleo e gás natural da Petrobras na província petrolífera de Urucu,
Créditos da foto: Base de exploração de petróleo e gás natural da Petrobras na província petrolífera de Urucu,
 
 
Leneide Duarte-Plon
'O Brasil é um país de oportunidades e a França percebeu isso', me disse, em um contexto totalmente neutro, o embaixador do Brasil em Paris, Paulo Oliveira Campos, para louvar as excelentes relações bilaterais. Em 2016, a França foi o segundo maior investidor no Brasil, depois dos Estados Unidos.
Todos sabemos que se existem empresas que festejaram o golpe de Estado de 2016, as petrolíferas estão entre as mais entusiasmadas. 
São elas que têm recebido os maiores presentes do governo ilegítimo, que assumiu com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. 
Entre elas, conta-se a francesa Total, uma das seis maiores empresas mundiais de gás e petróleo, ao lado da ExxonMobil, Shell, Chevron, BP e ConocoPhillips. A empresa francesa realizou um lucro líquido de 8,63 bilhões de dólares em 2017 e tem como slogan Committed to better energy. Acredite quem quiser que uma empresa de petróleo está preocupada com uma “melhor energia”.
Em 2015, Total foi a primeira empresa francesa mais rentável com as energias fósseis, altamente poluentes, que ela explora. Não ganhou bilhões de dólares com better energy.
No Brasil, a francesa assinou uma Aliança Estratégica com a Petrobras em dezembro de 2016 (logo depois do impeachment) e de lá para cá aumentou sua presença em território nacional. Através desse acordo, Total lançou o desenvolvimento em grande escala do campo gigante de Libra (dezembro de 2017) e, logo depois, os campos de Lapa e Iara.
Esperança
O noticiário francês sobre os problemas da Total para explorar petróleo e gás da foz do Rio Amazonas nos deixa otimistas quanto à seriedade do trabalho do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos recursos naturais renováveis). Pelo menos até agora. 
Dia 29 de maio, o Ibama considerou novamente que os estudos que a Total apresentou são « insuficientes » para garantir o início da exploração. Mesmo assim, o grupo francês prefere continuar a pensar que ela é viável.  Total tem de três a quatro meses para responder às dúvidas do Ibama.
A verdade é simples e o Ibama botou o dedo na ferida : o projeto da Total na foz do Amazonas – associada à britânica British Petroleum e ao grupo Queiroz Galvão – representa um perigo para o meio ambiente.
A Total não tem como controlar totalmente os riscos desse projeto, avaliou o Ibama. « Até onde irá a farsa da Total que continua afirmando que o processo segue seu curso ? », pergunta Edina Efticne, da Greenpeace France. 
O grande problema é que no caminho havia não uma pedra mas um magnífico recife de coral, descoberto em 2016 por uma equipe de cientistas e por Greenpeace. Esse recife situa-se a apenas 8 quilômetros das reservas e não a 28 quilômetros como se pensava antes. 
Ora, isso é uma péssima notícia para a British Petroleum, Total e Queiroz Galvão já que as reservas dessa bacia são estimadas em 14 bilhões de barris de petróleo.
Desde 2016, o Greenpeace luta contra esse projeto de extração de petróleo na foz do Amazonas e desde 2017 vem documentando o ecossistema local.
A boa notícia de tudo isso é que o Ibama parece permanecer numa linha de defesa séria e, até agora, inflexível de proteção ambiental. Num país em deliquescência, é uma surpresa. 
O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente já recusou quatro vezes o sinal verde alegando que as empresas em questão – francesa, inglesa e brasileira – não têm condições de dominar os riscos inerentes ao projeto. 
Total e seus parceiros esperavam começar a explorar um primeiro poço no primeiro trimestre de 2019. 
Vão ter que provar que o farão podendo dominar totalmente os riscos de uma tragédia ecológica para o Brasil e para o planeta.